CSM/SP: Permuta – Registro – Dúvida – Imóveis situados em circunscrições diversas – Possibilidade da inscrição autônoma de uma das aquisições – Provimento do recurso.

ACÓRDÃO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1004930-06.2015.8.26.0362

Registro: 2016.0000908167

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1004930-06.2015.8.26.0362, da Comarca de Mogi-Guaçu, em que é apelante DELVO APARECIDO DINIZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS TITULOS E DOCUMENTOS CIVIL DE PESSOA JURIDICA DA COMARCA DE MOGI GUAÇU SP.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Deram provimento ao recurso. Por maioria de votos. Por maioria de votos, deram provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Ricardo Dip. Vencidos os Desembargadores Pereira Calças e Luiz Antonio de Godoy.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), vencedor, PEREIRA CALÇAS, vencido, PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY E SALLES ABREU.

São Paulo, 22 de novembro de 2016

RICARDO DIP

RELATOR DESIGNADO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 1004930-06.2015.8.26.0362 – SEMA

Procedência: Mogi Guaçu

Relator designado: Des. Ricardo Dip (Voto n. 42.784)

Apelante: Delvo Aparecido Diniz

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca

Permuta – Registro – Dúvida – Imóveis situados em circunscrições diversas – Possibilidade da inscrição autônoma de uma das aquisições – Provimento do recurso.

RELATÓRIO

1. O caso é de dúvida do registro imobiliário, suscitada pelo Registrador da Comarca de Mogi Guaçu, Henrique Rogério Dal Molin, atendendo a pleito de Delvo Aparecido Diniz.

Houve denegação inaugural do registro perseguido – relativo a permuta de imóveis situados em circunscrições diversas- por entender-se, na origem, necessária a inscrição simultânea dos títulos aquisitivos conexionados, acenando-se ao disposto no art. 187 da Lei n. 6.015/1973 (de 31-12), bem como ao pacto dos adquirentes quanto à entrega recíproca dos prédios objeto da permuta.

Julgando-se procedente a dúvida pelo M. Juízo da Comarca, sobreveio apelação do suscitante, opinando a digna Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento do recurso (parecer da eminente Procuradora Liliana Allodi Rossit).

VOTO

2. Meu voto é pelo acolhimento da impugnação recursal.

O contrato de permuta apresenta quer equivalência de obrigações dos contratantes, quer recíproca dupla função dos bens permutados: na espécie, trata-se de imóveis que, sob certo aspecto, são objeto material de uma aquisição, mas, sob outro, simples instrumento de pagamento da aquisição concorrente.

Essa característica da permuta não implica, ipso facto, a perda da autonomia jurídica dos títulos, e, com isto, sua consequente cindibilidade formal e material.

É que a permuta é um contrato de natureza consensual, de sorte que o titulus se aperfeiçoa sem a tradição. Esta última, quando a permuta diga respeito a bens imóveis, exige o modo registral, constitutivo, para que se atualize a transcendência real do contrato, ajuste que, no entanto, já se tem por aperfeiçoado com o só acordo de vontades, inclusivo da intenção da traditio.

Por mais discutível seja que a evicção e o vício redibitório importem num desfazimento obrigatório da permuta – tese que negaria, sem mais, a possibilidade de o prejudicado, em tais situações, eleger entre a (i) indenização e (ii) a recuperação do imóvel que serviu por meio pagamento (vide , neste sentido, a doutrina de Pelayo de la Rosa Diaz, La permuta: Desde Roma al derecho español actual. Madri: Montecorvo, 1976, p. 360 et sqq.)- , certamente não se admitirá, contudo, que o ajuste de permuta fique entregue à potestatividade de um dos contratantes, ao ponto de que, refutando-lhe o registro (isto é, frustrando-lhe a intenção datraditio implicada no consenso negocial), possa acarretar-lhe unilateralmente a resolução.

A própria técnica registral adotada pela Lei n. 6.015/1973 indica, reitere-se, que a necessidade de dois ou mais distintos registros stricto sensu reclame qualificações registrais autônomas.

No plano do direito material (i.e., do direito das obrigações), a questão põe-se no plano da eficácia do negócio jurídico, em que está o adimplemento.

O figurante que haja sofrido a perda do domínio por força do registro stricto sensu adimpliu bem (ou seja, é válido e eficaz o registro stricto sensu mediante o qual esse adimplemento se perfez).

A inviabilidade de outro ou de outros registros stricto sensu (e, portanto, o inadimplemento da outra ou das outras prestações do negócio de troca) não conduzem, necessariamente, à invalidade ou à ineficácia do adimplemento que já se fez. Independentemente de outro registro stricto sensu que se houvesse de lavrar, o primeiro é válido e eficaz, até que se desfaça, desfazimento que dependerá do que, fora do registro de imóveis, ajustarem os figurantes ou decidir o juiz acerca do inadimplemento, segundo o direito material. A conclusão contrária permitiria, aliás, que o figurante de má fé impusesse ao outro todas as despesas de inscrição, ou mesmo que desfizesse unilateralmente o negócio de permuta, recusando-se a dar a registro a transmissão que o favorecesse.

