CGJ/SP: Registro de imóveis – Ausência de instituição e de especificação de condomínio – Inexistência jurídica das unidades – Impossibilidades de averbação de número municipal do contribuinte – Sentença correta e recurso não conhecido, por falta de capacidade postulatória do recorrente.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2014/37413
(87/2014-E)

Registro de imóveis – Ausência de instituição e de especificação de condomínio – Inexistência jurídica das unidades – Impossibilidades de averbação de número municipal do contribuinte – Sentença correta e recurso não conhecido, por falta de capacidade postulatória do recorrente.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Ramon José Machado interpôs recurso administrativo contra a r. sentença que manteve a recusa do 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo em averbar o número de contribuinte de unidade autônoma reconhecida pela Prefeitura e objeto de lançamento tributário. A recusa deveu-se ao fato de que a unidade não existe juridicamente, pois o condomínio não foi sequer regularmente instituído.

O recorrente afirma que a fere uma série de princípios e, após longa narrativa acerca de sua busca na regularização da propriedade, bate-se, novamente, na tese de que a Prefeitura reconhece seu “apartamento” como unidade autônoma, tanto que ele possui número de contribuinte e é objeto de tributação. Daí porque seria lícito averbar tal número de contribuinte.

Recebido o recurso, os autos foram enviados à D. Procuradoria Geral de Justiça, que opinou pela manutenção da sentença.

É o relatório. OPINO.

O recurso não deve ser conhecido.

O recorrente não possui capacidade postulatória e não está representado por advogado.

É pacifica a jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura acerca da necessidade de o recorrente, em procedimento de dúvida registrária, ter capacidade postulatória ou estar representado por advogado, com base no artigo 36 do Código de Processo Civil e artigo 1º do Estatuto da Advocacia, a exemplo do decidido na Apelação Cível nº 125-6/2, da Comarca de Catanduva, cujo relator foi Desembargador José Mário Antonio Cardinale, e na Apelação Civil 501-6/9 da Comarca de Campinas, cujo relator foi o Desembargador Gilberto Passos de Freitas.

De qualquer forma, ainda que se conhecesse do recurso, ele não seria provido.

Como corretamente exposto na sentença, a matrícula de nº 194.358 (fls. 21/22) dá conta da inexistência da unidade autônoma do interessado, e a Av. 3 demonstra que o Condomínio ainda não foi instituído.

O fato de a Prefeitura Municipal ter aberto um número de contribuinte ao interessado e realizar lançamentos tributários em face daquilo que denomina “apartamento” não possibilita a averbação desejada.

Pelo exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de não conhecer do recurso administrativo, mantendo-se a sentença exarada.

Sub censura.

São Paulo, 20 de março de 2014.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, não conheço do recurso administrativo, mantendo a sentença proferida. Publique-se. São Paulo, 25.03.2014. – (a) – HAMIULTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: INR Publicações – DJE | 21/05/2015.

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CGJ/SP: Tabelião de Notas – Serviços mal prestados e demora no atendimento – Prova oral suficiente para a condenação – Pena bem fixada – Sentença mantida

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2014/17257
(63/2014-E)

Tabelião de Notas – Serviços mal prestados e demora no atendimento – Prova oral suficiente para a condenação – Pena bem fixada – Sentença mantida.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

A MMª. Juíza Corregedora Permanente da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, por decisão devidamente fundamentada, entendeu haver razão suficiente para a condenação do recorrente e, com base nos artigos 30, II e XIV, e 31, I e V, da Lei nº 8.935/94, aplicou a pena de multa de R$ 10.000,00.

A Condenação deveu-se aos seguintes fatos: inadequada e ineficiente prestação de serviço, por ocasião do atendimento dispensado ao usuário Mário Sérgio Franco Marques, que, necessitado dos serviços do Tabelionato para obter reconhecimento de firma, alertou que ato deveria recair em campo específico do documento, fato não observado; em outra ocasião, tornou à Serventia, para autenticação de documentos, experimentando demora excessiva. Ao reclamar, recebeu tratamento jocoso e descortês.

