Indisponibilidade de bens – um vírus: sua latência e potência

Um dos institutos jurídicos menos estudados entre nós é a chamada indisponibilidade de bens.

Qual a sua natureza jurídica? Por que crescem as hipóteses de sua decretação? Porque se vulgariza a utilização de um instrumento que deveria ser, por definição, a última medida a ser decretada, esgotados outros meios de satisfação do crédito? Porque se tem decretado a indisponibilidade antes mesmo de se tentar penhorar ou arrestar os bens? Porque se diz que o bem “fica gravado” quando, na realidade, trata-se de medida que atinge a disponibilidade das pessoas independentemente da ocorrência atual de uma titularidade?

Enfim, que diabos de indisponibilidade é essa que acaba por inibir a própria aquisição? É evidente que, decretada que seja uma indisponibilidade de bens, tal circunstância jazerá em estado de latência nos escaninhos labirínticos do sistema, ativando-se com o registro da aquisição.

Suspeito que estamos criando um inédito sistema de opacidade nas transações imobiliárias. A penumbra passa a ser associada à ideia de segurança jurídica e patrimonial erigida como cidadela contra a sanha fiscalista do estado brasileiro. Calharia um estudo para se apurar em que medida o uso desse instrumento é contraproducente. Nem me refiro, aqui, à indisponibilidade de bens decretada no bojo de ações de improbidade administrativa; falo da vulgarização dos processos de execução fiscal.

No caso do acórdão publicado na data de hoje, aqui compartilhado, ocorre a denegação do registro de alienação de bem imóvel em que o cedente dos direitos de uma promessa (não inscrita) tem, contra si, a decretação da indisponibilidade em data posterior à data escritura.

No v. aresto, assenta-se que pouco importa que o ato de indisponibilidade tenha sido decretado após a celebração da compra e venda. Imperaria, entre nós, a regra do tempus regit actum, que sujeita todo e qualquer título às limitações e gravames vigentes ao tempo de sua apresentação a registro, pouco importando a data de sua consagração [1].

O mais interessante é que a indisponibilidade acaba por alcançar negócios jurídicos que nem sequer serão objeto de registro – como, no caso, a cessão de direitos de promessa não inscrita.

Não será a primeira decisão do Conselho Superior da Magistratura que confirma a denegação de registro nessas condições. Na Ap. Civ. 0043598-78.2012.8.26.0100, por exemplo, a indisponibilidade revelou-se por ocasião da inscrição, já que os contratos preliminares não vieram a seu tempo a registro e a certidão de propriedade, expedida pelo Ofício Imobiliário, não poderia mesmo enunciar um gravame que não figuraria na matrícula” [2].

Esse tipo de situação se repete amiúde e pode perfeitamente configurar uma grande injustiça [3].

Tendo em vista tratar-se de uma escritura pública de compra e venda, presume-se que as partes tenham sido orientadas pelo notário a verificar a situação jurídica dos alienantes, consultando a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB (Provimento CNJ 39/2014) para a lavratura da escritura. Ou, nos casos de maior cuidado, a pesquisa terá sido feita nos distribuidores. Nesse caso, por suposição (não se sabe quando a escritura foi lavrada) o resultado terá sido negativo e o terceiro adquirente, desarmado, será colhido por um fato que, de outro modo, não teria como conhecer.

As indisponibilidades são uma espécie de armadilha jurídica que pode alcançar o contratante de boa-fé, impossibilitado, muitas vezes, de fazer uma custosa investigação nos distribuidores especializados. Toda investigação dessa natureza é cara e, em alguns casos, demorada e o que é pior: de resultados duvidosos. Basta imaginar que a simples inscrição na dívida ativa em qualquer órgão da administração pública pode caracterizar a alienação ou oneração de bens como fraude contra o credor hiper-privilegiado.

Vejam o que decidiu o STJ sobre o tema:

(a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (…) (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das “garantias do crédito tributário”; (RESP 1.141.990 – PR, j. 10/11/2010, rel. min. LUIZ FUX).

Depois, não se pode presumir uma simulação, como aventado na já citada Ap. Civ. 0043598-78.2012.8.26.0100, em que a contratação privada, não inscrita, foi tida como expediente para contornar a indisponibilidade decretada. Definitivamente, não se presume a má fé!

Como se vê, o grande drama dos gravames ocultos, que inspirou os legisladores no Século XIX a criarem o Registro Hipotecário, continua presente e embaraçando o livre intercâmbio de bens, onerando o sistema com crescentes custos transacionais. É o chamado “Custo Brasil”.

Além disso, as hipóteses de indisponibilidade, antes muito restritas, hoje são alargadas para alcançar os casos em que os devedores do fisco não apresentam bens à penhora, nem as pesquisas eletrônicas os revelam. Isto é, quando essas pesquisas são feitas, já que a decretação da indisponibilidade não faz pressupor uma pesquisa anterior que poderia perfeitamente transitar pelos meios eletrônicos pelos quais o gravame terá sido inscrito na CNIB. Encontrado que fosse um bem qualquer e a indisponibilidade plenária seria evitada e muitos casos, como os tratados neste aresto, poderiam ser evitados, os custos envolvidos poupados e os interesses do terceiro de boa-fé protegidos.

Este é um defeito congênito do sistema que está a merecer um estudo aprofundado no sentido de seu aperfeiçoamento.

Sabemos que muitas dessas indisponibilidades são genéricas, inespecíficas, e se mantêm incubadas como um vírus latente, à espera da formação de condições especiais – como a movimentação patrimonial – para se tornarem ativas. São centenas de inscrições oriundas de execuções fiscais de valores irrisórios, atulhando os repositórios com créditos podres.

