Recurso Especial e Agravo em Recurso Especial – Registro civil – Alteração de sexo por transexual não submetido à cirurgia de transgenitalização – Possibilidade – Precedente obrigatório ADI 4.275/DF – Recurso especial interposto por Alexandro Jorge da Cruz provido e agravo interposto pelo Ministério Público não conhecido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.631.644 – MT (2016/0267667-4)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : ALEXANDRO JORGE DA CRUZ

ADVOGADOS : FELIPE DE FREITAS ARANTES – MT011700

RAPHAEL DE FREITAS ARANTES E OUTRO(S) – MT011039

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

AGRAVADO : ALEXANDRO JORGE DA CRUZ

ADVOGADOS : FELIPE DE FREITAS ARANTES – MT011700

RAPHAEL DE FREITAS ARANTES – MT011039

EMENTA

RECURSO ESPECIAL E AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE SEXO POR TRANSEXUAL NÃO SUBMETIDO À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE OBRIGATÓRIO ADI 4.275/DF. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR ALEXANDRO JORGE DA CRUZ PROVIDO E AGRAVO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO CONHECIDO.

DECISÃO

Trata-se, na origem, de ação de retificação de registro civil proposta por ALEXANDRO JORGE DA CRUZ visando à alteração para o gênero feminino do prenome e do sexo constante no registro civil de seu nascimento, em decorrência de sua transexualidade, julgada parcialmente procedente para determinar a modificação apenas do prenome para outro do gênero feminino apontado pelo autor.

Interpostas apelações pelo Ministério Público e pelo autor, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso confirmou a sentença nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – TRAVESTI – ALTERAÇÃO DO DESIGNATIVO SEXUAL – IMPOSSIBILIDADE – IMPRESCINDIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU ‘TROCA DE SEXO” – RECURSOS DESPROVIDOS. Embora a troca do nome civil seja admissível, inclusive, aos travestis, pessoas que não rejeitam a genitália de nascença conquanto se comportem e busquem aparência do sexo oposto, a eles é indevida a alteração do designativo sexual nos assentos civis em razão da segurança jurídica e “definitividade” que norteiam os registros públicos, do baixo benefício buscado pelo pela parte interessada, haja vista que nos documentos de acesso ao público não consta o “sexo” ou “gênero” do cidadão, e, ainda, das sensíveis e inúmeras conseqüências sociais e jurídicas que poderiam advir da providência pleiteada, as quais, direta ou indiretamente, atingem a esfera jurídica de terceiros. Inteligência da Lei n° 6.015/1973, do princípio da dignidade da pessoa humana e de lição doutrinária. Recursos desprovidos.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Irresignados, o autor e o Ministério Público interpuseram recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a, da CF, defendendo a violação ao art. 54 da Lei 6.515/1973, sob o argumento de ser exigida a correspondência lógica entre o nome e o sexo da pessoa, sob pena de desrespeito à dignidade do indivíduo no meio social.

Admitido o recurso do autor e inadmitido o do Ministério Público, foi interposto agravo por este último recorrente, o qual foi objeto de manifestação do autor em prol da pertinência do recurso do parquet (e-STJ, fl. 359).

Brevemente relatado, decido.

Em observância à eficácia vinculante da decisão proferida em 1º/3/2018 pelo Pleno do STF na ADI 4.275/DF, que conferiu interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/1973, é reconhecido “aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil”.

No mesmo sentido, a orientação de ambas as turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte Superior:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO SEXO. TRANSEXUAL NÃO TRANSGENITALIZADO. CABIMENTO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.

1. Controvérsia acerca da possibilidade de se autorizar a alteração do registro civil para mudança do sexo civil de masculino para feminino no caso de transexual que não se submeteu a cirurgia de redesignação genital.

2. Possibilidade de alteração do prenome na hipótese de exposição da pessoa a situações ridículas (art. art. 59, p. u., da Lei dos Registros Públicos).

3. Ocorrência de exposição ao ridículo quando se mantém a referência ao sexo masculino, embora o prenome já tenha sido alterado para o feminino em razão da transexualidade.

4. Possibilidade de alteração do sexo civil nessa hipótese.

5. Precedentes do STF e do STJ.

6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1561933/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 23/04/2018)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO.

1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público.

2. Nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo, como ocorre com aqueles cujos prenomes são notoriamente enquadrados como pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino, mas que possuem aparência física e fenótipo comportamental em total desconformidade com o disposto no ato registral.

3. Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que traduz a máxima antiutilitarista segundo a qual cada ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e não como um meio para a realização de finalidades alheias ou de metas coletivas.

4. Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade.

5. Assim, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade – ratio essendi do registro público, norteado pelos princípios da publicidade e da veracidade registral – deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional.

6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009).

7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças.

8. Tal valor (e princípio normativo) supremo envolve um complexo de direitos e deveres fundamentais de todas as dimensões que protegem o indivíduo de qualquer tratamento degradante ou desumano, garantindo-lhe condições existenciais mínimas para uma vida digna e preservando-lhe a individualidade e a autonomia contra qualquer tipo de interferência estatal ou de terceiros (eficácias vertical e horizontal dos direitos fundamentais).

9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral).

10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingível do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico.

11. Ademais, o chamado sexo jurídico (aquele constante no registro civil de nascimento, atribuído, na primeira infância, com base no aspecto morfológico, gonádico ou cromossômico) não pode olvidar o aspecto psicossocial defluente da identidade de gênero autodefinido por cada indivíduo, o qual, tendo em vista a ratio essendi dos registros públicos, é o critério que deve, na hipótese, reger as relações do indivíduo perante a sociedade.

12. Exegese contrária revela-se incoerente diante da consagração jurisprudencial do direito de retificação do sexo registral conferido aos transexuais operados, que, nada obstante, continuam vinculados ao sexo biológico/cromossômico repudiado. Ou seja, independentemente da realidade biológica, o registro civil deve retratar a identidade de gênero psicossocial da pessoa transexual, de quem não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para o gozo de um direito.

13. Recurso especial provido a fim de julgar integralmente procedente a pretensão deduzida na inicial, autorizando a retificação do registro civil da autora, no qual deve ser averbado, além do prenome indicado, o sexo/gênero feminino, assinalada a existência de determinação judicial, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se a publicidade dos registros e a intimidade da autora.

(REsp 1626739/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 01/08/2017)

No caso dos autos, o Tribunal de origem não reconheceu o direito da parte autora em alterar o gênero do sexo constante do registro civil de seu nascimento, ante a ausência de sua transgenitalização, entendimento manifestamente contrário à orientação firmada pelo STF no precedente obrigatório supramencionado, nos termos do art. 927, I, do CPC/2015, e à jurisprudência do STJ.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial interposto por ALEXANDRO JORGE DA CRUZ, reconhecendo o direito da parte autora à alteração do gênero de seu sexo constante no registro civil de seu nascimento, independentemente de sua transgenitalização, e não conheço do agravo interposto pelo Ministério Público, prejudicado em vista do resultado do julgamento.

Publique-se.

Brasília, 08 de maio de 2018.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.631.644 – Mato Grosso – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 28.05.2018

Fonte: INR Publicações.

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1ª VRP/SP. Dúvida – Registro de Imóveis – Súmula 377 do STF. Afastamento no caso concreto.

Processo 1020119-29.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1020119-29.2018.8.26.0100

