CGJ/SP: TÍTULO FORMAL. MITIGAÇÃO DA CONTINUIDADE E ESPECIALIDADE SUBJETIVA. RG E CPF.

Acórdão – DJ nº 0043702-36.2013.8.26.0100 – Apelação Cível 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0043702-36.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EVERALDO TENORIO DE FREITAS, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "PREJUDICADA A DÚVIDA, NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 18 de março de 2014.       

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0043702-36.2013.8.26.0100

Apelante: Everaldo Tenorio de Freitas.

Apelado: 14o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Voto nº 33.957

REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – CONCORDÂNCIA COM UMAS DAS EXIGÊNCIAS – IRRESIGNAÇÃO PARCIAL CARACTERIZADA – DÚVIDA PREJUDICADA – EXAME, EM TESE, DAS DEMAIS EXIGÊNCIAS A FIM DE ORIENTAR FUTURAS PRENOTAÇÕES – DIVERGÊNCIA DO ESTADO CIVIL DOS VENDEDORES NO TÍTULO RECUSADO E NO REGISTRO DE IMÓVEIS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DESTINO JURÍDICO DOS IMÓVEIS – PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE E ESPECIALIDADE SUBJETIVA VIOLADOS – ERRO MATERIAL DO NÚMERO DO RG DO VENDEDOR QUE, NO CASO, NÃO PREJUDICA A SUA PERFEITA IDENTIFICAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO – RECURSO NÃO CONHECIDO.

Trata-se de apelação interposta por Everaldo Tenorio de Freitas contra a r. decisão de fls. 61/63 que julgou prejudicada a dúvida suscitada pelo 14o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital e manteve a recusa do registro da escritura pública de compra e venda por meio da qual adquire (com sua esposa Zarif Abdala de Freitas) de Claudia Abdala e José Carlos Castanho os imóveis descritos nas matrículas nos 55.618 e 55.619.

Alega, em suma, que a dúvida não está prejudicada; ausência de amparo legal para exigir a comprovação de que não houve partilha quando os vendedores se divorciaram; impossibilidade e desnecessidade de retificação do título para correção do no do RG do vendedor porque decorridos mais de 17 anos do contrato; a certidão de cancelamento do CPF da vendedora, exigida pelo Oficial, não é emitida pela Receita Federal de modo que o documento não existe; e, em relação às certidões de casamento dos vendedores, afirmou que apenas mencionou que poderia apresentá-las, o que não caracteriza concordância com a exigência.

Contrarrazões às fls. 86.

A Procuradoria Geral de Justiça propôs o não conhecimento do recurso porque a dúvida – em razão da concordância parcial do suscitado com uma das exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis – está prejudicada (fls. 92/94).

É o relatório.

A dúvida registral tem por premissa o dissenso entre o Oficial de Registro de Imóveis e o interessado no registro do título. E esse dissenso, essa discordância, tem de ser integral, isto é, deve-se voltar contra todos os óbices impostos pelo Oficial de Registro de Imóveis na nota de devolução para o registro pretendido, e não contra parte deles, sob pena de se caracterizar a concordância parcial que prejudica a dúvida porque, mesmo que afastado os óbices questionados, restariam os demais que, como não foram atendidos, continuariam a impedir o registro do título.

Além disso, a concordância parcial daria ensejo a decisão condicional porque o registro, caso afastados óbices questionados, ficaria na dependência, ainda, do cumprimento da exigência não contestada.

Por fim, a discussão de parte das exigências, sem prévio atendimento às tidas como corretas, levaria à injusta prorrogação do prazo de prenotação do título sem amparo legal, prejudicando, com isso, os demais possuidores de títulos contraditórios.

É o que se extrai da tranquila jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura, da qual cito, por todas, trecho da Apelação Cível no 822-6/3, Relatada pelo então Corregedor Geral da Justiça Ruy Pereira Camilo, julgada em 03.06.08:

Como tem decidido reiteradamente este Colendo Conselho Superior da Magistratura, o procedimento de dúvida não se presta à solução de dissenso relativo a apenas um dos óbices opostos ao registro. Isso porque, uma vez afastado o óbice questionado, restariam os demais, que, não atendidos, impediriam, de todo modo, o registro.

