Artigo – O pacto antenupcial de separação de bens quando os nubentes estão sujeitos à separação obrigatória de bens – Por Letícia Maculan

* Letícia Maculan

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens.

Nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme estabelece o art. 6º da Lei 8.935/94.

É indispensável o pacto quando os nubentes querem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil. 

O pacto não é necessário quando as partes pretendem se casar pelo regime da comunhão parcial ou nos casos da separação obrigatória, pois ambos os referidos regimes decorrem de lei.

A questão a ser analisada neste artigo é a possibilidade da lavratura de pacto antenupcial nos casos em que a lei determina a aplicação do regime da separação obrigatória de bens e o regime que deveria constar no registro de casamento, lembrando que o referido registro é atribuição do Oficial do Registro Civil.

A pergunta é importante, pois os regimes de separação obrigatória de bens e de separação consensual de bens são diversos, de modo que é impossível constar no registro que o casamento estará regido pelo regime de separação obrigatória de bens e também que há pacto antenupcial de separação consensual de bens, por total incompatibilidade.

DAS DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS E DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL

Os regimes da separação obrigatória de bens e da separação consensual de bens são diversos.

Nos termos do art. 1641 do Código Civil de 2002, por razões de ordem pública, visando proteger o nubente ou terceiro, o legislador impôs a separação obrigatória de bens.

Determina o referido art. 1641:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Logo, as pessoas inseridas nas situações previstas no art. 1641 do Código Civil terão que suportar os efeitos da imposição legal do regime, já que o legislador excepcionou a regra da livre manifestação de vontade dos consortes, estabelecendo a separação compulsória de bens.

A primeira diferença entre os regimes é a questão sucessória. No caso de separação consensual de bens, a lei é clara ao afirmar que não há meação. Já na separação obrigatória, grande parte da doutrina e da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, entende ser ainda aplicável a Súmula 377 do STF, de modo que é devida a partilha igualitária do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento, com base no princípio da solidariedade e a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento de outro.

O Superior Tribunal de Justiça publicou, nesse sentido, o acórdão cuja ementa abaixo se reproduz (no original não há grifos ou negritos):

Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXAGENÁRIOS. REGIME DE BENS APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS E PRODUTO.

1. Se o TJ/PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, suas conclusões são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal.

2. O regime de bens aplicável na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros.

3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada caso.

4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação do regime da comunhão parcial.

6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e a comunicabilidade dos frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC/02, correspondente ao art. 271, V, do CC/16, aplicável na espécie.

7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos anteriormente ao início da união, opera-se a comunicação desses frutos para fins de partilha.

8. Recurso especial de G. T. N. não provido.

9. Recurso especial de M. DE L. P. S. provido. (Processo REsp 1171820 / PR – RECURSO ESPECIAL 2009/0241311-6 – Relator Ministro SIDNEI BENETI (1137) – Relatora para Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI – Órgão Julgador -TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 07/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 27/04/2011 – LEXSTJ vol. 262 p. 149)

Outra diferença importante é a que se refere à necessidade ou não da outorga do cônjuge para a alienação de bens imóveis. A doutrina e a jurisprudência já se posicionaram no sentido de que o art. 1647 do Código Civil, ao dispensar a outorga do cônjuge para alienação de bens, abarcou apenas o regime da separação consensual, isso porque, em virtude da Súmula 377 do STF, o regime da separação obrigatória de bens não é de “separação absoluta”:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis

É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento cuja ementa abaixo se reproduz (sem grifos ou negritos no original):

Ementa: RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. DOAÇÃO DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO EM REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. OUTORGA UXÓRIA. NECESSIDADE. FINALIDADE. RESGUARDO DO DIREITO À POSSÍVEL MEAÇÃO. FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

2. Controvérsia sobre a aplicação da Súmula n. 377 do STF.

3. Casamento regido pela separação obrigatória. Aquisição de bens durante a constância do casamento. Esforço comum. Contribuição indireta. Súmula n. 7 do STJ.

