CSM/SP: Registro de carta de arrematação – Certidão expedida pelo Município que comprove a quitação de impostos – Desnecessidade – Inteligência do item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Exigência afastada

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0002852-39.2014.8.26.0185

Registro: 2016.0000438734

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0002852-39.2014.8.26.0185, da Comarca de Estrela D’Oeste, em que são partes é apelante LUÍS EDUARDO BARBOSA PASSETTI, é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE ESTRELA D’OESTE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, SALLES ABREU E RICARDO DIP.

São Paulo, 21 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0002852-39.2014.8.26.0185

Apelante: Luís Eduardo Barbosa Passetti

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Estrela D oeste

VOTO Nº 29.220

Registro de Imóveis – Recusa de ingresso carta de arrematação – Irresignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação.

Registro de carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Aplicabilidade do princípio da continuidade – Imóvel registrado em nome de terceiro que impede o ingresso da carta – Exigência mantida.

Falta de recolhimento de ITBI – Incidência do imposto em caso de arrematação Exigência mantida.

Certidão expedida pelo Município que comprove a quitação de impostos – Desnecessidade Inteligência do item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ – Exigência afastada.

Ausência, no termo de encerramento e conferência, de assinatura e carimbo da Juíza que expediu a carta – Falta também de certidão lançada pelo escrivão comprovando a autenticidade da assinatura da Juíza – formalidades que preservam a segurança e atendem ao disposto no artigo 221 do Tomo I das NSCGJ – Exigência mantida.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 43/45, que manteve a recusa do registro de carta de arrematação, por quatro motivos distintos.

Sustenta o apelante: a) que a arrematação é modo originário de aquisição da propriedade b) que a parte do imóvel objeto da arrematação pertence ao executado por herança; e c) que a irregularidade relativa à falta de assinatura e carimbo da Juíza que expediu a carta no termo de encerramento e conferência deveria ter sido por ela solucionada quando sentenciou o procedimento de dúvida (fls. 61/68).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 80/82).

É o relatório.

A carta de arrematação de fls. 5/35 foi prenotada no Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Estrela D’Oeste em 29 de agosto de 2014 (fls. 4).

A recusa ao registro, conforme nota devolutiva de fls. 4, ocorreu por quatro motivos: a) o imóvel matriculado sob o nº 5.016 na Serventia Imobiliária está registrado em nome de terceiros, que não se confundem com os executados na demanda que originou o título judicial; b) falta de recolhimento do ITBI relativo à arrematação; c) falta de apresentação de certidão expedida pelo Município que comprove a quitação de impostos e o valor venal do bem; e d) ausência de assinatura e carimbo da Juíza que expediu a carta no termo de encerramento e conferência.

Ocorre que o recorrente, tanto no pedido de suscitação (fls. 3), como em seu recurso (fls. 61/68), impugnou apenas a primeira e a última exigência.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila, porém, no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede o exame – em tese – das exigências, a fim de orientar futura prenotação.

O óbice relativo à falta de continuidade registral está correto.

O apelante ajuizou execução de título extrajudicial contra Casa das Redes Estrela D’Oeste-SP, Paulo César Assunção Toledo e Rosilene Pupim Toledo no Juizado Especial Cível de Estrela D’Oeste.

No curso da execução, indicou à penhora 12,5% do imóvel matriculado sob o nº 5.016 no Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Estrela D’Oeste, cujos proprietários, segundo o registro, são Paulo Assunção Toledo e Maria Cardoso Pereira Toledo (fls. 14/15).

Pelo que consta da carta de arrematação, o executado Paulo César Assunção Toledo é filho dos titulares de domínio do bem. Com o falecimento de seu pai, o exequente obteve a penhora no rosto dos autos do inventário do quinhão que caberia ao herdeiro executado (fls. 16/19).

Posteriormente, o exequente arrematou os 12,5% do imóvel que haviam sido penhorados (fls. 30, 31 e 35) e apresentou, sem sucesso, a carta de arrematação a registro.

