Registro de Imóveis e SINTER: a necessária interconexão entre registro e cadastro

Cerca de cem pessoas participaram da II Jornada Registral sobre Usucapião e Regularização Fundiária Urbana, realizada nos dias 18 e 19 de maio de 2018, em Balneário Camboriú, com apoio do Colégio Registral Imobiliário de Santa Catarina.

O diretor de Tecnologia da Informação do IRIB, Flauzilino Araújo dos Santos (1º RI, São Paulo, SP), apresentou o tema de maior impacto para a classe em todo o Brasil neste momento de implantação do registro eletrônico. De forma simples e didática esclareceu o que está por trás das siglas hoje estreitamente associadas ao futuro da atividade: SINTER (Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais), SREI (Sistema de Registro de Imóveis eletrônico) e ONR (Operador Nacional do Registro de imóveis eletrônico). Publicamos, a seguir, um extrato das principais ideias expostas na palestra.

Confira a íntegra da palestra proferida. SJ.

Registro de Imóveis e SINTER: a necessária interconexão entre registro e cadastro

O SINTER é um projeto de importante dimensão para nosso País, como instrumento de gestão e de orientação de políticas públicas e, dentro de sua especificação, as informações do Registro de Imóveis são fundamentais para a composição de sua base cadastral.

Algumas premissas dessa abordagem:

  1. A necessidade de integração entre registro e cadastro físico é um problema que precisa ser resolvido. O SINTER é o veículo para concretizar essa integração;
  2. A conexão entre o SREI e o SINTER propiciará benefícios recíprocos;
  3. Os registros de segurança jurídica não se desnaturalizam com a conjugação de informações nos cadastros físicos;
  4. É preciso extremar conceitos e finalidades próprias do registro e do cadastro, que promiscuamente rendem interpretações equívocas. Na realidade, registro e cadastro embora se completem, não se misturam; cada um deles tem sua própria órbita;
  5. Por definição legal e por força dos princípios que informam o sistema de registro de imóveis brasileiro – princípios da fé pública, da inscrição, da segurança jurídica, dentre outros – é privativo do oficial de registro de imóveis expedir certidões e informações sobre situações inerentes aos assentos registrais – titularidade de domínio e direitos conexos. O SINTER não pode usurpar essa atividade.
  6. Ao contrário do Direito Civil em que o agente pode fazer tudo o que a lei não proíbe, em Direito Administrativo, ao agente só lhe é dado fazer o que a lei o autoriza (Princípio da legalidade estrita).

O SINTER nasceu tendo por base o Decreto nº 8.764, de 10/5/2016, que instituiu o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (SINTER) e procurou regulamentar o disposto no art. 41 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que é o “registro eletrônico”.

Decreto 8.764/2016 previa em seu art. 5º, in verbis:

Art. 5º Os serviços de registros públicos disponibilizarão à administração pública federal, sem ônus, documentos natodigitais estruturados que identifiquem a situação jurídica do imóvel, do título ou do documento registrado, na forma estabelecida pelo Manual Operacional.

Essa inadequação congênita no Decreto nº 8.764/2016, que o submergia no pântano da ilegalidade, foi percuciente e sabiamente solucionada no PLV de conversão da MPV 759/2016 na Lei nº 13.465, de 2017, por proposta da Secretaria da Receita Federal, apresentada perante a Comissão Mista do Congresso Nacional que examinou referida MPV. A proposta da SRF deu origem ao parágrafo 7º, restando assim disposto:

Art. 76 da Lei nº 13.465/2017

Art. 76. O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).

7º. A administração pública federal acessará as informações do SREI por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), na forma de regulamento.

Por regras de hermenêutica e de exegese nem é necessário que se diga que o parágrafo (§ 7º) está subordinado ao caput (Art. 76), cujo efeito foi a ab-rogação das disposições do Decreto nº 8.764/2016, ditas inadequadas, relativamente:

[1º] ao armazenamento dos dados registrais de todas as matrículas de todas as unidades de Registro de Imóveis do País, o que faria exsurgir um cartório nacional com dados eletronicamente estruturados, sob a gestão da SRF; e,

[2º] a prestação de informações registrais diretamente pelo SINTER para os entes elencados no § 1º, do art. 3º, do Decreto 8.764/2016 e, também, para o Poder Judiciário e o Ministério Público (Art. 3º, § 2º).

Conclusões preliminares

  1. O deslocamento da Publicidade Registral do ambiente do Registro de Imóveis para o ambiente do SINTER configurava absoluta afronta ao sistema constitucional previsto no art. 236, regulamentado pela Lei nº 8.935/1994.

1.1. Essa ilegalidade foi prontamente corrigida na Lei nº 13.465/2017 (§ 7º do art. 76), no entanto, a alteração não foi observada pelo Comitê Temático na elaboração do Manual Operacional apresentado ao CNJ (Proc. 0005650- 96.2016.2.00.0000), porque se ateve apenas aos termos do Decreto nº 8.764, de 2016.

  1. O SREI será acessado pelo SINTER via infraestrutura do Operador Nacional do Registro de imóveis Eletrônico (ONR), a ser regulamentado e fiscalizado pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ.