É, de resto, uma recente lição passada por ADEMAR FIORANELLI:

“Já tivemos a oportunidade de manifestar pensamento favorável à cindibilidade da escritura de permuta, na impossibilidade do registro de um dos imóveis, ainda mais quando por expressa autorização dos permutantes, em artigo publicado no Jornal Novos Tempos, Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, 1995, nº 9, no sentido de que ‘no caso de permuta, malgrado o disposto no art. 187, da Lei nº 6.015/73, nada obsta o registro do título em relação a um dos imóveis permutados, que recebeu qualificação positiva. Não seria lógico que um dos outorgantes-permutantes, para usar de seu direito, venha a suportar as despesas com o registro de todos os imóveis, não podendo ser descartada a possibilidade de que o título, em relação aos demais imóveis, tenha problemas de ordem formal que impossibilitem seu registro, ou mesmo estarem situados em outros Municípios ou Comarcas.’ […] Pensamos que não se pode criar, ao nosso juízo, uma regra que só valha quando os imóveis objetos da permuta estejam subordinados à mesma Circunscrição Imobiliária, mas que não tenha o mesmo valor quando os imóveis estiverem situados em circunscrições ou Comarcas diversas. É possível, portanto, sustentar a cindibilidade do título, como acima fizemos, sempre respeitando fundamentos e opiniões contrários” (A cindibilidade dos títulos. Exemplos práticos. In: Direito Notarial e Registral. Homenagem às Varas de Registros Públicos da comarca de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016, pp. 409-413; compartem deste mesmo entendimento Gilberto Valente da Silva, Antonio Albergaria e Josué Modesto Passos).

3. O art. 187 da Lei n. 6.015/1973 – a que acena o digno Registrador suscitante- não impõe, em caso de permuta (art. 533 do Cód.civ.), a disjuntiva de que ou se registrem os fatos inscritíveis todos, ou nenhuma inscrição se faça.

Essa regra, com efeito, trata tão-somente da técnica que se há de adotar para a inscrição no protocolo (Livro n. 1), quando em cartório se apresentar um título formal que contenha negócio jurídico de escambo de dois ou mais imóveis permutados que se situem na mesma circunscrição imobiliária.

Neste caso diz o art. 187 , conquanto se hajam de fazer, ex hypothesi, dois ou mais registros stricto sensu (n. 30 do inc. I do art. 167 da Lei de Registros Públicos), basta que se faça um só lançamento no Protocolo (i.e., uma só prenotação).

E mais que isso o art. 187 não diz, porque, simplificando-se, com a Lei de 1973, o que antes determinava o art. 203 do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939 (a saber: “na permuta haverá duas transcrições com referências recíprocas e números de ordem seguidos no protocolo e no livro de transcrição, sendo também distintas e com referências recíprocas as indicações no indicador real” os destaques não são do original), não se reproduziu no novo diploma, entretanto, o que constava no parágrafo único do art. 211 do antigo Regulamento, regra esta ela sim que permitia concluir pela obrigatoriedade de fazerem-se todos os registros (à época, transcrições) ou nenhum deles, por abrir exceção ao princípio da instância inclusive (verbis: “Em caso de permuta, serão, pelo menos, três os exemplares, sendo a transcrição feita obrigatoriamente em todos os imóveis permutados, ainda que só um dos interessados promova o registo” de novo, o realce não é do original).

Não se ignora que tradicional e prestigiosa corrente doutrinária e jurisprudencial vem dando ao mencionado art. 187 interpretação segundo a qual, tratando-se de imóveis localizados sob a atribuição de um mesmo ofício de registro, seria obrigatória a registração de todos os fatos inscritíveis (: os títulos de transmissão do domínio de todos os imóveis permutados).

Todavia, esse entendimento, de par com não seguir ad amussim o texto legal, tem ainda o inconveniente de, criando uma dificuldade onde ela não existe (pois, repita-se, a feitura de todos os registros não está imposta no art. 187, ainda quando os imóveis estejam todos na mesma circunscrição), deixar sem solução o caso de os bens se localizarem em circunscrições distintas (dentro da mesma comarca, ou de comarcas diversas, ou de Estados-membros diferentes, ou mesmo e ainda de vários países). Assim, não impondo a lei nenhum meio ou procedimento para controlar a lavratura dos registros que não forem, todos, da atribuição de um mesmo ofício de imóveis, não aparenta possa este Conselho ao qual não se atribuiu competência normativa, sequer diretiva- expedir uma solução técniconormativa que o próprio legislador preferiu não desfiar.

DO EXPOSTO, por meu voto dou provimento ao recurso, para que se faça o registro, tal como foi rogado.

É como voto.

Des. RICARDO DIP relator designado

Presidente da Seção de Direito Público

Voto nº 29.556

Apelação nº 1004930-06.2015.8.26.0362

Comarca: Mogi-Guaçu

Apelante: Delvo Aparecido Diniz

Apelado: OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS TITULOS E DOCUMENTOS CIVIL DE PESSOA JURIDICA DA COMARCA DE MOGI GUAÇU SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura Pública de permuta – Imóveis em circunscrições distintas – Necessidade de registros em ambas as circunscrições – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente dúvida, impedindo o registro de escritura pública de permuta, tendo, como permutantes, Roberto dos Santos, casado com Sueli Silva dos Santos, e Espólio de Rinaldo Rodrigues de Moraes; seguido de escritura de venda e compra, tendo, como vendedores, Roberto dos Santos, casado com Sueli Silva dos Santos, e, como comprador, Delvo Aparecido Diniz.

