CGJ/SP: Registro de Imóveis – Requerimento de averbação de incorporação societária – Patrimônio da pessoa jurídica incorporada que passa a pertencer integralmente à pessoa jurídica incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal – Indicação dos números das matrículas dos imóveis no requerimento que, no caso concreto, é suficiente para a prática do ato registrário almejado – Recurso provido.

Número do processo: 1021124-42.2020.8.26.0577

Ano do processo: 2020

Número do parecer: 348

Ano do parecer: 2022

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1021124-42.2020.8.26.0577

(348/2022-E)

Registro de Imóveis – Requerimento de averbação de incorporação societária – Patrimônio da pessoa jurídica incorporada que passa a pertencer integralmente à pessoa jurídica incorporadora, que a sucede em todos os direitos e obrigações, a título universal – Indicação dos números das matrículas dos imóveis no requerimento que, no caso concreto, é suficiente para a prática do ato registrário almejado – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso de apelação interposto por Banco do Brasil S.A. contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de São José dos Campos que, em pedido de providências, indeferiu o pedido de averbação da incorporação societária do Banco Nossa Caixa S.A. pelo Banco do Brasil S.A. nas matrículas nºs 4.864, 15.280, 69.276, 80.792, 93.219, 93.261, 93.638, 94.740, 95.251 e 95.255, da referida serventia extrajudicial (fls. 338/339)

Alegou o recorrente, em síntese, que a exigência de discriminação de todos os bens imóveis do Banco Nossa Caixa S.A. (incorporado) que passaram ao acervo patrimonial de titularidade do Banco do Brasil S.A. (incorporador), com a consequente retificação do laudo de avaliação já registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo, é desnecessária, uma vez que, na incorporação societária, a transmissão patrimonial é integral, devendo a ato registrário almejado ser praticado tão somente à vista da indicação dos números das matrículas imobiliárias no requerimento devidamente instruído (fls. 343/353).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 448/450).

É o relatório.

Opino.

De início, em se tratando de pedido de providências e não de dúvida, pois o ato buscado é de averbação, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo.

Pretende o recorrente que se proceda à averbação da incorporação societária do Banco Nossa Caixa S.A. pelo Banco do Brasil S.A. nas matrículas nºs 4.864, 15.280, 69.276, 80.792, 93.219, 93.261, 93.638, 94.740, 95.251 e 95.255, do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de São José dos Campos.

O Oficial, por sua vez, recusou o pedido de averbação do ato de incorporação, formulando exigências, no exercício do seu dever de qualificação dos títulos que lhe são apresentados, e a única que deixou de ser cumprida e é objeto deste pedido de providências diz respeito à retificação do laudo de avaliação para constar a descrição dos imóveis e seus respectivos valores, bem como seu registro na Junta Comercial do Estado de São Paulo.

Nas razões da dúvida, o Oficial asseverou que “não constou do laudo de avaliação quais os imóveis pertencentes ao Banco Nossa Caixa que foram incorporados pelo Banco do Brasil S/A, bem como seus valores contábeis a época da incorporação. A descrição dos imóveis no título é exigência essencial ao direito registral, em atenção ao princípio da especialidade objetiva, disposto no art. 225, §1º da Lei dos Registros Públicos, que significa “que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado”. (CARVALHO, Afranio. Registro de Imóveis. 4ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 203)” (fls. 02).

Mas tal exigência deve ser afastada.

Nas matrículas imobiliárias referidas constam como titular do domínio o Banco Nossa Caixa S.A. (fls. 274/312).

A propósito da incorporação, estabelece o artigo 1.116 do Código Civil:

“Art. 1.116 – Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.”

Sobre o tema, vale lembrar a lição de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, para quem: “a incorporação implica a transferência do patrimônio líquido da sociedade incorporada para a sociedade incorporadora, à semelhança do que ocorre com a versão de bens para a constituição de nova companhia, ou seja, mediante subscrição do capital da incorporadora, efetuada pelos acionistas da incorporada” (“Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro”, José Bushatsky Editor, 1979, p. 665). É que a reorganização societária, na modalidade da incorporação, importa transmissão do patrimônio da sociedade incorporada à sociedade incorporadora, configurando uma alienação lato sensu.