Anote-se que, entender de maneira diversa implicaria admitir decisão condicional, ficando o registro do título, uma vez afastado o óbice objeto da dúvida, na dependência do cumprimento das demais exigências pelo interessado. Além do mais, a discussão parcial dos óbices, sem atendimento às exigências tidas como corretas, levaria à prorrogação do prazo de prenotação do título sem amparo legal. Pertinente invocar, neste passo, acórdão relatado pelo eminente Desembargador e então Corregedor Geral da Justiça Luiz Tâmbara:

"A posição do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, como bem ressaltado pelo digno Procurador de Justiça, é tranqüila no sentido de se ter como prejudicada a dúvida, em casos como o que se examina, em que admitida como correta uma das exigências, não sendo a outra cumprida, posto que permanece a impossibilidade de acesso do título ao fólio. Nesse sentido os julgados das Apelações Cíveis números 54.073-0/3, 60.046-0/9, 61.845-0/2 e 35.020-0/2.

Posicionar-se de maneira diversa importaria admitir uma decisão condicional pois, somente se atendida efetivamente a exigência tida como correta é que a decisão proferida na dúvida, eventualmente afastando o óbice discutido, é que seria possível o registro do título.

A discussão parcial dos óbices, por outro lado, sem cumprimento daqueles admitidos como corretos, possibilitaria a prorrogação indevida do prazo de prenotação, com conseqüências nos efeitos jurídicos desta decorrentes, tal como alteração do prazo para cumprimento das exigências ou a prorrogação da prioridade do título em relação a outro a ele contraditório. (CSM Ap. Cív. n. 93.875-0/8 j. 06.09.2002). A esse respeito, ainda: Ap. Cív. n. 71.127-0/4 j. 12.09.2000 rel. Des. Luís de Macedo;Ap. Cív. n. 241-6/1 j. 03.03.2005 rel. Des. José Mário Antonio Cardinale; Ap. Cív. n. 000.505.6/7 j. 25.05.2006 rel. Des. Gilberto Passos de Freitas". Nesses termos, caracterizada, na hipótese, a irresignação parcial, deve-se ter por prejudicada a dúvida.[1]

No caso em exame, a despeito do esforço do recorrente para sustentar que não houve concordância com a exigência do Oficial de Registro de Imóveis que solicita a apresentação de duas certidões dos dois casamentos e respectivos divórcios dos vendedores, o teor da impugnação à suscitação da dúvida demonstra o contrário:

Com relação as certidões de casamento dos vendedores, as mesmas não foram exigidas anteriormente, e somente foram mencionadas nas alegações constantes na inicial.

Por outro lado, o impugnante compromete-se a apresentar tais documentos, caso seja necessário. (fl. 51).

Ao se comprometer a apresentar, caso necessário, as certidões dos casamentos solicitadas pelo Oficial de Registro de Imóveis no item 1, da nota devolutiva de fls. 36, fica evidente que o recorrente anuiu com a exigência, o que caracteriza concordância parcial, também chamada pela jurisprudência de irresignação parcial.

A prejudicialidade apontada não impede, no entanto, o exame – ainda que em tese – das demais exigências constantes da nota devolutiva a fim de orientar futuras prenotações.

Para o registro da escritura pública de compra e venda por meio da qual o recorrente e sua esposa adquirem de Claudia Abdala e José Carlos Castanho os imóveis descritos nas matrículas nos 55.618 e 55.619, o Oficial de Registro de Imóveis solicitou:

a) apresentação de certidão emitida pela Secretaria da Receita da Fazenda comprovando o cancelamento do CPF da vendedora no 057.237.788-62 e a nova inscrição sob o no 069.174.338-02.

A exigência é desnecessária porque os "comprovantes de situação cadastral no CPF" emitidos pela Secretaria da Receita da Fazenda demonstram claramente que a inscrição no 057.237.788-62 está cancelada (fl. 20) e que a no 069.174.338-02 – que consta do título recusado – está regular.

Assim, à vista desses elementos, pode o Registrador, de ofício, como lhe permite o art. 213, I, g, da LRP, proceder à averbação da alteração do número da inscrição da vendedora Claudia Abdala.

b) retificação da escritura de compra e venda ou do registro – onde estiver errado – para que, em ambos, o número do RG do vendedor João Carlos Castanho seja o mesmo. Nas matrículas dos imóveis negociados, o RG dele consta como no 11.782.909, mas, no título, como no 11.782.902-2. Pede, ainda, a juntada de cópia autenticada de referida cédula.  

