1VRP/SP: MUDANÇA DE ENTENDIMENTO – Dúvida julgada procedente para manter exigência de certidão de regularidade fiscal das empresas na alienação e oneração de bens.

Processo 1045738-82.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Gili Empreendimentos e Participações Ltda. – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: MÁRCIO ROBERTO DO CARMO TAVARES (OAB 164731/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1045738-82.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Gili Empreendimentos e Participações Ltda.

Suscitado: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Gili Empreendimentos e Participações Ltda em face do Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de escritura de venda e compra que tem como objeto os imóveis das matrículas n. 92.910 e 92.913 daquela serventia (prenotação n.642.175).

A parte noticia que o título foi devolvido em virtude de exigência de certidão negativa de débitos federais em nome da vendedora, Merisa SA Engenharia e Planejamento, conforme artigo 47 da Lei n. 8.212/81, com o que não concorda à vista do melhor entendimento jurisprudencial sobre a matéria, no sentido de que a comprovação de quitação de créditos tributários para o registro representa forma oblíqua de cobrança.

Com a inicial, vieram documentos (fls. 06/56).

A decisão de fl. 57 determinou a comprovação de prenotação válida.

Com o cumprimento, o Oficial prestou informações (fls. 66/68), esclarecendo que não desconhece a jurisprudência no tocante à inexigibilidade da apresentação de tais certidões em casos específicos, porém não possui competência para dispensar certidões exigidas por lei (a alínea “b”, inciso I, do artigo 47, da Lei Federal nº 8.212/91, estaria em vigor por não ter sido expressamente declarada inconstitucional). Documentos foram produzidos às fls. 69/90.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 93/94).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Este juízo, seguindo entendimento do Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça, julgava improcedente a dúvida em casos de exigência de certidão conjunta negativa expedida pela Receita Federal nos seguintes termos:

“A questão em debate já foi apreciada inúmeras vezes tanto pelo E. Conselho Superior da Magistratura quanto pela E. Corregedoria Geral de Justiça, sendo que tais órgãos superiores firmaram entendimento acerca da dispensa das certidões negativas de dívidas tributárias e previdenciárias federais no que toca ao ‘munus’ do registro imobiliário.

Destaca-se o julgamento proferido pelo E. CSM em análise recursal de procedimento que tramitou perante este juízo (autos n. 1124381- 98.2016.8.26.0100), com relatoria do eminente Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, de cujo teor se extrai:

“Item 3 (Certidão negativa de tributos federais e da dívida ativa da União): Essa exigência é a única a ser afastada. Este Conselho Superior da Magistratura já se posicionou, por diversas vezes, no sentido de que são dispensáveis as certidões de dívidas ativas tributárias e previdenciárias federais.

Inspirado em precedentes do Supremo Tribunal Federal que inadmitiram a imposição de sanções políticas pelos entes tributários para, por vias oblíquas, constranger o contribuinte a quitar débitos tributários, o Conselho Superior da Magistratura reconheceu inexistir justificativa para condicionar o registro de títulos nas serventias prediais à prévia comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições sociais e de outras imposições pecuniárias compulsórias (Apelações Cíveis n. 0018870-06.2011.8.26.0068, 0013479-23.2011.8.26.0019 e 9000002-22.2009.8.26.0441, todas sob a relatoria do Desembargador José Renato Nalini, destaques nossos)”. Nesse mesmo sentido, confiram-se: (a) para a CGJ: Processos de autos n. 62.779/2013 (j.30/07/2013) e 100.270/2012, (j.14/01/2013); (b) para o CSM: as Apelações Cíveis dos autos n. 0015705-56.2012.8.26.0248 (j.06.11.2013); 9000004-83.2011.8.26.0296 (j.26.09.2013); 0006907-12.2012.8.26.0344 (j.23.05.2013); 0013693-47.2012.8.26.0320 (j18.04.2013); 0019260-3.2011.8.26.0223 (j.18.04.2013); 0021311-24.2012.8.26.0100 (j.17.01.2013); 0013759-77.2012.8.26.0562 (j.17.01.2013); 0018870-06.2011.8.26.0068 (j.13.12.2012); 9000003-22.2009.8.26.0441 (j. 13.12.2012); 0003611-12.2012.8.26.0625 (j.13.12.2012) e 0013479-23.2011.8.26.0019 (j.13.12.2012).

Note-se, ainda, o disposto no item 117.1, do Capítulo XX, das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

Tal entendimento também é compartilhado pelo Conselho Nacional de Justiça:

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. IMPUGNAÇÃO DE PROVIMENTO EDITADO POR CORREGEDORIA LOCAL DETERMINANDO AOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS QUE SE ABSTENHAM DE EXIGIR CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO NAS OPERAÇÕES NOTARIAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 47 E 48 DA LEI N. 8.2012/91.INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE.

1. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º,inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF).

2. Tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, ‘b’, da Lei 8.212/91.

3. Ato normativo impugnado que não configura qualquer ofensa a legislação pátria, mas apenas legítimo exercício da competência conferida ao Órgão Censor Estadual para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça local.

