Recurso administrativo – Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins – TJTO – Concurso para outorga de serventias – Respeito as regras norteadoras do concurso público – Lei Federal n° 12.990/2014 – Conceito de juridicidade aplicável ao ato do Tribunal – Autonomia – Escolha política – 1. Possibilidade de aplicação das Leis n° 12.990/2014 e 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) aos concursos de outorga de delegações em razão do efeito transcendente da ADC n°41/DF, da exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, e, por decorrência lógica, do dever de respeito aos princípios norteadores do concurso público


  
 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0000058-71.2016.2.00.0000

Requerente: DOMINGOS PINTO DA COSTA

Interessado: JOENIO MARQUES

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS – TJTO

Advogado: TO6633 – RICARDO ARAÚJO COELHO

PR68777 – BÁRBARA GORSKI ESTECHE

EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS – TJTO. CONCURSO PARA OUTORGA DE SERVENTIAS.RESPEITO AS REGRAS NORTEADORAS DO CONCURSO PÚBLICO. LEI FEDERAL N° 12.990/2014. CONCEITO DE JURIDICIDADE APLICÁVEL AO ATO DO TRIBUNAL. AUTONOMIA. ESCOLHA POLÍTICA.

1. Possibilidade de aplicação das Leis n° 12.990/2014 e 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) aos concursos de outorga de delegações em razão do efeito transcendente da ADC n°41/DF, da exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, e, por decorrência lógica, do dever de respeito aos princípios norteadores do concurso público.

2. Conceito de juridicidade aplicável ao caso, tendo em vista que extrapola a compreensão tradicional da legalidade estrita, pois deve a Administração Pública observar não apenas às leis, como também ao ordenamento jurídico como um todo, incluindo-se a Constituição e seus princípios jurídicos.

3. Ainda que não exista previsão expressa na Resolução CNJ nº 203/2015 no tocante à obrigatoriedade de sua aplicação em relação aos concursos públicos para delegação de notas e registros, não há ilegalidade a ser controlada no caso concreto, posto que o ato impugnado configura uma escolha política do TJTO que, valendo-se de sua autonomia e com amparo na jurisprudência pátria – inclusive do STF – busca garantir a efetividade material do princípio da igualdade, a partir de regra específica no edital prestigiando a política de cotas.

4. Recurso administrativo a que se dá parcial provimento.

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso administrativo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, circunstancialmente, os Conselheiros Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 22 de maio de 2018. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Cármen Lúcia, João Otávio de Noronha, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Márcio Schiefler Fontes, Daldice Santana, Fernando Mattos, Valtércio de Oliveira, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, André Godinho, Valdetário Andrade Monteiro, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por JOÊNIO MARQUES, na qualidade de terceiro interessado, em face da decisão que julgou procedente o pedido formulado por DOMINGOS PINTO DA COSTA para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins se abstivesse de aplicar as regras definidas pela Resolução CNJ n. 203/2015 ao concurso para outorga de delegações de serventias de notas e registros do Estado, regido pelo Edital n. 003/2015.

Alega o Recorrente que é autor da Consulta nº. 0001442-69.2016.2.00.0000, cujo objeto diz respeito à possibilidade de aplicação da reserva de vagas destinada a negros, pela Lei Federal nº 12.990/2014, e pela Resolução CNJ nº 203/2015, para concurso de ingresso e remoção na atividade notarial e de registro, no percentual de 20% (vinte por cento) das serventias ofertadas.

Relata que o pedido formulado na referida Consulta foi julgado prejudicado pelo Relator em razão dos questionamentos terem sido respondidos nos autos da Consulta nº. 0005545-56.2015.2.00.0000, no sentido de que a Resolução nº. 203/2015 não é aplicável aos concursos públicos para outorga de delegações de notas e de registro.

Em que pese o quadro relatado, defende que a Resolução CNJ n. 81/2009 seria omissa quanto “à previsão das necessárias políticas afirmativas raciais para o acesso isonômico da população negra e sua inclusão na esfera notarial e de registros, situação que vai em desencontro ao imperativo constitucional de redução das desigualdades raciais, conforme preconizado no artigo 3º, inciso III, da Constituição

Nesse sentido, defende, em síntese, a suspensão do concurso regido pelo edital nº. 003/2015, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, pugnando pelo aprimoramento da Resolução CNJ n. 81/2009, a fim de que seja assegurada reserva de vagas para negros nos concursos públicos para outorga de delegações de notas e de registro.

Noutro giro, questiona os fundamentos do parecer exarado pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas (CEOGP), por meio do qual a Comissão se posiciona contrariamente à possibilidade de se conferir interpretação extensiva à Resolução CNJ n. 203/2015 para aplicá-la aos concursos para outorga de delegações de notas e de registro, em razão de ter sido especificamente elaborada com o objetivo de tratar das carreiras de magistrados e de servidores ativos do Poder Judiciário.

