CNJ: Concurso de Cartório. TJMT. IMPRECISÃO NO EDITAL QUANTO AOS DOCUMENTOS EXIGIDOS. ELIMINAÇÃO EXPRESSIVA DE CANDIDATOS. INTERESSE PÚBLICO CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO.


  
 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0000765-73.2015.2.00.0000

Requerente: JOSE GUSTAVO MONTES DE OLIVEIRA

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO – TJMT 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL. IMPRECISÃO NO EDITAL QUANTO AOS DOCUMENTOS EXIGIDOS. ELIMINAÇÃO EXPRESSIVA DE CANDIDATOS. INTERESSE PÚBLICO CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO.

1.A mera presença de interesse individual não é suficiente para afastar o conhecimento de matéria afeta a concurso público quando o caso concreto demonstra a existência concomitante de interesse público.

2.O edital é a lei que rege o concurso público, razão pela qual deve ser claro e preciso quanto aos seus termos, especialmente quando aborda etapas eliminatórias.

3.Os conceitos de Comarca e de Seção Judiciária são distintos, de modo que não podem ser considerados sinônimos.

4.A eliminação de candidatos habilitados que não apresentaram certidões negativas da 1ª instância da Justiça Federal, quando o edital exigiu apenas certidões de “comarcas” onde o candidato residiu, opera malferimento à  razoabilidade.

5.Recurso administrativo conhecido e provido.

ACÓRDÃO 

O Conselho, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Plenário Virtual, 3 de novembro de 2015. Votaram os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Ricardo Lewandowski,Lelio Bentes Corrêa, Carlos Levenhagen, Daldice Santana, Gustavo Tadeu Alkmim, Bruno Ronchetti, Carlos Eduardo Dias, Luiza Cristina Frischeisen, Arnaldo Hossepian, Norberto Campelo e Fabiano Silveira.

I.            RELATÓRIO 

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por José Gustavo Montes de Oliveira no qual requer a reforma da decisão monocrática proferida em 17 de março deste ano pelo então Conselheiro Guilherme Calmon.

A parte autora recorre ao Conselho Nacional de Justiça com o objetivo de ver-se reintegrada ao conjunto de candidatos habilitados no Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado do Mato Grosso, no qual sua inscrição definitiva foi indeferida, em virtude da não apresentação das certidões de 1º Grau da Justiça Federal, exigidas no edital do certame.

Alega ter apresentado certidões extraídas do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2ª instância), razão pela qual entende haver satisfeito as exigências da peça convocatória.

A decisão atacada não conheceu do pedido formulado por tratar-se de demanda de cunho meramente individual e determinou o arquivamento do feito, nos termos do artigo 25, inciso X, do Regimento Interno. (ID 1657141)

Em sede recursal, o recorrente aduz que após o indeferimento de aproximadamente 120 (cento e vinte) inscrições, sob o mesmo fundamento que balizou o indeferimento da sua inscrição, a Comissão de Concurso abriu prazo, por meio do Edital n. 3/2015/GSCP, para que outros 458 (quatrocentos e cinquenta e oito) candidatos regularizassem suas inscrições, muito embora estivessem na mesma situação dos primeiros, circunstância que configura ofensa à isonomia. (ID 1661824)

Após a interposição do recurso, o Tribunal prestou os seguintes esclarecimentos: (i) o recorrente impetrou o Mandado de Segurança n. 29.242/2015, objetivando permissão para entrega do documento faltante; a ordem foi denegada em 19/3/2015; dessa decisão foi interposto o Agravo Regimental n. 39.132/2015, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal Pleno; (ii) o candidato descumpriu o subitem 16.1, alínea “f”, do Edital n. 30/2013/GSCP, uma vez que não apresentou as certidões referentes ao 1º Grau da Justiça Federal; (iii) por meio do Edital n. 51/2014/ GSCP, o Tribunal tornou público o resultado do julgamento dos pedidos de inscrição definitiva; posteriormente, constatou que o acervo documental de alguns candidatos encontrava-se em desacordo com o item 16.1 do Edital; em razão disso, publicou o Edital n. 3/2015/GSCP, com a finalidade de notificar os candidatos apontados para se manifestarem sobre as irregularidades identificadas na ocasião do Pedido de Inscrição Definitiva; (iv) não houve quebra de isonomia, pois não se abriu prazo para juntada de novos documentos e sim para manifestação. (ID 1685948)