4. Necessidade do consentimento do cônjuge. Finalidade. Resguardo da possível meação. Plausibilidade da tese jurídica invocada pela Corte originária.

5. Interpretação do art. 1.647 do Código Civil.

6. Precedente da Terceira Turma deste Sodalício: "A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil." (REsp n. 1.163.074, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 4-2-2010).

7. Recurso especial improvido. (Processo REsp 1199790 / MG – RECURSO ESPECIAL 2010/0118288-3 – Relatora Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) – Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 14/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2011 – RMDCPC vol. 40 p. 106)

Por fim, há diferença no que se refere à herança. No regime da separação obrigatória de bens, o cônjuge não é herdeiro; já no regime da separação consensual de bens, o cônjuge é herdeiro, nos termos do art. 1829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (sem grifos ou negritos no original)

A corroborar o entendimento acima apresentado, há o recente acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cuja ementa abaixo se reproduz:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – DIREITOS SUCESSÓRIOS – CÔNJUGE SOBREVIVENTE – REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 – INTERPRETAÇÃO – CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA – HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO – NECESSIDADE.

A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. (Processo: Agravo de instrumento 1.0701.13.009162-5/001, 0820985-66.2013.8.13.0000, Relator Desembargador Geraldo Augusto, DJe 12/12/2013)

Conclui-se que os regimes de separação consensual e de separação obrigatória de bens não se confundem, sendo somente o regime de separação consensual uma separação verdadeiramente absoluta, já que o regime da separação obrigatória, tanto em virtude da Súmula 377 do STF, quanto em decorrência do determinado no art. 1647 do Código Civil, não leva, na realidade, a uma separação de bens.

POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS DAQUELES QUE ESTÃO SUJEITOS, EM VIRTUDE DA LEI, AO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA

Demonstrado, pois, que os regimes da separação consensual e da separação obrigatória não se confundem, resta examinar a possibilidade de opção pela separação consensual daqueles que, em virtude do determinado no art. 1.641 do Código Civil, teriam que se submeter à separação obrigatória.

A primeira questão a ser observada é que o objetivo da lei ao impor o regime da separação de bens é proteger o nubente ou terceiros.

Assim, se um casal opta pelo regime da separação consensual, que na realidade é o regime da separação absoluta de bens, não está sendo ferido o objetivo da lei, ao contrário, tal objetivo está sendo plenamente observado. O casal que se encaixa nosrequisitos do art. 1641 do Código Civil pode optar pelo regime da separação consensual, seja para evitar transtornos de anuência do cônjuge sempre que houver alienação de imóveis, seja para que cada um administre seus bens, seja ainda para proteger o patrimônio no caso de eventual separação, sem que haja, para eles ou para terceiros, qualquer prejuízo.

A segunda questão a ser analisada é o fato de existir questionamento sobre a constitucionalidade da separação obrigatória de bens, havendo grande tendência, pois, em ser declarada inconstitucional a imposição do referido regime. Em razão disso, pode ocorrer que um casal QUE EFETIVAMENTE QUEIRA A SEPARAÇÃO DE BENS, mas que não pôde escolhê-la por ter sido a ele imposta a separação obrigatória de bens, venha a ter também a separação obrigatória afastada, por inconstitucionalidade.

DO EXAME DA QUESTÃO EM CASO CONCRETO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA E PELA JUÍZA DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DE BELO HORIZONTE

Em caso concreto ocorrido no Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte-MG, a Oficial, autora do presente artigo, apresentou à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos consulta sobre a possibilidade de opção de casal sujeito à separação obrigatória de bens pelo regime da separação consensual de bens.

A Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Douto Ministério Público, que assim se manifestou:

Através do presente procedimento, a Oficiala do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro formula "Consulta" à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos desta Capital, a respeito da possibilidade de se realizar sob a égide da Separação Consensual de Bens, em caso de obrigatoriedade de Separação de Bens, nos moldes do art. 1641 do Código Civil.