Destarte, havendo irrecusável sucessão, por parte da instituição financeira incorporadora, de todos os direitos e obrigações da instituição financeira incorporada, patente a alteração da propriedade do imóvel decorrente da mutação subjetiva da titularidade dos bens que integram o patrimônio líquido da pessoa jurídica (Rubens Requião, “Curso de Direito Comercial”, 1977, vol. II, p. 215; Fran Martins, “Curso de Direito Comercial”, 1981, p. 434; Nelson Abrão, “Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada”, 1980, p. 134/135).

Como esclarecido, cuida-se a incorporação de verdadeira técnica de reorganização societária, em que não há transferência de bens específicos, em si considerados, mas de uma universalidade de direitos e obrigações. Não se trata de negócio especificamente concernente à transferência de determinado bem imóvel, certo que o patrimônio da pessoa jurídica incorporada é integralmente transferido à incorporadora, ocasionando a extinção daquela.

Bem por isso, para o ato registrário almejado, no caso concreto e específico é suficiente a indicação do número das matrículas no requerimento levado a cabo perante o Oficial de Registro de Imóveis, acompanhado da ata da assembleia, do protocolo e justificação da incorporação, laudo de avaliação do acervo patrimonial e certidão da Junta Comercial do Estado de São Paulo.

E assim foi feito na hipótese em testilha, cuidando, o Banco do Brasil S.A. (incorporador), de discriminar no pedido de averbação da incorporação societária os números das matrículas e respectivas descrições imobiliárias (fls. 06/10), acompanhado dos documentos referidos (fls. 11/312).

Aliás, no mesmo sentido a decisão proferida em caráter normativo pelo então Juiz de Direito Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, hoje Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Venício Antonio de Paula Salles nos autos do processo nº 0049033-14.2004.8.26.0100:

“(…) Os imóveis devem se encontrar ‘individualizados’, mas não detalhados, de forma que basta a indicação do número das transcrições ou matrículas e localização. Mormente no caso de INCORPORAÇÃO e FUSÃO, em que a transmissão patrimonial é integral, pois provoca a extinção de uma (incorporada) ou de duas (fundidas) sociedades, o rigor descritivo deve ser mitigado. Nestes casos, a indicação simples da LOCALIZAÇÃO ou das MATRÍCULAS e TRANSCRIÇÕES, atende às exigências, não havendo qualquer risco, ou qualquer deslize ou descuido com relação à SEGURANÇA.

(…)

Portanto, existindo certeza quanto a “identificação” dos imóveis, desnecessária a exigência do atendimento do art. 225 da Lei de Registros Públicos. Esta “identificação” pode estar na ATA, no LAUDO, no protocolo de justificação ou no requerimento.”

Afastada então a única exigência que impedia a inscrição do ato, de rigor a sua prática.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de receber a apelação interposta como recurso administrativo e a ele dar provimento para que seja feita a averbação da incorporação nas matrículas dos imóveis.

Sub censura.

São Paulo, 13 de outubro de 2022.

Caren Cristina Fernandes de Oliveira

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, na forma do artigo 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, ao qual dou provimento, a fim de determinar as averbações pretendidas. São Paulo, 13 de outubro de 2022. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça. ADV: ANA LUCIA CALDINI, OAB/SP 133.529 e REGIS DIEGO GARCIA, OAB/SP 250.212.

Diário da Justiça Eletrônico de 20.10.2022

Decisão reproduzida na página 120 do Classificador II – 2022 

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura de dação em pagamento do direito à aquisição do imóvel (art. 26, § 8º, da Lei 9.514/1997) – Indisponibilidade judicialmente decretada sobre o patrimônio da devedora fiduciante – Óbice existente ao tempo da prenotação – Irrelevância, neste caso, da data da celebração do negócio jurídico – Dação em pagamento que configura alienação voluntária – Óbice mantido – Apelação improvido.