Nesta perspectiva, defende que o ingresso na atividade notarial e de registro é o concurso público, nos mesmo moldes dos cargos de magistrados e servidores do Poder Judiciário, não havendo, portanto, diferenças substanciais entre as carreiras, de sorte que, o tratamento dispensado a todas elas, em relação à reserva de vagas para negros, deve ser o mesmo, sob pena de incorrer-se em afronta ao princípio da isonomia.

Ao final, requer:

01. Por todo o exposto, pleiteia-se, primeiramente, o conhecimento do presente Recurso de Terceiro Interessado, tendo em vista a legitimidade do ora Recorrente (…)

02. … o provimento do presente Recurso de Terceiro Interessado, reformando-se a decisão recorrida, para:

a) suspender o concurso público regido pelo edital nº. 003/2015, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, até a conclusão do aprimoramento da Resolução nº. 81/2009, desse Conselho Nacional de Justiça, e, então, seja aplicada a normatização específica à reserva de vagas para negros nos concursos públicos para outorga de delegações de notas e de registro ou;

b) caso não se considere cabível a suspensão do concurso público regido pelo edital nº. 003/2015, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, até a conclusão do aprimoramento da Resolução nº. 81/2009, desse Conselho Nacional de Justiça, manter a aplicação da reserva de vagas para negros, no percentual de 20% (vinte por cento), nos concursos públicos para a outorga de delegação de notas e de registro, nos moldes da Resolução nº. 203/2015.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente defiro o pleito de ingresso do Recorrente como terceiro interessado no feito, em razão do disposto no art. 58, II, da Lei 9.784/99[1].

Nos termos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, conheço do recurso, porquanto tempestivo.

A decisão recorrida (ID 1824294) foi proferida nos seguintes termos:

“Cuida-se de procedimento de controle administrativo formulado por DOMINGOS PINTO DA COSTA em desfavor do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS, por meio do qual se insurge contra a previsão de cotas às pessoas declaradas negras ou pardas, contidas nos itens 4.10 e 14 do Edital n. 003, de 7 de dezembro de 2015, relativo ao Concurso Público de Provas e Títulos para a outorga de delegações de notas e de registros daquele Estado.

Em síntese, alega que referida previsão somente seria legítima caso fosse constasse expressamente em lei, em sentido formal, o que inexiste no âmbito do Estado Tocantins.

Alega, ainda, inexistir lei federal estabelecendo a inclusão das cotas raciais em concurso de cartórios.

Segundo o Requerente, as Leis n. 12.990/2014[2][1] e 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) não podem ser aplicadas aos concursos de outorga de delegações, porquanto os titulares de serventias extrajudiciais não são equiparados a servidores públicos.

Ressalta ainda a impossibilidade de incidência da Resolução CNJ nº 203, de 23 de junho de 2015, na presente hipótese, já que tal normativo se destina ao provimento de cargos efetivos do Poder Judiciário e de ingresso na magistratura, silenciando-se quanto aos delegatários de serventias extrajudiciais.

Pugna liminarmente pela suspensão do certame até a retificação do edital e, quanto ao mérito, a procedência total do pedido, a fim de que seja excluída a regra impugnada.

Inicialmente, os autos foram encaminhados ao gabinete do Conselheiro Carlos Eduardo Oliveira Dias para consulta de eventual prevenção, em razão do PCA nº 0006255-76.2015.2.00.0000 (Id 1867007).

O Eminente Conselheiro, contudo, não reconheceu a prevenção indicada, sob a alegação de que o feito sob sua relatoria, apesar de também se referir ao Edital n. 003/2015 – TJ/TO, tratava de matéria diversa, relacionada a impugnação do rol de delegações vagas oferecidas no certame (Id 1869042).

Diante do retorno dos autos a este gabinete, foram solicitadas informações ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins antes da análise do pleito liminar (Id 1872381).

O TJTO prestou informações através da Comissão de Seleção e Treinamento – COPESE/UFT, órgão competente para a realização de concursos públicos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Tocantins (Id 1874404).

Primeiramente, sustenta ser intempestiva a insurgência do Requerente, vez que a impugnação às cláusulas editalícias teria ocorrido após o prazo de quinze dias da primeira publicação da peça convocatória, estipulado no item 17.1.1 do edital.

Ademais, informou que a Comissão de Concurso entendeu ser coerente e justo, observar a Resolução CNJ nº 203/2015 na elaboração do Edital n. 03/2015.

Afirma que, embora a Resolução CNJ n. 203/2015 não disponha sobre os serviços de Notas e de Registro, não esconde, todavia, que o objetivo da norma administrativa é garantir maior efetividade à Lei Federal 12.990, de 9 de junho de 2014, que criou, no âmbito da Administração Pública Federal, a cota racial, nos concursos públicos.