Processo 1020119-29.2018.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – Alda Jaques Miranda Cortada – Vistos.Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Alda Jacques Miranda Cortada, após negativa de registro de formal de partilha cujo objeto era o imóvel matriculado na citada serventia, sob nº 73.871.O óbice diz respeito à Súmula 377 do STF, aduzindo o Oficial que o bem integrava o patrimônio comum do casal, não podendo ser partilhada apenas a parte ideal de 50%, pois o imóvel é de propriedade da suscitada e do de cujus Ibrahim Miranda, em sua totalidade. Vieram documentos às fls. 03/342.Houve impugnação da dúvida às fls. 343/350 e 357/364, aduzindo que o bem foi adquirido por esforço próprio na proporção de 50% para cada cônjuge, não sendo o caso de partilhar-se a totalidade do bem.O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, às fls. 369/372.A suscitada manifestou-se novamente às fls. 376/380, requerendo fosse a dúvida julgada improcedente.É o relatório. Decido.Em que pesem os argumentos trazidos pelo Oficial e pela D. Promotora, o óbice apresentado deve ser afastado na hipótese.Com efeito, a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal prevê que os bens adquiridos na constância de casamento regido pela separação legal de bens se comunicam. O enunciado foi formulado tendo em vista a proteção do cônjuge que não constava como adquirente do bem, que passaria a ser proprietário, presumindo-se que contribuiu com os esforços para essa aquisição.O objetivo da súmula, portanto, é evitar que o cônjuge fique desamparado, sem participação na propriedade do bem. Neste caso, os elementos trazidos levam a conclusão contrária, afastando-se qualquer prejuízo.Conforme se depreende do documento de fls. 271/283, apenas Alda constava como compradora do bem, havendo apenas menção de seu cônjuge, que não era parte do negócio jurídico. Justamente em respeito à Sumula 377 o bem foi tratado pelos cônjuges como de propriedade comum, ainda que em condomínio, e não mancomunhão. Portanto, inexiste, a princípio, qualquer prejuízo a justificar a aplicação da súmula 377.Neste mesmo sentido, vê-se que inexiste prejuízo ao se considerar o bem como condomínio dividido em partes ideais de 50% ou mancomunhão em sua totalidade. Acaso acolhida esta segunda hipótese, o bem iria em sua totalidade a partilha, reservando-se a meação de Alda, restando os mesmos 50% para que Ibrahim dispusesse em testamento, como o fez, mas considerando o bem como em condomínio.Ainda, consta do R. 10 da matrícula que o bem foi vendido a Alda e Ibrahim, não havendo desrespeito a continuidade acaso a partilha seja registrada na forma em que apresentada, bastando considerar que o R. 10 noticia que o bem pertence na proporção de 50% a cada cônjuge. Finalmente, ainda que os títulos judiciais estejam sujeitos a qualificação, não se pode ignorar que a partilha foi homologada (fls. 245/246), tendo o magistrado apreciado a questão da propriedade do bem e considerado que a partilha respeitou a legislação sucessória, incluindo a súmula 377 do STF, de modo que manter o óbice ora apresentado representaria uma revisão da decisão  judicial em seu mérito, e não apenas em sua forma, o que não se permite nesta via administrativa.Destaco, por fim, que agiu bem o Oficial ao apresentar o óbice, tendo em vista o reconhecimento da vigência da súmula 377 por esta Corregedoria. Todavia, a presente hipótese demonstrou tratar-se de caso excepcional, onde a aplicação da súmula seria contrária a sua própria razão de ser, por se tratar de título em que a partilha considera que o bem pertence a ambos os cônjuges, quando os precedentes que justificam o óbice tratam de hipóteses em que um dos cônjuges não foi contemplado, sendo prejudicado com a partilha ou alienação do bem.Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Alda Jacques Miranda Cortada, determinando o registro do título.Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.Oportunamente, arquivem-se os autos.P.R.I.C.São Paulo, 29 de maio de 2018.Tania Mara AhualliJuiz de Direito – ADV: MARCELLA MIRANDA GOMES (OAB 391674/SP) (DJe de 05.06.2018 – SP)

Fonte: DJe – SP | 05/06/2018.

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Decisão da 1ª VRP/SP: advogado deve orientar seus clientes acerca de (não) provação de ação do poder judiciário, com lide claramente improcedente e contrária ao expresso texto legal

Processo 1037756-90.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1037756-90.2018.8.26.0100

