CGJ/SP: Averbação premonitória. Qualificação registral. Requisitos legais

Não cabe ao Oficial Registrador observar se averbação premonitória é indevida ou não, devendo apenas examinar se a certidão apresentada atende aos requisitos legais.

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP) julgou o Processo CG nº 2013/51222 (Parecer nº 248/2013-E), que tratou acerca da possibilidade da averbação, no Registro de Imóveis, da certidão prevista no art. 615-A do Código de Processo Civil (CPC), mesmo que nesta não conste o número da matrícula. O parecer, de autoria do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Gustavo Henrique Bretas Marzagão, foi aprovado pelo DD. Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini.

No caso apresentado, a União, inconformada com o decidido pelo juízo a quo, que indeferiu a averbação da providência prevista no art. 615-A do CPC em todas as matrículas que porventura existam sob a titularidade do devedor, interpôs recurso objetivando a reforma da sentença. Em suas razões, argumentou que a lei não exige a especificação da matrícula em que ocorrerá a averbação premonitória e que ao Oficial Registrador não cabe fazer juízo de valor sobre a pertinência ou não da averbação.

Ao julgar o recurso, o MM. Juiz Assessor da Corregedoria observou que a certidão que se pretende averbar foi expedida em conformidade com o disposto no Comunicado CGJ nº 25/2009 e atendeu aos requisitos legais: indicação das partes e valor da causa. Desta forma, entendeu que estes dados são suficientes para que o Oficial Registrador realize as buscas nos seus indicadores a fim de localizar os imóveis e direitos registrados em nome do devedor, permitindo o acesso do título que se pretende averbar. Por fim, destacou que “é certo que a responsabilidade pela averbação indevida é do credor, conforme disposto no § 4º, do art. 615-A. Contudo, não cabe ao Oficial de Registro de Imóveis fazer esse controle, devendo apenas examinar se a certidão atende aos requisitos legais.” Posto isto, o MM. Juiz Assessor da Corregedoria votou pelo provimento do recurso.

Clique aqui e confira a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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Qualificação Registral e o crime de desobediência a ordens judiciais

No dia vinte e dois de novembro de dois mil e treze, na sede da Escola Paulista da Magistratura, localizada na Rua da Consolação, 1483, primeiro andar, São Paulo/SP, foi realizado o Sétimo Ciclo de Debates – “Café com Jurisprudência”, cujo tema proposto foi “Qualificação Registral e o crime de desobediência a ordem judicial”. Compunham a mesa de debates e fizeram uso da palavra Tânia Mara Ahualli, Juíza Assessora da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Josué Modesto Passos, Juiz de Direito Auxiliar da Capital, e Sergio Jacomino, 5º Registrador de Imóveis de São Paulo/SP. O palestrante, Dr Guilherme Guimaraes Feliciano, Juiz Federal do Trabalho da 15ª Região, participou ao final dos debates.

Após os cumprimentos e apresentações iniciais, os debates se desenvolveram a partir do tema proposto: a qualificação registral efetuada por registradores de ordens judiciais que recebem, e o crime de desobediência a tais ordens quando de seu descumprimento. Discutiu-se ainda se haveria a possibilidade da pena de prisão nestas situações, ou seja, o cabimento ou não de uma sanção penal para o caso de descumprimento de uma ordem judicial quando do exercício da qualificação registral pelos registradores.

Sergio Jacomino afirmou que o Tribunal Superior do Trabalho já firmou o entendimento de que não se tipifica o crime de desobediência. Há inclusive precedente do Supremo Tribunal Federal de habeas corpus preventivos em tais situações. Houve um caso no registro de Imóveis de Belo Horizonte em que, após a qualificação e devolução de um título judicial, foi suscitada a dúvida e a Corregedoria Permanente confirmou a atuação do registrador. O juiz trabalhista então extraiu cópia de todo o procedimento e encaminhou ao Ministério Público Federal. A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, nas palavras do ministro Marco Aurélio, foi de que se trata de uma prerrogativa, considerando-se a independência jurídica do registrador, e até mais, é um dever deste profissional do direito.

