CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Impugnação da totalidade das exigências – Exame das razões da apelante – Servidão administrativa – Princípio da especialidade – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente – Cabimento do aditamento de carta de sentença em obediência ao conteúdo do título judicial – Recurso parcialmente provido para julgar a dúvida procedente.


  
 

Apelação nº 1005784-34.2017.8.26.0037

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1005784-34.2017.8.26.0037
Comarca: ARARAQUARA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1005784-34.2017.8.26.0037

Registro: 2018.0000234924

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1005784-34.2017.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que é apelante INTERLIGAÇAO ELETRICA DO MADEIRA S/A, é apelado 2ª OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V. U. Deram parcial provimento ao recurso para conhecer da dúvida e julgar procedente a dúvida inversa, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 28 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1005784-34.2017.8.26.0037

Apelante: Interligaçao Eletrica do Madeira S/A

Apelado: 2ª Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 37.310

Registro de imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Impugnação da totalidade das exigências – Exame das razões da apelante – Servidão administrativa – Princípio da especialidade – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente – Cabimento do aditamento de carta de sentença em obediência ao conteúdo do título judicial – Recurso parcialmente provido para julgar a dúvida procedente.

Trata-se de apelação interposta por INTERLIGAÇÃO ELÉTRICA DO MADEIRA S.A. contra r. sentença que julgou prejudicada a dúvida inversa em virtude da impugnação de todas as exigências apresentadas pelo Sr. Oficial do 2° Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Araraquara.

A apelante sustenta haver impugnado todas as exigências, que o georreferenciamento, conforme §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei n° 6.015/1973, somente é obrigatório em caso de transferência de titularidade e quando há alteração dos limites do imóvel, o que não é o caso da servidão administrativa.

Ademais, seria impossível a obtenção das assinaturas do proprietário nos mapas e memoriais, bem como assinatura dos confrontantes, já que se trata de servidão constituída judicialmente.

Por fim, referiu não ser necessário o aditamento da carta de sentença em razão da área já se encontrar discriminada por meio da documentação constante daquela.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

A apelante impugnou a totalidade das exigências, como se observa de fls. 04, 05 e 110; assim, cabia o exame das alegações, não sendo o caso de dúvida prejudicada.

Nestes termos, com fundamento no artigo 1.013, parágrafo 3º, inciso I, do Código Processo Civil e no artigo 202 da Lei de Registros Públicos, passo ao julgamento da dúvida inversa.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

A recorrente é concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica e lhe coube a construção, operação e manutenção do empreendimento elétrico denominado de Linha de Transmissão Coletora Porto Velho Araraquara [2], cujo traçado passou pelos Estados de Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

Não evoluindo as tentativas de formalização da faixa de servidão pela via administrativa, a recorrente, na forma do Decreto-Lei n.º 3.365/41, obteve sentença judicial favorável para a constituição de servidão administrativa na área da matrícula n° 3.378 da referida serventia imobiliária (autos n° 0916264-39.2012.8.26.0037), com expedição da judiciosa carta de sentença.

O título, contudo, obteve qualificação negativa perante o 2º Ofício de Registro de Imóveis de Araraquara, conforme nota de devolução nº 12.339/2017 (fls.110).

A qualificação registral imobiliária é expressão do exame registral, após apresentação do título original.

Ela é feita pelo Oficial Registrador, com verdadeira natureza de tutela preventiva de conflitos (órgão pacificador de conflitos).

Por essas razões, a qualificação deve observar todos os princípios e regras aplicáveis, sejam legais, sejam administrativas.

Como é sabido, os títulos judiciais também não escapam ao crivo da qualificação registral [1], de modo que o registrador, longe de questionar o conteúdo da decisão e tampouco o seu mérito, deverá examinar se estão atendidos os princípios registrais pertinentes ao caso, para seu perfeito ingresso no fólio real.

Trata-se, assim, de análise formal, restrita aos requisitos extrínsecos do título.

E, de fato, não seria possível o ingresso do título, à míngua de descrição suficiente da área e dos limites dos imóveis, sem a indicação de marcos seguros que permitam identificar a sua correta base geodésica, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.

A questão não é nova; são diversos os precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura sobre a matéria, no sentido de que o registro da servidão administrativa se submete a todos os princípios informadores dos registros públicos.

A servidão administrativa proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a proprietário diverso, com força de limitação administrativa. Uma vez registrada, grava o direito real em favor de seu titular, no caso, a Administração Pública ou suas concessionárias.

E não se pode admitir a constituição de um direito real sem a necessária certeza sobre a amarração da área objeto da servidão à base territorial sobre a qual está sendo implantada [2].

É verdade que as servidões administrativas não têm natureza similar à da desapropriação, como modo de aquisição de domínio; entretanto, de outro enfoque, traduzem gravame e limitam o exercício da propriedade, com natureza pública, instituído sobre imóvel alheio [3].

Não se pode falar em mitigação da especialidade objetiva para atos de registro constitutivo de um novo direito real, sob pena de ofensa a todos os princípios de segurança jurídica e publicidade afetos ao serviço de registro imobiliário [4].

Embora sustente o apelante, decisão anterior proferida por outro Juízo então responsável pela Corregedoria Permanente, ou mesmo a existência de outra nota devolutiva com exigência não feita anteriormente não obstam nova análise, ora realizada, especialmente face à inexistência de coisa julgada administrativa nesta hipótese.

Ademais, não há óbice que impossibilite, de forma absoluta, que a apelante promova a retificação das matrículas, na condição de interessada no registro da servidão, uma vez que, na impossibilidade de assinatura de titulares de domínio ou confrontantes, serão feitas as regulares notificações, na forma do art. 213 e parágrafos da Lei n° 6.015/73.

No dispositivo da r. sentença, mantida em sede recursal (a fls. 47/82), constou:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, para declarar constituída, em favor da autora, a servidão administrativa mencionada sobre a área mencionada na inicial e descrita no laudo pericial de fIs. 180/198, mediante o pagamento de indenização no valor de R$14.495,10 (catorze mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e dez centavos) aos requeridos. (grifos meus)

Desse modo, a exigência concernente ao aditamento da carta de sentença para incluir o laudo pericial de fls. 180/198 dos autos do processo judicial, é correta por constar expressamente do título e ser necessária ao exato cumprimento do conteúdo da decisão judicial no aspecto registral.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para conhecer da dúvida e julgar procedente a dúvida inversa.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator


Notas:

[1] Apelações CSM n° 1006009-07.2016.8.26.0161 e 0001652-41.2015.8.26.0547.

[2] Ver Apelação CSM n° 1003805-88.2015.8.26.0269.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 145.

[4] CSM, Apelações nº 122-6/9, 456-6/2, 454-6/3 e 666-6/0 e 0001620-50.2014 e 1001809-55.2015. (DJe de 08.05.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 29/05/2018.

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