ARTIGO: “USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: DO CPC/15 AO PROVIMENTO 65/17 DO CNJ” – POR KARIN RICK ROSA

*Karin Rick Rosa

A  usucapião extrajudicial foi introduzida no ordenamento jurídico pela Lei 13.105/15 – Código de Processo Civil -, que alterou a Lei 6.015/73 para incluir o artigo 216-A, seguindo a trilha da desjudicialização ou desjudiciarização.

Desde a publicação da lei, o novo artigo da Lei 6.015/73 ensejou muitas críticas, especialmente em relação à necessidade de concordância expressa do titular do domínio do imóvel usucapiendo com o pedido de aquisição originária do interessado.

O Código de Processo Civil entrou em vigor em março de 2016, e passado pouco mais de um ano de sua vigência em meados do ano passado foi publicada a Lei 13.465, que, dentre outros, alterou o artigo 216-A da Lei 6.015/73. Um dos destaques foi a nova redação dada ao parágrafo segundo, que determina que se interprete o silêncio do proprietário notificado como concordância com o pedido. Grande e necessário avanço, já que é próprio da usucapião que a aquisição seja contra o proprietário e não do proprietário, sob pena de se caracterizar como modo derivado de aquisição e não originário.

Outra questão superada é possibilidade de usucapião de imóvel não matriculado, prevendo o parágrafo sexto a permissão de abertura de matrícula para estes casos.

Foram tratados, ainda, os casos em que o próprio imóvel usucapiendo seja uma unidade autônoma de condomínio edilício e quando houver condomínio edilício como confinante do imóvel usucapiendo, para estabelecer que a notificação do síndico é suficiente, sendo dispensada a notificação de cada um dos condôminos.

Por fim, o edital em meio eletrônico e o procedimento de justificação a ser realizado perante serventia extrajudicial buscaram facilitar, e com isso tornar exitoso o proce dimento da usucapião extraprocessual, que estava fadado a virar letra morta no ordenamento jurídico.

Mais recentemente, no dia 15 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 65 com diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis. São vinte e sete artigos que dispõem sobre o assunto. Contudo, nos ocuparemos a seguir apenas alguns pontos da referida normativa.

Seguindo na linha do que dispõe a Resolução nº 35/07, o provimento prevê a possibilidade de adoção do procedimento extra judicial mesmo nos casos em que já exista um processo de usucapião em andamento. Assim, o interessado poderá optar pela suspensão do procedimento pelo prazo de 30 dias, ou, ainda, pela desistência da via judicial. As provas eventualmente já produzidas poderão ser utilizadas para o procedimento extrajudicial. Fica ressalvada a vedação do procedimento extrajudicial para usucapião de bens públicos.

O artigo 3º do provimento dispõe sobre os requisitos do requerimento a ser dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis do local onde se situa o bem objeto da usucapião. São eles:

a) a modalidade de usucapião requerida e o fundamento legal ou constitucional; b) a origem e as características da posse, a existência de edificação ou benfeitorias e as datas de ocorrência; c) o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores no caso de soma da posse para completar o período aquisitivo; d) as informações relativas ao número de matrícula ou transcrição da área, ou a informação de que não há inscrição; e, por último, e) o valor atribuído ao imóvel usucapiendo.

A ata notarial é referida nos artigos 4º e 5º. O rol de requisitos se encontra detalhado no inciso I do artigo 4º, com destaque para:

a) a qualificação com o endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e de seu cônjuge ou companheiro, e do titular do imóvel conforme matrícula;

b) a descrição do imóvel e suas características, conforme consta na matrícula;

c) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

d) a forma de aquisição da posse;

e) a modalidade de usucapião pretendida e o fundamento legal ou constitucional;

f) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização, informando se estão situados em uma ou mais circunscrições;

g) o valor do imóvel;

h) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes.

Como se pode observar, trata-se de uma ata notarial complexa, que vai muito além da mera declaração do tempo de posse do interessado e seus antecessores, com características de escritura declaratória, como sempre deveria ter sido o instrumento público para tal procedimento, já que ata notarial tem por finalidade consignar fatos que são constatados pelo tabelião no presente.

Ainda em relação à ata notarial, destaca-se que o artigo 5º determina a aplicação do princípio da territorialidade, sendo competente para lavratura o tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele. A solução não nos parece a mais adequada, considerando que nem sempre haverá necessidade de diligência ao local do imóvel pelo tabelião de notas. A territorialidade deve ser observada sempre que houver diligência, isso é certo, mas nem sempre a diligência é necessária, tanto que o próprio provimento prevê como facultativo o comparecimento do tabelião no imóvel para constatação de fatos a serem consignados na ata. Quando não houver essa necessidade, não há razão que justifique a impossibilidade de outro tabelião de notas lavrar a ata notarial.

Outro requisito formal da ata se refere ao dever de informação, devendo o tabelião cientificar o requerente e consignar que a ata não tem valor como confirmação ou estabelecimento da propriedade, destinando-se tão somente para a instrução do requerimento extrajudicial perante o Oficial do Registro de Imóveis.