A exigência tem lastro no princípio da especialidade subjetiva e, em um exame perfunctório, parece ser pertinente.

Contudo, é preciso lembrar que todos os princípios registrais têm por escopo garantir a segurança jurídica do registro, e não podem ser considerados um fim em si mesmos.

É preciso, então, em cada caso, verificar se o princípio apontado como causa da recusa do registro atende, efetivamente, ao seu propósito. Ou seja, deve-se examinar se, afastada exigência com base em determinado princípio, o registro do título trará ou não algum tipo de insegurança jurídica seja para os interessados no registro, seja para terceiros.

O princípio da especialidade subjetiva tem por finalidade identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

A essência da concepção da especialidade objetiva trazida por Afrânio de Carvalho vale também para a subjetiva:

o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro [2].

No caso posto, o Oficial de Registro de Imóveis em momento algum aduz ter dúvidas quanto à identificação daquele que, no título recusado, consta como vendedor; apenas afirma que o número do RG do vendedor João Carlos Castanho que consta das matrículas não é o mesmo do título.

Realmente, nas matrículas nºs 55.618 e 55.619, o número do RG de João Carlos Castanho consta como 11.782.909 (fls. 38v e 41); no título, como 11.782.902-2.

O cotejo dos números mostra que a divergência reside apenas no último algarismo (“9” nas matrículas e “2” no título). Todo o restante do número é o mesmo: “11.782.90”, o que deixa evidente tratar-se de mero erro material sem potencial lesivo à segurança jurídica almejada pelo princípio da especialidade. 

Além disso, é preciso destacar que o número do CPF constante do título e dos registros é o mesmo: 033.430.138-62, de modo a também espancar qualquer dúvida quanto à pessoa que está transmitindo os direitos.

Somando-se isso ao fato de que o art. 176, § 1º, III, “a”[3], da Lei nº 6.015/73, ao cuidar da especialidade subjetiva, exige o número do CPF ou do RG, tem-se que a discrepância apontada, porque irrisória, não tem o condão de impedir o registro pretendido, bastando que o Oficial leve em conta apenas o número do CPF. 

c) apresentação da escritura de divórcio ou carta de sentença que decidiu sobre a partilha dos bens do casal, haja vista que os imóveis transmitidos foram adquiridos pelos ora vendedores José Carlos Castanha e Claudia Abala a título oneroso enquanto ainda casados no regime da comunhão parcial de bens na vigência da Lei nº 6.515/77.  Ainda, o oficial solicita as certidões dos dois casamentos com as respectivas averbações dos divórcios.

Como bem destacou a i. Promotora de Justiça, a comprovação documental da partilha ou da não inclusão dos imóveis em questão nela é imprescindível para que se possa aferir o atendimento ao princípio da continuidade registral.

Os titulares de domínio constam nas matrículas como “casados no regime da comunhão parcial de bens, na vigência da Lei 6.515/77” (fls. 38v e 41) ao passo que, no título, como divorciados.

Considerando-se que os imóveis foram adquiridos enquanto casados pelo regime da comunhão parcial de bens, é preciso que se comprove o destino dos imóveis após o divórcio, isto é, se permaneceu com ambos ou se foi atribuído a apenas um deles. Todavia, nenhum elemento de convicção foi trazido aos autos neste sentido.

Observe-se, ainda, que também não se juntou cópia dos autos do divórcio de José Carlos Castanha e Claudia Abdala, de modo que não há como se aferir ou comprovar o que consta da cláusula segunda do traslado da escritura pública recusada.

A dificultar o registro pretendido pelo recorrente, há ainda o fato de que, conforme consta da escritura pública ora em análise, José Carlos Castanha, em 06.05.00, contraiu novas núpcias com Adriana Gonçalves Taranto, de quem se divorciou em 21.11.07.

Essa circunstância evidencia ainda mais a necessidade de primeiro se conhecer o destino do imóvel ao final de seu primeiro casamento para, em seguida, verificar eventual mutação dominial em virtude do segundo casamento e de sua extinção.

A respeito do segundo casamento – com Adriana Gonçalves Taranto – sublinhe-se que não há notícias do regime de bens adotado nem do que se acertou no divórcio, de modo que não há segurança jurídica para se afirmar inocorrência de comunicação ou de atribuição de direitos a Adriana. 