A desqualificação do título judicial se impunha por afronta ao princípio da continuidade. Dispõe o artigo 195 da Lei nº 6.015/73:

Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Ora, se a parte arrematada do imóvel permanece registrada em nome do falecido pai do executado, é imprescindível que, antes do registro da carta de arrematação, seja registrado o formal de partilha extraído dos autos do inventário.

Só assim preservar-se-á a continuidade registral.

Nem se argumente que a arrematação é modo originário de aquisição de propriedade.

Embora essa tese tenha prevalecido neste Conselho Superior por um breve período, já no último biênio retomou-se o entendimento consolidado de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade. Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – MODO DERIVADO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE – FERIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE E DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – RECURSO DESPROVIDO” (apelação nº 9000002-19.2013.8.26.0531, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 02/09/2014).

E se é modo derivado de aquisição da propriedade, o princípio da continuidade é plenamente aplicável, razão pela qual o encadeamento do título judicial com a informação que consta no registro deve ser observado.

A segunda exigência, com a qual o apelante concordou (fls. 3), também deve ser mantida.

Isso porque a necessidade de recolhimento de ITBI no ato de arrematação decorre do inciso III do artigo 703 do Código de Processo Civil, que dispõe que “a carta de arrematação conterá: (…) III a prova de quitação do imposto de transmissão”.

O terceiro óbice, embora tenha contado com a concordância do apelante (fls. 3), não pode prevalecer.

O item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ preceitua:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

Nota-se, desse modo, que feita a exigência no sentido de ser comprovado o recolhimento do ITBI (exigência nº 2 fls. 4), fica vedado ao registrador obstar o ingresso de títulos sob o argumento de falta de demonstração de quitação de outros tributos.

Destarte, a terceira exigência deve ser afastada.

Finalmente, o último óbice ao registro da carta de arrematação diz respeito à falta de assinatura e carimbo da Juíza que a expediu no termo de encerramento e conferência (fls. 4).

A análise de fls. 5 mostra que a primeira folha do título judicial foi assinada “manualmente por erro no certificado digital” (fls. 5). Na mesma folha consta uma rubrica sem identificação e sem qualquer prova da autenticidade da assinatura lançada.

Sobre os requisitos formais da carta de arrematação, preceitua o artigo 221 do Tomo I das Normas de Serviço:

Art. 221. Ao expedir formais de partilha, cartas de sentença, de adjudicação, de alienação e de arrematação, mandados de registro, de averbação e de retificação, alvarás e documentos semelhantes, destinados aos Serviços Notariais e de Registro, oescrivão judicial autenticará e conferirá as peças que os formam e certificará a autenticidade da assinatura do juiz que subscreveu o documento, indicando-lhe o nome, o cargo e o exercício no juízo (grifei).

No caso, a falta de aposição do carimbo da juíza poderia ser relevada caso o escrivão tivesse certificado a autenticidade da assinatura da magistrada, indicando-lhe o nome e o cargo. Todavia, a rubrica de fls. 5 não está identificada, nem sua autenticidade está certificada pelo escrivão.

Resta claro, portanto, que a carta de arrematação não atendeu um de seus requisitos essenciais, pois a necessidade da certificação da autenticidade da assinatura do juiz está prevista no artigo 221 do Tomo I das Normas de Serviço.

Assim, com exceção da terceira exigência da nota devolutiva de fls. 4 que deve ser afastada as outras três realmente obstam o registro do título judicial.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0002852-39.2014.8.26.0185 SEMA

Dúvida de registro

VOTO (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica(vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público (DJe de 10.08.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 11/08/2016.