Da guarda e conservação dos dados registrais

É preciso sublinhar que os dados registrais, constantes de livros, documentos, papeis, títulos, mantidos em meios tradicionais ou eletrônicos (art. 16 c.c. art. 25 da Lei 6.015/1973), devem ficar sob a guarda, conservação, custódia e responsabilidade de registradores públicos (art. 24 da Lei 6.015/1973 e inc. I do art. 30 c.c. art. 46 da Lei 8.935/1994).

Outros diplomas relacionados com o SINTER

  1. Decreto Nº 8.777, de 11/5/2016, que institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal;
  2. Decreto Nº 8.789, de 29/6/2016, que dispõe sobre o compartilhamento de bases de dados na administração pública federal;
  3. Portaria nº 457, de 8/12/2016 (DOU de 9/12/2016, p. 102), que dispõe sobre a disponibilização de acesso, para terceiros, pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), a dados e informações que hospeda, para fins de complementação de políticas públicas.

DECRETO Nº 8.777, DE 11 DE MAIO DE 2016.

Institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal.

CAPÍTULO II

DA LIVRE UTILIZAÇÃO DE BASES DE DADOS

Art. 4º Os dados disponibilizados pelo Poder Executivo federal, bem como qualquer informação de transparência ativa, são de livre utilização pelo Governo federal e pela sociedade.

Parágrafo único. Na divulgação de dados protegidos por direitos autorais pertencentes a terceiros, fica o Poder Executivo federal obrigado a indicar o seu detentor e as condições de utilização por ele autorizadas.

DECRETO Nº 8.789, DE 29 DE JUNHO DE 2016

Dispõe sobre o compartilhamento de bases de dados na administração pública federal.

Art. 3º …

2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disponibilizará, na forma por ela disciplinada, aos órgãos interessados, os seguintes dados não protegidos por sigilo fiscal conforme o disposto neste Decreto:

I – informações constantes da Declaração de Operações Imobiliárias – DOI, relativas à existência do bem imóvel, localização do ato registral, número e situação de CPF e CNPJ das partes;

O decaimento dos dados encaminhados para a SRF para a categoria de “dados cadastrais” representa um risco de vulneração da privacidade e de desnaturação do próprio sistema registral de tutela pública de interesses privados.

Os dados que originariamente ostentavam o caráter registral, mesmo quando compunham a DOI-RF, e que supúnhamos protegidos pelo manto do sigilo, agora se converteram em meros “dados cadastrais” (inc. I do § 2º do art. 3º do Dec. 8.789/2016) passíveis de utilização extra registral [1].

Podem esses dados ser vendidos?

A Portaria do Ministério da Fazenda nº 457, de 8/12/2016 (DOU de 9/12, p. 102), dispõe sobre a disponibilização de acesso, para terceiros, pelo Serviço Federal de Processamento de Dados, a dados e informações que hospeda, para fins de complementação de políticas públicas [2].

Fato digno de nota é que o SERPRO poderá ser “remunerado diretamente pelos terceiros, usuários de solução de disponibilização de dados e/ou informações, de modo a ressarcir os valores necessários à sustentabilidade dos sistemas informatizados envolvidos”:

Art. 3º. O Serpro será remunerado diretamente pelos terceiros, usuários da solução de disponibilização de dados e/ou informações, de modo a ressarcir os valores necessários à sustentabilidade dos sistemas informatizados envolvidos.

1ª Conclusão

Doutrinariamente, não se pode separar, radicalmente, desde o terreno dos princípios registrais, a publicidade material da publicidade formal. Elas são indissociáveis e interdependentes.

A inadequação do Decreto 8.764/2016, que previa o deslocamento das bases de dados dos cartórios de registros de imóveis para compor uma réplica de todos os cartórios (o cartório dos cartórios), em ambiente extrarregistral, estranho ao controle do oficial de registro, foi solucionada pela Lei nº 13.465, de 2017, ao dispor:

Art. 76. O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).

7º. A administração pública federal acessará as informações do SREI por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), na forma de regulamento.

2ª Conclusão

A formação de uma base de dados no SINTER paralela à do Cartório de Registro de Imóveis é contrária à cultura registral.

Aqui temos que fazer a distinção entre Publicidade Direta e Publicidade Indireta, observando que a publicidade direta, antes prevista no art. 19, do Decreto nº 4.857/39, não foi acolhida pela Lei nº 6.015/73 (art. 16). A Lei de Registros Públicos segue o sistema da Publicidade Indireta, via certidões e informações, que não se confunde com o acesso direto aos arquivos registrais, por qualquer meio, físico ou eletrônico (telemático).

Cabe aos registradores dar um tratamento profissional para a publicidade formal e isso exclui a apresentação para terceiros dos dados carentes de transcendência jurídica, e implica que a publicidade formal se expresse a partir de sua base única e primária com clareza e simplicidade, sem prejuízo do valor jurídico da informação, prestada na forma da lei.

3ª Conclusão

A formação de uma base de dados no SINTER paralela à do Cartório de Registro de Imóveis é contrária a todas as disposições legais regulatórias.