Em seguida, Tania Ahualli comentou a atuação das Corregedorias Permanente e Geral, que também determinam o cumprimento das ordens judiciais trabalhistas ou federais, e que eventuais vícios seriam sanados posteriormente. A discussão existe pelo fato de as Corregedorias Permanentes e Geral terem atuação administrativa, enquanto os juízes das ordens judiciais encontram-se no desempenho da atividade jurisdicional.

Uma colega então questionou se não se poderia, em tais casos, aplicar-se o artigo 214 da Lei de Registros Públicos, que se refere ao bloqueio de matriculas. Assim, seriam feitos os registros, sem se descumprir a ordem judicial, e posteriormente a respectiva matrícula seria bloqueada.

Para Ahualli, a ideia de bloqueio mostra-se positiva, podendo-se assim conciliar o cumprimento da ordem judicial com a atuação e qualificação feitas pelo registrador, e posteriormente efetuar o bloqueio da matrícula.

A este respeito, o Dr. Josué Modesto Passos comentou que não vem determinando referidos bloqueios, pois entende que isso seria uma forma sutil de, na prática e por via transversa, impedir, na via administrativa, que tivesse efeitos uma ordem judicial proferida por juízes no exercício da atividade jurisdicional.

Neste cenário, a questão voltou-se para a possibilidade de prisão por pena de desobediência. Segundo decisões mais recentes, o crime de desobediência não é crime para prisão cautelar, em flagrante. E questiona-se ainda se caberia ao registrador cumprir uma ordem manifestamente ilegal, pois está dentre suas atribuições e deveres efetuar a qualificação registral dos títulos que lhe são ingressos.

Ahualli comentou que a ordem judicial emanada é legal, e que o crime de desobediência não admite prisão em flagrante.

Passos ponderou que não se pode ser taxativo ao afirmar que nunca haverá crime de desobediência: em princípio, a qualificação negativa de um título prenotado é cumprimento de dever do registrador e, portanto, a ilicitude está excluída; porém, seria preciso aprofundar a investigação, para verificar que existiria algum caso que a recusa pudesse ser abusiva.

Jacomino lembrou que o último palestrante indicou que o enquadramento eventualmente adotado, para enfrentamento dos casos de descumprimento da ordem judicial, seria de de improbidade administrativa.

Passos, neste momento, citando Araken de Assis, afirma que o tema de registro é estranho à execução em si. A desobediência ocorre se houver uma ordem. No processo civil, muitas vezes os juízes tem poderes ampliados. O que o juiz pode ordenar? Ainda seria, neste cenário, correto o entendimento de Araken de Assis?

Passos, nesse momento, cita Araken de Assis, autor segundo o qual o tema de registro é estranho à execução em si. No entender de Passos, esse é o entendimento tradicional, que hoje pode não mais ser o correto. Além disso, diz Passos que o crime de desobediência pressupõe que haja uma ordem. No processo civil, é verdade que os juízes, ao longo do tempo, tem recebido uma ampliação de seus poderes (por exemplo, com a previsão de um poder geral de cautela e, depois, com a possibilidade geral de antecipação de tutela). Seria preciso investigar o que o juiz pode, de fato, ordenar no processo de execução, no que diz respeito ao registro.

Uma colega asseverou que a questão da execução não poderia ser desprestigiada, pois a eficácia das decisões é fundamental.

Segundo Ahualli, os juízes não podem ter poderes ilimitados. Não caberia portanto ao juiz corregedor permanente dizer se a ordem foi irregular ou não. Posteriormente poderia ser desconsiderada a ordem, após a análise em um segundo momento, em expediente próprio. Neste ponto, Jacomino lançou a ideia, já corrente em certos círculos, de se transformar a dúvida em procedimento judicial ordinário.

Passos pontuou sobre a aquisição judicial ser considerada originária. Neste caso, proprietário não precisaria ser citado? Mesmo no sistema de aquisição imobiliária em modo originário, se exige a intimação de todos os interessados. Se estes não se opuserem, a decisão produzirá o efeito da transmissão. Em sua opinião, entretanto, a arrematação é forma derivada de aquisição de propriedade.

Ainda, Passos considerou a presunção dos atos judiciais. Se, no entanto, por meio dos elementos apresentados, se perceber a possibilidade de ter havido algum erro/equívoco, dever-se-ia encaminhar o caso ao juiz. Se este, no entanto, reiterar a decisão, deve a mesma ser integralmente cumprida.