Ofereço aqui, perdido nestas nótulas de comentários à jurisprudência de São Paulo, algumas sugestões para aperfeiçoamento do sistema de indisponibilidades:

  1. Antes de se decretar uma indisponibilidade plenária, a autoridade deveria ser conduzida a um processo preliminar de consulta acerca da existência de bens ou de direitos inscritos cujos titulares poderiam ser atingidos pelo gravame. O processo é simples e não envolve qualquer custo para a sua formulação. Não se faria a inscrição na CNIB sem antes certificar-se que inexiste bens e direitos em nome das pessoas atingidas.
  1. A CNIB é um repositório eletrônico [4], regulamentado pelo Judiciário [5] e funciona como livro de registro que cada serventia é obrigada a manter, depositado na “nuvem” e compartilhado por todos os Oficiais de Registro de Imóveis. Trata-se da primeira experiência, ainda imperfeita, de “molecularização [6]” do sistema registral em meios eletrônicos.
  1. Como repositório eletrônico, um livro eletrônico que é, compartilhado por todos os registros de imóveis, dele se poderia extrair certidão negativa de indisponibilidade de bens (art. 18 da LRP).
  1. Assim como o notário, que antes de realizar qualquer transação deve consultar a CNIB [7], no caso de instrumentos particulares, os cartórios de Registro de Imóveis poderiam expedir CND´s de indisponibilidade de bens, juntamente com as certidões das matrículas ou de transcrições, a fim de se resguardar os interesses dos contratantes.
  1. As instituições financeiras integrantes do SFH ou SFI igualmente deveriam cadastrar-se no sistema CNIB e realizar a consulta antes de formalizar a transação.

Seja como for, o espinhoso tema da indisponibilidade de bens está a desafiar os estudiosos do direito registral, especialmente os próprios registradores imobiliários, convidados a estudar o aperfeiçoamento da CNIB.

NOTAS: 

[1] Podem-se citar vários precedentes: Ap. Cíveis nº 115-6/7, 777-6/7, 530-6/0, 0004535-52.2011.8.26.0562, 0015089-03.2012.8.26.0565, 0000181-62.2014.8.26.0114, 0001748-75.2013.8.26.0337.

[2] Ap. Civ. 0043598-78.2012.8.26.0100, São Paulo, j. 26/9/2013, DJ 2/10/2013, rel. des. José Renato Nalini.

[3] Alguma luz se pode divisar, por exemplo, na redação prudente do § 4º do art. 19 da Lei 12.846, de 1º/8/2013, que faz a ressalva de direitos de terceiros de boa-fé.

[4] Arts. 39 e 40 da Lei 11.977/2009 cc. Art. 25 da Lei 6.015/1973. Note-se, no último dispositivo, a alusão à microfilmagem e de “outros meios de reprodução autorizados em lei”. A lei é extraordinária ao assimilar a ideia de suporte da informação a medium. A autorização legal veio com as citadas leis.

[5] Art. 16 da Lei 11.419/2006. No Estado de São Paulo: Provimento CG 13/2012, de 11/5/2012 (Dje 14/05/2012), des. José Renato Nalini. Provimento CNJ 39/2014 de 25/7/2014, (DJE de 30/7/2014), min. Guilherme Calmon.

[6] As expressões “molecularização” e “atomização” tornaram-se recorrentes em meus artigos. O modelo do nosso sistema registral, que se tornou paradigmático a partir de seu desenvolvimento ainda no século XIX, era baseado na criação de serventias isoladas, instaladas em comarcas, cujo exercício da atividade registral era fracionada (atomização). Somente muito recentemente, com o uso de recursos tecnológicos proporcionados, fundamentalmente, pela formação de redes eletrônicas, as serventias passaram a se inter-relacionar. Neste ambiente eletrônico (medium) dá-se o intercâmbio e o compartilhamento de informações sem que se elimine a ideia básica de autonomia, individualização e personificação da delegação. O Registro de Imóveis é uno em todo o território nacional; a interconexão dos Registros permite a prestação do serviço fracionada por meio da delegação. No transcurso do 4º Certforum, realizado entre os dias 8 a 10 de agosto de 2006, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, indiquei que vivemos a “terceira onda” do Registro de Imóveis, com a informatização, interconexão, interoperabilidade e integridade dos registros. “Com um marco regulatório”, disse, “promoveremos a molecularização dos registros, deixaremos de ter atomização para ter interconexão, intercâmbio, enfim, networking”. (Jacomino. Sérgio. IRIB, in Boletim Eletrônico do Irib n. 2.705, de 19/10/2006). Mais tarde, concluiria: “hoje, os cartórios ainda permanecem atomizados, sem comunicação entre si. No entanto, estamos caminhando para outro paradigma, vamos superar a ideia de atomização pelo conceito de molecularização, ou seja, essas unidades estarão ligadas umas às outras como moléculas e trocando informações, o que aumentará a segurança das informações e reduzirá custos”. Jacomino. Sérgio. A matrícula in Boletim do IRIB n. 330, jan./mar. 2007.

[7] Art. 12 do Provimento CG 13/2012, cit. e art. 14 do Provimento CNJ 39/2014.

KOLLEMATA – JURISPRUDÊNCIA REGISTRAL

Compra e venda. Indisponibilidade. Qualificação registral –tempus regit actum.

Registro de Imóveis – dúvida – escritura pública de venda e compra – cedente cujos bens foram declarados indisponíveis – impossibilidade de registro de alienação voluntária – irrelevância de a indisponibilidade ter sido decretada depois do negócio jurídico – princípio do tempus regit actum – dúvida procedente – recurso desprovido.

CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 9000017-44.2013.8.26.0577 CSMSP – APELAÇÃO CÍVELLOCALIDADE: São José dos Campos CIRC.: DATA JULGAMENTO:30/07/2015 DATA DJ: 17/09/2015 Relator: Elliot Akel íntegra:

PODER JUDICIÁRIO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9000017-44.2013.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante LUIZ GILBERTO BARRETA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 30 de julho de 2015.

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 9000017-44.2013.8.26.0577
Apelante: Luiz Gilberto Barreta
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos.
Voto nº 34.244

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA – CEDENTE CUJOS BENS FORAM DECLARADOS INDISPONÍVEIS – IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO DE ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA – IRRELEVÂNCIA DE A INDISPONIBILIDADE TER SIDO DECRETADA DEPOIS DO NEGÓCIO JURÍDICO – PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença de procedência de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Cartório de Registro de Imóveis de São José dos Campos, que se negou a registrar escritura pública de venda e compra porque a interveniente cedente teve seus bens declarados indisponíveis antes do registro.

A recorrente alega que o negócio jurídico de venda e compra é anterior à decretação da indisponibilidade e, portanto, os adquirentes não podem ser prejudicados.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

É verdade que a escritura pública de venda e compra, com cessão de compromisso (original juntado às fls. 32/33), foi lavrada em 23 de setembro de 2003.

Quando o título foi levado a registro, contudo, já havia anotação de indisponibilidade de bens da cedente, oriunda de duas ações civis públicas.

A qualificação registral segue a regra tempus regit actum, o que significa que o título se sujeita às condições vigentes ao tempo de sua apresentação a registro, pouco importando a data de sua celebração (Ap. Cíveis nº 115-6/7, nº 777-6/7, nº 530-6/0, e nº 0004535-52.2011.8.26.0562).

Nesse sentido, já decidiu o Conselho Superior da Magistratura, na Apelação n. 29.886-0/4, Relator o ilustre Desembargador Marcio Martins Bonilha, então Corregedor Geral da Justiça:

“A indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade.”

Logo, o Oficial não poderia mesmo registrar a escritura, da mesma forma que o Juiz Corregedor Permanente, no exercício de função administrativa, não poderia levantar as indisponibilidades.

Nesses termos nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

 Fonte: Observatório do Registro | 19/09/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: O notário na era digital – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.200/2001

A Medida Provisória-MP nº 2.200, publicada no D.O.U. de 28.7.2001,  foi a primeira iniciativa do governo brasileiro para regulamentar o documento eletrônico no país, de forma a permitir o uso da certificação digital para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica.

A referida medida provisória continua em vigor, tendo em vista o disposto no §3º do art. 62 da Constituição da República, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.

A MP nº 2.200 regulamenta os órgãos governamentais e empresas privadas que atuam na certificação. Criou-se a Infraestrutura de Chaves Públicas (ICP-Brasil), que é composta por uma autoridade gestora de políticas e pela cadeia de autoridades certificadoras, que são a autoridade raiz (AR), as certificadoras (AC) e as de registro (AR). O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) é a autoridade certificadora raiz, que é responsável pela fiscalização e pode aplicar sanções.

O art. 10 e seu § 1º da MP 2.200 esclarecem que os documentos eletrônicos são considerados documentos públicos ou particulares para todos os fins legais e presumem-se verdadeiras, em relação aos signatários, as declarações constantes de documentos em forma eletrônica, desde que utilizado o processo de certificação disponibilizado pela ICP-BRASIL: 

Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916[1] – Código Civil.

O art. 8º e o art. 10, §2º, da MP 2.200 definem quem poderá realizar a certificação digital de documentos perante o consumidor. Foi escolhido

um modelo misto, em que tanto os atuais notários e registradores (que são agentes públicos, logo órgãos públicos) quanto pessoas jurídicas de direito privado, mediante delegação do Poder Público, podem realizar a certificação: 

Art. 8º. Observados os critérios a serem estabelecidos pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, poderão ser credenciados como AC e AR os órgãos e as entidades públicos e as pessoas jurídicas de direito privado.
[…]
Art. 10. (…)
§ 2º. O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

A MP 2.200 admitiu a certificação baseada em certificados não emitidos pela ICP-Brasil. ConformeLeonardo Netto Parentoni, a opção da MP equivale ao que ocorre em âmbito mundial, pois mundialmente empresas especializadas[2] prestam serviços de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, com base em tecnologia própria. (PARENTONI, 2015) 

A LEI 11.977/2009, O USO DO CERTIFICADO DIGITAL E O REGISTRO ELETRÔNICO

A lei nº 11.977/2009 alterou a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/80), esclarecendo que o acesso ou envio de informações aos registros públicos, se realizados por meio da internet, deverão ser assinados com o uso de certificado digital, na forma da ICP. A mencionada Lei também trouxe previsão expressa para a instituição do sistema de registro eletrônico no Brasil. São mais relevantes para o presente trabalho os seguintes artigos, abaixo reproduzidos:

Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido.
Parágrafo único.  O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP.   (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)
[…]

Art. 37. Os serviços de registros públicos de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico. 

Art. 38. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), conforme regulamento.
Parágrafo único. Os serviços de registros públicos disponibilizarão serviços de recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico.

Art. 39. Os atos registrais praticados a partir da vigência da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, serão inseridos no sistema de registro eletrônico, no prazo de até 5 (cinco) anos a contar da publicação desta Lei.
Parágrafo único. Os atos praticados e os documentos arquivados anteriormente à vigência da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, deverão ser inseridos no sistema eletrônico.

Art. 40. Serão definidos em regulamento os requisitos quanto a cópias de segurança de documentos e de livros escriturados de forma eletrônica.

Art. 41. A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento. 