Os artigos 22/26 da Lei 6.015, de 1973 dizem que os oficiais são os guardiões dos livros de registro; que são responsáveis pela vigilância, custódia e guarda; que respondem pela sua ordem e por sua conservação; e que os livros, papéis, dados e imagens devem permanecer indefinidamente na serventia.

Lei 8.935, de 1994:

Art. 46. Os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação deverão permanecer sempre sob a guarda e responsabilidade do titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e conservação.

Lei 11.977, de 2009:

Art. 41. A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento.

Decompondo o articulado no Art. 41, da Lei 11.977/2009:

I – A disponibilização será feita a partir da implementação do Registro Eletrônico, e não antes. Então, a preexistência do Registro Eletrônico em funcionamento, perfeitamente estruturado, é um pré-requisito para disponibilização ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo Federal.

II – Que os registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal o acesso a informações constantes de seus bancos de dados. Disponibilizar o acesso a um banco de dados é completamente diferente de entregar uma réplica completa desse banco de dados para compor um espelho em ambiente estranho ao Registro.

III – Que essa disponibilização sem ônus será apenas para o Poder Judiciário e o Poder Executivo Federal. Evidentemente, outros usuários estarão sujeitos ao pagamento de custas e emolumentos, na forma da lei.

Por sua vez, o decreto que criou o SINTER previa (porque ab-rogado) em seu artigo 3º que outras entidades poderiam acessá-lo, inclusive, usuários que normalmente estão sujeitos ao pagamento dos emolumentos, in verbis:

Art. 3º O acesso pelos usuários às informações armazenadas no Sinter deverá ser efetuado observando o limite de suas competências, do sigilo fiscal e das demais hipóteses legais de sigilo e de restrição ao acesso a informações.

1º Serão usuários do Sinter:

I – a Secretaria da Receita Federal do Brasil;

II – os órgãos e as entidades da administração pública federal direta e indireta;

III – os serviços de registros públicos e os serviços notariais; e

IV – as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante convênio celebrado com a Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Em confronto com essa disposição dispõe o art. 41, da Lei 11.977/2009:

Art. 41.  A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento.

Aqui o legislador se referiu explicitamente ao “acesso às informações constantes de seus bancos de dados”. O pronome “seus” aponta de maneira inequívoca para a sede substantiva dos dados (publicidade material). Os dados não se deslocam; os dados permanecem “seus”, ou seja, sob a custódia, a guarda e a responsabilidade do Oficial de Registro.

É princípio basilar de hermenêutica jurídica segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda. Ou seja, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia. Não se presumem, na lei, palavras inúteis[3].

Então, só é adequada a interpretação que encontrar um significado útil e efetivo para cada expressão contida na norma. E aqui a palavra é “acesso às informações constantes de seus bancos de dados”.

Aliás, podemos ver aqui o direito do cidadão a que seus dados de caráter pessoal e patrimonial – dados que pertencem à área de sua privacidade – fiquem sob a tutela do Oficial do Registro de Imóveis, que zelará por sua ordem, integridade, incolumidade, segurança e conservação, nos termos da lei.

4ª Conclusão

O deslocamento dos dados do Registro de Imóveis para o SINTER está na contramão da tecnologia.

A tecnologia atual é o Google. Não há necessidade de formação de base de dados paralela. De conformidade com os fundamentos da comunicação eletrônica, os dados devem permanecer armazenados em sua fonte primária, onde as informações estão protegidas e são atualizadas em tempo real e, de onde são também acessadas com a devida segurança lógica.

O que é necessário, de um lado, é que haja um mecanismo de pesquisa eficaz na base de dados, com ferramentas inteligentes; e, do outro lado, que esses dados gozem de confiabilidade, integridade, alta disponibilidade e que sejam acessíveis na forma da lei.

Não se ignora que com o advento das novas tecnologias de Big Data, as organizações, e também os Oficiais de Registro de Imóveis, estão sendo desafiados a levar ainda mais em consideração o acesso aos seus dados e determinar a melhor abordagem para um desempenho ótimo.

Nesse cenário, os dados, mesmo sendo analisados pelas novas tecnologias de Big Data, ficam na origem dos dados – em suas bases primárias – e somente os resultados são trazidos como visualizações para análise futura.

Por essas razões parece lógico que o Manual Operacional do SINTER:

  1. seja retirado da pauta do plenário do CNJ e
  1. retorne para a Comissão Temática a fim de que sejam feitas as devidas adequações na forma da Lei nº 13.465, de 2017[4].

NOTAS DO EDITOR

[1] Vide JACOMINO. Sérgio. O Sinter e os irmãos siameses da gestão territorial. Decretos Federais 8.764 e 8.777 de 2016 em debate. In RDI 81, jul./dez. 2016. Acesso: http://bit.ly/sinter-rdi. Vide do mesmo autor: Meus dados registrais – meu cadastro estatal in Observatório do Registro. Acesso: http://bit.ly/sinter-obs.