O entendimento do Oficial, albergado pela sentença, é no sentido de que não se pode cindir o título referente à permuta. Não é possível, para o Oficial, o registro isolado da escritura, na matrícula de apenas um imóvel, sem o simultâneo registro na outra. Cita, em adendo, o art. 187, da Lei de Registros Públicos, defendendo que, cuidando-se de imóveis em circunscrições diversas, “os interessados prenotarão os títulos nas duas comarcas e apresentarão em ambas os protocolos de ingresso para que os Oficiais, com o referido número de protocolo, entrem em contato para saber se não existem óbices para o referido registro e assim procederem simultaneamente nas matrículas.”

O recorrente afirma que é possível cindir o título e que a permuta está perfeita e acabada. Caberia ao Oficial suscitante notificar a outra parte, para que providenciasse o registro do titulo na outra circunscrição. A negativa de registro feriria o princípio da liberdade de contratar.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não merece provimento.

É o registro da permuta que está obstando o registro da posterior venda e compra, de maneira que cabe, nesse recurso, examinar esse ponto.

A permuta é um contrato pelo qual cada uma das partes se obriga a dar uma coisa para adquirir outra contrato análogo à compra e venda, como ressalta, aliás, o art. 533, do Código Civil. Na permuta, cada uma das duas coisas é, ao mesmo tempo, objeto e preço e os contratantes são, reciprocamente, comprador e vendedor. Há duas transferências simultâneas, contemporâneas e inseparáveis.

Ainda que, como na compra e venda, o contrato se aperfeiçoe mediante acordo (consensus) sobre a coisa (res), tendo como preço (pretium) o objeto permutado, a transferência do domínio dá-se com o registro. É por essa razão que a cautela se impõe. Permitir-se o registro por apenas uma das partes do negócio, sem a certeza de que a outra parte também registrou o título, poderia dar azo a eventual e futuro desfazimento, na medida em que uma das qualificações poderia ser negativa.

Cabe ao Oficial, então, acercar-se da certeza de que ambos os títulos foram registrados, como forma de garantia da segurança jurídica, inclusive no que toca a direitos de terceiros, que poderiam vir a adquirir imóvel já de propriedade de um dos permutantes.

Conforme lembra Jether Sottano, “o título de permuta só pode ter ingresso no Registro de Imóveis desde que se registrem os dois imóveis. Os dois registros se completam, porque cada qual corresponde ao preço do outro.” (A permuta no Registro de Imóveis, Boletim IRIB, 195, agosto 1993, p. 2)

Por isso, o art. 187, da Lei n° 6.015/73, obriga os registros nas matrículas correspondentes, sob único número de ordem no Protocolo, em caso de permuta, quando os imóveis pertençam à mesma circunscrição. Mas e quando pertencerem a circunscrições distintas?

É o autor acima que destaca:

“Com relação ao problema de estarem situados os imóveis permutados em circunscrições diversas, diz o citado autor que sobrevém uma circunstância que impede o Oficial do Registro de efetuar a transcrição sobre os dois imóveis, porque um deles está fora da circunscrição de sua competência.

É preciso, porém, salientar que, neste último caso, a impossibilidade da dupla transcrição ser feita pelo mesmo oficial não exime o interessado da obrigação de transcrever o contrato, em relação ao outro imóvel, no Ofício de Imóveis competente. Apenas, pelo limite da competência do Oficial, não pode a transcrição ser realizada abrangendo a totalidade dos imóveis objeto da permuta.” (ob cit., p. 2)

E vai além, discordando da opinião de Lysippo Garcia para quem, na hipótese de estarem situados os imóveis em circunscrições diferentes, não haveria cautela possível -, defendendo:

“Entretanto, essa cautela é possível, basta que o Oficial do Registro que receber o título de permuta em primeiro lugar o prenote e, depois de examinado, considerando-o em condições de registro, devolva-o à parte com nota específica, e em seguida mande registrá-lo no Cartório da situação do outro imóvel. Uma vez lá registrado, o título retornaria ao primeiro Cartório a fim de, com o mesmo número de protocolo, ser aqui registrado, sem nenhum tropeço.” (ob. cit., p. 3)

Com a devida vênia, o único reparo que se faz ao raciocínio é quanto às providências que deve adotar o Oficial do Registro de Imóveis. Parece-me que ele deva prenotar o título, qualificá-lo positivamente (quanto a todos os demais aspectos) e emitir nota de exigência, referente à comprovação do registro do título no outro Cartório. Esse outro registro será fatalmente obtido quando o segundo título for protocolado, prenotado e qualificado positivamente, dado que o segundo Oficial já estará de posse da comprovação da primeira prenotação e qualificação positiva (que só aguarda a comprovação do segundo registro).

Estabelece-se, dessa forma, que a permuta não se frustrará, por eventual impossibilidade do registro em alguma das matrículas. Garantem-se a segurança jurídica do negócio e os direitos de terceiros, que venham a adquirir algum dos imóveis. Embora não simultâneos, por impossibilidade prática da simultaneidade, resta assegurado que ambos os registros se farão. O primeiro porque, protocolado o título, prenotado e qualificado positivamente, emitir-se-á nota de exigência, apenas, quanto à necessidade do registro do título no Cartório da circunscrição distinta. O segundo porque, nessa outra circunscrição, o título já será apresentado com comprovação da prenotação e qualificação positiva anterior. Ele poderá ser registrado imediatamente. Tão logo registrado, o interessado terá condição, tempestivamente, de cumprir a exigência no Cartório de origem, registrando, dessa forma, o primeiro título.