O provimento, em seu artigo 26, estabeleceu as diretrizes para cobrança dos emolumentos pelos notários e pelos registradores. Para o ato notarial, a ata é considerada ato de conteúdo econômico, e a cobrança dos emolumentos terá por base o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do imposto predial e territorial urbano ou ao imposto territorial rural ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado. Para o ato registral, os emolumentos devidos pelo processamento da usucapião serão equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro, e, no caso de deferimento do pedido, outros 50%, tendo por base o mesmo critério aplicado para a cobrança dos emolumentos da ata notarial.

Por fim, outros atos, como diligências, reconhecimento de firmas, escrituras declaratórias, notificações e atos preparatórios ou instrutórios para a lavratura da ata notarial, certidões, buscas, averbações, notificações e editais relacionados ao procedimento junto ao Registro de Imóveis, são considerados atos autônomos para efeito da cobrança de emolumentos, devendo as despesas ser adiantadas pelo requerente.

Observa-se que foram significativas as alterações no artigo 2016-A da Lei 6.015/73 e que deverão os tabeliães e seus prepostas estar atentos às disposições do Provimento 65/17 do CNJ, para que possam prestar adequadamente seus serviços e seguir contribuindo para o desafogamento do Poder Judiciário.

*Karin Rick Rosa é advogada e assessora jurídica do Colégio Notarial do Brasil. Mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Unisinos. Professora de Direito Civil Parte Geral e de Direito Notarial e Registral da Unisinos. Professora do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Professora da Escola Superior da Advocacia/RS. Professora convidada do Instituto Internacional de Ciências Sociais (SP). Coordenadora da Especialização em Direito Notarial e Registral da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Autora e organizadora de obras jurídicas.

Fonte: CNB/SP – Jornal do Notário | 06/04/2018.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


IESES é escolhido para o concurso de Santa Catarina!

Foi escolhida a banca examinadora para o concurso de Santa Catarina!

Para ver mais CLIQUE AQUI!

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Apelação – Pedido de providências – Negativa de averbação de contrato de locação em registro imobiliário – Sentença de improcedência – Existência de duplicidade de garantias prestadas no contrato de locação – Vedação pelo artigo 37, parágrafo único, da Lei n° 8.245/91 – Negativa de averbação pelo oficial de registro correta – Contrato de locação que deve ser aditado para excluir uma das garantias adequando-se à Lei de Locações – Oficial de registro que agiu corretamente, vez que não poderia ignorar a nulidade existente – Sentença mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1039777-60.2015.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante J L B ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO LTDA., é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS – SP.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores COSTA NETTO (Presidente sem voto), ANGELA LOPES E JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2018.

Edson Luiz de Queiroz

Relator

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 20434

APELAÇÃO nº 1039777-60.2015.8.26.0224

APELANTE: J L B ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO LTDA.

APELADO: 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS – SP

COMARCA: GUARULHOS

JUIZ (A): RICARDO FELICIO SCAFF

Apelação. Pedido de providências. Negativa de averbação de contrato de locação em registro imobiliário. Sentença de improcedência.

Existência de duplicidade de garantias prestadas no contrato de locação. Vedação pelo artigo 37, parágrafo único, da Lei n° 8.245/91. Negativa de averbação pelo Oficial de Registro correta. Contrato de locação que deve ser aditado para excluir uma das garantias adequando-se à Lei de Locações. Oficial de Registro que agiu corretamente, vez que não poderia ignorar a nulidade existente. Sentença mantida.

Recurso não provido.

Vistos.

Adotado o relatório da decisão de primeiro grau, acrescentese tratar de pedido de providências formulado contra indeferimento de averbação de contrato de locação em registro imobiliário. O pedido foi julgado improcedente. Não houve condenação nos ônus da sucumbência ou fixação de honorários advocatícios de sucumbência.

A autora interpôs recurso de apelação, arguindo que a simples utilização do termo “solidariedade” na redação das cláusulas 25ª e 35ª do Contrato de Locação não caracteriza a existência da fiança e não se pode concluir pela existência da dupla garantia. Sustenta que a garantia prestada não se confunde com garantia fidejussória que não se presume. Argumenta que embora declarada a solidariedade dos caucionantes, prevalece a caução, vez que foi a garantia constituída contratualmente, ficando evidente que a solidariedade ocorra apenas até o limite do valor do bem caucionado. Requer a reforma da r. sentença.

O recurso foi devidamente processado, sem apresentação de contrarrazões e parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça pelo não provimento do recurso.

É o relatório do essencial.

APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO

Inicialmente, anote-se que o julgamento é feito com base nas disposições do Código de Processo Civil de 2015 e não aquelas referentes ao CPC/1973tendo em vista que foi em sua vigência que a decisão foi proferida e o recurso foi interposto. Aplica-se o princípio “tempus regit actum”, corolário do sistema de isolamento dos atos processuais.