Por fim, a apresentação das certidões dos casamentos dos vendedores – com o que concordou o recorrente – é mesmo necessária  em respeito aos princípios da especialidade subjetiva e, como visto acima, da continuidade registral.

Ante o exposto, prejudicada a dúvida, não conheço do recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

_______________________________

[1] Ainda sobre irresignação parcial: Apelação Cível nº 15.808-0/2, Rel. Des. José Alberto Weiss de Andrade, j. 29.3.93; Apelação Cível nº 20.603-0/9, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 17.2.95; Apelação Cível nº 44.760-0/0, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 28.4.98; Apelação Cível nº 71.127-0/4, Rel. Luís de Macedo, j. 12.9.00; Apelação Cível nº 93.909-0/4, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 30.10.02; Apelação nº 154-6/4, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 12.5.04; Apelação nº 495-6/0, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 11.5.06; 0010255-87.2012.8.26.055; 0019332-94.2011.8.26.0477; 9000002-16.2011.8.26.0296; e 1.258-6/6

[2] Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975, 2ª ed., Rio de Janeiro,  1977, p. 224.

[3] Art. 176. …

§ 1º …

III …  

2) …

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;

_______________________________

Fonte: TJ/SP | 25/03/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


TJ/SP: DIREITO REGISTRÁRIO É ASSUNTO DO PROGRAMA ‘DIÁLOGO COM A CORREGEDORIA’

A Corregedoria Geral da Justiça realizou na terça-feira (29) palestra do Programa – Diálogo com a Corregedoria com a presença do juiz assessor da CGJ Swarai Cervone de Oliveira, sobre o tema ‘A necessidade do correto processamento das ações de adjudicação compulsória para a formação de título hábil ao registro’. O encontro ocorreu na sede administrativa da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis).        

À mesa com o juiz assessor da Corregedoria Rodrigo Colombini, o palestrante abordou aspectos que devem ser observados na ação de adjudicação compulsória, que visa à obtenção da propriedade do imóvel pelo autor. No entanto, em razão da especificidade do direito registrário, operadores do direito deixam de atentar para alguns fatores. “Muitas ações são oriundas de negócios feitos há muito tempo, o que pode ensejar problemas quanto à legitimidade passiva. O juiz precisa entender uma matrícula de imóvel e os instrumentos de compra e venda para verificar a formação do polo passivo”, explicou.        

Servidores e registrários de comarcas de todo o Estado assistiram à aula pelo site da Apamagis e enviaram questões, entre eles funcionários dos fóruns de Caconde e Franca.

Fonte: TJ/SP | 30/04/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


1ª VRP|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Compra e venda de imóvel por menor impúbere devidamente representado – Doação omitida no instrumento entabulado entre as partes – Desnecessidade de expedição de alvará judicial – Ato realizado no interesse do incapaz – Dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos que não deve se sobrepor ao ato de vontade das partes – Dúvida improcedente.

0072005-60.2013.8.26.0100

Dúvida 17º Oficial de Registro de Imóveis Diego da Silva Criscuolo – Registro de imóveis – dúvida compra e venda de imóvel por menor impúbere devidamente representado doação omitida no instrumento entabulado entre as partes – desnecessidade de expedição de alvará judicial ato realizado no interesse do incapaz dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos que não deve se sobrepor ao ato de vontade das partes.

Vistos.

O 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo suscitou a presente dúvida a requerimento de DIEGO DA SILVA CRISCUOLO. De acordo com o relatado (fls. 02/06), pretende-se o registro de uma escritura de compra e venda lavrada perante a Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito de Ermelino Matarazzo Comarca de São Paulo (fls.21/23), em 28 de agosto de 2013, no qual Elias Moreira dos Santos e sua mulher Mara Virginia Criscuolo dos Santos venderam o imóvel objeto da matrícula nº 59.443 ao suscitado, menor impúbere, representado por seu genitor Carlos Eduardo Criscuolo.

O título foi apresentado ao 17º Registro de Imóveis em 30 de outubro de 2013 e qualificado negativamente, por entender o registrador que o suscitado não cumpriu a exigência de apresentação do alvará para lavratura da escritura pública de compra e venda do imóvel adquirido com recursos próprios, sendo que a representação legal não seria suficiente para suprir a incapacidade civil do adquirente. Alega, ainda, que de acordo com a escritura lavrada não houve a menção de qualquer doação em dinheiro, não sendo caso de recolhimento de tributo para este fato gerador.

