TJRS: Cláusula que não prevê penalização de construtora por atraso na entrega de imóvel é abusiva, cabendo multa

Os Juízes de Direito integrantes da 3ª Turma Recursal Cível consideraram abusiva cláusula contratual de venda de imóvel que prevê tolerância de até 180 dias em caso de atraso na obra, com a condenação de construtora ao pagamento de multa, além do reconhecimento de danos morais pela demora na entrega da casa própria.

Caso

A autora da ação adquiriu o imóvel Projeto Residencial Park Plaza na planta, em Porto Alegre, com prazo de entrega estipulado para maio de 2010. No contrato havia uma cláusula que dava margem de seis meses de tolerância. Entretanto, o imóvel foi entregue nove meses depois, em fevereiro de 2011.  Em primeira instância a ré (Projeto Imobiliário Condomínio Park Plaza SPE 52 Ltda.) foi condenada ao pagamento de R$ 2.986,05 pelos gastos com aluguel, condomínio e IPTU que a autora teve nos três meses após o tempo de tolerância imposto no contrato.

A parte autora recorreu, pedindo aumento na indenização por danos materiais, não apenas pelos três meses, e sim pela totalidade de nove meses de atraso do imóvel. E pediu ressarcimento por aluguel de box de garagem, assim como o pagamento de indenização por danos morais.

Multa

Os magistrados da 3ª Turma Recursal Cível do RS atenderam em parte aos pedidos, entendendo que no caso específico uma multa no valor de R$ 3.338,45, referente aos seis meses que a cláusula de tolerância abrangia seria mais correto, diferente do pedido por danos materiais. Valor equivalente à multa de 2% pela inadimplência, prevista no contrato, sobre o valor total do bem, com atualização e juros de mora desde a incidência (dezembro de 2010).

Em seu voto, o Juiz de Direito Carlos Eduardo Richinitti, relator do processo, explicou:

A chamada cláusula de tolerância tem sido imposta e aceita como algo absolutamente normal, quando não é. Infringe mais de um dispositivo do Código do Consumidor (CDC), que demonstram a abusividade na extensão do prazo de entrega sem qualquer penalização.

Observou que a desvinculação de qualquer penalização não é estendida ao consumidor-contratante, que em caso de atraso de uma prestação, que seja apenas por um dia, já sofre cobrança de juro e multa.

Danos morais

Sobre os danos morais, o magistrado afirmou: Não há como se desconhecer todos os transtornos e frustrações daquele que adquire a tão sonhada casa própria e se vê no pesadelo da incerteza da entrega. Há diversos casos de pessoas que tem que morar em hotéis ou prorrogar locações. Todo o planejamento de vida resta frustrado e deve ser compensado.

Condenaram assim o condomínio ao pagamento de R$ 5 mil reais, a título de danos morais referente aos três meses de atraso na entrega.

Acompanharam o voto do magistrado, os Juízes de Direito Luis Francisco Franco e Adriana da Silva Ribeiro.

Recurso nº 71003826450

Fonte: TJRS. Publicação em 27/05/2013.


Dispensa de Legalização Consular para trasladação de documentos estrangeiros nos termos da Resolução n.° 155/2012 do CNJ

Por Karine Maria Farmer Rocha Boselli e Marília Ferreira de Miranda

Existe um número significativo de brasileiros residentes no exterior e que, para o exercício de atos da vida civil, utilizam-se tanto das repartições consulares brasileiras quanto de autoridades registrais estrangeiras.

Em ambos os casos, para que os atos de registro de nascimento, casamento e óbito de brasileiros surtam efeitos em território nacional é necessária a sua trasladação no Livro E das serventias do 1º Ofício ou Sede da comarca do domicílio do interessado, bem como anotados em registros anteriores (artigo 33, parágrafo único, da Lei n.° 6.015/73). Não tendo o registrando domicílio conhecido no Brasil, a transcrição será feita no 1º Ofício do Distrito Federal (artigo 32, §2º, da Lei 6.015/73).

A Resolução n.° 155, de 16.07.2012, do Conselho Nacional de Justiça foi editada com o intuito de uniformizar as regras sobre a transcrição dos atos da vida civil de brasileiros residentes no exterior e, assim, assegurar o pleno exercício de seus direitos civis em território nacional.

O art. 2o da Resolução estabelece que os assentos de nascimento, casamento e óbito de brasileiros lavrados por autoridade estrangeira competente, que não tenham sido previamente registrados em repartição consular brasileira, somente poderão ser trasladados no Brasil se estiverem legalizados por autoridade consular brasileira que tenha jurisdição sobre o local em que foram emitidas.