RECURSO IMPROVIDO” (CNJ – Pedido de Providências – Corregedoria – 0001230-82.2015.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA 28ª Sessão Virtual. Julgado em 11.10.2017)”.

Como se vê, não é novo o debate sobre a exigibilidade de certidões de regularidade fiscal para o Registro de Imóveis, notadamente diante da ordem de controle rigoroso do recolhimento dos impostos que vigora para os Oficiais por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n.6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

O afastamento de algumas exigências, ainda que normativas, na via administrativa encontrou raiz em precedentes do Supremo Tribunal Federal que inadmitiram a imposição de sanções políticas pelos entes tributários para, por vias oblíquas, constranger os contribuintes inadimplentes a quitar eventuais débitos.

É nesse sentido que se concluía pelo afastamento da exigência de certidão negativa de débitos federais, embora até o momento não tenha havido reconhecimento expresso da inconstitucionalidade em controle concentrado, com afastamento do ordenamento jurídico da alínea “b”, do inciso I, do artigo 47, da Lei n.8.212/91, com a redação dada pela Lei n.9.032/95:

“Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I da empresa:

(…)

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;

(…)

Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos.

(…)

§ 3° O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível”.

Entretanto, por ocasião da sanção da Lei n.14.382, de 27 de junho de 2022, vetou-se o artigo 20, inciso IV, da proposição legislativa que revogava expressamente a exigência imposta pelo artigo 47, inciso I, “b”, e do inciso II, da Lei n.8.212/91, com os seguintes motivos:

“(…) Contudo, em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público ao dispensar a comprovação de regularidade fiscal para o exercício de determinadas atividades pelos contribuintes, o que reduz as garantias atribuídas ao crédito tributário, nos termos do art. 205 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Ressalta-se que o controle da regularidade fiscal dos contribuintes, por um lado, exerce indiretamente cobrança sobre o devedor pela imposição de ressalva à realização de diversos negócios e, por outro lado, procura prevenir a realização de negócios ineficazes entre devedor e terceiro que comprometam o patrimônio sujeito à satisfação do crédito fazendário.

Desse modo, a proposição legislativa está em descompasso com a necessária proteção do terceiro de boa-fé, o que resultaria no desconhecimento pelo terceiro da existência de eventual débito do devedor da Fazenda Pública, sujeitando a prejuízo aqueles que, munidos de boa-fé, fossem induzidos a celebrar negócio presumivelmente fraudulento, a teor do disposto no art. 185 da Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional”.

Não bastasse isso, em 17 de outubro de 2022, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil expediu a Instrução Normativa RFB n.2.110, reforçando o dever de fiscalização dos registradores no que toca à matéria:

“Art. 258. O titular de serviço notarial e de registro é pessoalmente responsável pela infração a obrigação acessória prevista na legislação previdenciária, em nome do qual será lavrado o documento de constituição do crédito tributário, por meio de sua matrícula CEI ou CAEPF atribuída ou não de ofício. (Lei nº 8.212, de 1991, art. 48, § 3º, e art. 68, § 5º; e Regulamento da Previdência Social, de 1999, art. 228, § 6º).

(…)

Art. 262. As infrações isoladas, por ocorrência, poderão integrar, para economia processual, um único Auto de Infração ou uma única

Notificação de Lançamento.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, configura-se uma ocorrência:

I – cada segurado não inscrito, independentemente da data de contratação do empregado, do empregado doméstico, do trabalhador avulso ou do contribuinte individual;

II – cada Perfil Profissiográfico Previdenciário não emitido para trabalhador exposto aos agentes nocivos, ou não atualizado;

III – cada certidão negativa de débitos não exigida, nos casos previstos em lei;

IV – cada obra de construção civil não matriculada no prazo estabelecido em lei; e

V – a ausência de entrega, a entrega fora do prazo ou a apresentação com incorreções ou omissões, pelo município ou Distrito Federal, da relação de todos os alvarás, habite-se e certificados de conclusão de obra emitidos no mês”.

A hipótese é semelhante àquela relativa à exigência de certidão de homologação do ITCMD pelo fisco, na medida em que não houve pronunciamento judicial expresso sobre eventual inconstitucionalidade do óbice, que, atualmente, é respaldado por norma da Fazenda Pública:

“REGISTRO DE IMÓVEIS CARTA DE SENTENÇA ARROLAMENTO ITCMD NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO EXPEDIDA PELA SECRETARIA DA FAZENDA E PLANEJAMENTO ÓBICE MANTIDO RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1074569-77.2022.8.26.0100; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 03/11/2022; Data de Registro: 10/11/2022).

“Registro de Imóveis Formal de partilha Comprovação de pagamento do ITCMD Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda Óbice mantido Recurso não provido”. (TJSP; Apelação Cível 0000534-79.2020.8.26.0474; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Potirendaba – Vara Única; Data do Julgamento: 25/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).

Neste contexto, não há outro caminho senão alterar o entendimento antes adotado nesta via administrativa, que conta com limitada competência, como se sabe.