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CGJ/SP: Registro de imóveis – Doação a apenas um dos cônjuges – Marido pré-morto – Impossibilidade de se averbar a certidão de óbito, com efeitos translativos da propriedade à esposa – Inteligência do art. 551, parágrafo único, do Código Civil – Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça e do Superior Tribunal de Justiça – Recurso desprovido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2015/204333
(61/2016-E)

Registro de imóveis – Doação a apenas um dos cônjuges – Marido pré-morto – Impossibilidade de se averbar a certidão de óbito, com efeitos translativos da propriedade à esposa – Inteligência do art. 551, parágrafo único, do Código Civil – Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça e do Superior Tribunal de Justiça – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Altair Marchesini das Neves pretendeu averbar certidão de óbito de seu marido, Alcir Lopes das Neves, na matrícula 73.644, a fim de se tornar proprietária do imóvel. É que seu marido o havia recebido por doação, conforme a escritura pública de fls. 12/17, devidamente registrada no R.3. Como, ao tempo da doação, Alcir e Altair já eram casados, sob o regime da comunhão de bens, a recorrente defende a aplicação, ao caso, do art. 551, parágrafo único, do Código Civil.

O Oficial e o Juízo de Primeiro Grau entenderam que a doação foi feita, apenas, ao marido pré-morto – Altair – e, por isso, o dispositivo acima não teria lugar.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Passo a opinar.

O recurso não comporta provimento.

A redação do art. 551, do Código Civil, é a seguinte:

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

A hipótese do parágrafo único é de doação conjuntiva, a ambos os cônjuges. Não é o que ocorreu aqui. Da leitura da escritura pública de doação, vê-se que ela foi feita, apenas, ao marido da recorrente, não obstante ele já fosse, à época, casado.

Não se pode, por isso, tão somente, averbar a certidão de óbito do cônjuge pré-morto, para transferir a totalidade do imóvel à recorrente.

Isso não quer dizer, absolutamente, que ela será privada de direitos sobre o bem, mas, apenas, que terá de ser aberto inventário, sede em que esses direitos serão examinados.

A questão já foi objeto de análise nessa Corregedoria Geral da Justiça e no Superior Tribunal de Justiça.

No âmbito da Corregedoria, o parecer 385/2009-E – Processo CG 2008/89290, assim dispôs:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Pedido para que, depois de averbada na matrícula a morte do marido da recorrente, com quem era casada sob o regime da comunhão de bens, seja também averbado que a propriedade do quinhão doado pelos pais dela consolidou-se em seu favor – Pretensão indeferida em primeiro grau – Doação feita apenas à recorrente. Não incidência da regra do parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, que exige a doação a ambos os cônjuges para que se caracterize o direito de acrescer. Recurso não provido.

“O Código Civil vigente estabelece, em seu artigo 551, que “salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual”. E seu parágrafo único complementa: “Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo “.

Idêntica regra já era prevista pelo Código Civil de 1916, que estava em vigor tanto na data da doação em tela, como também por ocasião do falecimento do marido da recorrente.

Com efeito, estabelecia o artigo 1.178 do ‘Codex’ anterior:

“Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

A escritura de doação copiada a fls. 06/08 deixa claro que os doadores José de Faria Morato e sua mulher Zelma Batista Morato doaram o imóvel apenas a seus filhos, e não a eles aos respectivos cônjuges. Entre os donatários do imóvel não está relacionado o então marido da ora recorrente, o qual só surge no título na condição de esposo desta, como se verifica a fls.07, de que consta a co-donatária Maria Morato Cavalcante, ora recorrente, casada com Gerson Fernandes Cavalcante, (grifei)

Na medida em que a doação foi feita apenas em favor de um dos cônjuges, não se aplica a regra do parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, não havendo que se falar, pois, em direito de acrescer em favor do cônjuge supérstite.

Inviável, portanto, a averbação pretendida, dado que não caracterizada a consolidação da propriedade em favor da ora recorrente, sendo certo que o quinhão do cônjuge falecido, que, na verdade, lhe foi transmitido a título de meação em virtude do regime de comunhão de bens do casal, deverá ser regularmente partilhado entre os sucessores do ‘de cujus’.