Em razão de não terem sido suficientemente demonstrados os requisitos autorizadores da medida de urgência pleiteada, o pedido liminar formulado nestes autos foi indeferido (Id 1873991).

É o breve relato. Decido.

Primeiramente, é importante registrar que, ainda que o pedido de liminar do Requerente tenha sido indeferido nestes autos, o Concurso Público de Provas e de Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e de Registros do Estado do Tocantins, regido pelo Edital n. 003/2015, na data de 11.02.2016 está suspenso em razão do deferimento de medida urgência nos autos do PCA nº 0000059-56.2016.2.00.0000, de relatoria do Conselheiro Carlos Eduardo Oliveira Dias.

Referida liminar foi ratificada, a unanimidade, pelo Plenário do CNJ em 12 de abril de 2016, permanecendo em vigor até a presente data.

Isto posto, passo a análise do mérito da questão apresentada nestes autos.

Em 17.05.2016, a Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas do Conselho Nacional de Justiça – CEOGP – aprovou parecer contrário à possibilidade de se conferir interpretação extensiva à Resolução CNJ nº 203/2015, de modo a aplicá-la aos concursos para outorga de delegações de notas e de registro, ainda que ausente previsão expressa nesse sentido no citado regulamento.

No referido parecer, o Conselheiro Norberto Campelo, Presidente da Comissão, considerou ser imprudente estender, “sem um estudo específico e prévio”, os efeitos da Resolução CNJ nº 203/2015 a outras categorias não enumeradas na norma, restrita a servidores e membros do Poder Judiciário, concluindo taxativamente:

…por ora, não há possibilidade de que o Conselho Nacional de Justiça determine aplicação da Resolução/CNJ n. 203/2015 aos certames previstos na Resolução/CNJ n. 81/2009, tendo em conta que aquela fora elaborada levando em consideração um público específico, magistrados e servidores ativos do Poder Judiciário pátrio.

Cabe ressaltar que a citada manifestação da CEOGP foi solicitada pelo Conselheiro Fernando Mattos, em razão do Procedimento Consulta nº 0005545-56.2015.2.00.0000, distribuído à sua relatoria em novembro de 2015.

Naquele feito, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul consultou o CNJ a respeito da aplicabilidade da Resolução CNJ n. 203/2015 aos concursos públicos de provas e títulos para a outorga das delegações de notas e de registro.

Por meio de decisão monocrática terminativa, exarada em 12.07.2016, o Conselheiro Relator respondeu à consulta supramencionada no sentido de que a Resolução CNJ n. 203/2015 não é aplicável aos concursos para outorga de delegações de notas e registros.

Por oportuno, transcrevo trecho da referida decisão:

“Como se vê, a questão suscitada pela consulente foi superada no âmbito deste Conselho com o julgamento do PCA 0005035-43.2015.2.00.0000, razão pela qual a resposta ao questionamento relativo à aplicabilidade da Resolução CNJ 203/2015 aos concursos para outorgas de delegações de notas e registros deve ser negativa.

Em reforço ao entendimento firmado pelo Plenário do CNJ, merece registro o parecer aprovado pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas, cuja manifestação contou com subsídios fornecidos pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias.

A Comissão opinou pela impossibilidade de interpretação extensiva da Resolução CNJ 203/2015, sem prejuízo de a matéria ser discutida no processo de revisão da Resolução CNJ 81/2009, norma que regula os concursos para a atividade notarial e registral. Colha-se trecho do parecer (Id1945259):

Como se vê, não parece prudente a extensão deliberada por parte do Conselho Nacional de Justiça, e sem um estudo específico e prévio, da Resolução/CNJ n. 203/2015 a outras categorias que não as ali enumeradas (servidores e membros do Poder Judiciário). Realmente, estender efeitos de um ato normativo a outro sem previsão expressa parece ferir o princípio da legalidade estrita que rege o direito administrativo pátrio.

Devo anotar, por outro lado, que esta Comissão Permanente vem desenvolvendo estudos no intento de aprimorar a Resolução/CNJ 81 e, dentre os assuntos que estão sendo discutidos e analisados de modo bastante detido e esmerado, está justamente a possibilidade de inserção de cotas para negros nos respectivos certames.

Como explicitado, o tema ainda está em análise na CPEOGP e, caso exista deliberação no sentido de se redigir dispositivo que reserve cotas para negros nos concursos para provimento de serventias extrajudiciais, esta somente se tornará obrigatória após deliberação do Plenário deste Conselho e respectiva publicação para vigência, não se observando, por ora, forma de o CNJ determinar a aplicação da Resolução/CNJ 203, de modo compulsório, aos certames da Resolução/CNJ 81.

Portanto, acatando o subsídio documental encaminhado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias, o Parecer desta Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas do CNJ é no sentido de que, por ora, não há possibilidade de que o Conselho Nacional de Justiça determine aplicação da Resolução/CNJ n. 203/2015 aos certames previstos na Resolução/CNJ n. 81/2009, tendo em conta que aquela fora elaborada levando em consideração um público específico, magistrados e servidores ativos do Poder Judiciário pátrio.