[2] Não se desconhece a Portaria Interministerial 553, de 18/12/2017, que estabelece “diretrizes e políticas gerais a serem observadas na administração do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais”. Acesso: http://bit.ly/sinter-portaria. Aparentemente o enxoval normativo não tem sido suficiente para agasalhar a privacidade do cidadão e proteger os dados registrais. A Portaria 457/2016 terá sido expressamente revogada. Seja como for, prevalece sempre o decreto, como norma hierarquicamente superior. Após a realização do evento, o jornal O Globo, pelo Portal G1, publicou matéria que revela  suposto esquema de venda de dados pessoais de brasileiros pelo Serpro. Vide: http://bit.ly/serpro-globo. [mirror].

[3]  MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 8ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, p. 262.

[4] O IRIB requereu a retirada de pauta do plenário do pedido de providências em curso no CNJ suscita ainda questão de ordem para que, “observado o art. 76 da Lei 13.465/2017, seja suspensa a tramitação do presente pedido de providências até que sobrevenha a regulação do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), ou caso assim não se entenda, que sejam excluídos do Manual Operacional do Sinter os regramentos afetos aos registros de imóveis, uma vez que a lei atribui esta especialidade registral ao Sistema Eletrônico de Registro de Imóveis (SREI), que será operado pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, a ser regulamentado e fiscalizado por essa Corregedoria Nacional de Justiça”. O pleito foi atendido e a apreciação do pleito foi adiada. V. http://bit.ly/sinter-cnj.

Fonte: Observatório do Registro | 01/06/2018.

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Convenção da Apostila – Resolução 228/16 do E. Conselho Nacional de Justiça e Provimento 58/16 da E. Corregedoria Nacional de Justiça – Resposta do E. CNJ à consulta que lhe foi por nós formulada – Impossibilidade de dispensar os Tabeliães de Protesto dos atos de apostilamento – Prescindibilidade de acesso dos Registradores à CNSIP.

Número do processo: 178459

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 279

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2016/178459

(279/2017-E)

Convenção da Apostila – Resolução 228/16 do E. Conselho Nacional de Justiça e Provimento 58/16 da E. Corregedoria Nacional de Justiça – Resposta do E. CNJ à consulta que lhe foi por nós formulada – Impossibilidade de dispensar os Tabeliães de Protesto dos atos de apostilamento – Prescindibilidade de acesso dos Registradores à CNSIP.

Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de expediente acerca da Resolução 228/16 do E. Conselho Nacional de Justiça e do Provimento 58/16 da E. Corregedoria Nacional de Justiça, que regulamentam a aplicação da Convenção da Apostila no âmbito do Poder Judiciário.

Sustenta o IRTDPJ-SP que, embora as normas aludidas conduzam ao entendimento de que todos os notários e registradores estão autorizados a realizar apostilamentos, teria o CNB vedado acesso de registradores à Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), essencial para a prática dos atos.

O CNB, a seu turno, sustenta decorrer das regras mencionadas que apenas notários são providos de atribuição para apostilamentos, o que justificaria a vedação de acesso dos registradores à CENSEC.

Já o IPTB-SP manifestou desinteresse na realização de apostilamentos, requerendo dispensa de obrigatoriedade, inclusive para Serventias da Capital.

Formulou-se consulta ao E. CNJ, para esclarecimento acerca da interpretação a ser dada às questões apresentadas pelos peticionários aludidos.

Respondida a consulta, manifestaram-se os interessados.

É o breve relato.

Consoante se verifica da r. decisão de fls. 116/118, a E. Corregedoria Nacional de Justiça explicitou que todas as serventias estão aptas a realizar apostilamento.

Todavia, haverão de fazê-lo, ao menos por ora, nos limites das respectivas atribuições. Firmada tal premissa, não há razão para conceder a Registradores acesso ao CENSEC, como esclarecido pela r. decisão de fls. 124/125, prolatada em pedido de providências, instaurado, frise-se, por solicitação de Titular de RTDPJ, no Rio de Janeiro:

“Assim, não haveria razão para o deferimento do acesso irrestrito ao CENSEC a todo e qualquer titular de serventia extrajudicial.

Conforme exposto pelo Colégio Notarial, caso seja permitida a realização de apostilamento pelos registros de títulos e documentos, a autoridade apostilante estaria adstrita à análise dos atos praticados por aquelas serventias extrajudiciais, sendo prescindível o acesso ao CENSEC, destinado tão somente aos notários, nos termos do Provimento n. 18/12.

Tem-se, portanto, que não assiste razão à parte autora, de modo que não restou demonstrada a necessidade crucial de deferimento do acesso ao CENSEC.”

De outro bordo, externou a Altiva Corregedoria Nacional de Justiça que “a dispensa de cadastro de serventia situada na capital somente será possível mediante exposição de motivos que justifiquem o pedido de dispensa e se existir serventia de mesma atribuição situada naquela localidade já prestando o serviço de apostilamento. Na ausência de qualquer dos requisitos acima descritos, deverá prevalecer a regra de obrigatoriedade descrita no art. 19 da Resolução n. 228/CNJ.”

As irresignações expostas pelo IRTDPJ, a fls. 132/134, revelam discordância com as orientações traçadas pelo Colendo CNJ, a quem, pois, hão de ser dirigidas. A esta Corregedoria Geral da Justiça resta agir em consonância com o quanto determinado por aquele ínclito Órgão.

