1VRP/SP: Registro de Ímóveis. O E. Conselho Superior da Magistratura também já entendeu possível a transferência por procuração com poderes expressos, ainda que sem identificação dos imóveis, mas em caso específico, de integralização de capital social por conferência de bens comuns do casal.


  
 

Processo 1038387-58.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Nubia Celeste da Silva – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: MAYARA MANSO VIDIGAL (OAB 401717/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1038387-58.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Nubia Celeste da Silva

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Nubia Celeste da Silva, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de instrumento particular de venda e compra e alienação fiduciária referente ao imóvel da matrícula n. 154.893 daquela serventia (prenotação n. 535.722).

O Oficial esclarece que, por meio do negócio em questão, Construtora Metrocasa Ltda vendeu fração ideal do terreno correspondente a futura unidade autônoma, apartamento n. 1410 do Residencial Metrocasa Lapa, a Nubia Celeste da Silva, representada por Jhonattan Silva Martins. A negativa foi motivada por ausência de poderes expressos e específicos na procuração apresentada em conjunto com o título.

Documentos vieram às fls. 04/57.

A parte suscitada manifestou-se apenas perante o Oficial (fls. 06/08 e 58), aduzindo que a procuração prevê poderes para que o procurador aliene bens móveis e imóveis, sendo que as normas da NSCGJ foram revisadas e não mais exigem a indicação de bem específico (item 131.1, Cap. XVI).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 61/62).

É o relatório.

Fundamento e decido.

A dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

No caso em tela, a procuração pública de fls. 69/71, outorgada em 20 de janeiro de 2020 por Nubia Celeste da Silva em favor de Jhonattan Silva Martins, especificou os atos que poderiam ser realizados pelo procurador nos seguintes termos: “ao qual confere os mais amplos e gerais poderes para gerir e administrar os bens e negócios da outorgante, podendo comprar, vender, permutar, dar e receber em pagamento, locar, dar e receber em comodato ou por qualquer outra forma ou título alienar e adquirir, bens móveis, imóveis, automóveis, semoventes, ações, quotas, telefone móvel, celular, direitos e afins, podendo para tanto, fazer lavrar e assinar os respectivos instrumentos, quer sejam públicos ou particulares…”.

Trata-se, portanto, de procuração genérica, a qual não atende ao previsto pelo artigo 661, § 1º, do Código Civil, e pelo item 131.1, Cap. XVI, das NSCGJSP:

“Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1 o Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

§ 2 o O poder de transigir não importa o de firmar compromisso”.

“131. A procuração outorgada para a prática de atos em que exigível o instrumento público também deve revestir a forma pública.

131.1. Entende-se por poderes especiais na procuração para os fins do art. 661, §1º, do Código Civil, a expressão “todos e quaisquer bens imóveis” ou expressão similar, sendo desnecessária a especificação do bem”.

A matéria vem muito bem tratada pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura no processo de autos n. 0024552-06.2012.8.26.0100 (Rel. Des. José Renato Nalini, data de julgamento: 07/02/2013, data de publicação: 02/04/2013):

“REGISTRO DE IMÓVEIS CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL SACADA POR MEIO DE REPRESENTAÇÃO EXISTÊNCIA DE PODERES EXPRESSOS MAS NÃO ESPECIAIS ART. 661, P. 1º, DO CÓDIGO CIVIL EXIGÊNCIA DE PODERES EXPRESSOS E ESPECIAIS RECURSO NÃO PROVIDO”.

Conforme a lição de Pontes de Miranda mencionada no referido acórdão, mandato expresso e mandato com poderes especiais são conceitos diferentes, sendo que a lei exige o atendimento cumulativo das duas hipóteses para qualquer ato envolvendo imóveis.

Como definia o artigo 134 do antigo Código Comercial, poderes expressos são aqueles manifestados com explicitude. Poderes especiais, por sua vez, são aqueles outorgados para a prática de ato determinado.

Confira-se do corpo do acórdão:

“…Conclui-se, pois, que os poderes especiais e os poderes expressos, referidos no § 1º do artigo 661 do Código Civil, têm significados diversos. Estes últimos são os referidos no mandato (exemplo: poderes para vender, doar, hipotecar, etc).

Já aqueles correspondem à determinação específica do ato a ser praticado (exemplo: vender o imóvel “A”. hipotecar o imóvel “B”, etc).

E o ordenamento jurídico, como já visto, exige a presença de ambos na procuração com o escopo de se alienar bens”.

O E. Conselho Superior da Magistratura também já entendeu possível a transferência por procuração com poderes expressos, ainda que sem identificação dos imóveis, mas em caso específico, de integralização de capital social por conferência de bens comuns do casal (Apelação n. 1001689-21.2015.8.26.0363):

“Registro de Imóveis – Conferência de bens para integralização de capital social – Dúvida julgada procedente em primeira instância – Análise das três exigências. Óbito da outorgante da procuração ocorrido entre a conferência de bens e o registro do título – Afastamento do óbice – Aplicação do artigo 674 do Código Civil. Falta de identificação dos imóveis a serem transferidos na procuração outorgada – Procuração que confere ao apelante amplos poderes para representar sua esposa, inclusive para alienação de bens – Afastamento do óbice – Precedente deste Conselho. Conferência de bens comuns do casal para integralizar participação em sociedade da qual apenas o marido se tornará sócio – Regime da comunhão parcial de bens – Participação societária que entrará na comunhão de bens, ainda que as ações fiquem em nome do recorrente – Inteligência do artigo 1.660, I, do Código Civil – Anuência suprida pelos termos da procuração e pela futura partilha da participação societária – Exigência afastada. Apelação provida, para julgar improcedente a dúvida” (TJSP; Apelação Cível 1001689-21.2015.8.26.0363; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Mogi Mirim – 1ª Vara; Data do Julgamento: 15/08/2017; Data de Registro: 22/08/2017).

Quanto à necessidade de especificação dos imóveis destinados à integralização do capital, extrai-se do referido acórdão que a procuração, então analisada pelo CSM, outorgava amplos poderes, inclusive para alienação de bens imóveis:

“(…) pela procuração outorgada o mandante habilitou os mandatários a alienar qualquer de seus bens imóveis mediante integralização do aumento de capital social da empresa apelante, integralização que, ainda ‘in casu’, foi concomitante com a subscrição, pelo mandante, de novas ações ordinárias emitidas pela apelante (…)”.

Trata-se de poderes, portanto, que são utilizados para além da administração ordinária (poderes especiais) e declarados de modo inequívoco (poderes expressos), razão pela qual a procuração deve abranger as duas hipóteses, salvo situação excepcional que permita inferir a sua conjugação como no caso citado acima.

Na hipótese em análise, porém, não há outros elementos a serem analisados além da procuração outorgada, a qual, embora confira poderes expressos, não estabelece poderes especiais como determinado pelo Código Civil e pelas NSCGJ (fls. 69/71).

Neste contexto, a qualificação negativa subsiste.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de maio de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito. (DJe de 12.05.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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