A legalização consiste no reconhecimento por autoridade consular brasileira da assinatura de notário ou de autoridade estrangeira competente, aposta em documento original ou fotocópia autenticada ou na declaração de autenticidade de documento original não assinado, nos termos do regulamento consular (art. 2o, par. 2o da Resolução 155).

No entanto, a legalização pode ser dispensada desde que haja previsão em tratados ou acordos multilaterais ou bilaterais celebrados pelo Brasil com estados estrangeiros.

A partir de pesquisa realizada junto ao Ministério das Relações Exteriores, verifica-se que há inúmeros tratados celebrados acerca da dispensa de legalização no âmbito da cooperação judiciária.

Em contrapartida, a dispensa da legalização quanto aos atos registrais encontra respaldo no Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, promulgado pelo Decreto n.° 3.598, de 12.09.2000.

Segundo o art. 23 deste Acordo, os atos públicos expedidos no território francês serão dispensados de legalização ou de qualquer formalidade análoga para sua apresentação em território nacional.

O item 2 do referido artigo estabelece o rol de atos considerados como públicos, dentre eles as certidões de estado civil, para as quais se aplica a dispensa de legalização consular.

Além do Acordo Brasil-França, o Acordo entre a República Argentina e a República Federativa do Brasil sobre Simplificação de Legalizações em Documentos Públicos, publicado no Diário Oficial n.° 77, de 23.04.2004, teria igualmente dispensado a legalização consular para os atos de registro civil.

Por este Acordo, a dispensa de legalização consular refere-se aos documentos públicos expedidos por qualquer dos Estados celebrantes, sendo considerados como públicos: a) os documentos administrativos emitidos por um funcionário público no exercício de suas funções; b) as escrituras públicas e atos notariais; e c) os reconhecimentos oficiais de firma ou de data que figurem em documentos privados.

A única formalidade exigida, entretanto, é a aposição de carimbo por autoridade competente do Estado em que se originou o documento e no qual se certifique a autenticidade da firma, a capacidade com a qual atuou o signatário do documento e, conforme o caso, a identidade do selo ou do carimbo que figure no documento (1). Este procedimento, é preciso esclarecer, não se confunde com a legalização consular, uma vez que é realizada pela própria autoridade emissora do documento(2).

Apesar de não haver menção expressa das certidões ou demais atos de registro civil no rol dos documentos públicos previsto no Acordo Brasil-Argentina, a Arpen-Brasil(3), recentemente, divulgou entendimento acerca da aplicação deste Acordo para fundamentar a dispensa de legalização quando da transcrição de tais atos.

Antes da recomendação feita pela Arpen-Brasil, inexistia uniformidade entre os registradores civis acerca da aplicação de demais tratados relativos à dispensa de legalização consular.

Discutia-se sobre a previsão de dispensa de legalização consular contida no art. 30 do Decreto 166, de 03.07.1991 que promulgou o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha.

Referido artigo estabeleceu a dispensa de legalização de documentos emitidos pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades de qualquer dos Estados celebrantes quando apresentados a uma autoridade judiciária do outro Estado, sem ampliar sua aplicação a outras esferas não jurisdicionais.

O Decreto n.° 6.891, de 02.07.2009, que promulgou o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, República da Bolívia e a República do Chile (4), igualmente prevê a dispensa de legalização consular.

Segundo o art. 26 deste Acordo, os documentos emanados de autoridades jurisdicionais ou outras autoridades de um dos Estados Partes, assim como as escrituras públicas e os documentos que certifiquem a validade, a data e a veracidade da assinatura ou a conformidade com o original, e que sejam transmitidos por intermédio de Autoridade Central (5), ficam isentos de legalização, certificação ou formalidade análoga quando devam ser apresentadas no Território do outro Estado Parte.

A dispensa da legalização, neste caso, está adstrita àqueles documentos que sejam transmitidos entre os Estados Partes por meio de Autoridade Central. Assim, não se aplica referida dispensa de legalização consular às hipóteses em que os próprios interessados solicitem seus documentos e os apresentam ao Oficial de Registro Civil competente para sua trasladação.

Por fim, há que se mencionar o Decreto nº 1.476, de 02.05.1995, que promulgou o Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana.

De acordo com este Tratado, os atos, as cópias e as traduções redigidos ou autenticados por autoridade competente de cada Parte, que contenham a assinatura e o timbre ou o selo oficial, ficarão isentos de qualquer forma de legalização para serem utilizados perante as autoridades da outra Parte. Essa dispensa delimita-se somente ao âmbito da cooperação judiciária e execução de sentenças em matéria civil nos termos dos seus os arts. 2 e 3.

Conclui-se, portanto, em conformidade com o acima exposto e a recomendação da Arpen-Brasil, que a dispensa de legalização consular para fins de trasladação de atos no Livro E dar-se-á somente quanto às certidões de estado civil emitidas pelas autoridades registrárias francesas e argentinas.