A impossibilidade do registro de algum dos títulos, por qualificação negativa decorrente de qualquer outro aspecto impediente -, implicará a inviabilidade do registro do outro.

A sugestão do Oficial suscitante também é pertinente. Podem os interessados prenotar os títulos nas duas comarcas, apresentando em ambas os protocolos de ingresso, para que os Oficiais, com o referido número de protocolo, entrem em contato para saber se não existem óbices para o referido registro e assim procedam simultaneamente nas matrículas.

O que não se pode, porém, é registrar tão somente o título em uma das circunscrições, sem o registro na outra.

O voto vencedor, conquanto elaborado com acuidade e provindo de excelente pena, deixa de levar em consideração pontos importantes aqui aventados.

Em primeiro lugar, a interpretação a ser dada ao art. 187, da Lei de Registros Públicos, com a devida vênia, é a da obrigatoriedade de ambos os registros, na hipótese de permuta. Não se trata de mera técnica de realização de protocolo. Analise-se o teor do artigo:

Art. 187. Em caso de permuta, e pertencendo os imóveis à mesma circunscrição, serão feitos os registros nas matrículas correspondentes, sob um único número de ordem no Protocolo.

Pode-se desmembrar o artigo em duas partes: Em caso de permuta, e pertencendo os imóveis à mesma circunscrição, serão feitos os registros nas matrículas correspondentes (obrigação do registro em ambas as matrículas), sob um único número de ordem no Protocolo (aí, sim, técnica pela qual se realiza o protocolo)

Em segundo lugar, a dificuldade, apontada no voto vencedor, acerca do modo como se fariam os registros, na hipótese de imóveis localizados em circunscrições distintas, foi devidamente enfrentada no presente voto. Há, inclusive, mais de uma solução.

Em terceiro lugar, não é verdade que impor ambos os registros levaria à potestatividade de um dos contratantes, que, recusando-se a fazer o registro a seu cargo, acarretaria a resolução unilateral do negócio. Isso pela simples razão de que qualquer um dos contratantes pode levar o título a registro nas matrículas, em qualquer uma das serventias correspondentes. Mesmo que o prejudicado pela ausência de um dos registros viesse a ter que custear as despesas da inscrição que deixou de ser feita, a questão se resolveria, facilmente, em perdas e danos.

Em quarto lugar, e o mais importante, o voto vencedor ignorou um dos princípios basilares dos registros públicos: a segurança jurídica. Com efeito, permitir a cindibilidade, com o registro em apenas uma das matrículas, acarretaria o risco de transmissão do imóvel, em cuja matrícula o título não foi registrado, a terceiro. Cuidando-se de terceiro de boa-fé, as consequências seriam extremamente danosas. O sistema registrário não se compraz com tal insegurança. A situação é bastante diferente da hipótese em que uma escritura de compra e venda, por exemplo, deixa de ser registrada. Nesse caso, o registro de imóveis considerado em seu conjunto ignora a existência do negócio jurídico. Porém, na hipótese da permuta, com o registro em uma das matrículas, o registro de imóveis novamente considerado como sistema já tem ciência do negócio e não pode, portanto, admitir a continuidade da lacuna, que deriva da ausência de um dos registros. Permitir esse estado de coisas significa descurar da segurança que se espera do sistema.

Sopesados os argumentos a favor e contra a cindibilidade, portanto, afigura-se mais correto impedi-la, determinando-se o registro de ambos os títulos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 27.01.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 27/01/2017.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida registral – Carta de sentença – Usucapião – Indispensabilidade do georreferenciamento com certificação do INCRA – Pertinência da exigência de inscrição dos bens imóveis usucapidos no CAR, com localização das áreas de reserva legal florestal – Desnecessidade de anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, ainda que a usucapião contemple áreas de proteção de manancial – Impossibilidade de cumprimento das exigências não demonstrada – Não comprovação da alteração de destinação dos imóveis, de rurais para urbanos – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1025597-86.2015.8.26.0564

Registro: 2016.0000845742

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1025597-86.2015.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que são partes são apelantes LENI DIAS DA SILVA, ANA GLÓRIA DIAS DA SILVA, VERA LUCIA DIAS DA SILVA LUKESIC e ENI APARECIDA DIAS DA SILVA BIANCCHI, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 10 de novembro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1025597-86.2015.8.26.0564

Apelantes: Leni Dias da Silva, Ana Glória Dias da Silva, Vera Lucia Dias da Silva Lukesic e Eni Aparecida Dias da Silva Biancchi

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo

VOTO Nº 29.580.