O recorrente afirma que a sentenciante baseou-se, tão somente, nos fatos narrados na Portaria, desprezando as testemunhas que atestaram sua boa conduta e os bons serviços prestados. Diz, mais, que a mera falha na autenticação do documento não trouxe nenhum prejuízo ao usuário e que a pena imposta, no caso de manutenção da condenação, é exagerada.

Recebido o recurso, determinou-se a juntada das informações sobre os antecedentes funcionais do recorrente.

Passo a opinar.

O Recurso não prospera.

Ao contrário do que afirma o recorrente, a sentenciante não se baseou, tão somente, na leitura dos fatos narrados na Portaria.

O depoimento do usuário à fl. 40, dá conta de que ele pediu ao escrevente do Tabelionato, por ocasião do reconhecimento de firma em documento destinado à Receita Federal, de maneira expressa, que o ato se fizesse em campo especifico. Não obstante o pedido expresso, o escrevente não prestou atenção, atendendo-o com pouco caso, o que fez com que o ato tivesse que ser refeito. Em outra oportunidade, visando à autenticação de documentos, além da excessiva demora experimentada – 50 a 60 minutos –, o usuário viu-se obrigado a reclamar da qualidade das cópias e, quando o fez, foi tratado com zombaria.

O contador que o acompanhava prestou depoimento à fl. 89 e confirmou os fatos narrados pelo usuário.

É o certo que o recorrente confirmou, somente, a falha na autenticação do documento, afirmado, porém, que não houve prejuízo ao usuário, pois o ato foi imediatamente refeito. Negou, junto dos escreventes que participaram do fato, o mau atendimento e mesmo a demora.

Além disso, trouxe aos autos relatos dos bons serviços prestados e da satisfação dos usuários.

A ficha de antecedentes do recorrente, todavia, não corrobora suas alegações. Em correição geral extraordinária realizada em 12 de junho de 2002, verificou-se o descumprimento dos incisos I e V, do art. 31, da Lei nº 8.935/94. A saber, o recorrente não mantinha em ordem os seus livros e não procedia de forma a dignificar a função exercida.

Ora, diante desse contexto, não há razão para desacreditar a versão apresentada pelo usuário e corroborada pela pessoa que o acompanhava. Ao contrário do recorrente e de seus escreventes, cuida-se de pessoas desinteressadas e que, presume-se, não se abalariam a procurar o Juiz Corregedor Permanente se o atendimento houvesse sido razoável.

A palavra do usuário, que não restou isolada, assume força probante maior nessas circunstâncias. E não há prejuízo que possa ser alegado no fato de sua oitiva ter se dado em momento anterior ao da instauração da Portaria, pois o recorrente não postulou, em nenhuma oportunidade, a renovação do ato nem a oitiva de seu acompanhante.

A pena aplicada, por seu turno, foi absolutamente proporcional e razoável, atendendo ao que determina o art. 33, II, da Lei nº 8.935/94 e o item 9.1, Capítulo V, das Normas do Pessoal dos Serviços Extrajudiciais.

Portanto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência sugere que a sentença seja mantida.

Sub censura.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2014.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, mantenho a pena aplicada ao Tabelião JORGE AUGUSTO ALDAIR BOTELHO FERREIRA. Publique-se. São Paulo, 06.03.2014. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: INR Publicações – DJE | 21/05/2015.

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Jurisprudência mineira – Ação de usucapião – Contrato particular de promessa de compra e venda do legítimo dono cedido aos autores – Obstáculos judiciais e legais de difícil e incerta solução para obtenção da escritura e registro da aquisição

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO – AÇÃO DE USUCAPIÃO – CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DO LEGÍTIMO DONO CEDIDO AOS AUTORES – OBSTÁCULOS JUDICIAIS E LEGAIS DE DIFÍCIL E INCERTA SOLUÇÃO PARA OBTENÇÃO DA ESCRITURA E REGISTRO DA AQUISIÇÃO – INTERESSE DE AGIR VIA USUCAPIÃO – PRESENÇA – SENTENÇA TERMINATIVA – CASSAÇÃO – RECURSO PROVIDO

– O interesse de agir consiste em poder a parte, em tese, buscar a tutela jurisdicional pretendida.