Um dos presentes perguntou então se o registrador poderia qualificar negativamente um título judicial, caso verificasse que as citações não teriam sido todas feitas corretamente, e se a natureza originária de uma aquisição não permitiria dispensar tal exame. Passos pontuou que as citações de todos os interessados são necessárias mesmo nos ordenamentos jurídicos em que a arrematação conduz a uma aquisição originária do domínio, e que no direito brasileiro um caso típico de aquisição originária – a usucapião – implica a regularidade de todas as citações no respectivo processo. Voltando ao caso da arrematação, num sistema em que ela dá causa a uma aquisição originária, a transmissão do domínio sobre bens que não sejam do devedor só ocorrerá se os interessados forem citados e não embargarem. Passos salientou que, em sua opinião, a arrematação dá causa a uma aquisição derivada de propriedade.

Passos ainda fez consideração sobre a presunção de legalidade dos atos judiciais. Se, no entanto, por meio dos elementos apresentados, se perceber a possibilidade de ter havido algum erro/equívoco, o oficial de registro deveria encaminhar o caso ao juiz. Se este, no entanto, reiterar a decisão, deve a mesma ser integralmente cumprida.

Com a chegada do palestrante, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, teve início a apresentação de alguns casos ocorridos dentro do tema abordado e de possíveis soluções.

Foi mencionada a apelação cível 37.909-0/0 TJSP, de Marcio Martins Bonilha, em que houve a recusa de uma penhora pelo registro de imóveis competente. Foi suscitada dúvida e o juiz corregedor permanente acolheu a posição do registrador. Então, o juiz trabalhista que teve a sua ordem recusada comunicou ao seu corregedor, o qual oficiou a Corregedoria do Tribunal de Justiça. Esta, por sua vez, levou o tema ao Conselho Superior da Magistratura. O que se entendeu ao final foi que os títulos judiciais apresentados não isentam os registradores do regime qualificativo dos requisitos registrários.

Foram mencionadas algumas hipóteses de recusa decorrente da justiça do trabalho, como de imóveis gravados por cédula de crédito industrial, indisponibilidade patrimonial, comprovante de pagamento de ITR e de incompetência absoluta.

As possíveis soluções para os casos tratados seriam:

– Nos casos de conflito, aplicação do artigo 105, I, g da Constituição Federal;

– Publicação de editais dando conta da constrição judicial. Eficácia presuntiva do artigo 659, paragrafo 4º e 687 do Código de Processo Civil;

– Expedição de mandado de imissão na posse direta dos imóveis, em favor do arrematante ou adjudicante (artigo 625 do Código de Processo Civil, “per analogiam”).

Com relação às consequências civis e penais, haverá responsabilidade civil perante terceiros adquirentes de boa-fé. No âmbito penal, cabe ressaltar seu caráter subsidiário, ou seja, se houver sanção de outra natureza, não caberia crime. A expedição de mandado de prisão para os casos de desobediência de ordem judicial no contexto tratado é um erro, caberia apenas a lavratura de um termo circunstanciado (TCO).

Jacomino finalizou solicitando a todos os participantes e eventuais interessados sugestões de temas para o “8º Ciclo do Café   com Jurisprudência”. Sugeriu, dentre outros, analisar as consequências penais nos diversos institutos do direito notarial e registral.

Após os agradecimentos, a palestra foi encerrada às 13:00.

Eu, Denise Kobashi Silva, Tabeliã de Notas e Protesto de Santa Isabel/SP, redigi. Eu, Sérgio Jacomino, revisei e editei.

Fonte: Anoreg/SP – EPM.

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Qualificação dos títulos judiciais pelo oficial de registro de imóveis

* Vitor Frederico Kümpel

O Poder Judiciário, na consecução de sua atribuição típica de distribuir Justiça, tem nos Ofícios Judiciais e Extrajudiciais o apoio necessário para materializar os atos essenciais à concretização desse fim. Os dois braços, Ofícios Judiciais e Ofícios Extrajudiciais, muito embora realizem atribuições distintas, sofrem, por parte do Poder Judiciário, regulação e controle, para perfeita harmonização dos atos geralmente tidos por burocráticos na missão de "dar a cada um o que é seu".