Apelação nº 1057231-90.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1057231-90.2022.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1057231-90.2022.8.26.0100

Registro: 2023.0000131039

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1057231-90.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESCUDERIA COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA., é apelado 15º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1057231-90.2022.8.26.0100

APELANTE: Escuderia Comércio de Veículos Ltda.

APELADO: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 38.926

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura de dação em pagamento do direito à aquisição do imóvel (art. 26, § 8º, da Lei 9.514/1997) – Indisponibilidade judicialmente decretada sobre o patrimônio da devedora fiduciante – Óbice existente ao tempo da prenotação – Irrelevância, neste caso, da data da celebração do negócio jurídico – Dação em pagamento que configura alienação voluntária – Óbice mantido – Apelação improvido.

Trata-se de apelação (fls. 230/240) interposta por Escuderia Comércio de Veículos Ltda. contra a r. sentença (fls. 221/224), proferida pela MMª. Juíza Corregedora Permanente do 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente a dúvida (fls. 01/11) e manteve a recusa de registro stricto sensu da escritura de confissão de dívida e dação em pagamento dos direitos da devedora fiduciante em conferência de bem imóvel e outras avenças (fls. 130/137), na matrícula n.º 150.862 (fls. 55/121) daquela serventia extrajudicial.

Alega a apelante, em síntese, que o óbice ao ingresso do título no fólio real não se sustenta porque as indisponibilidades decretadas contra Belmetal Indústria e Comércio Ltda. são posteriores à lavratura da escritura apresentada a registro, além do que a devedora possui outros imóveis para a garantia dos débitos trabalhistas. Refuta, outrossim, a assertiva de que a operação foi realizada por valor vil, advogando a tese de que houve estrita observância ao valor da dação em pagamento, constante da escritura, considerando que o montante que suportou é superior ao real valor de mercado, bem como superior ao próprio valor venal do imóvel, ao se considerar os outros gastos incorridos para a regularização do imóvel e seu estado precário. Alternativamente, pede a substituição da indisponibilidade para os imóveis de propriedade de Belmetal Indústria e Comércio Ltda., conforme documentos 04 a 12 que apresenta. Por isso, pugna pelo registro da escritura de dação em pagamento.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 424/427).

É o relatório.

Em que pese às razões da apelante, a r. sentença deve ser mantida, como, aliás, opinou o Ministério Público.

Apresentada a registro a escritura de confissão de dívida e dação em pagamento dos direitos da devedora fiduciante em conferência de bem imóvel e outras avenças (fls. 130/137), na matrícula n.º 150.862, o 15º Oficial de Registro de Imóveis desqualificou o título, emitindo nota devolutiva n.º 948.727, de 28 de janeiro de 2022, com o seguinte teor:

“BELMETAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA está com seus bens indisponíveis. Proceder o cancelamento das averbações de Indisponibilidades ainda vigentes.”

E como esclareceu o Oficial Substituto, na suscitação da dúvida (fls. 01/11), inúmeras indisponibilidades permaneciam até a data em que se manifestou, conforme as averbações feitas na matrícula do imóvel, sob n.ºs 50, 51, 58, 60, 61, 64, 74, 78, 85, 86, 91, 96, 97, 100, 101, 105 e 114, de acordo com os correspondentes comunicados advindos da Central de Indisponibilidade.

O item 412 do Cap. XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça dispõe que:

“412. Os registradores de imóveis deverão, antes da prática de qualquer ato de alienação ou oneração, proceder à consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB).”

Havendo, portanto, ordem de indisponibilidade, muito embora lavrada a escritura pública ou elaborado o instrumento particular que tenha por objeto negócio jurídico sobre a propriedade ou outro direito real relativo a imóvel de que o titular seja o destinatário da restrição, será impossível o registro do ato no Registro de Imóveis.

Na espécie, o credor fiduciário, ora apelante, não fez uso do procedimento contido no artigo 26, §§1º a 7º, da Lei n.º 9.514/1997 para a consolidação da propriedade do imóvel em seu nome e, consequentemente, não promoveu o público leilão para a alienação do imóvel, conforme o estatuído pelo artigo 27 da mesma Lei.