Eventual inconstitucionalidade deve ser objeto de questionamento específico pela via adequada conforme orientação do Conselho Superior da Magistratura (destaque nosso):

“REGISTRO DE IMÓVEIS Loteamento Negativa de registro Artigo 18, III, “c”, e § 2°, da Lei n.º 6.766/1979 Existência de ação penal em curso contra um dos sócios da loteadora por crime contra a administração Fato que, por si só, obsta o registro Impossibilidade de controle de constitucionalidade em sede administrativa Dúvida procedente Recurso não provido” (CSM Apelação n. 9000001-12.2015.8.26.0063 Des. Pereira Calças j. 15.03.2016).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 05 de maio de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 09.05.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


TJ/AL: Despacho/Decisão – Recurso Administrativo – Pedido de Providências – Interposição de recurso contra decisão do E. CNJ – Provimento expedido pela CGJ-AL suspendendo a aplicação de desconto de 50% nos atos de registro de primeira aquisição de imóvel pelo SFH – Legislações federal e estadual que preveem o desconto – Impossibilidade do Poder Judiciário usurpar a competência legislativa – Suspensão do provimento – Descabimento de que o registradores tenham de arcar com a devolução dos valores, vez agiram em conformidade com ordens administrativas – Manutenção da decisão.

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0008038-98.2018.2.00.0000

Requerente: SINDICATO DOS SERVICOS NOTARIAIS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ALAGOAS – TJAL

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Retomado o julgamento, o Conselho, por maioria, deu parcial provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido referente à devolução dos 50% dos valores dos emolumentos relativos à aquisição do primeiro imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação, recolhidos com fundamento no revogado Provimento CGJ/AL n. 04/2016, e determinar que se observe, nesse aspecto, o inteiro teor da decisão antes proferida pelo CNJ nos autos do PCA 0001402-19.2018.2.00.0000. Vencidos os Conselheiros Maria Thereza de Assis Moura (então Relatora), Jane Granzoto e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, que negavam provimento ao recurso. Lavrará o acórdão o Conselheiro Sidney Madruga. Votou a Presidente. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Sidney Madruga. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 11 de abril de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATORA):

Trata-se de Recurso Administrativo interposto pela CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS (Id 3701751), em face da decisão monocrática proferida Corregedor Nacional de Justiça Substituto à época, mediante a qual foi deferido o “item III” da petição inicial do presente Pedido de Providências, proposto pelo SINDICATO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS – SINOREG (Id 3253177).

Da decisão impugnada, extrai-se a determinação de que a CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS (CGJ/AL) observe:

“i) o cumprimento da legislação estadual que disciplina a matéria, uma vez que até o momento não foi objeto de qualquer ação de controle de constitucionalidade; e

ii) que, ao editar novos atos administrativos que fixem emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o faça de acordo com o que prevê a Lei Federal n. 10.169/00.” (Id. 3666231).

A recorrente sustenta, em síntese, quanto à atualização monetária da tabela de custas e emolumentos (Resoluções TJ/AL nos 06/2006 e 32/2016), que, “o TJ/AL não exerceu indevidamente Controle de Constitucionalidade em procedimento administrativo, tampouco alterou critérios estabelecidos em lei estadual vigente, muito menos contribuiu para suspensão da eficácia da legislação estadual pela via administrativa” (id 3701751, p. 14).

Quanto à devolução de cinquenta por cento dos valores dos emolumentos relativos ao primeiro imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), alega que, “ainda que os valores dos emolumentos relativos ao primeiro imóvel financiado pelo SFH tenham sido “… calculados e cobrados em conformidade com o Provimento CGJ/AL n° 04/2016 …” (= sic), ao analisar o tema, o Conselho Nacional de Justiça já se pronunciou no sentido da necessidade de redução dos emolumentos devidos em razão da primeira aquisição de imóveis por meio do Sistema Financeira da Habitação — SFH, assim como da obrigatoriedade de devolução das quantias pagas a maior. Com isso, a Corregedoria-Geral da Justiça/AL, ao publicar o Provimento n° 16, de 12/07/2018, atuou como mera executora da ordem legítima emanada do Conselho Nacional de Justiça, razão pela qual o decisum vergastado merece reconsideração/reforma por parte de Vossa Excelência.” (id 3701751, p. 15).

A Corregedoria local em sua peça recursal conclui que:

“a) A Resolução TJAL n° 14/2017 está em pleno vigor, até porque a respeitável decisão do Corregedor Nacional de Justiça substituto Aloysio Corrêa da Veiga não declarou qualquer revogação do ato administrativo, apenas determinando que a CGJAL adequasse suas regulamentações à Lei Estadual AL n° 3.185/1971 e a Lei Federal n° 10.169/2000.

b) A Resolução n° 14/2017 em nenhum momento ofendeu a Lei Estadual AL n° 3.185/1971 e tampouco aos ditames da Lei Federal n° 10.169/2000.

c) Caso esteja havendo algum descumprimento por parte dos Cartórios Extrajudiciais dos comandos contidos na Resolução n° 14/2017, o desobediente estará sujeito a responder Processo Administrativo, podendo suportar todos os consectários, até porque este Corregedor Geral da Justiça Alagoana não promoveu, por hora, qualquer mudança normativa no aludido ato.”  (Id 3701751, p. 24).