Por outro lado, em resposta aos questionamentos II e III, creio que eventual instrumento, a ser aplicado aos certames para outorga de titularidade de serventias extrajudiciais, com conteúdo similar à Resolução/CNJ 203 (política afirmativa), a exemplo desta, poderá, após os estudos pertinentes, vir a existir.

Cumpre registrar que a Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas informou que estão em curso estudos para revisão da Resolução CNJ 81/2009. Diante disso, os terceiros interessados podem encaminhar sugestões à Comissão para aperfeiçoamento da norma.

Desta feita, estão prejudicados os demais questionamentos formulados pela consulente (itens II e III da inicial, Id1835306) e os pedidos formulados pelos terceiros interessados Ronaldo José Benedet e Joênio Marques (Id1947824).

Ante o exposto, na esteira do precedente do Plenário do CNJ e do entendimento firmado pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas, respondo a presente Consulta no sentido de que a Resolução CNJ 203/2015 não é aplicável aos concursos para outorga de delegações de notas e registros. Diante disso, estão prejudicados os questionamentos II e III formulados pela consulente, bem como os pedidos dos terceiros interessados.

Intime-se. Em seguida, arquivem-se, independentemente de nova conclusão.”

O Conselheiro Fernando Mattos consignou, inclusive, que a questão suscitada pela consulente naqueles autos já havia sido objeto de deliberação pelo Plenário do CNJ no PCA 0005035-43.2015.2.00.0000, de relatoria do então Conselheiro Emmanoel Campelo.

No citado procedimento, o Colegiado decidiu que a Resolução CNJ n. 203/2015 não assegura a reserva de vagas a negros em concursos para outorga de delegações de notas e registros.

A seguir, transcrevemos a ementa do julgado em comento:

RECURSO ADMINISTRATIVO. DECISÃO SINGULAR PROFERIDA EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS NOVOS A ENSEJAR A REFORMULAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Insurgência contra a ausência de reservas de vagas aos negros em Concurso Público para os cargos de Notário e Registrador do Estado do Pará (Edital nº 001/2015). 2. Resolução CNJ n.º 203/15 não assegura a reserva de vagas aos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais, mas apenas para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário. 3. A atividade notarial e registral não se enquadra no conceito de serviço público. 4. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo. 5. Recurso administrativo conhecido e improvido.

(CNJ – RA – Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0005035-43.2015.2.00.0000 – Rel. EMMANOEL CAMPELO – 10ª Sessão Virtualª Sessão – j. 12/04/2016)

Assim, na esteira do precedente do Pleno do CNJ retromencionado (PCA 0005035-43.2015.2.00.0000), do entendimento firmado pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas desta Casa e da decisão monocrática proferida nos autos do Procedimento de Consulta nº 0005545-56.2015.2.00.0000, com fulcro no art. 25, inciso XII, do Regimento Interno do CNJ, julgo procedente o pedido do Requerente para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins que se abstenha de aplicar as regras definidas pela Resolução CNJ n. 203/2015 ao concurso para outorga de delegações de delegações notas e registros do Estado, regido pelo Edital n.003, de 7 de dezembro de 2015, excluindo todo e qualquer regramento relativo a cotas para pessoas declaradas negras ou pardas da peça convocatória do certame.

Por fim, importa consignar, desde logo, que, caso determinada a publicação de novo edital quando da análise do mérito da questão tratada nos autos do PCA n. 0000059-56.2016.2.00.0000, ainda pendente de julgamento pelo Colegiado do CNJ, o Tribunal Requerido deverá observar os termos desta decisão.

Intime-se as partes.

Outrossim, dê-se ciência do inteiro teor desta decisão ao Conselheiro Carlos Eduardo Oliveira Dias, relator do PCA nº 0000059-56.2016.2.00.0000.

À Secretaria Processual para providências.

Brasília, data registrada em sistema.” (Id. 2064276)

A princípio, verifica-se que foi fundamento da decisão recorrida, prolatada pelo Conselheiro que me antecedeu na relatoria do presente feito, o posicionamento consolidado no julgamento do Recurso administrativo no PCA 0005035-43.2015.2.00.0000, sob relatoria do eminente Conselheiro Emmanoel Campelo, julgado em 12/04/2016, em que prevalecia a posição de inaplicabilidade da Resolução/CNJ nº 203/2015 a outras categorias que não as ali enumeradas, sob a premissa de que estender efeitos de um ato normativo a outro sem previsão expressa violaria o princípio da legalidade estrita que rege o direito administrativo pátrio.