Conforme despacho de fls. 09, a Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Ministério Público, para que este requeira o que entender de direito.

É o breve relato.

A princípio, cabe esclarecer que, como bem salientou a Oficiala, os regimes da Separação Obrigatória de Bens e Separação Consensual são diferentes, em que pese haver, em regra, a não comunhão de bens do casal.

A Súmula 377 do STJ e o art. 1.647 do Código Civil, ambos em pleno vigor, são suficientes para demonstrar que a separação obrigatória de bens não é tida como um separação absoluta, ao contrário da Separação Consensual devidamente optada através de um Pacto Antenupcial.

Isto é, a Separação Consensual, por se tratar de uma separação absoluta, abarca os efeitos da Separação Obrigatória de Bens, nos moldes do art. 1.641 do Código Civil, não havendo razão para se preterir a Separação Consensual em face da Separação Obrigatória, se os nubentes pretendem que o casamento seja regido pela Separação Consensual.

Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens.

Após receber o Parecer Ministerial, a Exma. Juíza decidiu:

Vistos etc,

Defiro o pedido nos termos do requerimento da ilustre Oficial e do parecer ministerial. Deve ser ressaltado na certidão de casamento o regime de separação consensual de bens, pois resulta da incomunicabilidade pactuada dos bens adquiridos antes, na constância e após o casamento, de modo que os bens de cada cônjuge constituem acervos distintos. Vê-se que até mesmo os bens adquiridos durante a vigência do casamento figurarão. Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens".

CONCLUSÃO

Examinada a questão por todos esses ângulos, conclui-se que não há qualquer prejuízo para os nubentes ou para terceiros em se admitir que as pessoas às quais seria imposto o regime da separação obrigatória de bens optem pelo regime da separação consensual de bens. Também o objetivo da lei seria preservado, pois a separação consensual é MAIS AMPLA do que a separação obrigatória de bens.

Estaria, ainda, sendo observada a autonomia da vontade, garantindo àqueles que querem ter patrimônios SEPARADOS que assim ocorra, facilitando também a negociação de imóveis, se essa for a vontade dos nubentes, posto que a separação consensual de bens afasta a necessidade de outorga conjugal, o que não ocorre no regime da separação obrigatória de bens.

Ocorrendo tal opção pela separação consensual de bens, e sendo juntado aos autos do processo de habilitação para casamento o pacto antenupcial, deverá o Oficial do Registro Civil fazer constar que o regime do casamento é o da SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS, não podendo ser admitido que seja registrado “regime da separação obrigatória com pacto”, pois os regimes são diversos e a falta de clareza poderia levar a grandes transtornos para o casal. 

Apesar de a interpretação acima parecer ser a melhor, como não há lei expressa sobre a questão, cabe ao Oficial de Registro, diante de um caso concreto, consultar o Poder Judiciário, por meio do Juiz de Direito competente para Registros Públicos, a fim de que seja fixada a interpretação sobre o tema. 

Apesar de haver posicionamento isolado do Superior Tribunal de Justiça, no RESP 992749/MS, DJe 05/02/2010, no sentido de que tanto no regime da separação consensual quanto no da separação obrigatória o cônjuge não herda, não tem sido esse o entendimento da doutrina e jurisprudência majoritárias.

A consulta foi autuada sob o nº 8002126.84.2014.813.0024.

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Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro.
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Apelação – Alteração de regime de bens do casamento – Efeitos.