O MARCO CIVIL DA INTERNET

A Lei nº 12.965/2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

Dentre tais princípios ressaltam-se a livre-iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, a proteção e preservação da privacidade e dos dados pessoais na rede, a estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, a responsabilização dos agentes por suas atividades.
Sobre a disciplina do uso da internet no Brasil, importante mencionar o art. 4º da referida lei, principalmente seu inciso IV, que preceitua que haverá adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados:

Art. 4o A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:
I – do direito de acesso à internet a todos;
II – do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos;
III – da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e
IV – da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de dados. 

O INSTRUMENTO PÚBLICO NOTARIAL ELETRÔNICO

Felipe Leonardo Rodrigues[3] trata do “novo” tipo de instrumento público: o instrumento público notarial eletrônico, cujo suporte deve se realizar com a intervenção de um tabelião para lhe dar valor jurídico pleno. (RODRIGUES, 2015)

Ensina Felipe Leonardo Rodrigues que a assinatura, no caso dos documentos eletrônicos, deve ser digital, para que tenham plena validade e segurança. Há duas questões envolvidas no que tange ao documento eletrônico: a confidencialidade e a autenticidade.

confidencialidade diz respeito à inacessibilidade do documento eletrônico, de forma que seja possibilitada consulta ao mesmo apenas a indivíduos autorizados.

autenticidade é a capacidade de se determinar se um ou vários indivíduos reconheceram como seu e se comprometeram com o conteúdo do documento eletrônico.

Para o doutrinador, dúvidas relacionadas à confidencialidade e à autenticidade de um documento eletrônico são resolvidas mediante a “criptografia“. A assinatura digital nos documentos eletrônicos mediante o sistema de chave pública pode garantir de forma segura a validade destes documentos.

Se um documento assinado corresponde à chave pública de uma pessoa, então essa pessoa deve reconhecer o documento como autênticoainda que não o tenha assinado digitalmente de forma pessoal. Em razão disso, a parte deve manter sua chave privada totalmente secreta, pois este sistema confere o atributo de não repúdio, ou seja, o usuário não pode negar a realização daquela operação.

O certificado digital é um documento que estabelece um vínculo entre a parte ou entidade e a chave pública, isto é, o certificado digital é um documento emitido por uma autoridade certificadora que vincula a parte à chave.

 A figura do notário é de vital importância frente ao instrumento eletrônico e à assinatura digital. O tabelião, no notariado do tipo latino, atua como protetor da segurança jurídica, conferindo certeza às relações entre os particulares, fornecendo assessoria técnica, legal e ajustando suas vontades ao estabelecido nas leis.

O notário, nos negócios realizados por meio eletrônico, precisa ter conhecimento das tecnologias da informação correspondentes à legalização e legitimação eletrônicas de assinaturas digitais; deverá também garantir a regularidade do certificado que contém a identidade e de outros requisitos estabelecidos pela lei, como a legalidade do conteúdo do documento em si; além de verificar a capacidade da pessoa que realizará a transação e ainda se a transação cumpre todos os requisitos legais e formais para surtir efeitos. O notário procederá à guarda da documentação e da assinatura lançada em seus protocolos e expedirá cópias fiéis.

Trata-se de uma nova criação, e-fé pública, na qual o notário cumpre o papel de terceiro certificador imparcial. A diferença é que a e-fé pública não se outorga só sobre a base da autenticação da capacidade de pessoas, do cumprimento das formalidades nos instrumentos notariais ou da certificação dos fatos, mas também se aplica à certificação de todo o processo tecnológico: de resultados digitais, códigos e assinaturas eletrônicas.

O notário, quando certifica processos tecnológicos, resultados digitais, códigos e assinaturas eletrônicas, está autenticando, conferindo veracidade e certeza a fatos, circunstâncias ou atos que têm transcendência jurídica, dotando-os de fé pública.

O notário chileno Eugenio Alberto Gaete qualifica o documento eletrônico como interativo, dinâmico e de atuação à distância e propõe que se produza uma mudança relativa à formação do consentimentoquando se tratar de contrato eletrônico.

Ele oferece um esquema do processo da intervenção notarial nos negócios jurídicos aperfeiçoados por meios eletrônicos no qual, ainda que não haja presença ou contato físico direto entre as partes, não se vulnera a imediação, pois cada parte e o seu correspondente notário, em seção interativa, sela o acordo de tal forma que os tabeliães respectivos intervêm em cada lugar onde estão sitos os comparecentes e dão fé dos atos que ante eles ocorram.

O processo assim seria concretizado: cada parte no contrato, seus respectivos assessores técnicos, seus advogados, bem como o correspondente notário, encontram-se todos presentes, mas em diferentes lugares, em salas de vídeo conferências e conectadas a um sistema EDI (intercâmbio eletrônico de documento), produzindo-se assim uma reunião interativa e dinâmica, na qual terá lugar a negociação correspondente. Em seguida, de comum acordo e num ambiente interativo, procede-se à redação do acordo. Depois, com a intervenção de um notário para cada uma das partes, passa-se à coleta da assinatura eletrônica, através do sistema de chave pública e, posteriormente, cada notário dá fé ao ato.

O princípio de permanência, que garante a perpetuidade do documento nos arquivos do tabelionato, é outro dos questionados, tendo em vista as novas tecnologias. No entanto, no cartório permanece sim uma nova modalidade documentária: o protocolo eletrônico, com as características próprias de seu suporte físico, sendo que o notário é responsável por sua custódia, conservação e reprodução, adotando as medidas de segurança necessárias para sua integridade, autenticidade e confidencialidade.O questionamento relevante, portanto, refere-se a qual o procedimento técnico necessário, qual a infraestrutura essencial para garantir segurança da informação armazenada nas bases de dados que terão de surgir como protocolos notariais eletrônicos.