Registro de Imóveis – Dúvida registral – Carta de sentença – Usucapião – Indispensabilidade do georreferenciamento com certificação do INCRA – Pertinência da exigência de inscrição dos bens imóveis usucapidos no CAR, com localização das áreas de reserva legal florestal – Desnecessidade de anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, ainda que a usucapião contemple áreas de proteção de manancial – Impossibilidade de cumprimento das exigências não demonstrada – Não comprovação da alteração de destinação dos imóveis, de rurais para urbanos – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

A r. sentença confirmou o juízo de desqualificação Registral [1], motivo pelo qual as interessadas, irresignadas, interpuseram recurso de apelação, com vistas ao registro da carta de sentença extraída do processo de usucapião, sob a alegação de que as exigências feitas pelo Oficial não podem ser cumpridas, pois atualmente não mais têm a posse das áreas usucapidas, hoje integrantes de porção de terra mais extensa (situada, ademais, afirmam, em área de expansão urbana), tendo em vista a expropriação promovida pela DERSA [2].

Com o recebimento do recurso [3], os autos foram enviados ao C. CSM e, ato contínuo, a Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento da apelação [4].

É o relatório.

As interessadas, ora recorrentes, requerem o registro da carta de sentença extraída dos autos do processo de usucapião n.º 0034475-61.2008.8.26.0564, expedida pela 2.ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, cujo correspondente Juízo reconheceu, em sentença transitada em julgado, o direito de propriedade delas sobre os bens imóveis identificados nas matrículas n.ºs 11.324 e 11.325 do 1.º RI de São Bernardo do Campo. [5]

O registro pretendido foi condicionado, entretanto, e conforme melhor esclarecido na suscitação de dúvida, ao cumprimento de três exigências: a) descrição georreferenciada dos bens imóveis, com certificação do INCRA; b) comprovação da inscrição dos imóveis no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Estado de São Paulo; e c) demonstração de anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, diante do desmembramento de áreas de proteção de mananciais (arts. 14 e 16 da Lei Estadual n.º 1.172/1976). [6]

Na impugnação e no inconformismo expresso em seu Recurso [7], as recorrentes, em síntese, afirmam que o cumprimento das exigências é impossível. Sustentam que não se encontram mais na posse dos bens imóveis, que atualmente integram área mais extensa, atingida por desapropriação deflagrada pela DERSA. Com a inscrição, ponderam, ainda, buscam, particularmente, a regularização registral, necessária ao recebimento da indenização expropriatória. Contudo, nada obstante todo o esforço argumentativo, não têm razão.

A identificação dos bens usucapidos, que abrangem áreas daqueles descritos nas matrículas n.ºs 11.324 e 11.325 do 1.º RI de São Bernardo do Campo [8], está em desacordo com o georreferenciamento pelo sistema geodésico brasileiro [9], método descritivo introduzido pela Lei n.º 10.267/2001 (regulamentada pelo Decreto n.º 4.449/2002, depois alterado pelos Decretos n.º 5.570/2005 e n.º 7.620/2011), que aperfeiçoa o cumprimento do princípio da especialidade objetiva, devido à técnica cartográfica empregada, com potência para individuar os bens imóveis de modo a separá-los de qualquer outro na superfície terrestre.

A propósito, e de acordo com o § 3.º do art. 225 da Lei n.º 6.015/1973, “nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA …”. (grifei)

Na mesma linha seguem o art. 9.º, caput, e seus §§ 1.º e 9.º, do Decreto n.º 4.449/2002:

Art. 9º. A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art. 176 e do § 3ºdo art. 225 da Lei nº 6.015, de 1973, será obtido a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais,georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA. (grifei)

§ 1.º Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme atonormativo próprio.

§ 9.º Em nenhuma hipótese a adequação do imóvel às exigências do art. 176, §§ 3.º e 4.º, e do art. 225, § 3.º, da Lei n.º 6.015, de 1973, poderá ser feita sem a certificação do memorial descritivo expedida pelo INCRA.

Por sua vez, o art. 226 da Lei de Registros Públicos dispõe: “tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial.” E entre esses, encontra-se a exigência de identificação dos imóveis rurais pelo novo método descritivo, consoante norma extraída do art. 176, § 1.º, II, 3, a, a ser compreendida à luz dos textos de seus §§ 3.º e 5.º, da Lei n.º 6.015/1973.

Em reforço e prestígio da exigência atacada, convém sublinhar que a ação de usucapião é posterior ao início da vigência do Decreto n.º 5.570/2005 [10], que, então, no inc. I de seu art. 2.º, estabelece que a identificação do bem imóvel rural objeto de processo judicial, a ser feita nos termos do § 3.º do art. 225 da Lei n.º 6.015/1973, será exigida imediatamente, independentemente de sua dimensão, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto.

Destarte, considerada a legislação em vigor (à época, inclusive, e especialmente, do juízo de qualificação registral), é exigível o impugnado georreferenciamento, então com a certificação do INCRA, condição prestigiada pelo princípio da especialidade objetiva, para fins, assim, da inscrição perseguida. Isto é, impõe ratificar a exigência oposta pelo Oficial.