Por todo o aduzido, o parecer que, respeitosamente, submeto a V. Exa. é pela determinação de que os Tabelionatos de Protesto da Capital voltem a realizar apostilamentos, bem como para que o acesso dos Srs. Registradores à CNSIP não seja imposto, senão facultado ao Colégio Notarial do Brasil.

Sub censura.

São Paulo, 26 de julho de 2017.

Iberê de Castro Dias

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer retro, para determinar que os Tabelionatos de Protesto da Capital voltem a realizar apostilamentos, bem como para que o acesso dos Srs. Registradores à CNSIP não seja imposto, senão facultado ao Colégio Notarial do Brasil. Publique-se. São Paulo, 31 de julho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 16.08.2017

Decisão reproduzida na página 226 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

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Catanduva – imóvel rural em debate

No dia 19/5 passado, dando seguimento ao I Curso de Extensão em Direito Registral Imobiliário, realizado na cidade paulista de Catanduva, o Presidente do IRIB, Sérgio Jacomino e o registrador Giuliano Marcucci Costa, da comarca de Palestina (SP), proferiram palestras sobre os seguintes temas: evolução do direito registral brasileiro (da manuscrição ao fólio real eletrônico) e aspectos relevantes dos imóveis rurais.

O IRIB, por seu presidente e editor, realizou a entrevista que segue abaixo com o Oficial de Palestina versando sobre o tema de sua palestra.

O georreferenciamento dos imóveis rurais é uma realidade nas serventias brasileiras após o advento da Lei 10.267/2001. Pela sua sistemática inaugurou-se uma interconexão entre os registros de imóveis e o INCRA. Gostaria que o Sr. comentasse esse modelo inovador e apontasse os benefícios e os problemas enfrentados pelos cartórios na interação com a autarquia.

Com o advento da Lei 10.267/2001, ocorreram diversas alterações na Lei 6.015/73 no sentido de aproximação entre a Administração Indireta Federal (INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), no trato das políticas públicas na área de imóveis rurais (gestão fundiária), e os Registros Públicos Imobiliários do País. Exemplo dessa interação entre cadastro-registro no tocante ao denominado “georreferenciamento” proposta pela legislação é a inclusão do § 3o do art. 225 na Lei 6.015/73:

“Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

Em termos de georreferenciamento, vem a autarquia federal convergir com o Registro Público no sentido de aperfeiçoar a especialidade objetiva dos imóveis rurais. Por meio dessa geotecnologia, busca-se a precisão de coordenadas, azimutes, distâncias, medidas, com escopo final de evitar a sobreposição de áreas (polígonos). Está aí uma vantagem evidente da interação cadastro-registro para a segurança jurídica da propriedade rural, com escopo final de pacificação social.

Todavia, há na praxe uma necessidade de aprimoramento nas comunicações eletrônicas entre INCRA e Registro, evitando-se o uso de ofícios em papéis (como, para além do georreferenciamento, ocorre, apenas para citar um exemplo paulista, nas comunicações mensais de transmissões e de mudança física dos imóveis rurais do Registro ao Incra – item 139, “q”, das NSCGJSP).

Já as comunicações de averbação de georreferenciamento ao INCRA, via eletrônica, carece de boa regulamentação (que se dará no plano institucional), uma vez que revisões ou cancelamentos de certificações concedidas após a averbação no Registro de Imóveis ocorrem de ofício e, nesse caminho de interação das instituições, deve-se compreender que o Registro, dado seu caráter conceitual de operador de direito, atua, quase sempre, por provocação do interessado.

Surge, neste contexto, a discussão atual da implementação efetiva de um Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (a fim de regulamentar a Lei 11.997/09 e Lei 13.465/2017) na busca de aprimoramento da interação eficaz entre Registro e Cadastro (vide Recomendação 14/2014 do CNJ) e da regulamentação de uma plataforma para tal desiderato.

O Tribunal de Contas da União condenou a profusão de cadastros de imóveis rurais no acórdão 1.942/2015, que tratou da governança de áreas rurais. O órgão criticou a “grande quantidade de legislações sobre o tema e vasta gama de instituições governamentais dispersas sem clara delimitação de funções” (acesso aqui). Como o Sr. vê o fenômeno de superposição de cadastros com finalidades análogas? Em que medida esse fenômeno se constitui num embaraço ao ambiente de negócios, onerando os intercâmbios econômicos que têm por objeto os imóveis rurais?