Gaete defende a possível existência de um protocolo digital que reúna requisitos técnicos para garantir sua segurança e que constitua um suporte eletrônico ou digital dos instrumentos públicos: matriz digital, que consistirá em um original que fica para a posteridade, dotado de permanência para a eventual expedição de cópias e verificação da autenticidade das manifestações.

Há algum temor referente ao sistema eletrônico, pois o mesmo pode entrar em colapso, com a consequente perda dos dados nele contidos, entretanto, evitar tal situação dependerá dos próprios notários – tendo em vista suas responsabilidades civil e administrativa.

Para Alberto Gaete a contratação eletrônica resulta estruturalmente diferente da contratação clássica. O contrato eletrônico produz importantes mudanças devido à realidade virtual em que se desenvolve, seja em torno das formas documentárias quanto ao seu conteúdo. Especificamente em matéria de princípios notariais, Gaete considera que desaparece a unidade do ato, entendida como unidade temporária e espacial própria da expressão do consentimento contratual, tanto material – que implica simultaneidade na exteriorização das vontades – como formal, ou simultaneidade entre as vontades das partes e aquela do tabelião autorizante, que é um duplo caráter: quanto ao ato, deve ser ininterrupta, e em sua dimensão papel, contida num só instrumento. O fato de estar contido em um único documento constitui verdadeiramente unidade de texto e é a que permanece no documento eletrônico.

Felipe Leonardo Rodrigues conclui, em resumo, que:

1. é vital o desenvolvimento de documentos e diretrizes que orientem os usuários no uso adequado das tecnologias para melhor aproveitar suas vantagens.

2. o auge da interconexão entre redes traz novas ameaças para os sistemas computadorizados, como a perda de confidencialidade e autenticidade dos documentos eletrônicos.

3. a criptografia é uma tecnologia orientada à solução dos problemas relacionados com a autenticidade e a confidencialidade, apresentando ferramentas idôneas para isso.

4. os usuários devem escolher uma ou outra ferramenta para a proteção de seus documentos eletrônicos.

5. o surgimento natural e inevitável dos notários eletrônicos levará a uma garantia superior na autenticação dos documentos digitais, bem como à criação de um arquivo público de controle.

6. uma única Entidade de Certificação de âmbito universal é inviável, portanto deverão existir uma ou várias redes de autoridades nacionais ou setoriais, inter-relacionadas entre si. 

DA MATERIALIZAÇÃO E DESMATERIALIZAÇÃO DE DOCUMENTOS PERANTE O TABELIÃO

Carlos Fernando Brasil Chaves (CHAVES, 2015) destaca que há, no mundo todo, consciência da necessidade de criação de uma sistemática pública capaz de gerir as relações sociais em âmbito virtual, garantindo a segurança jurídica.

Na Itália, a Lei nº 59/97 apresentou uma sistemática que de sucesso em todos os países que a seguiram. O documento digital tem seu valor jurídico garantido quando transportado a qualquer outro tipo de meio material (como o papel) e, da mesma forma, os documentos em papel que são digitalizados serão também reconhecidos juridicamente e com validade plena se estiverem em conformidade com o seu original e autenticados por um tabelião. O tabelião transportará para o documento autenticado todos os efeitos jurídicos de um original.

Seguindo a orientação italiana, o Provimento nº 22, de 15 de julho de 2013, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, definiu os parâmetros para a materialização e desmaterialização de documentos, disciplinando a geração de documentos em papel a partir de documentos eletrônicos e a geração de documentos eletrônicos a partir de documentos em papel, com a garantia de conformidade com o original e com a chancela da fé pública notarial.

Ainda segundo Carlos Fernando Brasil Chaves, a grande inovação do provimento de São Paulo foi a desmaterialização, possibilitando o reconhecimento e valor jurídico ao documento antes em papel e que é transformado em digital. Para isso, o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo desenvolveu um sistema: a Central Notarial de Autenticação Digital (CENAD), ferramenta que permite gerar e agregar ao documento eletrônico um código indecifrável conhecido como hash, porém, nos moldes dos conhecidos selos de autenticação. O interessado apresentará o documento original ao tabelião de notas, que converterá as informações para uma cópia digital e, após conferir a integridade, a autenticará por meio da CENAD. Será então entregue ao usuário um pen drive com o documento digital autenticado. Quando o notário gera um documento eletrônico e o assina usando a CENAD, o hash é anexado ao documento e arquivado, de modo que será possível a sua conferência a qualquer momento. (CHAVES, 2015)

O precedente de São Paulo deve ser seguido nacionalmente. É importante que o Conselho Nacional de Justiça discipline a questão, para que seja possível um tratamento uniforme do tema em todo o território nacional. 

DA CENSEC 

O Provimento nº 18, do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 29 de agosto de 2012, criou a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), integrada, obrigatoriamente, por todos os Tabeliães de Notas e Oficiais de Registro que pratiquem atos notariais, os quais deverão acessar o Portal do CENSEC na internet para incluir dados específicos.