Por fim, requer a reconsideração da decisão proferida ou a submissão do julgamento do presente recurso ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça.

A Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (ADEMI/AL) requereu o seu ingresso como terceira interessada nos autos do presente Pedido de Providências. Pugnou, ainda, pela reconsideração da decisão anteriormente proferida (Ids: 3717532 – 3717549).

O Sindicato dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Alagoas (SINOREG/AL), apresentou contrarrazões de recurso administrativo (Ids: 3719049 – 3719050).

O recurso administrativo foi recebido pelo então Corregedor Nacional de Justiça Substituto (Id 3729793), que, na mesma oportunidade, determinou a suspensão dos efeitos da decisão monocrática anteriormente deferida, nos termos do art. 115, § 4º, segunda parte, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

Além disso, foi deferido o ingresso da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (ADEMI/AL) como terceira interessada nos autos do presente expediente.

É o relatório.

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

Adoto na íntegra, o relatório bem lançado pela Excelentíssima Senhora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Corregedora Nacional, todavia, quanto ao mérito, peço vênia a Sua Excelência para apresentar parcial divergência, especificamente no que diz respeito à devolução de emolumentos cobrados de forma indevida aos cidadãos com fundamento no Provimento CGJ/04/2016.

Para contextualizar a controvérsia, registro que a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJ/AL) editara, em 2011, o Provimento GCJ n.º 11/2011, o qual concedia o “desconto” de 50% nos emolumentos cobrados em decorrência da prática de atos relacionados à primeira aquisição imobiliária, para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), consoante determina o caput, do artigo 290 [1], da Lei n.º 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).

Posteriormente, editou-se o Provimento CGJ/AL n.º 04/2016, que revogou o Provimento CGJ/AL n.º 11/2011, além de suprimir o referido “desconto” de 50%, sob a justificativa de que o inciso III, do art. 151, da Constituição Federal [2] não autoriza a União a instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Nada obstante, à vista da decisão proferida pelo Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, no Agravo em Recurso Extraordinário n.º 913.952/RS, quanto à aplicação e à constitucionalidade do artigo 290 da Lei dos Registros Públicos, a Corregedoria alagoana declarou a nulidade absoluta do Provimento CGJ/AL n.º 04/2016, e determinou a expedição de novo Provimento para tratar da matéria (Provimento CGJ/AL n. 13/2017), instituindo, mais uma vez, a dedução de 50%.

Esse último ato regulamentar – Provimento CGJ/AL n. 13/2017 – previu expressamente que seus efeitos ocorreriam apenas a partir de sua publicação (efeitos ex nunc), mantendo-se hígidos os recolhimentos efetuados indevidamente com base no Provimento CGJ/AL n. 04/2016, o que autorizaria, por conseguinte, os delegatários a não devolverem os valores aos contribuintes.

Sem embargo, o Ministério Público do Estado de Alagoas propôs perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o Procedimento de Controle Administrativo (PCA) 0001402-19.2018.2.00.0000, distribuído em 12/3/2018, para impugnar justamente a parte da decisão que havia restringido os efeitos do reconhecimento da nulidade do Provimento CGJ/AL n. 04/2016 para o futuro, porquanto ensejaria fator impeditivo para que os contribuintes buscassem o ressarcimento dos valores cobrados pelos serviços extrajudiciais.

Em 5/7/2018, o pedido formulado no mencionado PCA foi julgado procedente pelo CNJ, decisão contra a qual não houve a apresentação de recurso, oportunidade em que foi declarada, em parte, a nulidade, da decisão antes proferida no Processo Administrativo n.º 2017/2.069, pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Alagoas, de forma a excluir a determinação de eficácia ex nunc do Provimento CGJ/AL n. 04/2016, bem como para: “[…] declarar a nulidade parcial do artigo 2º do Provimento CGJ/AL n.º 13, de 21 de março de 2017, para dele excluir a expressão ´a partir da vigência do presente Provimento´”

Confira-se, por oportuno, trechos da decisão proferida no referido PCA pela então Conselheira Daldice Santana, in verbis:

[…]Como bem observado pelo requerente, o decurso de pouco mais de um ano, à evidência, é insuficiente para tornar irreversíveis as relações jurídicas firmadas sob a égide do provimento ilegal.

Na realidade, em se tratando de segurança jurídica, o ordenamento contempla lapsos de tempo superiores a esse, a exemplo do prazo quinquenal conferido à Administração para anular os atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis para os destinatários (artigo 54 da Lei n. 9.784/1999) e dos prazos prescricionais previstos nos artigos 205 e 206 do Código Civil, os quais variam de 1 (um) a 10 (dez) anos.