Houve, no caso, a dação do direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, por parte do devedor fiduciante, com o que o credor fiduciário anuiu, na forma do §8º, do artigo 26, da Lei n.º 9.514/1997, dispensando-se, portanto, os procedimentos previstos no artigo 27 da lei em apreço.

Como ensina Moacyr Pretrocelli de Ávila Ribeiro [1]“Faculta a Lei 9.514/1997, em seu art. 26, §8º, que o devedor fiduciante possa, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensando-se, assim, os procedimentos à alienação do imóvel em leilão público, tal como disciplinado no art. 27 da referida lei.”

Pelo que consta dos autos, credor fiduciário e devedor fiduciante firmaram escritura pública de dação em pagamento, pela qual o devedor deu, em quitação da dívida existente junto ao credor, os direitos eventuais sobre o imóvel, nos termos do art. 26, §8º, da Lei n.º 9.514/1997 (fls. 130/137).

A dação em pagamento de que trata o dispositivo legal em tela é a mesma prevista no artigo 356 do Código Civil, segundo o qual “o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida”, a ela também se referindo o parágrafo único do artigo 1.428 do mesmo diploma legal, no sentido de que “após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.”

A respeito, vale citar o preciso ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves [2]:

“Embora proibido o pacto que autoriza o credor a ficar com a coisa se a dívida não for paga no vencimento, é permitido ao devedor, todavia, após o vencimento da obrigação, entregar em pagamento da dívida a mesma coisa ao credor, que a aceita, liberando-o. Configura-se, neste caso, a dação em pagamento (datio in solutum), admitida no parágrafo único do aludido art. 1.428 do Código Civil, nestes termos: ‘Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida’. A justificativa para tal permissão reside no fato de não se tratar de pacto inserido no contrato real com a finalidade de fraudar.

A dação em pagamento decorre da vontade do devedor, que a isso não está obrigado, mas que pode fazer a opção, se lhe convier. Não se cuida de direito assegurado ao credor, mas de faculdade reconhecida ao devedor, que resulta da vontade livre daquele que deve. Não se vislumbra, na espécie, a pressão da necessidade impondo a solução ao devedor. Não mais vigora, in casu, o mesmo fundamento ético da proibição da lex comissória.”

Tem-se, então, hipótese em que o devedor exerceu a faculdade de dar seu direito eventual ao imóvel ao credor, em vez de quitar a dívida como avençado, o que contou com a anuência do credor, conforme o que estabelece o artigo 26, §8º, da Lei n.º 9.514/1997.

A dação em pagamento prevista depende da vontade das partes envolvidas, daí porque cabe ao credor avaliar a conveniência de anuir com a pretensão do devedor quanto ao recebimento do direito eventual ao bem dado em garantia no lugar do adimplemento da dívida.

Não se cuida, portanto, do procedimento de consolidação da propriedade do bem dado em garantia a que se referem os §§1º a 7º do artigo 26 da Lei n.º 9.514/1997, o qual, por sua vez, deveria ser seguido do procedimento inserido no artigo 27 da mesma lei.

Sobre isso, novamente esclarece Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro [3]:

“Por fim, concretizada a dação em pagamento, o credor fiduciário está liberado de promover a alienação do imóvel em leilão público e seguir os rigorosos ditames do art. 27 da Lei 9.514/1997. Nesse mister, passa a ser indiferente se a coisa recebida a título de dação em pagamento ostenta valor superior ou inferior à prestação original, pois recebida em substituição (art. 356 do Código Civil). Nisso, pois, consiste o acordo liberatório: é acordo ‘in solutione’. Assim, quando ultimada voluntariamente a dação em pagamento, sem qualquer ressalva, o devedor não fará jus ao recebimento de diferença alguma, não lhe socorrendo o disposto no art. 27, §4º, da Lei 9.514/007, que se aplicaria exclusivamente se o imóvel tivesse ido a leilão público e fosse arrematado” (grifei) .