Em recente relatório de auditoria exarado pelo Tribunal de Contas da União (TC 011.713/2015-1), que resultou em v. acórdão 1942/2015, visou-se o aprimoramento das ações de governança de solos não urbanos, o que redundou em recomendação ao Presidente da República, em articulação do Congresso Nacional, para que se delimite claramente as funções dos órgãos e entes responsáveis por políticas públicas de ordem fundiária, ambiental, fiscal, evitando a sobreposição de cadastros. Não há dúvida que a otimização dos cadastros se reflete na simplificação do sistema para aqueles que produzem na área rural e isto tem a ver com proteção ao ambiente e a segurança alimentar, valores de sobrevivência da humanidade. Não obstante a importância das políticas públicas acerca das áreas rurais, o afastamento de sobreposições de atribuições e a interação de competências, retira aquele que deseja investir no campo, preservar o ecossistema, de um “labirinto” da burocracia estatal. Para além disso, a otimização dos diversos cadastros (como CCIR, CAR, ITR, programas governamentais em geral) implica também a possibilidade de uma maior interação com os Registros Públicos de Imóveis que poderão acolher informações e dados de interesse da sociedade, conferindo segurança jurídica e a devida publicidade, por meio de sistema eletrônico em plataforma devidamente regulamentada. De todo modo, melhor definida a atribuição de cada órgão estatal e seus respectivos programas, fica a ideia óbvia de concentrar as informações e dados desses diversos entes na matrícula do imóvel rural afetado, sob o manto da vantajosa publicidade registral.

O Sr. considera que o modelo de controle e gestão territorial de imóveis rurais pode ser abalado pela possibilidade (ao menos teórica) de usucapião de áreas superficiais inferiores ao módulo rural? Como o Sr. vê o fenômeno de “favela rural” decorrente de programas de assentamento que se mostraram inviáveis e insustentáveis? Corremos o risco de proliferação de minifúndios rurais? Qual o impacto registral?

A gestão fundiária brasileira é política pública de patamar federal que deve proteger o bem comum em suas diferentes vertentes. Isso implica dizer que devem compreender temas como ocupação e uso adequado do solo, segurança alimentar, sustentabilidade, aspectos fiscais. O norte é certamente a proteção da dignidade da pessoa humana, como valor constitucional e universal. O controle disso é feito pela Administração Pública Federal, em autarquia como o INCRA, especificamente, a respeito das áreas não urbanas. O risco da “favelização rural” decorrente de minifúndios, assentamentos insustentáveis, declaratórias de usucapião sobre áreas inferiores ao módulo (FMP) podem sim comprometer estes valores. De todo modo, o Incra produz pesquisa de qualidade de vida nos assentamentos, por exemplo, o que deve servir de referencial para regularizações e desapropriações com essa finalidade. E qual o reflexo disso para o Registro de Imóveis? Discute-se atualmente, ante a previsão legal de usucapião extrajudicial (art. 216-A, LRP), a possibilidade de processamento e/ou registro de usucapião extrajudicial sobre área rural inferior à fração mínima de parcelamento (FMP). A exemplo do decidido no v. acórdão da lavra do C. Conselho Superior de Magistratura de São Paulo (Apelação n° 9000001-86.2014.8.26.0082 e mais especificamente Apelação Cível nº 0007676-93.2013.8.26.0664), para citar um caso paulista, os mandados de sentença de usucapião, em todos os casos, devem vir acompanhados de CCIR (Certificado de Cadastro de Imóveis Rurais) para a área usucapida. Mais que isso, ao menos para registro, tratando-se de área usucapida inferior à FMP, não se excepciona a regra, e o registro, seja por mandado ou por ata notarial, não poderá ser feito, ou seja, a matrícula não será descerrada (salvo vênia do Incra, autarquia responsável). Conclui-se, assim, que, por enquanto, esse controle é meramente formal, não impedindo à referida “favelização rural”, possível por eventual afrouxamento do controle e gestão estatal.

O Plenário do STF encerrou o julgamento das ações relativas ao novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). A averbação da reserva legal gera, ainda, certa controvérsia, especialmente no tocante a sua necessidade para fins de isenção fiscal. Como se acha o tema atualmente? Gostaria que comentasse o decidido na AC 1015407-59.2016.8.26.0037

A necessidade de averbação no Registro de Imóveis da Reserva Legal para fins de isenção do ITR foi objeto de discussão por parte do Eg. Tribunal Superior de Justiça, sendo que, conforme notícia publicada no site do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB:

“A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) referente à área de reserva legal está condicionada à sua prévia averbação na matrícula do imóvel, conforme exigido pela Lei 4.771/65. A necessidade de registro da reserva legal, agora no Cadastro Ambiental Rural, foi mantida pelo novo Código Florestal. A decisão do colegiado, que pacifica o entendimento das Turmas de direito público, foi dada por maioria de votos no julgamento de embargos interpostos pela Fischer S/A Comércio, Indústria e Agricultura contra decisão da Segunda Turma do STJ, que considerou imprescindível a averbação da reserva legal para fins de gozo da isenção fiscal prevista no artigo 10 da Lei 9.393/96” (12.09.2013), fechando, assim, questão na necessidade da averbação da Reserva Legal perante o Oficial de Registro de Imóveis competente para a isenção tributária (ITR) sobre tais áreas.