Houve impugnação do suscitado (fls.32/37) DIEGO DA SILVA CRISCUOLO, que alega genericamente que a compra e venda do imóvel foi feita em seu interesse exclusivo, com a utilização de recursos outros, que independem de qualquer autorização judicial para serem utilizados. Sustenta que de acordo com o artigo 1.691 do CC a aquisição de bens móveis ou imóveis em nome de menor necessita da prévia autorização judicial apenas na hipótese de alienação dos bens, bem como que o registrador só poderá exigir a expedição de alvará judicial nas hipóteses expressamente previstas em lei. Por fim, aduz que em relação a fiscalização tributária o Oficial só é responsável pelos negócios praticados perante sua fé pública e que contem com sua efetivação intervenção.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 39/41).

É o relatório.

Passo a fundamentar e decidir.

O suscitado, relativamente incapaz em razão da idade, pretende o registro de contrato de compra e venda, no qual figura como comprador de um imóvel. A exigência do registrador tem como fundamento o artigo 1691 CC, que dispõe: Art. 1691: Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz. É assente perante a doutrina pátria que a restrição imposta pelo legislador ao gerenciamento dos bens de menores pelos pais tem por finalidade impedir que eles venham a ser prejudicados.

A compra de bem imóvel não foi prevista na norma, que fez menção expressa apenas à alienação, e, em não acarretando obrigações que venham a diminuir ou atingir negativamente o patrimônio do incapaz, está isenta da autorização judicial. Entendimento contrário viria contra a motivação legal, ou seja, em prejuízo do menor. O precedente trazido aos autos pelo zeloso Registrador constitui hipótese atípica. Naquele caso em especial, tratado nos autos CG 2013/96323, havia dúvida sobre a idoneidade do negócio jurídico subjacente e conflito de interesses.

A simples leitura do título que se pretende registrar evidencia a omissão das partes em relação à origem do numerário utilizado para o pagamento. Conforme se verifica da escritura, não há qualquer menção de que o imóvel foi adquirido por recursos outros, consistente na doação modal acoplada à compra e venda, mas sim através de recursos próprios do menor. Tal afirmativa é embasada com o recolhimento de somente um imposto relativo à compra (ITBI imposto de transmissão de bem imóvel), não havendo nenhuma menção ou recolhimento em relação à eventual doação realizada em prol do menor (ITCMD). O artigo 289 da Lei 6.015/1973: é dever dos oficiais registradores fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício. Logo, cabe ao registrador fiscalizar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os fatos geradores. Não existe o fato gerador do imposto de transmissão relativo à doação no contrato entabulado. Com razão o MM Juíz Asdrubal Nascimbeni (fls. 03) ao afirmar que a origem do numerário não interessa ao Direito Civil, mas ao fisco.

A responsabilidade fiscal é de quem realiza o negócio, não cabendo ao Registrador presumir eventual fraude ou simulação e exigir recolhimento em desconformidade com o exposto no título. Como vem sendo decidido nesta 1ª Vara de Registro Públicos em casos semelhantes: “O registro de ESCRITURA pública de venda e compra do suscitado para sua filha menor, em que pese envolver uma suspeita de ato simulado, que pode até revelar sonegação fiscal, conquanto a DOAÇÃO é mais fortemente onerada, não pode ser obstada sob a ótica registral. A aquisição, como destacou o Ministério Público, se faz em prestígio e favorecimento da menor, de forma que não pode exigir, no caso, um rigorismo maior, mormente porque é o pai ou a mãe que possuem prerrogativas para representar seus filhos menores. O pátrio poder pode ser exercido por um ou outro, ou ainda por ambos. Não se vislumbrando irregularidade registral, o acesso da escritura ao fólio deve ser franqueado.” (Dr. Venício Antonio de Paula Salles, Processo nº 164169-2/02).

Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 17º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de DIEGO DA SILVA CRISCUOLO, para que o título tenha acesso ao registro. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo e devolutivo, para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de quinze dias.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2014.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito (CP 413) (D.J.E. de 11.03.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 11/03/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.