A controvérsia dos autos não é nova, já tendo sido objeto de exame por parte desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, como se vê do parecer citado pelo Oficial, lançado no Processo CG n° 958/2006, da lavra da ilustre Juíza Auxiliar da Corregedoria, Dra. Ana Luiza Villa Nova, aprovado pelo eminente Desembargador Gilberto Passos de Freitas, então Corregedor Geral da Justiça, cuja ementa é a seguinte:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Recurso interposto contra a r. decisão do Juízo Corregedor Permanente, que manteve a recusa do Oficial e indeferiu a pretensão de averbar na matrícula o óbito do marido da recorrente, com quem era casada sob o regime da comunhão universal de bens, com o fim de subsistir a seu favor a parte ideal correspondente a 1/5 da nua propriedade do imóvel doado por seus pais. Doação feita apenas à recorrente. Não incidência da regra do parágrafo único do art. 551 do Código Civil, que reclama a doação a ambos. Necessidade de inventariar e partilhar a parte ideal do bem imóvel doado, para que os herdeiros do cônjuge falecido recebam a legítima, preservada a meação da recorrente. Recurso não provido.

Por fim, ressalte-se que a própria jurisprudência invocada pela recorrente supostamente em abono de sua tese confirma, na verdade, o descabimento de sua pretensão, como se vê da emenda de Recurso Especial julgado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, indicada a fls. 88:

“Civil. Recurso especial. Inventário. Imóvel obtido pelo falecido mediante doação. Único donatário. Subsistência da doação em relação ao seu cônjuge, com base no art.1178, parágrafo único do CC. Impossibilidade.

– A aplicação do art. 1178, parágrafo único do CC, no sentido de subsistir a doação em relação ao cônjuge supérstite, condiciona-se ao fato de terem figurado como donatários marido e mulher.

No contrato de doação, se apenas o marido figura como donatário, ocorrendo a morte deste, eventual beneficio à mulher somente se configurará se o regime de bens, estabelecido no matrimónio, permitir.”

Já no Recurso Especial n° 324.593 – SP (2001/0065962-3), restou expresso:

“A questão posta a desate, pelos recorrentes, consiste em aferir se o bem imóvel havido pelo falecido, por doação, não há de ser incluído no monte partilhável ou deve continuar sob a propriedade exclusiva de sua mulher, observado o regime de comunhão universal sob o qual viveram.

Interpretando-se o parágrafo único do art. 1178 do CC, conclui-se que a possibilidade de subsistência da doação para o cônjuge sobrevivo depende exclusivamente do fato de terem figurado no contrato como donatários tanto o marido quanto a mulher, independentemente do regime de bens adotado no matrimónio e da existência ou não de cláusula de comunicabilidade no contrato de doação.

Por um lado, se são donatários marido e mulher, na ocorrência da morte de um deles, o objeto da doação passa ao domínio exclusivo do cônjuge supérstite. Na prática, a medida permite que os cônjuges sejam beneficiados com a doação em detrimento de seus respectivos herdeiros.

Por outro lado, se na doação figura como donatário somente o marido ou a mulher, em razão de sua morte serão os seus herdeiros beneficiados. Nessa hipótese, poderá o cônjuge supérstite, caso exista, ser ou não beneficiado em razão do regime de bens adotado no matrimônio.

Adotado o regime de comunhão de bens, o bem doado acrescerá a meação do cônjuge supérstite, nos termos do art. 263, II do CC, se no contrato de doação não restou lançada cláusula de incomunicabilidade.