Em 30/4/2015, o recorrente apresentou novas informações: a) o TJMT não apresentou manifestação tempestiva; b) o TJ pleiteou dilação de prazo para juntar documentos e informações, mas, em sua resposta, limitou-se a discorrer sobre os dados já constantes dos autos; c) a petição apresentada pelo Tribunal para julgar o caso do recorrente em 23/4/2015 foi protocolada somente no dia 24/04/2015; d ) a judicialização da matéria ocorreu posteriormente à propositura do PCA;  e)  houve quebra da isonomia com a publicação do Edital n. 51/2014. (ID 16611836)

A Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (ANDECC), por meio do PCA n. 0001245-51.2015.2.00.0000, requereu:   (i)   a suspensão dos efeitos do Edital n. 03/2015 do TJMT, sem, contudo, haver suspensão do certame, para garantia da participação de todos os candidatos nas próximas etapas; (ii) o reconhecimento do direito à continuidade no certame para todos os candidatos que entregaram as certidões de 2º Grau da Justiça Federal e da Justiça Estadual, referentes às Comarcas nas quais residiram nos últimos 10 (dez) anos (listados no Edital nº 51/2014), independentemente da obrigatoriedade de apresentação das certidões de 1º Grau das referidas Justiças Federal e Estadual; (iii)  a suspensão do concurso caso não sejam atendidos os pedidos anteriores.

Tramitam neste Gabinete, distribuídos por prevenção, outros 18 (dezoito) procedimentos com o mesmo pedido (deferimento da inscrição definitiva) em relação ao Concurso Público em comento, os quais encontram-se apensados a este.

Considerando que este PCA se encontra em fase recursal, o então Conselheiro Guilherme Calmon determinou o processamento apenas deste feito, com sobrestamento dos demais, para garantir uniformidade nas decisões em todos os procedimentos, em conformidade com a previsão do § 3º do artigo 45 do RICNJ.

É o relatório .

II. VOTO

Preliminarmente, recebo o recurso administrativo interposto por tempestivo e próprio.

DA INTEMPESTIVIDADE DA MANIFESTAÇÃO DO TRIBUNAL

Sustenta o recorrente que as manifestações do Tribunal são intempestivas. Todavia, por tratar-se de procedimento administrativo e considerando ainda que este Conselho pode atuar de ofício quando presentes os requisitos formais, afasto a preliminar suscitada.

DA JUDICIALIZAÇÃO DA MATÉRIA

O Conselho Nacional de Justiça possui entendimento consolidado quanto à impossibilidade de conhecer de matérias que tenham sido previamente submetidas ao Poder Judiciário.

O recorrente impetrou o Mandato Segurança n. 29.242/2015 em 11/3/2015, objetivando que lhe fosse permitida a entrega dos documentos faltantes e a participação em todas as fases subsequentes do concurso. Com a ordem denegada, houve interposição, no próprio Tribunal de Justiça, em 30/3/2015, do Agravo Regimental n. 39.132/2015, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal Pleno. Já a propositura deste PCA no CNJ ocorreu em 2/3/2015, e a declaração de prevenção, em 6/3/2015.

Como se pode observar, a judicialização da matéria ocorreu em momento posterior à provocação do CNJ, razão pela qual não se afasta a competência do Conselho enquanto inexistir pronunciamento da autoridade jurisdicional.

Cumpre ressaltar que não há nos autos notícia sobre o trânsito em julgado da Ação Mandamental proposta pelo requerente. E ainda que houvesse o trânsito em julgado do “mandamus”, seria necessário o julgamento da matéria em virtude dos demais procedimentos apensados.

PEDIDO DE CUNHO MERAMENTE INDIVIDUAL

A jurisprudência deste Conselho vem rechaçando a análise de demandas que fomentam discussões distantes das competências constitucionalmente fixadas ao CNJ. Não por acaso, o Conselheiro que me antecedeu não conheceu do pedido formulado, sob o entendimento de tratar-se de matéria de índole individual, sem relevância para o Poder Judiciário nacional.

De fato, não cabe a discussão, nesta Casa, de matérias com repercussão apenas na esfera individual dos postulantes, o que, não raras   vezes, ocorre nos pleitos referentes a concursos públicos em geral. Todavia, para fins de conhecimento neste Órgão de Cúpula Administrativa do Judiciário, a caracterização do pleito não deve aferir apenas o reflexo da apreciação do pedido na esfera do requerente, individualmente considerado, e sim a capacidade de alcançar a outros que, em situação semelhante, são impactados pela manutenção do ato tido por ilegal.

Em se tratando de concurso público, verifica-se tanto a presença do interesse do candidato que pleiteia a vaga ofertada, quanto o interesse público presumido do Estado em selecionar os profissionais mais capacitados para o exercício da função. E esse interesse público é o ponto de partida para o conhecimento ou não das demandas aqui propostas: o equilíbrio dos interesses discutidos.