– O possuidor do imóvel, a quem foi cedido contrato particular de promessa de compra e venda do legítimo dono, que encontra obstáculos judiciais e legais de difícil e incerta solução para obtenção da escritura e do registro do referido imóvel, possui interesse de agir para buscar a aquisição da propriedade via usucapião.

Recurso conhecido e provido. Sentença terminativa cassada.

Apelação Cível nº 1.0470.14.002323-0/001 – Comarca de Paracatu – Apelantes: Rozana Luíza Duarte Rabelo, Antônio Rabelo de Souza e outros – Relatora: Des.ª Márcia De Paoli Balbino

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso, para cassar a sentença.

Belo Horizonte, 5 de março de 2015. – Márcia De Paoli Balbino – Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª MÁRCIA DE PAOLI BALBINO – Trata-se de ação de usucapião ajuizada por Antônio Rabelo de Souza e outros, alegando, em síntese, serem legítimos possuidores de uma área de terra de 107.70,44 (cento e sete hectares, setenta ares e quarenta e quatro centiares), dentro de uma área maior registrada, de 1.238,94 (mil hectares, duzentos e trinta e oito ares e noventa e quatro centiares), localizada na Fazenda Batalha dos Nunes. Sustentam que celebraram contrato particular de compra e venda do imóvel com a antiga possuidora, que, por sua vez, negociou o imóvel com o legítimo proprietário. Aduzem que não fizeram a transcrição do título junto do Cartório de Registro de Imóveis competente porque a área maior (de 1.238,94 ha) tinha ordem judicial de divisão em partes iguais entre os ex-cônjuges proprietários, quando da separação consensual homologada. Ressaltam que, antes da transcrição, um dos consortes faleceu, e a matrícula, atualmente, é objeto de partilha em ação de inventário proposta pelos herdeiros. Requerem a declaração do domínio sobre o imóvel usucapiendo, servindo a sentença como título a ser levado a registro. Juntaram os documentos de f. 14/52.

À f. 53, o MM. Juiz determinou a emenda da inicial, para que os autores juntassem aos autos a cópia da certidão de registro do imóvel usucapiendo e do processo de inventário mencionado por eles, o que foi atendido às f. 55/81.

À f. 82, o Magistrado primevo determinou nova emenda da inicial, determinando que os autores informassem as exigências legais não cumpridas pelos vendedores para que fosse efetivado o registro do imóvel, informando, ainda, qual o impedimento para transcrição da carta de sentença mencionada na inicial, esclarecendo o interesse de agir.

Os autores peticionaram às f. 84/87, informando que o Cartório de Registro de Imóveis não aceitou efetuar o registro do imóvel usucapiendo enquanto não sobreviesse a divisão do bem com as respectivas lavraturas das escrituras individuais entre os exconsortes. Afirmaram que os herdeiros do proprietário não dispõem de recursos financeiros para regularizar o registro do imóvel, conforme determina a carta de sentença, o que tem causado entrave para a aquisição do domínio. Alegaram que a sentença declaratória que instituir o usucapião servirá como título hábil para que o imóvel seja levado a registro no CRI competente.

Noticiaram que pediram a desistência de suas habilitações nos autos do inventário, mormente porque o feito está abarrotado de divergências entre os herdeiros, inclusive em virtude do aparecimento de duas filhas do de cujus havidas fora do casamento. Declararam que a presente ação de usucapião é o meio mais célere e eficaz para regularização do registro do imóvel.