Os fundamentos para a criação da CENSEC constam dos “considerando” do referido Provimento, quais sejam: a necessidade de racionalizar a tramitação de dados a cargo dos notários; a urgência na regulamentação da matéria, ressaltada pelo Conselheiro Ouvidor do Conselho Nacional de Justiça, para a instrumentalização de iniciativas de interesse público; as disposições da Emenda Constitucional nº 45/2004, que incluiu na Constituição Federal o art. 103-B, § 4º, I e III, atribuindo ao Conselho Nacional de Justiça poder de fiscalização e regulamentação concernente aos serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados; o termo de acordo assinado entre o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal e o Conselho Nacional de Justiça, que define a forma de franqueamento das informações relativas aos atos notariais; a relevância jurídica e social da disponibilização, para órgãos públicos, autoridades e usuários do serviço de notas, de meios para a fácil localização de escrituras públicas, visando à oportuna obtenção de certidões ou outras informações;  que a interligação entre os tabelionatos de notas, o Poder Judiciário e os órgãos da Administração Pública atende ao interesse público, representando inegável conquista para racionalidade, economia, eficiência, segurança e desburocratização; a necessidade da centralização das informações a respeito da lavratura de atos notariais relativos a escrituras públicas, procurações públicas e testamentos públicos, inclusive quanto aos atos previstos na Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007 e no artigo 10 da Resolução CNJ nº 35/2007, ou seja, inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual, viabilizando sua rápida e segura localização;

O objetivo da CENSEC, nos termos do art. 1º do Provimento, é:

I. interligar as serventias extrajudiciais brasileiras que praticam atos notariais, permitindo o intercâmbio de documentos eletrônicos e o tráfego de informações e dados;

II. aprimorar tecnologias com a finalidade de viabilizar os serviços notariais em meio eletrônico;

III. implantar em âmbito nacional um sistema de gerenciamento de banco de dados, para pesquisa;

IV. incentivar o desenvolvimento tecnológico do sistema notarial brasileiro, facilitando o acesso às informações, ressalvadas as hipóteses de acesso restrito nos casos de sigilo.V. possibilitar o acesso direto de órgãos do Poder Público a informações e dados correspondentes ao serviço notarial.

Os módulos da CENSEC são os seguintes:

I. Registro Central de Testamentos On-Line – RCTO: destinado à pesquisa de testamentos públicos e de instrumentos de aprovação de testamentos cerrados, lavrados no país;

II. Central de Escrituras de Separações, Divórcios e Inventários – CESDI: destinada à pesquisa de escrituras a que alude a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007;

III. Central de Escrituras e Procurações – CEP: destinada à pesquisa de procurações e atos notariais diversos.

IV. Central Nacional de Sinal Público – CNSIP: destinada ao arquivamento digital de sinal público de notários e registradores e respectiva pesquisa.

O acesso às informações da CENSEC é livre, integral e gratuito para a Presidência do Conselho Nacional de Justiça e a Corregedoria Nacional de Justiça, independentemente da utilização de certificado digital, mediante informação do número do processo ou procedimento do qual originada a determinação. Para transparência e segurança, todos os demais acessos às informações constantes da CENSEC somente serão feitos após prévia identificação, por meio de certificado digital emitido conforme a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), devendo o sistema manter registros de “log” destes acessos.

Os Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça, para o exercício de suas atribuições, terão acesso livre, integral e gratuito às informações referentes à RCTO, CESDI, CEP e CNSIP, mediante informação do número do processo ou procedimento do qual originada a solicitação. Os demais órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e os órgãos públicos indicados pela Presidência do Conselho Nacional de Justiça e pela Corregedoria Nacional de Justiça terão acesso livre, integral e gratuito às informações referentes à CESDI e CEP, mediante informação do número do processo ou procedimento do qual originada a solicitação.

Os Tabeliães de Notas e Oficiais de Registro que detenham atribuição notarial terão acesso livre, integral e gratuito às informações referentes à CESDI, CEP e CNSIP, para o exercício de suas atribuições.

Poderão se habilitar para o acesso às informações referentes à CESDI e CEP todos os órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público, bem como os órgãos públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios que delas necessitem para a prestação do serviço público de que incumbidos.

Quanto à observância dos princípios no Brasil, Frederico de Andrade Gabrich (GABRICH, 2007) afirma que ainda existe grande resistência ao seu caráter normativo e impositivo:

Apesar de a Constituição da República adotar em todo o seu texto uma base principiológica para os diversos assuntos que disciplina, com destaque, dentre outros, para os direitos e garantias fundamentais (arts. 5º a 17), a organização da Administração Pública (art. 37) e a regulação da ordem econômica e financeira (arts. 170 a 192), há uma inegável insuficiência na utilização da força normativa dos princípios, quer no ambiente acadêmico, quer no âmbito do Poder Judiciário.
Por isso, faz-se necessário, sempre que possível estabelecer uma interpretação jurídica que assegure aos princípios não apenas uma função programática (como ocorria, sobretudo, antes da promulgação da Constituição de 1988), mas uma função normativa, determinadora do dever-ser necessário à solução e à prevenção de conflitos, de modo a permitir a paz social e a felicidade do maior número de pessoas possível.
Tendo em vista que, anteriormente ao Provimento, não haviam sido previstos meios de amplitude nacional para dar publicidade aos atos da Lei 11.441, eventuais credores de um espólio poderiam ter dificuldades em receber seu crédito, pois o inventário extrajudicial não contava com a publicidade. Não havia meios de se pesquisar a existência do inventário. Terceiros também poderiam ser prejudicados, quando de separações ou divórcios fraudulentos, sem que pudessem tomar conhecimento de tais atos.
Com o Provimento nº 18 do CNJ, a publicidade restará garantida e terceiros interessados não mais permanecerão na ignorância da existência de inventários, separações ou divórcios consensuais.

Há ainda que se considerar a importância de ser dado o conhecimento da existência de testamentos, para a própria concretização das determinações deles constantes.

Da CENSEC não constará o conteúdo de tais atos, mas somente registro de sua existência, o que poderá garantir o sigilo ou a proteção da privacidade. Isso porque, se para a Administração Pública a regra é a publicidade, que apenas pode ser excepcionada por lei, para o particular a regra é oposta, isto é, não se permite publicar a vida privada das pessoas, não sendo essa regra excepcionável por qualquer lei ou outro ato normativo. “O comando é peremptório e não dá margem a exceções” (WLASSAK, 2008).