Ademais, permitir a modulação dos efeitos da decisão que reconheceu a nulidade do Provimento CGJ/AL n. 04/2016, além de perpetuar a situação de ilegalidade, implica tratamento desigual àqueles que adquiriam seus imóveis no curto intervalo de tempo em que o direito ao desconto nos emolumentos não foi observado, sem que exista, no entanto, justificativa razoável para tanto.

Constitui, desse modo, providência manifestamente desproporcional, que certamente fomentará a litigiosidade e a judicialização da matéria. Isso implica, ao fim, mais insegurança jurídica, a pretexto de resguardá-la.

Vale mencionar que o Sistema Financeiro de Habitação compõe microssistema jurídico próprio (formado pela Lei n. 4.380/1964 e outros diplomas normativos), que visa à promoção do direito fundamental à moradia (artigo 6º da CF/1988), em especial para as classes da população de menor renda (artigo 1º da Lei n. 4.380/64).

Nesse contexto, sobrepor os interesses financeiros das serventias extrajudiciais à proteção desse direito fundamental vai de encontro à própria principiologia do SFH e ao espírito da regra trazida pelo artigo 290 Lei de Registros Públicos.

Se, de um lado, é certo que a legítima confiança depositada nos atos administrativos pelos delegatários de serviços notariais e de registro é merecedora de tutela, de outro, soa de todo desarrazoado que a população tenha de arcar com o ônus do ato administrativo ilegal praticado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.

Com essas considerações, é imperioso concluir pela indevida atribuição de efeitos ex nunc ao reconhecimento e à declaração da ilegalidade do Provimento CGJ/AL n. 04/2016 nos autos do Processo Administrativo Virtual n. 2017/2.069 e na parte final do artigo 2º do Provimento CGJ/AL n. 13, de 21 de março de 2017, transcrito alhures. […]

A partir desse julgamento, o TJ/AL não mais restringiu a sobredita cobrança pelos contribuintes prejudicados, concernente aos valores pagos indevidamente.

Entretanto, tal decisão foi omitida no Pedido de Providência em questão, o que, grosso modo, permitiria os sindicalizados, fundamentados em Provimento nulo, gize-se, a não devolver os valores cobrados indevidamente dos contribuintes, o que, sem dúvida, deve ser obstaculizado por este Conselho.

Destarte, considerando que a questão foi apreciada pelo CNJ e decidida de forma contrária à decisão ora sub examine, deve ser provido o recurso nessa parte, para que seja julgado improcedente o pedido formulado, no que tange à devolução do valor pago indevidamente com fundamento no revogado Provimento CGJ/AL n.º 04/2016, devendo, pois, ser observado o que ficou decidido no julgamento do PCA 0001402-19.2018.2.00.0000.

Outrossim, em razão da natureza tributária, o recebimento impróprio de 50% dos emolumentos pelos delegatários, ainda que de boa-fé, deve ser restituído, visto que se equipara a cobrança indevida feita pelo Estado em prejuízo do cidadão, não cabendo, porém, ao CNJ definir critérios de devolução de valores, os quais deve ocorrer de acordo com a legislação em vigor.

Ante o exposto, e pedindo vênia à Excelentíssima Ministra Relatora, dou parcial provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido referente à devolução dos 50% dos valores dos emolumentos relativos à aquisição do primeiro imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação, recolhidos com fundamento no revogado Provimento CGJ/AL n. 04/2016, e determinar que se observe, nesse aspecto, o inteiro teor da decisão antes proferida pelo CNJ nos autos do PCA 0001402-19.2018.2.00.0000

É como voto.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

SIDNEY PESSOA MADRUGA

Conselheiro 

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATORA):

Tratam os autos de Pedido de Providências proposto pelo SINDICATO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS (SINOREG-AL) em desfavor do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS.

Na inicial, o Requerente postulou intervenção do Conselho Nacional de Justiça  por considerar manifesta a insegurança jurídica por meio dos atos administrativos praticados pelo Poder Judiciário de Alagoas, em afronta às legislações vigentes, de âmbito Estadual e Federal. Nesse sentido, indicou como irregulares os seguintes pontos:

“i) forma de reajuste das tabelas de custas e emolumentos;

ii) questão afeta à devolução de valores por custas e emolumentos cobrados na aquisição do primeiro imóvel, inclusive a forma de restituição, se for a hipótese;

iii) forma de cobrança dos valores relativos aos atos de registro e baixa de hipotecas, alienações fiduciárias, afetação de patrimônio e securitização de créditos imobiliários; e

iv) forma de cobrança dos valores relativos aos atos de cobrança de emolumentos para os atos de registro de incorporação imobiliária ou especificação, instituição de condomínio, bem como registro de convenção de condomínio.”