Na sentença (f. 103/106), o MM. Juiz, entendendo pela falta de interesse de agir dos autores em decorrência de já possuírem meios hábeis à aquisição do domínio do imóvel, indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos dos arts. 295, III, e 267, VI, do CPC.

Constou da sentença:

“[…] No caso dos autos, os requerentes buscam a declaração da prescrição aquisitiva de imóvel descrito na inicial, alegando, com fulcro no artigo 1.243 do Código Civil, possuir a posse mansa e pacífica há mais de 10 (dez) anos, após terem adquirido o imóvel de Amália, que, por sua vez, o comprou diretamente do proprietário falecido.

[…]

Bem se vê, pois, que, in casu, os demandantes possuem justo título a justificar sua posse e ajuizarem ação visando à declaração da propriedade, pois, no registro cadastral, o imóvel está em nome do proprietário, já falecido.

Analisando detidamente o feito, vislumbra-se que a pretensão autoral deriva de conduta usual em nossa sociedade, em que determinado imóvel é adquirido por alguém, que deixa de registrar a alienação e, posteriormente, o vende ou transfere a outro alguém que, também, não registra a negociação, de modo que, por fim, o bem permanece registrado em nome do primeiro proprietário.

Ou seja, são realizados ‘contratos de gaveta’ que somente produzem efeitos entre os pactuantes, haja vista que quem apenas firma contrato ou escritura de compra e venda não é reconhecido como proprietário do bem alienado perante terceiros. Para ser proprietário, é necessário registrar a escritura no Cartório de Registro de Imóvel, pois ‘quem não registra não é dono’.

[…]

Contudo, há peculiaridades nesta demanda que merecem destaque.

É que os autores pretendem ‘regularizar a documentação do imóvel’ (f. 86), contudo, extrai-se que lhes é possível efetuar a transmissão da propriedade do imóvel, desde que cumpram algumas diligências necessárias (f.102).

[…]

Ora, uma vez que os requerentes possuem meio de obter o registro do imóvel que pretendem usucapir, a declaração de domínio que irá se concretizar com a sentença desta actio revela-se dispensável.

Assim sendo, extrai-se dos autos que o efetivo resultado almejado é a regularização da documentação cartorária atinente ao imóvel, a fim de que se consolide o registro de propriedade em seu nome.

Frise-se: não se trata de ação com fins à constituição de título hábil à realização de registro do bem no Cartório de Registro de Imóveis, uma vez que este já existe. A parte já possui o título hábil que a presente ação visava constituir.

Dessa feita, carecem os autores de interesse de agir, uma vez que a ação de usucapião não constitui a via adequada para satisfação do direito ora buscado.

[…]

Diante do exposto e fundamentado, nos termos do art. 295, inciso III, do Código de Processo Civil, indefiro a petição inicial e consequentemente, julgo extinto o presente processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inciso VI (falta de interesse processual), do mesmo código. Condeno os autores ao pagamento de eventuais custas/despesas processuais subsistentes.

Deixo de condenar ao pagamento de honorários de sucumbência, pois não foi instalado o contraditório.”Os autores interpuseram recurso de apelação, em que pedem a reforma da sentença porque entendem que, no caso, não há falar em falta de interesse de agir. Alegam que, conquanto possuam justo título para pretensão do usucapião, consubstanciado no contrato particular de promessa de compra e venda, não conseguiram registrar o imóvel objeto da ação por motivos alheios à sua vontade, já que dependem da regularização da área maior na qual o imóvel se insere, objeto de discussão em processo de inventário. Sustentam que não compete a eles cumprir as diligências determinadas pelo CRI, mas sim aos herdeiros do proprietário falecido. Aduzem que a ação de usucapião é o único meio célere e eficaz para postularem a regularização do registro do imóvel. Ressaltam que o acesso ao Judiciário não pode ser negado, conforme disposto no art. 5º, XXXV, da CF/88. Requerem o provimento do recurso, para cassar a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito. Cientificada, a douta Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais emitiu parecer (f. 126/128-v.), opinando pelo provimento do recurso dos autores.