Sob outro prisma, a especialização da reserva legal no bem imóvel rural, confiada ao proprietário/possuidor, sob o controle e aprovação de órgãos ambientais estatais, é indispensável. Pouco importa, para tanto, o modo de aquisição da propriedade, irrelevante ao controle do cumprimento de sua função ecológica. Vale dizer, a localização da reserva legal florestal é exigida mesmo se adquirida, a propriedade, pela via da usucapião. É necessária, aliás, para obstar o fracionamento do espaço protegido, a destinação de área sem relevância ao meio ambiente e para aferir a observação de critérios definidos em lei. [11]

A regra do art. 12 da Lei n.º 12.651/2012 impõe uma obrigação real de facere. Uma limitação administrativa voltada à tutela do meio ambiente, em sua dupla dimensão constitucional (art. 225, caput), como direito intergeracional e tarefa estatal e comunitária. [12] Em sintonia com o art. 225, § 1.º, III, da CF [13], conferindo-lhe concretude, prevê: “todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal”, respeitando os percentuais mínimos definidos em seus dois incisos. E até aí nenhuma novidade. O art. 16 da Lei n.º 4.771/1965 também previa uma obrigação propter rem (por causa da coisa) referente à reserva legal florestal.

A reserva legal, portanto, revela-se, por força de lei, condição para a propriedade rural cumprir sua função social, sua função socioambiental. É pressuposto da legitimidade do direito de propriedade rural. Consoante o art. 186, I e II, da CF, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente são requisitos, ao lado de outros, previstos nos seus incs. III e IV, para o cumprimento da função social da propriedade rural.

Dentro desse contexto, a área da reserva legal deve ser medida, demarcada e delimitada [14]. Esses são deveres específicos, inerentes à obrigação propter rem relativa à reserva legal. Pressuposto da legítima exploração do bem imóvel rural e (particularmente) da área não atingida pela limitação legal, a especialização da reserva legal florestal é necessária à tutela ambiental, à fiscalização do cumprimento da lei pelos órgãos competentes e à segurança das transações imobiliárias. Só assim é (e será) possível protegê-la, conservá-la.

De todo modo, essa especialização, no atual quadro legislativo, não deve necessariamente constar da matrícula do imóvel rural. A obrigatoriedade da averbação da reserva legal, idealizada para torná-la pública (porquanto a inscrição não é constitutiva da proteção ambiental nem necessária a sua oponibilidade a terceiros), antes prevista na legislação revogada, no § 8.º do art. 16 da Lei n.º 4.771/1965 [15], e ainda atualmente estabelecida na Lei de Registros Públicos [16], comporta temperamento. A isso conduz o diálogo entre fontes normativas, pois o § 4.º do art. 18 da Lei n.º 12.651/2012 ressalva que o registro da reserva legal no CAR desobriga a averbação em testilha.

A exigência dessa averbação (a predial), aliás, hoje, na realidade, porque implantado o CAR, é exceção, se considerado que, nos termos do art. 18, caput, da Lei n.º 12.651/2012, a área da reserva legal deve ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR, o que, à luz do § 1.º do dispositivo referido, supõe, em regra, a exibição de planta e de memorial descritivo indicando as coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração. Ou seja, a diretriz normativa aponta para a facultatividade da averbação imobiliária.

Trata-se de adequada opção legislativa, se valoradas as diferenças entre cadastro e registro [17]: aquele, o cadastro, e não este, é quem, precipuamente, deve servir à Administração como instrumento de monitoramento da arrecadação de tributos, cumprimento de funções administrativas e, no que aqui interessa, de controle do acatamento das obrigações ambientais. No mais, ao invés da duplicidade de inscrições, mais relevante, nessa questão, é resguardar o fluxo de informações entre um e outro.

Isso particularmente ficou claro com a promulgação da Lei n.º 12.651/2012, que, no seu artigo 29, caput, assentou: “é criado o Cadastro Ambiental Rural CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posse rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.”

Nada obstante, a desobrigação positivada no art. 18, § 4.º, da Lei n.º 12.651/2012, não se contenta com a mera inscrição do bem imóvel rural no CAR. Não basta a comprovação de sua realização; é necessário que se demonstre a especialização da reserva legal. Por isso, compete ao Oficial, ao realizar o juízo de qualificação registral, apurar se a inscrição cadastral indicou, em atenção ao inc. III do § 1.º do art. 29 da Lei n.º 12.651/2012 [18] ou, conforme a dimensão do imóvel, ao art. 53 do Código Florestal [19], a localização da reserva legal florestal. Sua falta, consequentemente, justificará a recusa do título, orientada pelo princípio da legalidade.

Em outros termos: por ocasião do primeiro registro, da prática de atos registrais relacionados com a transmissão de domínio, desmembramento, retificação de área de bens imóveis rurais e outras inscrições modificativas da figura geodésica dos imóveis e, mormente, do registro de sentenças de usucapião, caberá ao Oficial apurar se, com a inscrição no CAR, houve registro da reserva legal, sem o qual o acesso do título ao fólio real ficará condicionado ou à regularização da situação perante o CAR, com complementação de informações e saneamento das pendências, ou à especialização da reserva legal junto à serventia predial.

Enfim, se, no CAR, inexistir informação relativa à reserva legal florestal, essa, porque limita o direito de propriedade, deve constar do registro de imóveis, em prestígio da segurança jurídica e do princípio da publicidade. E inclusive para permitir o cumprimento de obrigações ambientais decorrentes dessa limitação. Agora, a averbação da reserva legal será prescindível, bastando a do número de inscrição no CAR, se determinada, no cadastro, sua posição, seu lugar.