Dentre as serventias extrajudiciais, é nosso objetivo hoje focar no Registro de Imóveis, que tem suas atribuições definidas tanto na lei 8935/94, quanto na lei 6.015/73, entre outras tantas. Pela tremenda especificidade dos atos que ali aportam, compete ao Oficial do Registro de Imóveis qualificar os títulos apresentados para que a técnica seja a garantia dos direitos do cidadão.

O tema ora proposto, qualificação registral, é de extrema importância para todos os operadores do Direito, pois constitui a aferição necessária por parte do Oficial das qualidades essenciais do título apresentado, para que tenha ingresso no sistema registral.

Tal exercício de análise não é novidade no Brasil. O desembargador Ricardo Dip esclarece que "O Regulamento Hipotecário de 1865, que instituiu entre nós o procedimento da dúvida registrária, igualmente previa a tarefa qualificadora do Oficial do Registro, que, "duvidando da legalidade do título" (art. 69), quer por lhe parecer nulo, quer por lhe parecer falso (art. 74), poderia recusar-lhe a inscrição (no mesmo sentido, confiram-se os arts. 66 e 71 do Regulamento Hipotecário de 1890)"1.

Verifica-se, deste modo, que, embora tenha um caráter mais abrangente na atualidade, a qualificação registral realizada no século XIX já possuía seus traços essenciais. Ora, o exercício de valoração do título que ingressa na serventia, realizado pelo Registrador, visa, justamente, a verificar se este se encontra formalmente de acordo com a legislação e normas vigentes.

Conforme esclarece Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo/SP, "(…) é pacífica a necessidade de um ato inscritivo (registro ou averbação) na constituição, transmissão, modificação e extinção de direitos reais imobiliários e nos fatos modificativos das situações a eles correspondentes, que tenham como pressuposto título ou documento extrajudicial ou judicial, cumprindo, assim, os objetivos da publicidade registral"2.

Para que haja o ingresso do título, portanto, faz-se necessária uma prévia análise deste, para que se possa aferir se está apto à inserção no Registro Imobiliário. Este exercício de prudência, como se pode perceber, é de caráter eminentemente jurídico, tanto referente a aspectos formais do título, quanto, em alguns casos, a questões de direito material, tratados no conteúdo do título.

Para simplificar, a qualificação é essencial à harmonização, à observância dos princípios registrais, à observância de um sistema de legalidade e, porque não falar, moralidade, tudo tendo como objetivo maior a função social da propriedade (art. 5º XXIII da Constituição Federal) e, por decorrência, a dignidade da pessoa humana (art.1º, III, também da Constiuição).

Percebe-se, assim, a importância da atividade qualificadora realizada pelos titulares das serventias de Registro de Imóveis, haja vista que tal juízo irá determinar se um título (seja judicial ou extrajudicial) será, ou não, assentado (registro ou averbação). Ou seja, determinar-se-á se a pretensão de constituir, modificar ou extinguir determinados direitos reais ou pessoais (tanto em seu aspecto subjetivo -relacionados à titularidade do imóvel-, quanto em seu aspecto objetivo) irá, de fato, operar.

Tal qualificação registral é muito bem conceituada pelo Desembargador Ricardo Dip, que leciona: "Diz-se qualificação registral (imobiliária) o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração"3.

Feita a abordagem geral quanto ao exercício de qualificação realizado pelo Oficial, podemos tratar, especificamente, da qualificação dos títulos judiciais. O inciso IV do art. 221 da lei 6.015 de 1973 (lei dos Registros Públicos) prevê a possibilidade de admissão de títulos judiciais nos Ofícios de Registro:

Art. 221 – Somente são admitidos registro:

IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.

Como se percebe, portanto, o título executivo judicial é fruto de uma decisão jurisdicional estatal, advinda de um processo (tanto de jurisdição contenciosa, quanto voluntária). O que diferencia o título judicial dos títulos extrajudicial (administrativo, do Tabelião etc.) não é simplesmente por advir de um Magistrado; o que determina qualquer ausência de controle de conteúdo por parte do Registrador é o fato de ter passado pelo devido processo legal (contraditório e ampla defesa) e ter, na maioria dos casos, gerado a garantia da coisa julgada (art. 5º CF). Neste caso, o título judicial fica imune de qualquer qualificação quanto a seu conteúdo, na medida em que o Registrador não tem poder para revisar decisão judicial e muito menos para mitigar a coisa julgada material e/ ou formal (imutabilidade dos efeitos da sentença).