Tendo em vista a narrativa da inicial, o Conselheiro que me antecedeu, na qualidade de Corregedor Nacional de Justiça Substituto, proferiu decisão, nos seguintes termos:

_________________________________

“[…]  o requerente buscou a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, por considerar manifesta a insegurança jurídica por meio dos atos administrativos praticados pelo Poder Judiciário de Alagoas em afronta à legislação estadual vigente, a saber: i) forma de reajuste das tabelas de custas e emolumentos; ii) questão afeta a devolução de valores por custas e emolumentos cobrados na aquisição do primeiro imóvel, inclusive a forma de restituição, se for a hipótese; iii) forma de cobrança dos valores relativos aos atos de registro e baixa de hipotecas, alienações fiduciárias, afetação de patrimônio e securitização de créditos imobiliários; e iv) forma de cobrança dos valores relativos aos atos de cobrança de emolumentos para os atos de registro de incorporação imobiliária ou especificação, instituição de condomínio, bem como registro de convenção de condomínio.

Posto isto, ao analisar o presente procedimento, verifica-se que o Tribunal de Justiça de Alagoas exerceu controle de constitucionalidade em sede de procedimento administrativo, alterando critérios estabelecidos em lei estadual vigente.

[…].

No caso sob análise, não há notícia de que a legislação local esteja em conflito com a jurisprudência da Suprema Corte. Sendo assim, não caberia ao Tribunal de Justiça de Alagoas editar ato administrativo que diverge da legislação estadual vigente, sob pena de usurpar a competência do Poder Legislativo.

Nestas condições, percebe-se que houve a suspensão da eficácia da legislação estadual pela via administrativa, quando, na verdade, deveria o Tribunal requerido, caso entendesse inconstitucional a lei, adotar os meios jurisdicionais aplicáveis à espécie.

No que tange à discussão acerca da redução de emolumentos contemplada no art. 290 da Lei Federal nº 6.015/1973, salienta-se que os emolumentos devidos aos Serviços Notariais e de Registro privatizados têm natureza tributária, consoante a jurisprudência firmada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, a partir da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378/ES, publicada em 30 de maio de 1999, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos.

Em consequência, sujeita-se quer no que concerne a sua instituição e majoração, quer no que se refere a sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, entre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia e da autoridade, e, sob esse enfoque, o tema deve ser analisado.

O art. 28 da Lei nº 8.935/94, que estabelece normas gerais para o exercício da atividade notarial e de registro, prescreve que ‘os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na Serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei’.

O legislador federal definiu, no art. 3º do Código Tributário Nacional, que ‘tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada’. Ademais, as leis de emolumentos descrevem em seus bojos as hipóteses de incidência da cobrança de emolumentos.

As hipóteses de incidência de emolumentos estão previstas nas leis estaduais e, com a sua ocorrência, nasce o fato gerador da obrigação tributária, segundo a inteligência do §1º do art. 113 e do art. 114, ambos do Código Tributário Nacional, e, assim sendo, só se poderia proibir a cobrança relativa a um determinado ato, em sede administrativa, se houvesse uma norma de exclusão nos respectivos diplomas estaduais.

No caso em tela, percebe-se que o Poder Judiciário de Alagoas, por ato administrativo (Provimento CGJ/2016), revogou expressamente a redução de 50% (cinquenta por cento) sobre os valores dos emolumentos incidentes sobre todos os atos de registros referentes à primeira aquisição de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, sendo posteriormente revogado pelo Provimento CGJ/AL nº 13/2017, determinando que os Cartórios passem a conceder a referida redução.

Com efeito, assiste razão aos argumentos lançados pelo requerente no presente pedido de providências, pois agiram os oficiais de registro de acordo com as determinações emanadas da Corregedoria local.

A mencionada isenção resta disciplinada por legislação própria, fato que não poderia a Corregedoria local, por ato administrativo (Provimento nº 04/2016), revogar a redução de 50% sobre os valores dos emolumentos incidentes sobre os atos de registros referentes à primeira aquisição de imóveis financiados pelo SFH.

Sendo assim, com base no princípio da confiança legítima, não cabe aos registradores o ônus da devolução dos valores, pois agiram de boa-fé, seguindo as determinações da Corregedoria local, entretanto, com base no princípio da segurança jurídica consagrado no art. 146 do CTN, a mudança de entendimento do judiciário local não poderá produzir eficácia quanto aos fatos pretéritos referentes ao período em que vigorou o entendimento.

Nesse sentido, cumpre destacar parte do voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, quando do julgamento do REsp 1.669.310/RS:

‘Todavia, no sistema tributário vigente, a revisão dos atos administrativos não pode ser admitida de forma indiscriminada, observando-se que a modificação empreendida sobre a interpretação tributária gera efeitos ex nunc, ou seja, somente pode ser considerada para os fatos geradores ocorridos posteriormente à sua introdução, a impedir que a autoridade coatora atribua à nova interpretação efeito retroativo, o que é vedado pelo art. 146 do CTN, como forma de conferir ao contribuinte maior previsibilidade e segurança jurídica. 8. Logo, os critérios nos quais se funda a resposta dada à Consulta formulada pelo TJRS, exposta no Ofício 492/04/SRRF10/Gabinete, não tem eficácia prospectiva, ficando a Administração livre para alterar os critérios jurídicos em relação a fatos geradores futuros. Entretanto, com base no princípio da segurança jurídica consagrado no art. 146 do CTN, a mudança da solução da consulta pela autoridade fiscal, na forma proposta pelo ofício 567/05/SRRF10/Gabinete, de 17.8.2005, não produz eficácia quanto aos fatos pretéritos, referentes ao período em que vigorou o entendimento da Receita Federal posteriormente revogado’.