Consoante esse entendimento, julgou-se procedente o pedido do Requerente para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins que se abstivesse de aplicar as regras definidas pela Resolução CNJ n. 203/2015 ao concurso para outorga de delegações de notas e registros do Estado, regido pelo Edital n. 003, de 7 de dezembro de 2015, excluindo-se todo e qualquer regramento relativo a cotas para pessoas declaradas negras ou pardas da peça convocatória do certame.

Ocorre que, analisando mais detidamente a matéria, verifica-se que a posição acima aparenta dissonância com a atual linha de entendimento da Corte Suprema sedimentada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 41, a qual fora julgada procedente em 08/06/2017, declarando a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, tendo como tese de julgamento a constitucionalidade da reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta, conforme se vê:

DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE. RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N° 12.990/2014. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014. 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. (ADC 41, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017)

Em sua fundamentação, o Exmo. Ministro Luís Roberto Barroso sustentou o “efeito transcendente do reconhecimento da constitucionalidade” da Lei Federal nº 12.990/2014 nos seguintes termos:

Aqui eu concordo também com o que foi dito da tribuna de que a regra vale para todos os órgãos e, portanto, para todos os Poderes. Nós estamos aqui discutindo a validade de uma lei federal, mas, evidentemente, se afirmamos a validade da lei federal, estaremos afirmando também que os Estados e Municípios podem, quando não, devem seguir a mesma linha. Portanto, o caso concreto é de lei federal, mas o efeito transcendente do reconhecimento da constitucionalidade me parece fora de dúvida. (…) Só para deixar claro, Presidente, eu mencionei cargos efetivos – só porque o Ministro Alexandre, reservadamente, havia comentado comigo, e eu gostaria de justificar. Eu não coloquei administração pública federal, porque acho que é legítimo no âmbito da Administração Pública em geral. E, portanto, se vierem leis estaduais e leis municipais, eu penso que essa redação que permita a transcendência nos dispensará de termos que apreciar ações diretas para discutir leis estaduais”.

Em sintonia ao entendimento acima exposto, no julgamento da referida ADC nº 41/DF, a Ministra Carmen Lúcia pontuou de forma assertiva:

Nós, talvez, só tenhamos que tornar claro, sendo essa a tese vencedora, que nós não estamos obrigando, porque, no espaço da autonomia federativa, obviamente, cada Estado haverá de adotar se quiser”.

Denota-se que o julgado vergastado limitou os efeitos da decisão para os casos de provimento por concurso público em todos os órgãos federais, não vinculando os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dado que a lei específica se destinava a concursos na administração direta e indireta da União. Desse modo, restou assentado que, inexistindo obrigatoriedade de adoção da respectiva tese pelos entes federados, a decisão de seguir o entendimento fica circunscrita ao âmbito de autonomia local, sendo completamente possível e desejável a aplicação de tal tese em concursos públicos realizados por todas as Unidades Federativas.

Nesta esteira, constitui objeto do presente feito o controle de ato administrativo com o fito de verificação da obediência aos princípios da igualdade, da impessoalidade e da legalidade estrita pelo Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins diante da previsão editalícia original de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas aos candidatos que se autodeclararam negros ou pardos no ato da inscrição, nos termos do item 4.1 do Edital n. 003/2015, em razão da inexistência de Lei, em sentido formal, no âmbito do Estado de Tocantins e a possibilidade de aplicação extensiva da Resolução/CNJ 203 aos certames regidos pela Resolução/CNJ 81.

Com o objetivo de melhor análise do presente expediente, torna-se oportuna uma breve digressão acerca dos postulados do princípio constitucional da legalidade e suas repercussões na esfera administrativa, principalmente no que tange ao âmbito da autonomia dos Tribunais.

Nesse aspecto, oportuno destacar, como sustenta Raquel Melo Urbano de Carvalho, que o desenvolvimento de técnicas de gestão pública, a desburocratização, a execução de políticas públicas e a garantia de estabilização mínima das relações jurídicas sobrevieram como premissas fundamentais para desencadear uma mudança da base filosófica de limitação estatal por meio da legalidade estrita, propiciando a doutrina uma discussão acerca da noção de juridicidade[3].

Dessa forma, é possível constatar uma evolução da noção clássica do conceito de legalidade para um conceito maior denominado juridicidade, mais abrangente, que extrapola a compreensão tradicional da legalidade estrita, posto que a Administração Pública defende a obediência não apenas às leis, como também ao ordenamento jurídico como um todo, incluindo-se a Constituição e seus princípios jurídicos.

Partindo desse pressuposto, desencadeia-se uma margem maior de autonomia da atividade administrativa, desde que respeitados os limites do texto constitucional e com o fito de satisfação das diretrizes apresentadas pela Carta Maior. Nesse sentir, conforme bem destacado pelo Ministro Celso de Mello em seu voto no julgamento da já referida Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 41:

O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, de modo a viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. (…) A força normativa inerente aos princípios constitucionais e a intervenção decisiva representada pelo fortalecimento da jurisdição constitucional exprimem aspectos de alto relevo que delineiam alguns dos elementos integrantes do marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo, em ordem a permitir, numa perspectiva de implementação concretizadora, a plena realização, em sua dimensão global, do próprio texto normativo da Constituição, a partir dos grandes postulados que nela estão contemplados”.