Processo 1037756-90.2018.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – LAB- JAB- MBN Vistos.Trata-se de dúvida inversa suscitada por LABB e outros em face do Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, requerendo o registro de contrato particular de doação com reserva de usufruto vitalício, na matrícula nº 196.820 da citada serventia, além de condenação do Oficial em danos morais.Os suscitantes alegam que apresentaram o instrumento na serventia, inquirindo se o contrato necessitava assinatura. Foram informados que o título seria recepcionado para análise, razão pela qual entenderam pela sua regularidade, sendo surpreendidos pela negativa de ingresso, pois o contrato necessitava possuir forma pública, além de assinatura das partes. Aduz que “trata de pessoas simples, sem conhecimento jurídico ou procedimentos de cartório, logo era oficio do réu no ato de recepcionar ou entregar os documentos informar sobre a necessidade das formalidades a serem seguidas ou o não por que delas.” Pede o registro do título, e condenação do Oficial pelos danos sofridos. Vieram aos autos os documentos de fls. 09/43.Na decisão de fls. 44/45, foi reconhecida a incompetência deste juízo quanto aos danos morais.O Oficial manifestou-se às fls. 49/54, anexando documentos às fls. 55/63. Aduz que o negócio jurídico demanda escritura pública e que, mesmo se entendida a possibilidade de registro de contrato particular, seria necessária a assinatura das partes com reconhecimento de firma, além de vícios relativos a especialidade objetiva e subjetiva.O Ministério Público opinou às fls. 69/70 pela procedência da dúvida.É o relatório. Decido. Com razão o Oficial e a D. Promotora.Ainda que os suscitantes aleguem que, pela sua simplicidade, acreditaram que o título estava em ordem quando prenotado, não podem alegar ignorância da lei em benefício próprio. Assim dispõe o Art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42):”Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”Desta forma, não é possível abrir exceção às exigências legais apenas pela condição dos suscitantes. Quando da apresentação do título, o Oficial deve prenotá-lo, não sendo possível uma qualificação prévia ou confirmação de que será registrado, que depende de uma profunda análise, apenas após a qual o registro será feito. Neste sentido, A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73):”Art. 12. Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante.”Ainda, o item 43 do Capítulo XX das NSCGJ assim prevê:”43. O prazo para exame, qualificação e devolução do título, com exigências ou registro, será de 15 (quinze) dias, contados da data em que ingressou na serventia.”Tudo isso a demonstrar que, apresentado o título e requerido pela parte, o Oficial deverá prenotá-lo, tendo o prazo de 15 dias para registrálo ou apresentar exigências. Ou seja, a recepção do título não representa que será automaticamente registrado, cabendo ao Oficial qualificá-lo no prazo legal.Para melhor atendimento dos usuários, quando apresentado um título claramente inviável para registro, poderia o preposto informar à parte; contudo, se insistisse, não poderia o Oficial negar-se a prenotá-lo. Não tem, contudo, essa obrigação de análise prévia, até porque na organização administrativa da serventia os atendentes de balcão não tem qualquer ingerência sobre a qualificação do título apresentado.Ainda, no presente caso a parte foi devidamente informada que o título seria prenotado com posterior qualificação, não tendo o Oficial ou um de seus prepostos dado incorreta informação de que o registro era certo. Portanto, quanto a esta questão, inexistente qualquer responsabilidade administrativa do Oficial, ou existência de um direito de que o título prenotado seja obrigatoriamente registrado.Quanto ao registro do título em si, inviável. O imóvel possui valor de R$ 127.982,00, e ainda que a doação diga respeito a metade deste valor, supera em muito os trinta salários mínimos previstos no Art. 108 do Código Civil, que assim dispõe:”Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”Portanto, impedido o registro do instrumento particular ora apresentado, devido a exigência legal de que sua forma seja pública.Não obstante, o instrumento particular não possui qualquer assinatura das partes, o que também obstaria seu registro, pois conforme o Art. 221 da Lei de Registros Públicos somente são admitidos a registro “escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas”.Junte-se a isso o fato de que as informações do instrumento, quanto ao nome da parte e de seu objeto, são discordantes com os dados constantes na matrícula, o que viola os princípios da especialidade subjetiva e objetiva, que prevê que a qualificação das partes e objeto deve corresponder àquelas inscritas na matrícula.Finalmente, a atitude da patrona da suscitante se mostra criticável, uma vez que, como operadora do direito, tem conhecimento que o instrumento de fls. 55/59 não pode produzir qualquer efeito, visto que não contém qualquer assinatura, consistindo em mera minuta.Assim, ao invés de orientar seus clientes acerca de sua natureza, provoca a ação do poder judiciário, com lide claramente improcedente e contrária ao expresso texto legal. Nos termos do Art. 77 do Código de Processo Civil:”Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;” (grifei)Ainda, o Art. 80:”Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;”Também o Código de Ética da OAB:”Art. 1º (…)Parágrafo único. São deveres do advogado:VII aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;”Não obstante, a condenação por má-fé processual não se mostra medida proporcional no presente feito, sendo suficientes as ponderações acima. Destaco também que o mesmo entendimento foi exposto pelo Oficial e pela D. Promotora:”O instrumento apresentado não podia ser considerado título. Por mais leigos que fossem os portadores, sabiam que o instrumento não tinha assinaturas e não podia ser considerado um contrato. É improvável que tivessem a expectativa de que a doação fosse registrada.” (fl. 50)”Aliás, beira o inacreditável que alguém pense que um contrato, digitado, sem qualquer assinatura ou expressão de manifestação de vontade das partes possa produzir, automaticamente, efeitos jurídicos”. (fl. 70)Do exposto, julgo procedente a dúvida inversa suscitada por Luciana Alves Bezerra Berlato e outros em face do Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, mantendo o óbice ao registro.Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.Oportunamente, arquivemse os autos.P.R.I.C.São Paulo, 29 de maio de 2018.Tânia Mara AhualliJuiz de Direito – (DJe de 05.06.2018 – SP)

Fonte: DJe – SP | 05/06/2018.

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