É o relatório.

Juízo de admissibilidade:

Conheço do recurso, porque próprio, tempestivo e por ter contado com preparo regular (f. 118).

Preliminar:

Não foram arguidas preliminares no presente recurso.

Mérito:

Os autores apelaram da sentença pela qual foi extinto, sem resolução de mérito, o processo da ação de usucapião que ajuizaram, após o reconhecimento da falta de interesse de agir.

Os apelantes pedem a reforma da sentença porque entendem que, no caso, não há falar em carência de ação/falta de interesse de agir. Alegam que, conquanto possuam justo título para a pretensão do usucapião, consubstanciado no contrato particular de promessa de compra e venda, não conseguiram registrar o imóvel objeto da ação por motivos alheios à sua vontade, já que dependem da regularização da área maior na qual o imóvel se insere, objeto de discussão em processo de inventário. Sustentam que não compete a eles cumprir as diligências determinadas pelo CRI, mas sim aos herdeiros do proprietário falecido. Aduzem que a ação de usucapião é o único meio célere e eficaz para postularem a regularização do registro do imóvel. Ressaltam que o acesso ao Judiciário não pode ser negado, conforme disposto no art. 5º, XXXV, da CF/88. Requerem o provimento do recurso, para cassar a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito.

Examinando tudo o que dos autos consta, tenho que assiste razão aos apelantes.

Pois bem. São três as condições necessárias da ação: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade de parte.

Nesse sentido:

“É que, embora abstrata, a ação não é genérica, de modo que, para obter a tutela jurídica, é indispensável que o autor demonstre uma pretensão idônea a ser objeto da atividade jurisdicional do Estado. Vale dizer: a existência da ação depende de alguns requisitos constitutivos que se chamam ‘condições da ação’, cuja ausência, qualquer um deles, leva à ‘carência de ação’, e cujo exame deve ser feito em cada caso concreto, preliminarmente à apreciação do mérito, em caráter prejudicial. […]

Por isso mesmo, ‘incumbe ao juiz, antes de entrar no exame do mérito, verificar se a relação processual que se instaurou desenvolveu-se regularmente (pressupostos processuais) e se o direito de ação pode ser validamente exercido, no caso concreto (condições da ação)’ […]

As condições da ação são três: 1ª) possibilidade jurídica do pedido; 2ª) interesse de agir; 3ª) legitimidade de parte” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 1, p. 51-53). O art. 3º do CPC exige a presença do interesse para a propositura da ação.

“Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.”

Humberto Theodoro Júnior discorre acerca do interesse de agir, e, por conseguinte, do interesse processual:

“II – A segunda condição da ação é o interesse de agir, que também não se confunde com o interesse substancial, ou primário, para cuja proteção se intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual ‘se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais’.

Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação ‘que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares)’. Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta acadêmica. Só o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efetiva existência de uma lide, é que autoriza o exercício do direito de ação.

O interesse processual, a um só tempo, haverá de traduzir-se numa relação de necessidade e também numa relação de adequação do provimento postulado, diante do conflito de direito material trazido à solução judicial” (ob.cit., p. 55-56) (grifei). Também sobre o interesse processual leciona Moacyr Amaral Santos, em Primeiras linhas de direito processual civil, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, v. 1, p. 180-181:

“O direito de agir, direito de ação, já o dissemos, é distinto do direito material a que visa tutelar. A ação se propõe a obter uma providência jurisdicional quanto a uma pretensão e, pois, quanto a um bem jurídico pretendido pelo autor. Há, assim, na ação, como seu objeto, um interesse de direito substancial, consistente no bem jurídico, material ou incorpóreo, pretendido pelo autor. Chamamo-lo de interesse primário.