No que tange às alegações do Autor do presente procedimento, concernentes à impossibilidade de aplicação das Leis n° 12.990/2014 e 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), assim como da Resolução CNJ nº 203/2015 aos concursos de outorga de delegações, porquanto os titulares de serventias extrajudiciais não são equiparados a servidores públicos, estes também não merecem prosperar.

A Constituição Federal de 1988 traz, no art. 236 e seus parágrafos, regras sobre o regime jurídico constitucional dos serviços notariais e de registro, determinando que o ingresso ou a movimentação dos titulares de serviço notarial e de registro depende de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.

Nesse sentir, cumpre salientar que um dos princípios norteadores do concurso público é o da igualdade, postulado este de observância obrigatória pela Administração Pública com o encargo de dar concretude máxima, de modo a assegurar a igualdade material ou substancial, levando em consideração a discrepância oriunda de razões naturais, culturais, sociais ou econômicas.

Como bem pondera Hely Lopes Meirelles, concurso público de provas ou de provas e títulos configura meio de se cumprir as normasprincípios constantes do art. 37 da Constituição Federal, senão vejamos:

O concurso é o meio técnico posto à disposição da AdministraçãoPública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF”.[4]

Nesse diapasão, a exigência constitucional de prévia aprovação do concurso público de provas e títulos para ingresso ou a movimentação dos titulares de serviço notarial e de registro deve respeitar aos princípios que regem a Administração Pública, em especial o da igualdade, moralidade, eficiência e impessoalidade, motivo pelo qual completamente cabível o “efeito transcendente do reconhecimento da constitucionalidade” da Lei Federal nº 12.990/2014, defendido pelo eminente relator da ADC nº 41/DF, aos concursos públicos para outorga de delegações de notas e registros.

Desse modo, configurando o ato impugnado uma escolha política do TJTO, amparada em substrato constitucional com o objetivo de dar concretude a interesses públicos “em prol do equilíbrio étnico-racial e socioeconômico do povo brasileiro, cuja desigualdade, está anunciada no art. 3º da Constituição Federal”, conforme informações prestadas pelo próprio Tribunal Requerido (Id 1874405), não havendo ilegalidade a ser controlada e em respeito ao princípio da autonomia dos tribunais, conforme preconizado no art. 96, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal, não há razão para interferência deste Conselho Nacional.

Destaque-se, por fim, que os precedentes anteriores deste Conselho Nacional definiram que não se pode determinar, com base na Resolução CNJ nº 203/2015, que determinado tribunal inclua cotas raciais em um concurso público para delegação de notas e registros. Todavia, não há ilegalidade a ser controlada quando o Tribunal, como no presente caso, valendo-se de sua autonomia e com amparo na jurisprudência pátria, inclusive do STF, buscando garantir a efetividade material do princípio da igualdade, coloca regra específica em edital prestigiando a política de cotas.

Por todo exposto, com supedâneo nos argumentos acima lançados, conheço do recurso administrativo interposto pelo terceiro interessado, ao qual dou parcial provimento para, reformando a decisão monocrática final anteriormente proferida, determinar a manutenção da regra disposta no item 4.1 do Edital n. 003/2015 do Concurso Público de Provas e de Títulos para a outorga de delegação de Notas e de Registro do Estado do Tocantins, que estabelece a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas aos candidatos que se autodeclararam negros ou pardos no ato da inscrição.

É como voto.

Conselheiro André Godinho

Relator


[1] Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo:

(…)

II – aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida;

[3] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 564.

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Brasil: Malheiros editores, 2014, p. 505.

Voto Divergente

Adoto o bem lançado relatório do eminente Conselheiro Relator.

Todavia, não obstante os judiciosos fundamentos expostos no voto de Sua Excelência, discordodata vênia, de seu entendimento, pelas razões adiante explicitadas.

O eminente Conselheiro Relator, ao concluir o seu voto, assim decidiu:

Do quanto apanhado nas razões recursais articuladas pelo Recorrente, verifica-se que, os fundamentos apresentados já foram devidamente enfrentados e afastados no julgado ora impugnado, destacando-se, em particular, que a questão relativa à aplicabilidade da Resolução CNJ 203/2015 aos concursos para outorgas de delegações de notas e registros está superada no âmbito deste Conselho com o julgamento do PCA 0005035-43.2015.2.00.0000.

De outra parte, a existência de estudos em andamento e a possibilidade de se imprimir aprimoramentos à Resolução CNJ 81/2009 não são fundamentos aptos a amparar eventual suspensão de concursos em andamento.”