EMENTA

APELAÇÃO. ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO. EFEITOS. Em princípio, a alteração do regime de bens do casamento, da comunhão (parcial ou total) para separação, deve ter efeitos “ex nunc”. Precedentes doutrinários. Por outro lado, se em qualquer caso é lícito às partes pedir que uma alteração de regime de bens retroaja, então é de rigor concluir inexistir óbice para que não retroaja, mas ao invés produza seus efeitos apenas da alteração em diante. Pois de regra, quem pode o “mais”, pode o “menos”. Por outro lado, em casos de alteração de regime de bens, o que importa é que os direitos e interesses de terceiros fiquem devidamente resguardados, o que já está garantido no caso, e não vai sofrer alteração pela determinação de que a alteração de regime só produza efeitos “ex nunc”. Por fim, a pretensão de resolver os poucos bens adquiridos entre a celebração do casamento e o presente retrata verdadeira pretensão de fazer “partilha amigável”, o que é inclusive recomendável em casos como o presente, na esteira da jurisprudência deste colegiado sobre o tema. Deram provimento. (TJRS – Apelação Cível nº 70053657052 – Rio Grande – 8ª Câmara Cível – Rel. Des. Rui Portanova – DJ 08.07.2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ.

Porto Alegre, 04 de julho de 2013.

DES. RUI PORTANOVA – Relator.

RELATÓRIO

DES. RUI PORTANOVA (Relator):

Inicialmente, adoto o relatório de fls. 106 e verso:

Trata-se de apelação interposta por BRUNO DA COSTA CARRIR e LIA OLIVEIRA CARRIR contra a respeitável Sentença das fls. 90/91, que julgou parcialmente procedente o pleito de Alteração do Regime de Bens do Casamento, transpondo ao regime da separação, e indeferindo a partilha de bens.

Sustentam que na constância do matrimônio e debaixo do regime da comunhão parcial de bens adquiriram uma motocicleta e, do imóvel financiado, os móveis que o guarnecem e algumas melhorias realizadas, pretendendo “apenas acomodar os bens adquiridos, como espécie de partilha, uma adequação de como irão dispor dos mesmos a partir do novo regime eleito para o casamento” (fl. 97), mediante uma decisão equivalente ao pacto antenupcial e passível de ser levada ao assento de casamento. A alteração do regime de bens retroage (ex tunc), estando equivocada a Sentença ao conferir efeito ex nunc. Como será adotado o regime da separação, é natural que seja realizada a partilha do patrimônio comum do casal.

O Ministério Público opinou pelo provimento do apelo.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

DES. RUI PORTANOVA (Relator):

BRUNO e LIA casaram-se em SETEMBRO/2011, pelo regime da comunhão parcial. Eles pretendem alterar o regime de bens para separação total, e querem que essa alteração produza efeitos de agora em diante.

Para além disso, eles estão de acordo em relação aos bens que adquiriram entre a celebração do casamento e o ajuizamento do presente (uma motocicleta, algumas parcelas de um financiamento habitacional, e os bens que guarnecem a morada comum). E pretendem tal acordo seja considerado como pacto antenupcial.

A sentença concedeu a alteração de regime, mas determinou que produzisse efeitos “ex tunc”, ou seja, retroagindo à data da celebração do casamento.

É contra esta determinação de retroação que se volta o presente apelo, que já adianto, merece provimento.

É que fazer retroagir a alteração de regime de bens à data da celebração de casamento é o “mais”; enquanto que fazer a alteração produzir efeitos só de quando for determinada em diante é o “menos”.

Ora, por regra geral, quem pode o “mais”, pode o “menos”. Logo, inexiste qualquer impedimento legal para o acolhimento da pretensão dos apelantes.

Inclusive, tratando-se de alteração do regime da comunhão (total ou parcial) para o regime da separação (como se dá no caso), é até recomendável que o efeito da alteração seja “ex nunc”, ou seja, da alteração em diante (e sem retroação).

Sobre isso, vale citar a lição de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD (In “Curso de Direito Civil, vol. 6: Famílias”, Salvador: Jus Podium, 2013, p. 352):

Com efeito, imaginando se tratar de modificação de um regime de comunhão para uma separação absoluta, é de se lhe reconhecer efeitos ex nunc, não retroativos, sendo obrigatória a realização da partilha.

Para além disso, não olvido que talvez o mais importante em uma alteração de regime de bens é a necessidade de resguardar direitos e interesses de terceiros.