Em relação à forma de cobrança dos valores relativos aos atos de registro e baixa de hipotecas, alienações fiduciárias, afetação de patrimônio e securitização de créditos imobiliários, denota-se disciplinamento inserido no art. 1º da Lei Estadual nº 3.185/1971, bem como no item VI da tabela B, onde contempla a possibilidade de cobrança por atos de averbações e registros praticados em razão dos valores declarados nos títulos apresentados ao Oficial de Registro.

Sendo assim, não deveria a administração do tribunal local, por determinação administrativa, sem que houvesse uma norma de exclusão nos respectivos diplomas estaduais, suspender sua eficácia.

Por fim, não obstante o presente pedido de providências versar sobre o recolhimento de emolumentos, ao compulsar os autos não se tem notícia de ter sido observado o que dispõe a Lei Federal nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, durante a edição das Resoluções aqui analisadas. O presente texto legal traz matéria regulamentadora do §2º do art. 236 da Constituição Federal, ao estabelecer normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Ante o exposto e do mais que dos autos consta, defiro os pedidos formulados no ‘item III’ da peça inicial deste pedido de providências (ID 3253177 p. 26).

Posto isso, determino à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Alagoas i) o cumprimento da legislação estadual que disciplina a matéria, uma vez que até o momento não foi objeto de qualquer ação de controle de constitucionalidade; e ii) que, ao editar novos atos administrativos que fixem emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o faça de acordo com o que prevê a Lei Federal nº 10.169/00”. (Id. 366231).

_________________________________

Contra essa decisão interpõe o presente Recurso Administrativo a CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS, alegando que “o decisum vergastado não apreciou todas as questões que integram o objeto do processo, tendo se atentado apenas de maneira genérica as discussões quanto ao controle de constitucionalidade em procedimento administrativo; a devolução dos 50% (cinquenta por cento) dos emolumentos cobrados com base no Provimento CGJ/AL no 04/2016; a forma de cobrança dos atos de registro e baixa de hipoteca; e por fim, outros temas secundários” (Id. 3702267).

Ainda de acordo com as razões recursais apresentadas pelo Corregedor Geral de Justiça do Estado de Alagoas, a decisão recorrida teria “sido emitida de forma dúbia e genérica, sem correlação completa com as providências almejadas pelo requerente” (Id. 3702267).

Pelo exame dos fatos narrados e documentos juntados aos autos, verifica-se que o Tribunal de Justiça de Alagoas exerceu controle de constitucionalidade em sede de procedimento administrativo, alterando critérios estabelecidos em lei estadual vigente.

Com efeito, no caso em análise, no que se refere à forma de reajuste das tabelas de custas e emolumentos, a Resolução n. 14/2017 (TJAL), negou vigência ao que prevê o art. 1º da Lei Estadual n. 5.673/95, deixando de aplicar a disciplina legal relativa à correção monetária dos valores de custas e emolumentos da tabela lançada pela Resolução n. 06/2006 (TJAL).

E, não havendo evidências de que a referida lei estadual tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, não caberia ao Tribunal de Justiça de Alagoas editar ato administrativo que diverge da legislação estadual vigente, sob pena de usurpar a competência do Poder Legislativo.

Por isso é que, como bem demonstrado na decisão recorrida, entende-se que houve suspensão de eficácia da legislação estadual pela via administrativa, quando, na verdade, deveria o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas adotar os meios jurisdicionais aplicáveis à espécie, caso entendesse inconstitucional mencionada lei.

Por outro lado, no que tange à discussão acerca da redução de emolumentos prevista no art. 290 da Lei Federal n. 6.015/1973, constata-se, do exame dos autos, que o Poder Judiciário de Alagoas, por meio de sua Corregedoria de Justiça, publicou o Provimento CGJ/AL n. 04/2016, o qual revogou expressamente a redução de 50% dos valores dos emolumentos incidentes sobre todos os atos de registros referentes à primeira aquisição de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação.

Posteriormente, referido provimento foi revogado pelo Provimento CGJ/AL n. 13/2017 (TJAL), o que ocasionou diversas decisões administrativas determinando às serventias extrajudiciais a devolução dos valores pagos a maior na vigência do Provimento CGJ/AL n. 04/2016 (TJAL).

E, como bem restou consignado na decisão recorrida, assiste razão ao Recorrido, quando indica que agiram os oficiais de registro de acordo com as determinações emanadas pela Corregedoria local à época.

É que, com base no princípio da confiança legítima, entende-se que não pode ser imposto aos registradores o ônus da devolução de valores, pois agiram de boa-fé, seguindo as determinações da Corregedoria local.