O fundamento legal invocado na r. decisão repousa no alcance da Resolução CNJ n. 203/2015, a qual se aplica, tão somente, aos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura.

Na jurisprudência rememorada pelo Relator, por sua vez, o pedido analisado dizia respeito à aplicação da citada Resolução a concurso para atividades notariais e registrais.

É o que se extrai do acórdão do Procedimento de Controle Administrativo (PCA) n. 0005035-43.2015.2.00.0000 destacado (g. n.):

Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto por SILVESTRE GOMES DOS ANJOS, candidato do Concurso Público para os cargos de Notário e Registrador do Estado do Pará (Edital nº 001/2015), contra decisão monocrática por mim proferida, que julgou improcedente pedido de aplicação da Resolução n.º 203, de 23 de junho de 2015 em concurso para as atividades notariais e registrais.”(Id 1925550)

O objeto em análise no recurso administrativo interposto em face da decisão monocrática proferida no PCA sob exame é, a meu sentir, substancialmente distinto daquele analisado no precedente rememorado.

As questões jurídicas submetidas à análise neste procedimento referem-se:

(i) ao conhecimento do recurso administrativo apresentado pelo terceiro interessado;

(ii) à reforma da decisão monocrática para que haja determinação de suspensão do concurso público regido pelo Edital n. 003/2015, do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO), até a conclusão do aprimoramento da Resolução CNJ n. 81/2009 para, só então, aplicar-se normatização específica quanto à reserva de vagas para negros nos concursos públicos para outorga de delegações de notas e de registro;

(iii) à manutenção da reserva de vagas, no percentual de 20% (vinte por cento), conforme definido no item 4.1 do Edital n. 003/2015, caso não seja possível a suspensão do concurso.

É imperioso destacar que o caso sob exame revela situação na qual um determinado tribunal – TJTO, por iniciativa própria e devidamente motivada, decidiu incluir, entre as regras estabelecidas para o Concurso Público de Provas e de Títulos para a outorga de delegação de Notas e de Registro do Estado do Tocantins – Edital n. 003/2015, a previsão de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas para os candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição.

O item 4.1 do edital de regência formaliza essa decisão administrativa:

4.1. Das 108 serventias ofertadas neste edital, 11 serventias serão reservadas a pessoas com deficiência e 22 serventias aos candidatos que se autodeclararem preto ou pardo, e que tenham efetuadas inscrições nestas modalidades, respeitando a resolução 203 do CNJ de 23 de junho de 2015, distribuídas em conformidade com o Quadro III do subitem 14.4 deste edital.” (Id 1865203, p. 3)

Conforme se extrai dos autos, o TJTO entendeu que a aplicação da política de cotas no concurso para outorga de delegação darse-ia em estrita observância àfinalidade da norma administrativa – Resolução CNJ n. 203/2015 – a qual garantiu maior efetividade à Lei n. 12.990/2014, que criou, no âmbito da Administração Pública Federal, a reserva de 20% das vagas de um certame àqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato de inscrição.

Extraem-se das informações prestadas pelo Tribunal os seguintes esclarecimentos (g. n.):

A Comissão de Concurso incluiu a cota racial no Edital impugnado (item 4.10), em estrita observância aos termos da Resolução 203, de 23 de junho de 2015, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, de cujo teor, extraiu os subitens que normatizam a referida reserva.

Analisando os termos da citada Resolução/CNJ, o poder normativo que exerce o CNJ sobre os Tribunais de Justiça e a competência daquele Conselho Nacional para a proposição de políticas judiciárias voltadas à pacificação e à responsabilidade sociala Comissão de Concurso, defendeu a compatibilidade da Resolução 203/2015, com o concurso público para o provimento de serviços notariais e de registro.

Embora, literalmente, a Resolução 203/2015, não disponha sobre os serviços de Notas e de Registro, não esconde, todavia, que o objetivo da Norma Administrativa é garantir maior efetividade à Lei Federal 12.990, de 9 de junho de 2014, que criou, no âmbito da Administração Pública Federal, a cota racial, nos concursos públicos.

Ademais, os instrumentos normativos supracitados, surgiram não como decisão isolada e pessoal do agente ou do órgão, mas, acima de tudo, são escolhas politicamente informadas que por tal meio evidenciam os interesses públicos a serem concretizados.