Em recente precedente, inteiramente aplicável ao caso dos autos, o C. STJ reconheceu que a delimitação da reserva legal florestal, no CAR, apresenta-se como condição para o registro da sentença de usucapião: de acordo com o resolvido, a “nova lei não pretendeu reduzir a eficácia da norma ambiental, pretendeu tão somente alterar o órgão responsável pelo ‘registro’ da reserva legal, que antes era o Cartório de Registro de Imóveis, e agora passou a ser o órgão ambiental responsável pelo CAR.” [20]

Não convém, com efeito, prestigiar, aqui, o excesso de formalismo. Nessa última hipótese, consumado o registro eletrônico da reserva legal no CAR, a especialização (obrigatória) na serventia predial seria uma superfetação. E feriria o princípio da razoabilidade, seja porque efetivada pelo meio eleito por lei como o mais adequado aos fins perseguidos, seja porque, com a burocratização indesejada (expressa na exigência de duplicidade de registros), o que se ganharia em termos de (reforço de) publicidade ambiental teria menos relevo se confrontado com a perda de segurança jurídica que adviria da falta de regularização registral (proporcionalidade em sentido estrito).

Em síntese: com o registro da reserva legal florestal no CAR, não haveria mais justificativa razoável para uma obrigatória especialização desse espaço ambiental na serventia imobiliária. Uma exigência nesse sentido comprometeria a regularização da aquisição da propriedade, o controle e a transparência do tráfego imobiliário e, nessa trilha, o bom cumprimento pelo Oficial de sua missão institucional de guardião da propriedade imobiliária. Desconsideraria, de mais a mais, a instrumentalidade do registro de imóveis, a fidedignidade dos assentos registrais e o princípio fundamental do sistema registral (o da segurança jurídica).

Assim, ademais, posicionou-se, recentemente, este C. CSM, quando julgou, sob minha relatoria, em 2.6.2016, a Apelação n.º 1000891-63.2015.8.26.0362. Ocorre que, na hipótese dos autos, as recorrentes sequer promoveram a inscrição dos imóveis usucapidos no CAR. Correta, sob esse enfoque, portanto, a recusa do registro, que também tem fundamento no subitem 12.5. do Cap. XX das NSCGJ.

Agora, com relação à última exigência, o obstáculo não prevalece. O acesso da usucapião à tábua registral, porque modo originário de aquisição da propriedade, independe de apresentação de prévia anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, ainda que envolva áreas de proteção de manancial.

Consoante o v. acórdão proferido na Apelação n.º 0114136-89.2009.8.26.0100, rel. Des. Mary Grün, j. 30.1.2015, “não hárazão para condicionar a eficácia do provimento da ação de usucapião ao atendimento de providências administrativas, limitações de área ou restrições impostas pelas leis de proteção de mananciais.” Com idêntica compreensão, o E. TJSP se pronunciou no julgamento da Apelação n.º 0004615-98.2006.8.26.0268, rel. Des. Ana Lucia Romanhole Martucci, em 4.9.2014:

… pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que estando o imóvel usucapiendo localizado em área de proteção de manancial, trata-se de circunstância que não impede o reconhecimento da prescrição aquisitiva já que é forma originária de aquisição da propriedade.

E pela mesma senda seguiu o v. acórdão prolatado na Apelação n.º 0007211-42.2003.8.26.0177, rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 12.7.2011, onde foi reconhecido “que o fato de o imóvel em questão estar localizado em área de proteção de manancial não constitui óbice à caracterização da usucapião.”

Por fim, cabem mais duas considerações. Primeira: não se provou a impossibilidade absoluta de cumprimento das exigências formuladas pelo Oficial; a satisfação delas, de fato, não é inviabilizada pela desapropriação iniciada pela DERSA, que foi, é verdade, deflagrada supervenientemente à usucapião, mas cuja consumação, perfectibilização pelo pagamento da indenização, sequer foi demonstrada [21], e tampouco o é pela noticiada perda da posse dos imóveis.

De resto, não consta a ocorrência de alteração de destinação dos imóveis usucapidos, de rurais para urbanos, não averbada ademais em suas matrículas; não se comprovou, aliás, o cancelamento do cadastro de imóvel rural junto ao INCRA, nem mesmo a cientificação deste. Além disso, observo a esse respeito, a documentação referida na impugnação, insuficiente, versa somente sobre o bem imóvel objeto da mat. n.º 11.325 do 1.º RI de São Bernardo do Campo [22], então apenas um dos atingidos pela usucapião.

Isto posto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1025597-86.2015.8.26.0564

Procedência: São Bernardo do Campo

Apelantes: Leni Dias da Silva, Ana Glória Dias da Silva, Vera Lúcia Dias da Silva Lukesic e Eni Aparecida Dias da Silva Biancchi

Apelado: 1º Oficial do Registro de Imóveis da comarca

VOTO CONVERGENTE (n. 42.781):

1. Peço reverente licença para, aderindo entretanto à conclusão da relatoria, negar provimento à apelação valendo-me de fundamento diverso. É que, superados (por epítrope) os entraves indicados no termo de dúvida, os rogados registros stricto sensu não produzirão ressonância jurídica alguma, uma vez que os prédios usucapidos já foram, os dois, objeto de desapropriação contenciosa (fls. 4, 7, 53-54, 117-119, 121-123 e 140-149).