E tal conclusão decorre também por força do princípio da segurança jurídica consagrado no art. 146 do CTN, haja vista que a mudança de entendimento do Judiciário local não poderá produzir eficácia quanto aos fatos pretéritos, referentes ao período em que vigorou o entendimento.

Também no que se refere à forma de cobrança dos valores relativos aos atos de registro e baixa de hipotecas, alienações fiduciárias, afetação de patrimônio e securitização de créditos imobiliários, entende-se que não assiste razão ao Recorrente, uma vez que a disciplina legal sobre a matéria, nos termos do art. 1º da Lei Estadual n. 3.185/1971, bem como do item VI da tabela B, contemplam a possibilidade de cobrança por atos de averbações e registros praticados em razão dos valores declarados nos títulos apresentados ao Oficial de Registro.

Desse modo, não caberia ao TJAL, por ato administrativo, negar vigência ou suspender a eficácia da disciplina constante de respectivos diplomas estaduais.

Por fim, não obstante o objeto dos presentes autos relacionar-se a recolhimento de emolumentos, a título de reforço argumentativo,  destaca-se que os atos normativos exarados pelo Poder Judiciário do Estado de Alagoas – ora questionados – não observaram a regulamentação do § 2o do art. 236 da Constituição Federal, quanto às normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, nos termos do disposto na Lei Federal n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000.

E tal circunstância é mais uma evidência da profunda insegurança jurídica causada por referidos atos, conquanto eivados de vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade.

Desse modo, não subsistem os argumentos propostos pela Recorrente.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo e, por conseguinte, mantenho a decisão recorrida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

É como voto.

Notas:

[1] Art. 290. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50% (cinquenta por cento).

[2] Art. 151.  É vedado à União: […] III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. – – /

Dados do processo:

CNJ – Pedido de Providências nº 0008038-98.2018.2.00.0000 – Alagoas – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJ 14.04.2023

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


STJ – Quarta Turma não admite uso da ação possessória para retomada de imóvel alugado.

O instrumento processual adequado para que o proprietário retome a posse direta de imóvel alugado é a ação de despejo, nos termos do artigo 5º da Lei 8.245/1991 (Lei de Locação), não servindo para esse objetivo o ajuizamento de ação possessória.

O entendimento foi reafirmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), segundo o qual a ação possessória seria cabível para que os possuidores indiretos – no caso, os herdeiros do proprietário falecido – reivindicassem a retomada do imóvel locado.

De acordo com os autos, após a morte de seu pai, um dos herdeiros avisou à locatária que não tinha mais interesse no aluguel, e solicitou a desocupação. Entretanto, a locatária se recusou a sair do imóvel, alegando que o teria comprado do proprietário anterior.

Ao confirmar a sentença que determinou a reintegração de posse, o TJSP considerou que, tendo sido demonstrada a relação locatícia no imóvel transmitido aos herdeiros no momento da morte do pai (princípio da saisine), estava comprovada a posse indireta do autor da ação sobre o imóvel.

Apesar de considerar que, no caso, o procedimento adequado seria o da ação de despejo, o TJSP seguiu o princípio mihi factumdabo tibi ius (“dá-me os fatos que lhe darei o direito”), concluindo que o juiz de primeiro grau agiu corretamente ao analisar o pedido de reintegração de posse.

Ações possessórias e de despejo têm natureza e fundamentos distintos

Relator do recurso da locatária no STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira comentou que o Código de Processo Civil, em seu artigo 554, prevê a fungibilidade (ou seja, a possibilidade de se aceitar um meio processual juridicamente inadequado) para os diferentes tipos de ação possessória: a reintegração de posse (no caso de esbulho), a manutenção de posse (na hipótese de turbação) e o interdito proibitório (em razão de ameaça à posse).

Por outro lado, observou, a ação de despejo prevê uma relação locatícia subjacente, da qual derivam os direitos e os deveres do locador e do locatário – sendo possível comprovar, a partir dessa relação, uma situação de posse indevida.

“Embora o pedido da reintegração de posse e da ação de despejo seja a posse legítima do bem imóvel, trata-se de pretensões judiciais com natureza e fundamento jurídico distintos, pois, enquanto a primeira baseia-se na situação fática possessória da coisa, a segunda se fundamenta em prévia relação contratual locatícia, regida por norma especial, o que, consequentemente, impossibilita sua fungibilidade”, completou.

Desocupação para uso próprio tem procedimentos específicos na Lei de Locação

No caso analisado, segundo o relator, o término do contrato de locação ocorreu em razão da necessidade de retomada do imóvel para moradia, contexto em que a Lei 8.245/1991 prevê procedimentos específicos para a desocupação, bem como sanções – até criminais – se o proprietário não utilizar o bem com a finalidade alegada.

“Ao se permitir o ajuizamento de ação possessória em substituição da ação de despejo, nega-se vigência ao conjunto de regras especiais da Lei de Locação, tais como prazos, penalidades e garantias processuais”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial e julgar improcedente a ação de reintegração de posse.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1812987

Fonte: Sindicato dos notários e registradores do estado de São Paulo.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.