E fazer a alteração produzir efeitos apenas de quando determinada em diante (ainda mais quando se trata de uma comunhão parcial alterada para separação total) é medida que, guardada a devida vênia, não vai afetar ou prejudicar o direito ou o interesse de qualquer pessoa, até pelo contrário.

Por fim, não olvido que os apelantes são maiores, capazes e estão de acordo. Logo, ressalvados os direitos e interesses de terceiros (que já estão devidamente ressalvados), eles têm ampla liberdade para decidir o sobre o seu patrimônio.

A ESSE RESPEITO, ALIÁS, OBSERVO QUE A PRETENSÃO DE QUE O ACORDO SOBRE OS BENS ANTERIORES SEJA CONSIDERADO COMO UM PACTO ANTENUPCIAL É, EM VERDADE, UMA MANEIRA DOS APELANTES “RESOLVEREM” O EFEITO PATRIMONIAL DO CASAMENTO, DA CELEBRAÇÃO ATÉ A ALTERAÇÃO DE REGIME A SER OPERADA AGORA.

Em outras palavras, é como se fosse a alteração de regime que os apelantes pretendem retroagisse à data da celebração do casamento, mas mediante verdadeira “partilha amigável” daqueles poucos bens que os apelantes adquiriram da celebração até agora.

Não há óbice para isso, na esteira da jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. REGIME DE BENS. MODIFICAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.639, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. (…). Não há qualquer óbice a que a modificação do regime de bens se dê com efeito retroativo à data do casamento, pois, como já dito, ressalvados estão os direitos de terceiros. E, sendo retroativos os efeitos, na medida em que os requerentes pretendem adotar o regime da separação total de bens, nada mais natural (e até exigível, pode-se dizer) que realizem a partilha do patrimônio comum de que são titulares. (…). Deram provimento. Unânime. (ApC N.º 70042401083, 8ª Câmara Cível, TJRS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 28/07/2011, grifei)

Aliás, o agente ministerial que atua junto a este grau de jurisdição opinou justamente nesse sentido:

Considerando-se este efeito, sempre com a ressalva aos direitos de terceiros prejudicados, mostra-se de todo adequado o partilhamento dos bens que estiverem sujeitos ao regime modificado. (fl. 107)

Por tudo isso, o caso é para deferimento da alteração do regime de bens com efeitos “ex nunc”, e para igual deferimento da verdadeira partilha dos bens anteriores, nos exatos moldes do que foi pedido na inicial, em especial nos itens b.1. b.2, b.3 e b.4.

ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao apelo, para o fim de determinar a alteração de regime de bens com efeitos “ex nunc”, e para resolver os bens anteriores, tudo nos moldes da fundamentação retro.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (Revisor):

Acompanho o em. relator, com algumas achegas.

De início, quero destacar que o precedente de minha relatoria (AC 70042401083), colacionado pelos apelantes e trazido também no parecer ministerial, refere-se a situação um pouco diversa destes autos. Naquele caso, o pedido era de adoção do regime de separação total de bens, com efeito retroativo (ex tunc). Daí porque se afirmou a imprescindibilidade da realização da partilha, pois, a não ser assim, não haveria, em verdade, efeito retroativo ! Diversa, no entanto, é a situação destes autos, onde os requerentes postulam efeitos apenas futuros (ex nunc) para a modificação colimada. Neste caso, não há necessidade de partilhar os bens anteriores, o caso dá, em verdade, caráter retroativo à alteração.

No entanto, sempre há que ponderar as circunstâncias específicas do caso. E estas apontam para a conveniência de que se defira o pleito divisório dos bens. Isso porque, conforme é esclarecido na apelação, com a exceção dos móveis que ornam a residência do casal, o restante do patrimônio foi adquirido anteriormente ao casamento, com parcelas pagas na constância da união. Desse modo, a forma de partilha ajustada tem o objetivo, em verdade, de resguardar os interesses da mulher, que, de outro modo, talvez não concordasse com a modificação do regime.