Conquanto não haja dúvida de que as apelantes tenham adquirido o domínio ex usucapione, a desapropriação, pondo ambos os imóveis em mãos do poder público, suprimiu toda e qualquer possibilidade de que as usucapientes pudessem vir a dispor desses bens, o que torna inúteis os correlatos registros stricto sensu no instante mesmo em que se façam.

É contraeconômico, para logo, em todos os aspectos (economia de esforços, de tempo e de custos), efetivar-se uma inscrição registrária destituída de toda eficácia atual.

Mais agudamente, o princípio da legalidade impõe que apenas se efetuem inscrições eficazes in actu, de modo que o registro não se converta em local de acesso para não importa quais títulos ou mesmo se confunda com um mero arquivo de informações. Daí o aforismo: inutilitates in tabula illicita sunt.

Acrescente-se que a sentença proferida na usucapião, se não tem mais eficácia mandamental para o registro (cf. art. 945 do antigo Cód.Pr.Civ.), tem-na todavia declaratória em medida suficiente para fazer provar o domínio em certo tempo, o que, presentes os demais requisitos legais, satisfaz as exigências do caput do art. 34 do Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941.

TERMOS EM QUE, nego provimento ao recurso.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Fls. 221-224.

[2] Fls. 229-236.

[3] Fls. 239.

[4] Fls. 252-255.

[5] Fls. 6-8 e 25-139.

[6] Fls. 1-5.

[7] Fls. 159-164 e 229-236.

[8] Fls. 39-40, 41-42, 140-144 e 145-149.

[9] Fls. 43-47 e 105-129

[10] Cf. fls. 26-38, 52-62, 63 e 64-67.

[11] O art. 14, caput, da Lei n.º 12.651/2012, disciplina que “a localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios: I – o plano de bacia hidrográfica; II o Zoneamento Ecológico-Econômico; III a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida; IV as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e V – as áreas de maior fragilidade ambiental”, enquanto seu § 1.º define que “o órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a especialização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei.”

[12] Gilmar Mendes Ferreira; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.304.

[13] Artigo 225. (…)

§ 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…);

III definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (…).

[14] Luís Paulo Sirvinskas. Manual de Direito Ambiental. 10.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 533.

[15] Art. 16. (…)

§ 8.º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.

[16] Art. 167, II, 22), da Lei n.º 6.015/1973.

[17] A respeito da distinção, conferir artigo de Marcelo Augusto Santana de Melo, O meio ambiente e o Registro de Imóveis, in Registro de imóveis e meio ambiente. Francisco de Asís Palacios Criado; Marcelo Augusto Santana de Melo; Sérgio Jacomino (coord.). São Paulo: Saraiva, 2010. p. 36-38.

[18] Art. 29. (…)

§ 1.º A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do possuidor ou proprietário: (…)

III identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

[19] Art. 53. Para o registro no CAR da Reserva Legal, nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o, o proprietário ou possuidor apresentará os dados identificando a área proposta de Reserva Legal, cabendo aos órgãos competentes integrantes do Sisnama, ou instituição por ele habilitada, realizar a captação das respectivas coordenadas geográficas.

Parágrafo único. O registro da Reserva Legal nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o é gratuito, devendo o poder público prestar apoio técnico e jurídico.

[20] REsp n.º 1.356.207/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 28.4.2015.

[21] Cf. fls. 166-205.

[22] Fls. 145-149, av. 5, e 210. (DJe de 27.01.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 27/01/2017.

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Comunicado aos Associados do SINOREG-SP

A administração do sindicato é livre, regida pelas regras estatutárias, que na época do registro da associação profissional junto ao Ministério do Trabalho, foi examinada e deferida por este órgão. Portanto, existente desde antes da expedição da carta de reconhecimento sindical (arts. 518 a 520 da CLT).

Não existe um estatuto padrão, de modo que são livres para redigirem seus estatutos,  tal como ficou assentado na Convenção 87 da OIT.

O estatuto constitui lei interna e, como tal, obriga os filiados, tanto assim que a Convenção no seu dispositivo principal que: “os trabalhadores e os empregadores têm direito, sem autorização prévia de constituir organizações de sua escolha, assim como de se filiar a estas organizações, à condição única de se conformarem com os estatutos destas últimas”.

No item 1 do art. 7º e seu parágrafo 1º do Estatuto Social do Sinoreg, há clara determinação de que o direito do associado, inclusive o de votar, é pessoal e intransferível. Veja:

“ Art. 7º. São direitos dos associados:

  1. participar das Assembleias Gerais, votar e ser votado, quando no pleno gozo dos seus direitos, de conformidade com o presente Estatuto;
  2. usufruir dos serviços prestados pelo Sindicato, previstos neste Estatuto;
  3. requerer, mediante assinatura de, no mínimo, um quinto dos associados, em pleno gozo de seus direitos, a convocação de Assembléia Geral Extraordinária, justificando-a, pormenorizadamente;
  4. requerer medidas para a solução dos seus interesses;
  5. propor à Diretoria medidas de interesses do Sindicato;

§ 1º. Os direitos conferidos aos associados são pessoais e intransferíveis.”.

Portanto, em nenhuma hipótese pode-se admitir que o associado seja representado por procurador.

Atenciosamente

A Diretoria

Fonte: Sinoreg/SP | 30/01/2017.

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