Ubiratan Pereira Guimarães esclarece que os objetivos da CENSEC são: racionalizar a tramitação de dados a cargo dos notários; interligar os tabelionatos de notas, o Poder Judiciário e os órgãos da Administração Pública; conferir racionalidade, economia, eficiência, segurança e desburocratização; centralizar as informações acerca de escrituras públicas, procurações, testamentos, inventários, separações e divórcios, com rápida e segura localização, preservando a competência dos notários; dar acesso aos órgãos públicos, autoridades e usuários do serviço notarial, com vista à oportuna obtenção de certidões  e outras informações; unificar as bases nacionais de dados sobre atos notariais; conferir transparência para a sociedade, inclusive colaborando com a ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de dinheiro. (GUIMARÃES, 2015) 

DA NECESSIDADE DE SIGILO PARA ESCRITURAS PÚBLICAS, ANALOGICAMENTE AO QUE JÁ OCORRE NO JUDICIÁRIO

Localizado um ato na CENSEC, como, por exemplo, uma escritura pública de separação ou divórcio, poderá uma certidão ser solicitada ao notário que lavrou o ato.

Importante, no entanto, discutir a questão da publicidade nos cartórios extrajudiciais. Não é porque uma escritura é denominada “pública” que deve ter seu acesso garantido a qualquer pessoa.

O tema já foi muito debatido no que tange ao testamento público, assunto hoje já pacificado: uma certidão do testamento, não há dúvida, só pode se entregue ao próprio testador ou então a qualquer interessado, após a morte, provando-a com a apresentação da certidão de óbito.

Maria Helena Diniz, tratando do testamento público, ensina: “Não deve, pois, só porque chamado de `público´, ficar aberto, permitindo-se o seu acesso a qualquer pessoa”. E cita José de Oliveira Ascenção, que esclarece: “a melhor doutrina: `Note-se que a qualificação como público de um testamento não significa que ele esteja aberto desde logo ao conhecimento de todos: a publicidade, aqui, refere-se antes à oficialidade na sua autoria material. Enquanto o testador vive, o testamento é mantido secreto e só após a morte dele se poderá dar conhecimento a outras pessoas`  (Direito Civil – Sucessões, Coimbra Ed., 2000, nº 33, p.63)”. (DINIZ, 2007, p. 203)

Logo, uma escritura pública, como a de testamento, pode sim ter sua publicidade restrita a certas pessoas ou situações.

Anteriormente à Lei nº 11.441/2007, os atos nela previstos eram de competência apenas do Judiciário. Assim, a regulamentação de acesso aos autos nos casos de segredo de justiça está regido unicamente pelo Código de Processo Civil, que determina, em seu art. 155 (BRASIL, 2015):

Art. 155.  Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:

I – em que o exigir o interesse público;

Il – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)
Parágrafo único.  O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite. (sem grifos no original)

Assim, logo que publicada a Lei nº 11.441/2007, o entendimento da maioria dos notários era da aplicação analógica de tal norma também para as escrituras públicas. No entanto, a Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ esclareceu que não há publicidade de tais atos:

Art. 42. Não há sigilo nas escrituras públicas de separação e divórcio consensuais.

Cabe questionar tal posicionamento do CNJ: a necessidade de sigilo da vida privada sugere que a melhor solução seria aplicar por analogia o art. 155 do Código de Processo Civil.

Havendo a aplicação analógica, nos casos de separação, divórcio, inventário e partilha, somente as partes e seus procuradores poderiam ter acesso aos autos do processo extrajudicial, podendo requerer as certidões necessárias. Para terceiros, as certidões relativas a tais atos somente poderiam ser expedidas após autorização judicial, pois deveria ser demonstrada a existência de interesse jurídico ao juiz, exatamente para evitar ofensa à privacidade.

Tendo em vista o sucesso na aplicação pelos notários da Lei nº 11.441/2007, bem como a possibilidade de uso da CENSEC para nacionalmente localizar qualquer ato notarial praticado, seria importante que o sigilo das escrituras públicas em geral fosse repensado pelo Conselho Nacional de Justiça. Não há razão para que atos, sigilosos mesmo no Poder Judiciário, sejam públicos para qualquer pessoa quando praticados nos cartórios extrajudiciais. 

CONCLUSÃO

A utilização do meio eletrônico pelos notários já vem demonstrando resultados, dos quais a celeridade, com segurança jurídica, é o mais evidente.

Outro grande benefício do uso dos meios tecnológicos é a transparência, garantida, entre outros meios, pela a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), criada pelo Provimento nº 18, do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 29 de agosto de 2012.
O princípio da publicidade, que não estava sendo observado no que se refere à localização dos atos praticados em virtude da Lei 11.441/2007, agora teve os meios para sua efetivação garantidos. Também outros atos não contemplados naquela lei, mas cuja publicidade estava comprometida, podem ser localizados no portal da CENSEC.
O surgimento dos “notários eletrônicos” levará a uma garantia superior na autenticação dos documentos digitais, bem como à criação de um arquivo público de controle, mas é preciso que os notários de todo o país analisem, uniformizando as formalidades necessárias no caso de assinatura eletrônica de escrituras, e do uso da “e-fé pública”.

A possibilidade de “materialização” de documentos eletrônicos e “desmaterialização” de documentos físicos, que passarão a existir em meio eletrônico, é outro tema de muito interesse e que já tem sido objeto de estudo e aplicação no Brasil e que deve ser nacionalmente uniformizado.