Com tais ponderações, também dou provimento.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Apelação Cível nº 70053657052, Comarca de Rio Grande: "DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6045 I 23/9/2013.

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CSM/SP: Compra e venda. Vendedores – pacto antenupcial – ausência. Comunhão parcial de bens.

Não existindo pacto antenupcial registrado, aplicam-se as regras do regime da comunhão parcial aos bens do casal, segundo as quais comunicam-se os bens havidos na constância do casamento, salvo hipóteses do art. 1.659, do Código Civil.

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo (CSMSP) julgou a Apelação Cível nº 9000001-75.2012.8.26.0464, onde se decidiu pelo registro de escritura de compra e venda, mesmo diante da inexistência de pacto antenupcial de um dos casais vendedores, tendo em vista a peculiaridade do caso apresentado. O acórdão teve como Relator o Desembargador José Renato Nalini e foi, à unanimidade, provido.

No caso em tela, o apelante buscou a reforma da r. sentença proferida pelo juízo a quo, que manteve a recusa do Oficial Registrador relativa ao registro de escritura de compra e venda, tendo em vista a inexistência de apresentação de pacto antenupcial de um dos casais vendedores. Em suas razões, alegou ser prescindível a retificação do registro de casamento dos vendedores para que passe a constar o regime da comunhão parcial de bens, porque a inexistência de lavratura do pacto antenupcial para o casamento celebrado pelo regime da comunhão universal faz com que vigorem as regras do regime da comunhão parcial, conforme art. 1.640, do Código Civil. Desta forma, consideradas as regras da comunhão parcial, o registro seria possível, uma vez que, ambos participaram do negócio jurídico.

Ao analisar o recurso e após compulsar os autos, o Relator observou que o casamento foi celebrado em 15/03/1986, sob a égide do Código Civil de 1916, cujo dispositivo do art. 258, com a redação dada pela Lei nº 6.515/77 afirmava que “não havendo convenção, ou sendo nela, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial” e que a compra e venda representada na escritura pública aconteceu em 01/09/1992, nela constando que os vendedores são casados pelo regime da comunhão parcial de bens. Assim, afirmou o Relator que, “de acordo com o art. 258, do Código Civil de 1916 – norma repetida no art. 1.640, do atual Código Civil – diante da inexistência da escritura pública de pacto antenupcial, aplicam-se as regras do regime da comunhão parcial aos bens do casal, segundo as quais comunicam-se os bens havidos na constância do casamento, salvo nas hipóteses do art. 1659, do Código Civil (art. 269, do Código Civil de 1916).”

Além disso, o Relator observou, ainda, que por força de escritura pública de doação com reserva de usufruto, o marido, enquanto ainda era solteiro, adquiriu o referido imóvel ao lado dos demais vendedores. Posto isto, afirmou que, considerando a inexistência do pacto antenupcial, as regras do regime da comunhão parcial de bens, notadamente a do inciso I, do art. 259, do Código Civil de 1916 então vigente, o imóvel objeto da escritura recusada não se comunicou com a esposa, já que foi adquirido pelo marido anteriormente ao casamento, por força da doação recebida.

Sendo assim, concluiu o Relator que a esposa não poderia ter figurado como vendedora na escritura pública de compra e venda. Contudo, nada impede que sua participação seja recebida como mera anuência, em virtude da ausência de prejuízo à terceiro ou de risco de quebra da segurança registral. Por fim, destacou que, ainda que se considerasse vigente o regime da comunhão universal de bens, o desfecho seria o mesmo, haja vista que o imóvel teria se comunicado a esposa (Código Civil de 1916, arts. 262 e 263), legitimando sua participação no negócio jurídico.

Posto isto, o Relator deu provimento ao recurso, sendo favorável ao registro do título, em virtude da peculiaridade do caso.

Íntegra da decisão

Fonte: IRIB

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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