Vale destacar o caráter extrafiscal do ITR, aqui modelado a critérios ambientais. Por outro lado, parece ainda ocorrer alguma controvérsia sobre o tema da obrigatoriedade da averbação da reserva (devidamente aprovada por órgão ambiental) ante a previsão do Código Florestal da possibilidade de dispensa da averbação da reserva legal, quando indicada no CAR – Cadastro Ambiental Rural (arts. 18, 29). Em socorro a tese da indispensabilidade da averbação na matrícula do imóvel sucedeu recente decisão proferida pelo C. Conselho Superior de Magistratura de São Paulo (Ap. Cível 1015407-59.2016.8.26.0037) trouxe ao cenário do registro de imóveis a discussão sobre a obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal no competente Oficial de registro de imóveis. Por força do art. 12 da Lei 12.651, todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados determinados percentuais mínimos. A questão toda é retratar o pensamento finalístico do legislador, ou seja, devemos entender que este pretendeu aglutinar o controle da Reserva Legal apenas em âmbito cadastral, como dá força aparente o art. 18 § 4, do Código Florestal, que dispõe que o “registro” da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis; ou, de outra forma, prestigia a averbação na matrícula do imóvel, utilizando o cadastro como mero facilitador desse tráfego até o registro imobiliário? Note que o v. acórdão apontado circunscreve-se, à primeira vista, ao debate do ingresso obrigatório da compensação de reserva legal, no caso de destaque de área menor de um todo maior. Apesar do “modus” cadastral facilitador do Código Ambiental acima mencionado, do ponto de vista conceitual, difícil imaginar que o controle e gestão ambiental da Reserva Legal, possa, no final das contas, caminhar fora do sistema formal registral. Sobre isso já alertava o registrador Marcelo Augusto Santana de Melo, em obra coordenada por Sérgio Jacomino[1] que “ao proceder à divisão ou desmembramento, muito provavelmente, a reserva não será transportada para todas as matrículas, o que aumentará o percentual legal em alguns imóveis, enquanto outros não possuirão qualquer cobertura ambiental”. Logo, verifica-se que a especialização objetiva da Reserva Legal contribui diretamente para as políticas de sustentabilidade alicerçando o uso de mecanismo como a compensação ambiental e servidões ambientais (vide arts. 30, 78, II, § 5º do Código Florestal). Neste particular, ao ser disponibilizado o resultado do julgamento (pelo menos preambularmente) da ADC 42 no site do STF tal ponto não foi afetado. Finalmente, toda questão volta-se para a garantia da especialização objetiva de um instituto pátrio (a Reserva Legal) indispensável para a preservação da fauna e flora, ecossistemas, preservação da vida humana, que não pode ficar à margem da segurança jurídica e fonte de publicidade do sistema de Registro de Imóveis.

 As NSCGJSP preveem que a compensação de Reserva Legal deve ser averbada na matrícula após a homologação ou aprovação do órgão ambiental (item 125.1.3)[2]. Qual a importância da publicidade registral para controle do meio ambiente? 

No Estado de São Paulo, as normas que regulam a atividade do Registro Público Imobiliário determinam que a compensação da Reserva Legal seja objeto de averbação (item 125.1.3, Cap. XX, NSCGJSP). Julgado recente sobre o assunto, proferido pelo C. Conselho Superior de Magistratura de São Paulo (Ap. Cível 1015407-59.2016.8.26.0037) enfrentou o tema. Por força do art. 12 da Lei 12.651, todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados determinados percentuais mínimos. Nesse passo, surge a questão: qual a importância da publicidade registral para controle do meio ambiente? Ora, em um primeiro viés, a concentração de ocorrências ambientais na matrícula do imóvel (claro, crivadas pelo órgão ambiental competente) e a garantia de sua publicidade asseguram, em fólio confiável, o conhecimento de todos a respeito de tais ocorrência. A “vida” do imóvel, inclusive em seu aspecto ambiental, convergem para o Registro Público, absorvendo, com certeza jurídica, desde a existência de uma Reserva Legal, com intuito de preservação e controle estatal, até uma notícia de contaminação no solo de interesse de um possível comprador de determinado imóvel. A especialização objetiva de uma reserva legal também é assunto relevante (em que pese o intuito facilitador do CAR, na Lei 12.651/2012). Sobre isso já alertava o registrador Marcelo Augusto Santana de Melo, na referida obra coordenada por Sérgio Jacomino, que “ao proceder à divisão ou desmembramento, muito provavelmente, a reserva não será transportada para todas as matrículas, o que aumentará o percentual legal em alguns imóveis, enquanto outros não possuirão qualquer cobertura ambiental”. Bom que na “vida” dinâmica deste imóvel, que poderá ser afetado por destaque de áreas, desmembramentos, titulação originária, a segurança das porções de reserva legal florestal possa ser devidamente especializada nas novas matrículas. De todo modo, em linhas gerais, vejo como principal benefício advindo da publicidade registral em termos de controle ambiental, a ampliação desse controle por toda a sociedade com dados confiáveis e concentrados na origem jurídica do imóvel, sua matrícula.

Temos verificado que progressivamente os títulos de crédito rural (cédulas escriturais) estão sendo formalizados em meios eletrônicos (CPRs, warranties agrárias, etc.). O registro, originalmente feito nos cartórios de RI, hoje se perfazem em centrais de custódia autorizadas pelo Banco Central. Como avalia esse fenômeno de dispersão registral?