Mas há um interesse outro, que move a ação. É o interesse em obter uma providência jurisdicional quanto àquele interesse. Por outras palavras, há o interesse de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do Estado, para que este tutele o interesse primário, que de outra forma não seria protegido. Por isso mesmo o interesse de agir se confunde, de ordinário, com a necessidade de se obter o interesse primário ou direito material pelos órgãos jurisdicionais.

Diz-se, pois, que o interesse de agir é um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interesse ou necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão.

Basta considerar que o exercício do direito de ação, para ser legítimo, pressupõe um conflito de interesses, uma lide, cuja composição se solicita do Estado. Sem que ocorra a lide, o que importa numa pretensão resistida, não há lugar à invocação da atividade jurisdicional. O que move a ação é o interesse na composição da lide (interesse de agir), não o interesse em lide (interesse substancial)” (grifei).

Também sobre o tema ensina Cândido Rangel Dinamarco, em Instituições de direito processual civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, v. II, p. 305:

“Só há o interesse-necessidade quando, sem o processo e sem o exercício da jurisdição, o sujeito seria incapaz de obter o bem desejado”.

No presente caso, ao contrário do que entendeu o Magistrado primevo, os autores possuem interesse de agir para a propositura da presente ação de usucapião, haja vista que, conquanto possuam contrato particular de promessa de compra e venda do legítimo dono, cedido a eles, a obtenção da escritura e do registro da aquisição possui obstáculos judiciais e legais, de difícil e incerta solução, que não dependem deles, mas sim dos herdeiros do proprietário falecido.

Ressalte-se que o Cartório de Registro de Imóveis competente não aceitou efetuar o registro do imóvel usucapiendo, enquanto não sobreviesse a divisão da área maior no qual ele está inserido, com as respectivas lavraturas das escrituras individuais entre os ex-consortes, determinada em ação de separação consensual dos legítimos proprietários.

Ressalte-se, ainda, que, falecendo o proprietário do imóvel, a área maior, de 1.238,94 ha, passou a ser discutida em processo de inventário, o qual, segundo alegam os autores, está “abarrotado de divergências entre os herdeiros, inclusive no que tange ao aparecimento de duas filhas havidas fora da constância da sociedade conjugal, as quais pugnam pelo reconhecimento da filiação e, consequentemente, à partilha na herança” (f. 86).

Ora, se as diligências que o cartório determinou para proceder ao registro do imóvel não dependem dos autores, possuidores, que alegam cumprir os requisitos para a declaração da prescrição aquisitiva, presente está o interesse de agir para a propositura da ação de usucapião, conforme dispõem os arts. 1.241 do CCB e 941 do CPC:

“Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade do imóvel. Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.”

“Art. 941. Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se lhe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial.”

No STJ é pacífico o entendimento de que a ação de usucapião pode ser intentada pelo possuidor, cuja posse se funda em contrato particular de promessa de compra e venda:

“Reivindicatória. Usucapião como defesa. Acolhimento. Posse decorrente de compromisso de venda e compra. Justo título. Bem de família. – A jurisprudência do STJ reconhece como justo título, hábil a demonstrar a posse, o instrumento particular de compromisso de venda e compra. – O bem de família, sobrevindo mudança ou abandono, é suscetível de usucapião. – Alegada má-fé dos possuidores, dependente do reexame de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula n° 7-STJ. Recurso especial não conhecido” (REsp 174.108/SP, Relator: Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, j. em 15.09.2005, DJ de 24.10.2005, p. 327).

“Usucapião extraordinária. Promessa de venda e compra. Transmutação da posse, de não própria para própria. Admissibilidade.

– ‘O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador de imóvel, em princípio, não impede que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter originário daquela posse, de não própria, para própria’ (REsp nº 220.200-SP). Recurso especial não conhecido” (REsp 143976/GO, Relator: Ministro Barros Monteiro, DJ de 14.06.2004, p. 221).

