1VRP/SP: Registro de Imóveis. Exigência de prévia incorporação imobiliária para o registro da instituição e especificação de condomínio. Dúvida improcedente para afastar a exigência.


  
 

Processo 1038212-64.2023.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Unacorp Spe 002 Desenvolvimento Imobiliário Ltda. – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar a exigência de registro prévio da incorporação imobiliária. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: LUCIANE CASE COSTA (OAB 335976/SP), CARLOS ARTUR ANDRE LEITE (OAB 94555/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1038212-64.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital

Suscitado: Unacorp Spe 002 Desenvolvimento Imobiliário Ltda.

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Unacorp SPE 002 Desenvolvimento Imobiliário Ltda à vista de negativa de registro de instrumento particular de convenção de condomínio do “Residencial Allure 508”, situado na avenida dos Imarés, n. 508, que foi apresentado conjuntamente com requerimento de registro de instrumento particular de instituição do condomínio (prenotações n. 881.057 e 881.058, matrícula n. 231.272 – fls. 06//08).

O Oficial esclarece que ambas as prenotações foram devolvidas sob o fundamento de que, para os registros requeridos, há necessidade de se efetuar, primeiramente, o registro da incorporação imobiliária, conjuntamente com toda documentação elencada no artigo 32 da Lei n. 4.591/64; que tal exigência se justifica tendo em vista o objeto social da parte interessada; que o fato de o prédio estar pronto não significa que o registro da instituição pode se dar sem o registro prévio da incorporação; que a lei não faz distinção se a alienação das unidades autônomas de dará anterior ou posteriormente à conclusão da obra. De fato, a Lei n. 4.591/64 abarca as duas situações, quais sejam, alienação depois da conclusão da obra (artigo 28, parágrafo único) ou antes da conclusão da obra (artigo 29).

O Oficial esclarece, ainda, que os cartórios têm o dever de fiscalizar qualquer prática com sujeição a penalidade prevista em lei. Deste modo, com o registro exigido, parte interessada poderá ter acesso à incorporação e a todos os demais documentos arquivados (plantas, NBR, certidões), bem como analisar pendências judiciais ou extrajudiciais da incorporadora, o que garante segurança jurídica; que o princípio da continuidade exige narrativa sequencial e cronológica dos atos, devendo haver, para cada imóvel, uma cadeia, qual seja: 1) incorporação, 2) instituição de condomínio e 3) convenção de condomínio.

Documentos vieram às fls. 06/163.

Em manifestação dirigida ao Oficial e em impugnação (fls. 10/18 e 170/180), a parte suscitada alega que, na data de 03/03/2023, foram apresentados ao 14º RI requerimentos para averbação das demolições das construções existentes no imóvel localizado na avenida Imarés, n. 498, 504, 508 e 518, lote 198 e parte do lote 133 da quadra 14-E, Vila Helena, Indianápolis, São Paulo-SP, objeto da matrícula n. 231.272, bem como para registro da instituição de condomínio do “Residencial Allure 508” e de sua convenção de condomínio; que o empreendimento residencial denominado “Residencial Allure 508” teve projeto aprovado pela Prefeitura de São Paulo, com construção realizada dentro dos preceitos legais, inclusive no que se refere a impostos; que auto de conclusão foi emitido pela Municipalidade, conforme atesta o certificado de conclusão n. 2022-81590-00, de 28/12/2022, assim como CND relativa às demolições realizadas no local; que os títulos apresentados não foram precedidos do registro da incorporação imobiliária uma vez que o empreendimento foi edificado com recursos próprios, sendo que não se alienaram frações ideais após a aprovação do projeto ou durante a realização das obras; que, apesar de seu objeto social, não registrou incorporação por não haver interesse na alienação das unidades autônomas durante a construção do prédio; que é direito de qualquer proprietário de imóvel aprovar construção de edificação junto às autoridades competentes e construí-lo, para posterior averbação da construção e, se assim desejar, realizar os registros da respectiva instituição, especificação e de convenção de condomínio; que não consta de qualquer diploma legal que a figura do incorporador ao realizar um projeto de empreendimento imobiliário deva obrigatoriamente efetivar o registro da incorporação, salvo se há clara intenção de comercialização das futuras unidades autônomas; que, com a obtenção do habite-se, o próprio pedido de incorporação imobiliária perde seu objeto.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 168/169).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

No mérito, porém, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

A incorporação imobiliária é atividade empresarial que tem como objetivo a venda de unidades imobiliárias autônomas a serem construídas ou em construção, caracterizando-se pela união de recursos de terceiros para a realização da obra:

“Trata-se de esforço produtivo que visa a edificação de condomínios, horizontais ou verticais, a partir da dedicação material, econômica, técnica e intelectual de vários envolvidos, arregimentados por uma pessoa (física ou jurídica) específica, que é, como se verá, a despeito de eventual pluralidade de comprometidos na realização conjunta do projeto, a responsável legal por ele, inclusive pela terceirização dos trabalhos que aderem à iniciativa. O intento final dessa aglutinação de fatores é a venda de unidades autônomas imobiliárias ainda não existente, que serão geradas a partir do empreendimento, que integra uma obra a ser levantada sobre terreno-base ao qual essas unidades se agregarão, ou a venda de lotes específicos em que o terreno-base será desmembrado” (Pedroso, Alberto Gentil de Almeida, coordenação. Condomínio e Incorporação Imobiliária VII, 2ª edição, Revista dos Tribunais, página 214).

Tal atividade é regulada pela Lei n. 4.591/64, que, em seu artigo 28, a define como “atividade exercida com o objetivo de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.

O artigo 29 da Lei n. 4.591/64, por sua vez, define o incorporador como “pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas”.

Em outras palavras, a incorporação imobiliária é atividade destinada a promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas durante ou previamente a realização da obra.

O registro da incorporação imobiliária, por sua vez, é essencial para garantir segurança jurídica ao empreendimento. É através do registro que o empreendimento é regularizado e que se garante proteção aos adquirentes das futuras unidades autônomas.

Desta feita, a função da incorporação imobiliária é dar segurança aos adquirentes de imóveis na planta, ou seja, aos futuros proprietários de unidades imobiliárias autônomas ainda não construídas, conforme condições estabelecidas em contrato.

No caso dos autos, trata-se de construção feita por Unacorp SPE 002 Desenvolvimento Imobiliário Ltda (empreendimento residencial denominado “Residencial Allure 508”), que já se encontra finalizada (certificado de conclusão de obra habite-se fls. 106/107 e 113/114), realizada com recursos próprios após projeto aprovado pela Prefeitura de São Paulo (alvará de fls. 95/101).

Note-se que não há notícia de comercialização de unidades autônomas do referido empreendimento anteriormente ou durante a realização da obra, sendo certo que a parte alega que, mesmo após a conclusão da construção e a expedição do habite-se, não há interesse de alienação.

Desta maneira, no caso em apreço, vê-se que não houve incorporação imobiliária, de modo que não se encontra fundamento para exigência de registro neste sentido.

Não há, outrossim, que se falar em afronta ao princípio da continuidade pela ausência de registro da incorporação. É por meio da averbação da construção e do registro da instituição do condomínio e de sua convenção que se dará publicidade sobre a obra realizada e a nova realidade fática, tudo na forma autorizada pelas Normas de Serviço da E. CGJ de São Paulo (Cap. XX, Subseção III):

“221. A averbação de construção de edifício só poderá ser feita mediante documento hábil (“habite-se” ou alvará de conservação), expedido pela Prefeitura Municipal. Do “habite-se” constará a área construída, que deverá ser conferida com a da planta aprovada e já arquivada; quando houver divergência, o registro não poderá ser feito antes que se esclareça a situação.

222. A instituição e especificação de condomínio serão registradas mediante a apresentação de escritura pública ou instrumento particular que caracterize e identifique as unidades autônomas, ainda que implique atribuição de unidades aos condôminos, acompanhado do projeto aprovado e do “habite-se”, ou do termo de verificação de obras em condomínio de lotes.

222.1. Para averbação da construção e registro de instituição cujo plano inicial não tenha sido modificado, será suficiente requerimento que enumere as unidades, com remissão à documentação arquivada com o registro da incorporação, acompanhado de certificado de conclusão da edificação e desnecessária anuência dos condôminos.

222.2. Quando do registro da instituição, também será exigida a convenção do condomínio, que será registrada no Livro nº 3.

222.3. Para a instituição e especificação de condomínio de lotes, será observado, se for o caso, o disposto no item 216, I e II.

223. As matrículas para as futuras unidades autônomas poderão ser abertas depois do registro da incorporação imobiliária, ou apenas depois da averbação da construção e do registro da instituição e especificação de condomínio”.

Note-se, por fim, que a exigência não subsiste nem mesmo em virtude do objeto social da parte suscitada, já que, como fundamentado, incorporação imobiliária não houve.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar a exigência de registro prévio da incorporação imobiliária.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 16 de maio de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito. (DJe de 18.05.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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