Autoras: Karine Maria Farmer Rocha Boselli é Oficiala do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabeliã de Notas de Luiz Antonio-SP e Marília Ferreira de Miranda, Oficiala do Registro Civil das Pessoas Naturais de Brotas-SP

Notas
1) Art. 3 do Acordo Brasil-Argentina in verbis: “Para fins da aplicação do presente Acordo, a única formalidade exigida nas legalizações dos documentos referidos no item 1.B, será um carimbo que deverá ser colocado gratuitamente pela autoridade competente do Estado em que se originou o documento e no qual se certifique a autenticidade da firma, a capacidade com a qual atuou o signatário do documento e, conforme o caso, a identidade do selo ou do carimbo que figure no documento.”

2) Nos termos do Acordo, caso haja fundadas dúvidas sobre a veracidade da firma, sobre a capacidade na qual o signatário do ato haja procedido, ou sobre a identidade do selo ou carimbo, as autoridades emissoras poderão pedir informações por intermédio das autoridades centrais. Os pedidos de informação deverão limitar-se a casos excepcionais e deverão ser sempre fundamentados e, se possível, serão acompanhados do original ou de cópia do documento. Para fins da aplicação desta regra, a Autoridade Central Argentina será o Ministério de Relações Exteriores, Comércio Internacional y Culto – Direção Geral de Assuntos Consulares e a Autoridade Central Brasileira será o Ministério de Relações Exteriores – Direção Geral de Assuntos Consulares, Jurídicos e de Assistência a Brasileiros no Exterior (arts. 4 e 5).

3)Disponível no sítio eletrônico: http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=17936

4)Referido Acordo é conhecido como Protocolo de Las Leñas.

5)Segundo o Protocolo de Las Leñas, as Autoridades Centrais serão indicadas pelos Estados Partes.

Fonte : Assessoria de Imprensa da ARPEN/SP. Publicação em 28/05/2013.


STJ: Independe de prazo certo a extinção de usufruto pelo não uso de imóvel

A extinção do usufruto pelo não uso de imóvel pode ocorrer independentemente de prazo certo, sempre que, diante das circunstâncias, se verificar o não atendimento dos fins sociais da propriedade.

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento a recurso especial interposto por uma usufrutuária de imóvel em Minas Gerais que sofria uma ação de extinção de usufruto movida pela proprietária. Esta alegava que a usufrutuária não estava utilizando o bem sobre o qual tinha direito.

O usufruto é “o direito real em que o proprietário – permanecendo com a posse indireta e com o poder de disposição – transfere a um terceiro as faculdades de usar determinado bem e de retirar-lhe os frutos”. No entanto, em decorrência do não uso do bem, o direito real do usufrutuário torna-se extinto, conforme dispõe artigo 1.410, VIII, do Código Civil (CC).

Extinção do usufruto

O recurso é contra decisão do tribunal de justiça mineiro, que deu provimento à apelação da proprietária do imóvel para extinguir o usufruto. Os desembargadores consideraram que as provas integrantes do processo revelam que a usufrutuária não usava o imóvel há mais de uma década. “Extingue-se o usufruto pelo não uso da coisa pelo prazo de 10 anos”, estabeleceu o acórdão.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, destacou que o artigo 1.228, parágrafo 1º, do CC estabelece que a usufrutuária tem a obrigação de exercer seu direito em consonância com as finalidades social e econômica a que se destina a propriedade. Para assegurar que seja cumprida essa função, o Código Civil de 2002 instituiu o não uso da coisa como causa extintiva do usufruto.

Prazo

A relatora observa que o legislador não estipulou o prazo mínimo a ser observado para a hipótese discutida no recurso, ou seja, o não uso do bem. Contudo, apontou que a doutrina tem se inclinado pela aplicação do prazo de dez anos, baseada na regra geral de prescrição do artigo 205 do Código Civil ou empregando, por analogia, o prazo previsto para extinção de servidões pelo mesmo motivo. Essa posição foi adotada no acórdão recorrido.

No entanto, segundo Nancy Andrighi, não é possível admitir que sejam aplicados prazos prescricionais, devido a dois pontos cruciais. Primeiro porque a norma do Código Civil de 1916, que previa a extinção do usufruto pela prescrição, não foi reeditada pelo Código atual, encontrando-se, portanto, revogada. Segundo porque o usufruto – direito real – não prescreve. A relatora entende que “a ausência de prazo específico, nesse contexto, deve ser interpretada como opção deliberada do legislador, e não como lacuna da lei”.

Fonte: STJ. Publicação em 28/05/2013.