Quando há insurgência firmada em situação particular – a exemplo da perda de algum prazo fixado, da omissão de entrega de documento exigido, por mero lapso, do não preenchimento dos requisitos para a assunção do cargo – estar-se a falar de interesse meramente individual que escapa à competência do Conselho.

Contudo, quando se questiona a legalidade dos dispositivos de edital, há indicativos, num primeiro momento, da prevalência do interesse público sobre o individual. Afinal, não há como a Administração fazer valer os princípios constitucionais que a regem quando calcada em peça convocatória tida por ilegal. Com mais razão ainda, é imperioso o controle dos termos do edital quando o caso concreto demonstra que a imprecisão de seus dispositivos teve o condão de gerar prejuízos à expressiva quantidade de candidatos já habilitados.

Na situação em apreço, o Edital n. 30/2013/GSCP tornou pública a abertura do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga das Delegações de Notas e de Registro do Foro Extrajudicial do Estado de Mato Grosso e, no item 16, “f”, quando tratou da inscrição definitiva, especificamente sobre as certidões, apresentou texto com sutil diferença da Resolução n. 81/2009, senão vejamos:

Cotejando ambas as redações, verifica-se que a controvérsia instalada não foi causada por omissão deliberada dos candidatos na apresentação do documento solicitado, e sim em decorrência de interpretação literal dos termos do edital, o qual, por sua imprecisão terminológica quanto ao termo “comarcas”, deu azo a equívocos. Na realidade, a origem da celeuma foi a inovação promovida pelo edital ao utilizar o termo “comarcas”, em vez do termo “locais”, quando tratou da apresentação de certidões relativas à residência dos candidatos.

Ainda que se considere a possível intenção da Comissão de Concurso de exigir dos candidatos a apresentação de certidões de ambas as Justiças, tal como prescreve a Resolução n. 81/2009, a distinção terminológica empregada acabou por confundir boa parte deles, os quais, amparados na literalidade da peça convocatória, apresentaram certidões apenas de comarcas (1ª instância da Justiça Estadual) em que residem, ou residiram, e não de Seções Judiciárias (1ª instância da Justiça Federal).

Saliente-se que o edital é lei que rege o concurso não apenas para candidatos, mas também para a Administração. Por mais que seja usual  em concursos públicos a apresentação de certidões de ambas as instâncias das Justiças Estadual e Federal, o costume não pode ser o critério balizador do examinador para promover eliminações, e sim as regras que ele mesmo fixou para os candidatos.

A partir do momento em que a quase totalidade dos candidatos habilitados promoveu a mesma interpretação, qual seja, a dispensa de apresentação da documentação atinente ao primeiro grau da Justiça Federal, cabe à Comissão de Concurso, à luz da razoabilidade, admitir que laborou em equívoco e rever seu ato. Proceder de outra maneira seria o mesmo que frustrar a ideia do concurso público de selecionar os melhores candidatos, por mero preciosismo absolutamente pernicioso ao interesse público.

Caso pretendesse a apresentação de documentação referente à 1ª instância da Justiça Federal, deveria o edital ter previsto a extração de certidão proveniente das “seções judiciárias”. Como assim não fez, não pode agora, em fase adiantada do certame, promover a eliminação de candidatos já habilitados e que apresentaram tempestivamente a documentação exigida, em decorrência de celeuma gerada não por desatenção dos concursandos, mas sim pela própria peça convocatória.

Diante do exposto,  conheço  do recurso para, no mérito, dar-lhe  provimento   e determinar a reabertura de prazo, com convocação de   todos os candidatos que apresentaram tempestivamente os demais documentos e foram eliminados no certamente unicamente em razão da não apresentação das certidões exigidas referentes à 1ª instância da Justiça Federal.

É como voto. Intimem-se as partes.

Brasília, 29 de setembro de 2015.

Conselheira   DALDICE SANTANA

Relatora

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0000765-73.2015.2.00.0000

Relator:

Requerente: JOSE GUSTAVO MONTES DE OLIVEIRA

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO – TJMT

CERTIDÃO DE JULGAMENTO 

CERTIFICO  que o  PLENÁRIO VIRTUAL  , ao apreciar o processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

O Conselho, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Plenário Virtual, 3 de novembro de 2015.”

Votaram os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Ricardo Lewandowski, Lelio Bentes Corrêa, Carlos Levenhagen, Daldice Santana, Gustavo Tadeu Alkmim, Bruno Ronchetti, Carlos Eduardo Dias, Luiza Cristina Frischeisen, Arnaldo Hossepian, Norberto Campelo e Fabiano Silveira.

Brasília, 03 de novembro de 2015.

CARLA FABIANE ABREU ARANHA

Coordenadora de Processamento de Feitos

Fonte: CNJ | 10/11/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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