“Civil e processual. Ação reivindicatória. Alegação de usucapião. Instrumento particular de compromisso de compra e venda. Justo título. Súmula n° 84-STJ. Posse. Soma. Período necessário à prescrição aquisitiva atingido. I. Ainda que não passível de registro, a jurisprudência do STJ reconhece como justo título hábil a demonstrar a posse o instrumento particular de compromisso de compra e venda. Aplicação da orientação preconizada na Súmula n° 84. II. Se somadas as posses da vendedora com a dos adquirentes e atuais possuidores é atingido lapso superior ao necessário à prescrição aquisitiva do imóvel, improcede a ação reivindicatória do proprietário ajuizada tardiamente. III. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 171.204/GO, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, j. em 26.06.2003, DJ de 1º.03.2004, p. 186).

No mesmo sentido, é o entendimento deste Tribunal em casos semelhantes aos dos autos:

“Usucapião. Contrato particular de promessa de compra e venda. Imóvel. Carência da ação. Interesse processual. – A posse fundada em contrato particular de promessa de compra e venda legitima a propositura de ação de usucapião; assim sendo, o promitente comprador que dela faz uso não pode ser declarado carecedor da ação por falta de interesse processual. Recurso provido” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.09.659244-9/002, Relator: Des. Saldanha da Fonseca, 12ª Câmara Cível, j. em 13.03.2013, p. em 22.03.2013).

“Ação de usucapião ordinário. Instrumento de cessão de direitos e obrigações. Configuração de justo título. Possibilidade de obtenção da escritura direta com os sucessores dos vendedores. Interesse de agir. Existência. Carência afastada. Processo pronto para decisão. Aplicação do art. 515, § 3º, CPC. Recurso provido. Pedido julgado procedente. – O instrumento de cessão de direitos hereditários configura justo título, para fins de usucapião ordinário, visto que, por meio dele, pode-se comprovar que a posse vintenária do imóvel usucapiendo foi transferida à autora. – Mesmo diante da possibilidade de o autor alcançar a regularização do imóvel através de futura escritura pública de compra e venda, não está ele impedido do manejo da ação de usucapião, se presentes todos os requisitos pertinentes e essa alternativa se mostra mais eficiente e rápida para o atendimento dos seus interesses” (TJMG – Apelação Cível 1.0145.10.012875-3/001, Relator: Des. Antônio de Pádua, 14ª Câmara Cível, j. em 16.02.2012, p. em 22.05.2012).

“Processo civil. Ação de usucapião de bem imóvel. Fundamento. Justo título. Contrato de promessa de compra e venda. Interesse de agir. Presença. Apelo provido. 1. O interesse processual, também denominado interesse de agir, juntamente com a legitimidade das partes e a possibilidade jurídica do pedido, forma o tripé balizador da possibilidade de apreciação do mérito da demanda levada a juízo, análise que restará prejudicada, portanto, quando ausente qualquer um dos aludidos requisitos necessários ao provimento final do processo, provimento que se exaure com a prolação da sentença de mérito no processo cognitivo. 2. Somente se justifica a extinção do feito fulcrada na ausência de interesse processual quando inexistentes, a olhos nus, na pretensão aduzida, os elementos caracterizadores do próprio interesse de agir, quais sejam a necessidade da tutela jurisdicional e a adequação da pretensão aduzida. 3. Escolhido pela parte autora o procedimento da ação de usucapião ordinário com base em justo título – contrato de compra e venda, resta patente o seu interesse de agir. 4. Deram provimento ao apelo” (TJMG – Apelação Cível 1.0542.11.000088-3/001, Relator: Des. Sebastião Pereira de Souza, 16ª Câmara Cível, j. em 15.02.2012, p. em 02.03.2012).

Ipso facto, tenho que as razões recursais merecem ser acolhidas.

Dispositivo:

Isso posto, dou provimento ao recurso, para cassar a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito.

Sem custas nesta fase.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Leite Praça e Evandro Lopes da Costa Teixeira.

Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PARA CASSAR A SENTENÇA.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 20/05/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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