FATOS

A autora afirma que enviou ao Cartório, por meio da sua administradora, para averbação, o Contrato de Locação em questão. No entanto, o Oficial do Registro Imobiliário devolveu o contrato sem a devida averbação, com a anotação de que o mesmo deveria ser retificado para constar somente uma modalidade de garantia.

Diante destes fatos e argumentando que o contrato apresentado para averbação possui os requisitos formais ingressou com a presente ação a qual foi julgada improcedente, ensejando a interposição do recurso de apelação.

O recurso, de início, foi remetido para 30ª Câmara de Direito Privado desta C. Corte, porém não foi conhecido, sendo determinada sua redistribuição para uma das R. Câmaras da Subseção de Direito Privado I deste Tribunal (fls. 135/138).

MÉRITO

No caso a averbação do contrato de locação não foi realizada pelos motivos elencados na nota de devolução do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos (fls. 18/21) pelas seguintes razões:

“I QUANTO À MODALIDADE DE GARANTIA:

Retificar o título para que dele conste apenas uma modalidade de garantia (CAUÇÃO), tendo em vista que a cláusula 25ª e o §1º da cláusula 35ª evidenciam a mistura de duas formas de garantia, vez que consigam:

Cláusula 25ª As obrigações assumidas neste contrato são indivisíveis e as partes, Locatário (s) e Caucionante (s), são solidárias entre si. (grifo nosso).

§1º da Cláusula 35ª Durante o período em que o imóvel estiver sem seguro pela falta de atendimento dessas exigências, o locatório e seus caucionantes será os únicos responsáveis pelas perdas e danos e por qualquer outro prejuízo, até a efetiva devolução das chaves do imóvel devidamente reconstituído. (grifo nosso).

Tal falha com relação ao conteúdo do instrumento (instituto da fiança garantia pessoal, e ao mesmo tempo, dá o móvel em garantia da dívida caução garantia real), referente às duas modalidades de garantia (fiança e a caução), impede a prática do ato registrário (…).”

No caso, compulsando os autos, realmente verifica-se a existência de duplicidade de garantias prestadas no contrato de locação: garantia pessoal e real, consistente em fiança e caução (fls. 29/39). A atenta leitura do contrato leva à conclusão de que as cláusulas 25ª e 35ª contêm cláusula que se caracteriza como garantia pessoal (fiança). Acerca da matéria, confira-se NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA A. NERY, em “Código Civil Comentado”, 11ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2014, pág. 1114:

A fiança é exemplo típico de garantia pessoal. Diferentemente da garantia real, a garantia pessoal se verifica quando ‘outra ou outras pessoas, além do devedor, estão adstritas a realizar a prestação no caso de ele a não efectuar’ Galvão Telles, Obrigações, p. 48)”.

Entretanto, o artigo 37, parágrafo único, da Lei n° 8.245/91 dispõe:

“é vedada sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação”.

Na lição de MARIA HELENA DINIZ:

“Só será permitida uma garantia em cada avença locatícia; logo, não poderá haver cláusula que ofereça ao locador mais de uma garantia. A lei proíbe a cumulação de mais de uma garantia num mesmo contrato de locação, sob pena de nulidade (RT, 601:161). E, além disso, constituirá contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do inquilino, a exigência de mais de uma modalidade de garantia locatícia num mesmo contrato de locação (Lei n. 8.245/91, art. 43, II)” (“Lei de locações de imóveis urbanos comentada”. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., p. 151).

SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA assim dispõe:

“Já fomos consultados, de certa vez, se seria lícito garantir a obrigação de pagamento pontual do aluguel através de caução em dinheiro, e a de conservar o imóvel, por meio de fiança.

A resposta é negativa, já que a lei veda a duplicidade ‘num mesmo contrato’. Estabelecendo o contrato dupla garantia, a cláusula que assim dispõe, como se viu, é nula, o que, entretanto, não afetará o restante do contrato” (“A Lei do Inquilinato Comentada”, Rio de Janeiro: GZ, 7ª ed, p. 164-5).

Nessas condições, é vedada a dupla garantia, estando correto o Oficial de Registro ao negar a averbação, vez que o contrato de locação deve ser aditado para excluir uma das garantias adequando-se à Lei de Locações.

Isso porque, o Oficial de Registro não pode ao realizar sua atividade de verificação da legalidade do contrato levado à averbação ignorar a nulidade existente.

Dessa forma, a r. sentença fica mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Finalizando, as demais questões arguidas pelas partes ficam prejudicadas, segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, perfilhada pela Ministra Diva Malerbi, no julgamento dos EDcl no MS 21.315/DF, proferido em 08/06/2016, já na vigência CPC/2015: “o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão (…), sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida“.

Pelo exposto, NEGA-SE provimento ao recurso.

Edson Luiz de Queiroz

RELATOR

(documento assinado digitalmente)

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1039777-60.2015.8.26.0224 – Guarulhos – 9ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Edson Luiz de Queiroz – DJ 26.03.2018

Fonte: INR Publicações.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.