Interesses estes, que ocupam o centro dos vivos e acalorados debates sobre as melhores medidas em prol do equilíbrio étnico-racial e socioeconômico do povo brasileiro, cuja desigualdade, está anunciada no art. 3º da Constituição Federal.” (Id 1874405, p. 4)

Reputo imprescindível destacar manifestação emitida pelo Ministro Ricardo Lewandovski, ao se pronunciar sobre a constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 41, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sua Excelência dedicou-se a fazer específico apontamento sobre o sentido de tal norma e sobre a – àquela época – recém editada Resolução pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a saber (g. n.):

Por fim, registro que editei enquanto estava na Presidência do CNJ a Resolução 203/2015 para garantir a reserva de vagas aos negros no âmbito do Poder Judiciário, justamente considerando essa distorção histórica que fez com que a população negra não tivesse acesso aos cargos de magistrados, como pode ser comprovado pelos números do Primeiro Censo do Poder Judiciário, realizado pelo CNJ, que apontou apenas 1,4% dos juízes brasileiros tendo se declarados negros e 14% pardos. Esse número contradiz o censo demográfico brasileiro de 2010, feito pelo IBGE, o percentual da população brasileira que se declarou negra foi de 7,6% e parda 43,1%.”(STF – ADC: 41 DF, Relator: Min. Roberto Barroso, Data de Julgamento: 08/06/2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe – 180, divulgado em 17/08/2017)

Nesse paradigmático debate, o Ministro Celso de Mello fez ainda a seguinte ponderação, in verbis:

A discriminação racial, que traduz gesto inaceitável de perversão moral, tem encontradomecanismos destinados a combatê-la, seja medianteinstrumentos de repressão penal (CF, art. 5º, XLII, c/ca Lei nº 7.716/89), seja por meiode políticas governamentais de ações afirmativas vocacionadas a garantir à população negraa efetivação da igualdade de oportunidades ea defesa dos direitos étnicos individuais e metaindividuais (coletivos difusos), sendo certo, ainda, que o ordenamento positivo brasileiro, na linha do que estabeleceo Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), adota como diretriz político-jurídica a inclusãodas vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorizaçãoda igualdade étnica e o fortalecimentoda identidade nacional brasileira.” (grifos no original) (p. 140)

A essa reflexão, o eminente Ministro agregou fragmento de decisão proferida pela eminente Ministra Cármen Lúcia, no julgamento do RE 676.335/MG, a saber:

“‘De se enfatizar, pois, que a reserva de vagas determinada pelo inc. VIII do art. 37 da Constituição da República tem tripla função:

a) garantir ‘a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica, [verdadeira] política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988’, como destacado pelo Ministro Ayres Britto no julgamento do RMS 26.071 (DJ 1º.2.2008);

b) viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de acesso aos cargos públicos, permitindo, a um só tempo, que pessoas com necessidades especiais participem do mundo do trabalho e, de forma digna, possam manter-se e ser mantenedoras daqueles que delas dependem; e

c) possibilitar à Administração Pública preencher os cargos com pessoas qualificadas e capacitadas para o exercício das atribuições inerentes aos cargos, observando-se, por óbvio, a sua natureza e as suas finalidades.’” (grifos no original) (p. 149)

A meu sentir, e com escusas àqueles que se manifestaram de modo diverso, o sentido atribuído à Resolução CNJ n. 203/2015 – garantir a reserva de vagas no intuito de contemporizar a distorção histórica – foi absolutamente assimilado pela Administração do TJTO que, por iniciativa própria – assentada na autonomia administrativa outorgada pelo § 3º do artigo 236 da Constituição Federal de 1988 e pelo disposto no artigo 15 da Lei n. 8.935/1994 – estabeleceu, no edital de regência do concurso sob sua responsabilidade, a reserva de vagas àqueles que se autodeclararam negros ou pardos no ato da inscrição.

Por esse motivo, o ato administrativo não desafia a intervenção deste Conselho, seja ela no sentido de desconstituí-lo, seja ela no sentido de mitigá-lo.

Compreendo que a medida implementada pelo Tribunal há de ser tomada como exemplo por outros órgãos, e não como conduta administrativa exorbitante, capaz de atrair e desafiar o controle pelo CNJ.

Assim, informada pelo sentido da Lei n. 12.990/2014 e da Resolução CNJ n. 203/2015, assim como pela percepção de que o objeto em análise neste PCA difere substancialmente daquele constante do PCA n. 0005035-43.2015.2.00.0000, destacado para subsidiar o r. voto do Relator, etendo que a decisão administrativa do TJTO não merece ser reparada, devendo permanecer incólume a regra estabelecida no item 4.1 do Edital n. 003/2015.

Pelos fundamentos apresentados nas passagens precedentes, conheço do recurso administrativo interposto pelo terceiro interessado, ao qual dou parcial provimento para manter a previsão de reserva de 20% (vinte por cento) das vagas aos candidatos que se autodeclararam negros ou pardos no ato da inscrição, nos termos do item 4.1 do Edital n. 003/2015, do Concurso Público de Provas e de Títulos para a outorga de delegação de Notas e de Registro do Estado do Tocantins.

É como voto.

Brasília, 02 de abril de 2018.

Conselheira DALDICE SANTANA

Brasília, 2018-05-24.

Dados do processo:

CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0000058-71.2016.2.00.0000 – Tocantins – Rel. Cons. André Godinho – DJ 29.05.2018

Fonte: INR Publicações.

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