Justamente pelo fato de o Oficial de Registro de Imóveis não analisar o mérito da decisão que embasa o título judicial, muitos erroneamente concluem que não deve haver qualquer tipo de qualificação quando se trata destes títulos. Em verdade, o juízo prudencial também deve ser realizado diante dos títulos judiciais. Porém, neste caso, deve-se limitar à análise de elementos extrínsecos e formais do título.

O atual Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, em decisão de Apelação Cível4, esclareceu que:

É certo que os títulos judiciais submetem-se à qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

"Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental" (Ap. Cível nº 31881-0/1).

Percebemos, portanto, que deve, sim, haver qualificação registral quanto aos títulos judiciais, porém esta não se dará de modo irrestrito e ilimitado. A atividade do Registrador, logo, não deve tratar do mérito da decisão, mesmo que acredite haver desacerto nesta, afinal o ordenamento jurídico já prevê uma diversa gama de recursos processuais, não cabendo à serventia extrajudicial rever decisão judicial transitada em julgado. Aqui é bom mencionar, ainda, que, caso o Órgão Julgador afronte determinado princípio registral e determine, sob o crivo do contraditório, a sua realização terá o registrador que cumprir a ordem, ainda que, sob ponto de vista do registro, o ato em si não deveria gerar cumprimento.

Assim, a qualificação dos títulos judiciais por parte do Oficial de Registro de Imóveis irá se restringir, fundamentalmente, a algumas questões de cunho formal. Dentre elas está à análise da competência do juiz ou Órgão Judiciário que prolatou a decisão presente no título. Deve-se analisar, tão somente, se há incompetência absoluta, pois a incompetência relativa só interessa às partes, sendo ausente o interesse público. O Registrador deve ainda analisar outras questões de ordem pública e auxiliar a Justiça, devolvendo muitas vezes o título para complementações necessárias.

Também será analisada pelo Registrador a presença dos elementos mínimos para o registro. Assim, a decisão presente no título judicial deve respeitar os princípios basilares do direito registral imobiliário. Deverão ser atendidos, por exemplo, os princípios da especialidade objetiva e da continuidade.

O denominado princípio da continuidade pode ser depreendido da leitura dos artigos 195 e 237 da lei 6.015 de 1973, que determinam:

Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.

Já o princípio da especialidade objetiva consta da redação do §2º art. 225 da mesma lei:

Art. 225 – Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.

§ 2º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.

É necessário ressaltar que a qualificação dos títulos judiciais não é tema nem um pouco simples, já que, na prática registral, muitas vezes não é clara a distinção entre uma análise meramente formal (extrínseca) e uma análise que invada o mérito da decisão judicial. Justamente por isso, necessário acompanhar as decisões do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça, pois, a partir de tal jurisprudência, será possível constatar, em casos concretos, os limites deste juízo prudencial realizado pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Ao contrário do que se possa imaginar, a qualificação negativa de um título judicial não tem por objetivo afrontar o magistrado. O grande objetivo é auxiliar o Poder Judiciário para que o ato seja praticado da forma mais perfeita possível. É interesse do Registrador a qualificação positiva, porém quando o título é qualificado de forma negativa o incidente ocorre exatamente na tutela do cidadão para a preservação do seu basilar direito de propriedade, garantia fundamental estatuída no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

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1. DIP, Ricardo Henry Marques (1991), "Sobre a Qualificação no Registro de Imóveis". pg. 08.

2. DOS SANTOS, Flauzilino Araújo (2004), "Sobre a Qualificação de Títulos Judiciais no Brasil", pg. 03.

3. DIP, Ricardo Henry Marques (1991), "Sobre a Qualificação no Registro de Imóveis", pg. 12.

4. Apelação Cível 0017376-73.2012.8.26.0100, Apelante: Rosa Mary Fonseca Ribeiro, Apelado: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, Voto 21.114, Rel. Des. José Renato Nalini.

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas I 19/11/2013.

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