Tratando-se de ato voluntário de dação em pagamento do direito eventual ao imóvel, e existindo ordens de indisponibilidade de bens e direitos do devedor, era imperiosa a exigência formulada, pouco importando a data em que lavrada a escritura de dação em pagamento.

Como ao tempo da apresentação do título a registro havia inúmeras ordens de indisponibilidade de bens vigentes e averbadas na matrícula n.º 150.862, ordenada por variadas autoridades judiciais, como pode ser constatado na certidão de matrícula a fls. 55/121, o Oficial de Registro negou a inscrição da escritura de dação em pagamento, como era de rigor.

Aliás, o 14º Tabelião de Notas, ao lavrar a escritura de dação em pagamento em pauta, fez constar a advertência acerca da existência de ordem de indisponibilidade contra o patrimônio do devedor, mas ambas as partes manifestaram o desejo de continuar com a transação (cláusula 12, fls. 136).

Nesse passo, é desimportante que a dação em pagamento tenha ocorrido anteriormente à inscrição das indisponibilidades na matrícula do imóvel.

Consoante a jurisprudência já pacificada do C. Conselho Superior da Magistratura, a qualificação registral do título é levada a efeito no momento de sua apresentação, pouco importando à data em que celebrado.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Compromisso de compra e venda apresentado após a averbação da indisponibilidade do imóvel – Tempus regit actum – Jurisprudência do CSM – Dúvida procedente – Recurso não provido. (…) A jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura está pacificada no sentido de que a qualificação do título sujeita-se à lei vigente ao tempo de sua apresentação {tempus regit actum), pouco importando a data da celebração do contrato (Apelação Cível n° 115-6/7, rei. José Mário Antônio Cardinale, n° 777-6/7, rei. Ruy Camilo, n° 530-6/0, rei. Gilberto Passos de Freitas, e, mais recentemente, n° 0004535-52.2011.8.26.0562, relatada por V. Exa.).

No caso em exame, quando o instrumento particular de compromisso de compra e venda foi apresentado, já pendia a indisponibilidade oriunda da Justiça do Trabalho (av. 03 – fl. 15), que, por óbvio, impede o registro pretendido (Apelação nº 1049817-85.2015.8.26.0100, Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Manoel Queiroz de Pereira Calças, data do julgamento: 25/02/2016).”

De outra parte, não compete ao Oficial de Registro de Imóveis, nem à Corregedoria Permanente ou à Corregedoria Geral, determinar a substituição das ordens de indisponibilidades para que recaiam sobre outros bens do devedor. Eventuais pretensões de levantamentos das ordens de indisponibilidade devem ser deduzidas diretamente aos juízos que as decretaram.

Por fim, igualmente descabido avaliar, no âmbito restrito deste procedimento administrativo, se a dação em pagamento do direito eventual ao imóvel ocorreu por preço justo.

Basta, para a manutenção da exigência do Registrador, a constatação de que o registro stricto sensu do negócio jurídico voluntário realizado fora obstado em razão das ordens de indisponibilidade existentes contra o patrimônio do devedor ao tempo em que apresentado o título ao Oficial.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

Notas:

[1] 1RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 626.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 750.

[3] RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 630. (Acervo INR – DJe de 04.05.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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2VRP/SP: Respeitada outras compreensões, tenho que o elemento constante no registro acerca da cor, encerra elemento sensível por relativo à origem racial ou étnica em sentido amplo e, portanto, deve seguir essa qualificação jurídica nos termos do Provimento CNJ n. 134/22 (elemento sensível). Nessa ordem de ideias, o pedido deveria ser submetido a esta Corregedoria Permanente por não deduzido pelos registrados ou procuradores. 