Os cidadãos e os próprios Serviços Notariais e de Registro podem se beneficiar muito do meio eletrônico, tanto no que se refere ao contato com o Poder Judiciário quanto no contato entre os próprios serviços extrajudiciais e entre os cidadãos e os órgãos notariais e de registro.

Por fim, a publicidade das escrituras públicas deve ser novamente analisada pelo Conselho Nacional de Justiça. Não deve só porque chamada de pública, qualquer escritura ficar aberta, permitindo-se o seu acesso a todos. Os casos concretos devem ser examinados pelo tabelião, que em prudente consideração, verificará a possibilidade ou não de expedição de certidão e a quem a certidão deve ser entregue. 

REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, LETÍCIA FRANCO MACULAN. O nome no Brasil e a importância da atuação preventiva dos Registradores. Revista do RECIVIL, Belo Horizonte, n. 19, março de 2008, p. 17-21.
BRASIL, Lei Ordinária n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11419.htm>. Acesso em 23 jul. 08.
BRASIL, Lei Ordinária n. 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/Leis/L8560.htm>. Acesso em 23 jul. 08.
BRASIL, Lei Ordinária n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869compilada.htm>. Acesso em 23 jul. 08.

BRASIL, Medida Provisória-MP nº 2.200. D.O.U. de 28.7.2001.

CENEVIVA, Walter. “Lei dos notários e registradores comentada (Lei n.8.935/94)”. 4ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 30.
CHAVES, Carlos Fernando Brasil. “Autenticação Digital – Um novo paradigma”. Disponível em <http://www.arpensp.org.br>. Acesso em 23 jul. 15.
CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 18. Publicado em 29 de agosto de 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 21ª edição-2007, pag. 203.

GABRICH, Frederico de Andrade. O caráter normativo dos princípios. Meritum: revista de direito da FCH/FUMEC, Belo Horizonte, v. II, n. II,  p. 374, jul./dez, 2007.

GUIMARÃES, Ubiratan Pereira. Atividade notarial na atualidade. Disponível em: <www.colegioregistralrs.org.br>. Acesso em: 15 set. 2015.

PARENTONI, Leonardo Netto. A regulamentação legal do documento eletrônico no Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10n. 77214 ago. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7154>. Acesso em: 11 ago. 2015.

RODRIGUES, Felipe Leonardo. A função do tabelião no documento eletrônico. Disponível em: < http://www.notariado.org.br>. Acesso em: 17 set. 2015.

WLASSAK, Thomas. O princípio da publicidade. Considerações sobre forma e conteúdo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3425>. Acesso em: 21 jul. 2008.

Fonte: Anoreg/BR | 18/09/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


STJ: Partilha de bens em união estável no regime de separação obrigatória exige prova de esforço comum

Na dissolução de união estável mantida sob o regime de separação obrigatória de bens, a divisão daquilo que foi adquirido onerosamente na constância da relação depende de prova do esforço comum para o incremento patrimonial. A tese foi firmada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo o relator do caso, ministro Raul Araújo, a presunção legal do esforço comum, prevista na lei que regulamentou a união estável (Lei 9.278/96), não pode ser aplicada sem que se considere a exceção relacionada à convivência de pessoas idosas, caracterizada pela separação de bens.

O caso analisado diz respeito à partilha em união estável iniciada quando o companheiro já contava mais de 60 anos e ainda vigia o Código Civil de 1916 – submetida, portanto, ao regime da separação obrigatória de bens (artigo 258, I). A regra antiga também fixava em mais de 50 anos a idade das mulheres para que o regime de separação fosse adotado obrigatoriamente. O Código Civil atual, de 2002, estabelece o regime de separação de bens para os maiores de 70 anos (artigo 1.641, II).

A decisão da Segunda Seção foi tomada no julgamento de embargos de divergência que contestavam acórdão da Terceira Turma – relativo à meação de bens em união estável de idosos iniciada sob o CC/16 – em face de outro julgado do STJ, este da Quarta Turma. A seção reformou o acórdão da Terceira Turma, que havia considerado que o esforço comum deveria ser presumido.

STF

Ao analisar a questão, o ministro Raul Araújo afirmou que o entendimento segundo o qual a comunhão dos bens adquiridos durante a união pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, está em sintonia com o sistema legal de regime de bens do casamento, confirmado no Código Civil de 2002. Essa posição prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens, declarou o relator.

O ministro observou que cabe ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante participação (ainda que não financeira) no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado no fim da união (prova positiva).

A Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”. Segundo o ministro Raul Araújo, a súmula tem levado a jurisprudência a considerar que pertencem a ambos os cônjuges – metade a cada um – os bens adquiridos durante a união com o produto do trabalho e da economia de ambos.

Assim, a Súmula 377/STF, isoladamente, não confere ao companheiro o direito à meação dos bens adquiridos durante o período de união estável sem que seja demonstrado o esforço comum, explicou o relator.

Ineficácia

Para o ministro, a ideia de que o esforço comum deva ser sempre presumido (por ser a regra da lei da união estável) conduziria à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado precisaria fazer prova negativa, comprovar que o ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, embora ele tenha sido adquirido na constância da união. Tornaria, portanto, praticamente impossível a separação do patrimônio.

“Em suma”, concluiu Raul Araújo, “sob o regime do Código Civil de 1916, na união estável de pessoas com mais de 50 anos (se mulher) ou 60 anos (se homem), à semelhança do que ocorre com o casamento, também é obrigatória a adoção do regime de separação de bens.” Ele citou o precedente da Quarta Turma, para o qual não seria razoável que, a pretexto de regular a união de pessoas não casadas, o ordenamento jurídico estabelecesse mais direitos aos conviventes em união estável do que aos cônjuges.

Acompanharam o relator os ministros Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. Votou de forma divergente o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 21/09/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.