A respeito da questão, assim se pronunciou o mestre Pontes de Miranda:

“No art. 1178, parágrafo único, estabelece-se o direito do cônjuge sobrevivo à totalidade da doação. Nada tem isso com a sorte da doação conforme o regime matrimonial de bens. O que o parágrafo único faz entender-se é que, se os donatários são cônjuges, a parte do cônjuge que premorre passa ao sobrevivo. Nada tem isso com a doação a um dos cônjuges, se o regime é da comunhão de bens, ou outro regime. O parágrafo único supõe pluralidade, aí duas pessoas, que foram os outorgados, e em atenção à situação jurídica, entre eles estatui que toda a doação vai ao que está vivo. Se já a haviam recebido, não há invocabilidade do parágrafo único.” (Tratado de Direito Privado – Parte Especial, Tomo XLVI, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, p. 237)

No mesmo sentido se manifesta Caio Mário da Silva Pereira:

“Feita a doação comum a mais de uma pessoa, presume-se ter o doador entre elas distribuído em partes iguais a coisa doada, salvo se o contrário resultar do contrato (Código Civil, art. 1178). E, se forem os donatários marido e mulher, a lei institui uma substituição recíproca, estatuindo que, com a morte de um, não passa o bem a seus herdeiros, mas subsiste na totalidade a doação para o cônjuge supérstite, como um direito de acrescer.” (Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1984, p. 177)

No processo em análise, consta do v. acórdão recorrido (fl. 29) que o imóvel, objeto da controvérsia, foi doado única e exclusivamente ao falecido, motivo pelo qual não teria aplicabilidade o art. 1178, parágrafo único, do CC:

“Inicialmente, ressalte-se que tal imóvel foi doado ao ‘de cujus’, casado, por seus pais, com cláusula de inalienabilidade relativa, ressalvando-se, no entanto, expressamente, a sua penhorabilidade e comunicabilidade. Acontece que doação a um cônjuge, com cláusula de comunicabilidade ao outro (hipótese dos autos), não é o mesmo que doação a ambos os cônjuges. No primeiro caso, somente há um donatário. O outro é cônjuge-meeiro pela comunhão (comunicação). No segundo caso, ambos são donatários. Ora, o parágrafo único do art. 1178 do Código Civil contempla esta segunda hipótese. Portanto, não tem aplicação ao caso dos autos.”

Assim sendo, não há que se falar em aplicação do parágrafo único do art. 1178 do CC, porquanto apenas o finado figurou como donatário do referido imóvel.”

Portanto, sendo certo que a doação não se fez, conforme a escritura, a ambos os cônjuges e já havendo posição firmada sobre o tema, na Corregedoria e em Tribunal Superior, a hipótese é de desprovimento.

Pelo exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de se negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 09 de março de 2016.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 11.03.2016. – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 21.03.2016
Decisão reproduzida na página 35 do Classificador II – 2016

Fonte: INR Publicações | 09/08/2016.

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Questão esclarece dúvida acerca do desfazimento de compra e venda quando houver cláusula resolutiva expressa.

Compra e venda – desfazimento. Cláusula resolutiva expressa.

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca do desfazimento de compra e venda quando houver cláusula resolutiva expressa. Veja nosso posicionamento sobre o assunto, valendo-se dos ensinamentos de Maria do Carmo de Rezende Campos Couto:

Pergunta: No caso de registro de compra e venda, quando houver cláusula resolutiva expressa, é possível o desfazimento do negócio diretamente no Registro de Imóveis?

Resposta: A nosso ver, havendo cláusula resolutiva expressa, o desfazimento do negócio depende de intervenção judicial, podendo ser esta dispensada, desde que haja acordo entre todas as partes. Isso porque, trata-se de negócio provisório, preliminar e temporário ainda não finalizado, cabendo, portanto, a revogabilidade e retratabilidade, de acordo com o art. 250, inciso II da Lei nº 6.015/73.

Além disso, vejamos o que nos esclarece Maria do Carmo de Rezende Campos Couto em obra publicada pelo IRIB intitulada “Coleção Cadernos IRIB – vol. 1 – Compra e Venda”, p. 20:

“Havendo a cláusula resolutiva, se o comprador não pagar, o vendedor pode pedir o cancelamento do registro diretamente no Registro de Imóveis?

Não, pois mesmo havendo a cláusula resolutiva, para o desfazimento do negócio e cancelamento do registro, é necessária a intervenção judicial, ou seja, sentença judicial.”

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB | 11/08/2016.

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