Processo 1115372-05.2022.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – K.C.M. – VISTOS. Trata-se de representação acerca da expedição de certidão de casamento de inteiro teor em razão da presença de elemento de sigilo na certidão (a fls. 01/03). O Sr. Oficial prestou informações, procedendo à expedição da certidão requerida (a fls. 08 e 23). O Ministério Público pugnou pelo arquivamento do expediente (a fls. 30/31). Foi solicitada e juntada aos autos manifestação da D. ARPEN-SP (a fls. 37/42). É o breve relatório. Decido. Os itens 47.8 e 47.9, do Capítulo XVII, do TOMO II, das Normas de Serviço do Extrajudicial: 47.8. Nas certidões de registro civil em geral, inclusive as de inteiro teor, requeridas pelos próprios interessados, seus representantes legais e mandatários com poderes especiais, ressalvado o caso de proteção à testemunha, serão expedidas independentemente de autorização do Juiz Corregedor Permanente. 47.9. As certidões de registro civil em geral, requeridas por terceiros, serão expedidas independentemente de autorização do Juiz Corregedor Permanente. Em se tratando, contudo, de certidão de inteiro teor, a autorização se fará necessária nos casos previstos nos artigos 45, 57, §7º e 95 da Lei nº 6.015/73, art. 6º da Lei nº 8.560/92, reconhecimento de paternidade e alteração de nome e/ou sexo de pessoa transgênero. Noutra quadra, os artigos 36 e 38 do Provimento CNJ n. 134, de 24 de agosto de 2022, estabelecem: Art. 36. As certidões de registro civil em geral, inclusive as de inteiro teor, requeridas pelos próprios interessados, seus representantes legais, mandatários com poderes especiais, serão expedidas independentemente de autorização do Juiz Corregedor Permanente. § 1º Nas hipóteses em que a emissão da certidão for requerida por terceiros e a certidão contiver dados sensíveis, somente será feita a expedição mediante a autorização do juízo competente. § 2º Após o falecimento do titular do dado sensível, as certidões de que trata o caput deste artigo poderão ser fornecidas aos parentes em linha reta, independentemente de autorização judicial. (…) Art. 38. As solicitações de certidões por quesitos, ou informações solicitadas independentemente da expedição de certidões, receberão o mesmo tratamento destinado às certidões solicitadas em inteiro teor quando os dados solicitados forem restritos, sensíveis ou sigilosos. § 1º São considerados elementos sensíveis os elencados no inciso II do art. 5º da Lei n. 13.709/2018, ou outros, desde que previstos em legislação específica. § 2º São considerados elementos restritos os previstos nos artigos 45 e 95 da Lei n. 6.015/1973, no artigo 6º e seus parágrafos, da Lei n. 8.560/1992, e no artigo 5º do Provimento n. 73/ 2018, da Corregedoria Nacional de Justiça, ou outros, desde que previstos em legislação específica. § 3º São considerados elementos sigilosos os previstos no parágrafo 7º do artigo 57 da Lei n. 6.015/1973, ou outros, desde que previstos em legislação específica. De outra parte, o art. 5º, inc. II, da LGPD, dispõe: Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: (…) II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural; Desse modo, respeitada outras compreensões, tenho que o elemento constante no registro acerca da cor, encerra elemento sensível por relativo à origem racial ou étnica em sentido amplo e, portanto, deve seguir essa qualificação jurídica nos termos do Provimento CNJ n. 134/22 (elemento sensível). Nessa ordem de ideias, o pedido deveria ser submetido a esta Corregedoria Permanente por não deduzido pelos registrados ou procuradores. Noutra quadra, como se observa da judiciosa manifestação da culta Dra. Presidente ARPEN-SP, a matéria posta em exame é controversa e complexa, assim, tenho que não há indícios de ilícito disciplinar na expedição de certidão realizada pelo Sr. Oficial, bastando recomendação para conduta em situações futuras semelhantes. Ante ao exposto, determino o arquivamento deste expediente administrativo, com recomendação ao Sr. Oficial. Ciência ao Sr. Oficial e ao Ministério Público. Encaminhe-se desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça e a D. ARPEN-SP, por e-mail, servindo esta decisão como ofício. Cumprido o determinado nos autos e certificado o trânsito em julgado, arquive-se. P.I.C. – ADV: KELLI CRISTINA MENEZES (OAB 445026/SP) (DJe de 04.05.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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