Os Registros Públicos obedecem a comandos constitucionais (art. 236 CRF) atividade delegada pelo Estado a pessoa natural aprovada em concurso público. Não é o único modelo, pois há outros repositórios registrais como as Juntas, chamadas de Registro Empresarial, por exemplo. É de se concluir, portanto, que qualquer tentativa legislativa (ou pior: normativa) de dispersar os “registros” colide com os preceitos constitucionais. Não obstante esta evidente conclusão, percebem-se alguns fenômenos de proliferação de “registros” de cédulas, como as CCBs (ver CETIP – www.cetip.com.br); mais grave, ainda, são as tentativas açodadas de “agilizar” o crédito imobiliário que implicam preocupante dispersão da atividade prevista pela constituição em moldes estritos. Nesse sentido, grandes corporações pretendem criar sistemas de “controle” de seus próprios interesses lucrativos, mas que envolvem terceiros e a sociedade como um todo. Cuida-se do valor da segurança jurídica. A meu sentir, esta questão da “agilidade do mercado” é um paradigma quebrado à medida que a tecnologia permite esta pretendida rapidez, sem que percamos de vista a ideia de que um Registro não é apenas um ente coletor de informações e armazenador de dados; há, na realidade, um patamar acima disso, que é “conhecimento”, ou seja, ao passar pelo crivo do Oficial Público, operador do direito, a certeza jurídica dos atos relacionados com o objeto do registro. Tecnologia bem empregada, quero dizer, em auxilio ao aperfeiçoamento milenar dos Registros Públicos, respeitando a essência da atividade, é muito bem-vinda. Ainda que o “mercado” clame por agilidade a tecnologia está aí, como dito, e pulverizar o registro pode ser valor até mesmo de instabilidade para este mesmo “mercado” na ausência de repositório seguro gerido por ente independente, habilitado juridicamente, que não seja um mero banco de dados. Reforço ainda: além da afronta à Constituição, o que por si só bastaria, entendo que, conceitualmente, é inaceitável a dispersão registral como fator comprometedor da segurança jurídica. Primeiro, pela própria independência do Oficial Registro Público, nos moldes constitucionais, que tutela o interesse de toda a sociedade (cidadãos, associações, empresas) e não é parte. Segundo, que o Registro Público é fonte primária de publicidade dos atos relevantes ao objeto do registro, garantindo certeza quanto ao conteúdo de seu fólio. Em um momento histórico nacional (estamos aqui em 2018), em que, em meio as disputas políticas e jurídicas se sobrelevam, a sociedade e a mídia em geral passam a pautar — como que em redescoberta — o valor da segurança jurídica, clamando por dias mais previsíveis. Nesse passo, ao Registro Público devem convergir todos os dados relevantes sobre o objeto, representado por um arquivo oficial qualificado; e sua dispersão – não importa repetir – coloca em risco a segurança jurídica tradicionalmente estabelecida, com seu repertório legal e sua publicidade confiável e concentrada[3].

O Sr. permite a especialização de posse demarcada no interior de um imóvel em compropriedade? Permite a averbação de “divisão fática”?

A divisão fática de um imóvel devidamente matriculado, por mera posse, não tem ingresso no registro imobiliário brasileiro tendo em vista que não se coaduna com a segurança jurídica norteadora dos Registros Públicos e padece de legalidade, ante a falta de previsão legal (art. 167 da Lei 6015/73 e legislações correlatas). Não que a posse não ingresse nunca no fólio real, pois o paradigma foi quebrado (legitimação de posse, por exemplo), sendo que o sistema registral hoje, ainda que excepcionalmente, abriga a posse, mas isso depende de previsão legal (princípio da taxatividade). Finalmente, aceitar tais registro estimularia o parcelamento irregular do solo, ao arrepio da lei.

Como o Sr. tem lidado com retificações de registro de imóveis rurais que confrontam com rios não-navegáveis? As autoridades estaduais devem ser intimadas? Quais as precauções? Nos casos de retificação de área em que o imóvel retificando, de fato, confronta com rios não-navegáveis, como tratar a especialização do imóvel retificando nessa linha divisória?

Há um conjunto de dispositivos legais, entre eles, destacadamente a Constituição (arts. 20, 26), mas também decretos (vide Decreto 24.643 de 10 de julho de 1934 e Decreto-Lei 9.760/46) . Para fins de retificação de área, e levando em conta o chamado Código de Águas costuma-se distinguir rio público (que são os navegáveis) dos rios privados (não navegáveis). Adotado tal sistema, tratando-se de confrontação com rio não navegável não há faixa de proteção ambiental que possa gerar polêmica quanto à propriedade desta faixa marginal. Portanto, nestes casos, dispensa-se a notificação do ente público por razões óbvias e, como cautela e imposição legal, notifica-se o proprietário do imóvel da margem oposta. Os trabalhos técnicos, que certificarão a condição do fluxo d´agua, trarão o rio como divisa e o proprietário do imóvel da margem oposta como confrontante. Claro que há possibilidades de mudanças geradas pela natureza ou intervenção humana, já que um rio pode secar ou, ainda, remotamente, pelo tempo ou intervenção, tornar-se navegável. De todo modo, a situação é mais ou menos estável e uma alteração relevante nas condições desse rio poderia ensejar nova retificação de área, o que é possível. Em outro giro, que se admita, pelo texto dos dispositivos constitucionais acima invocados, incabível a defesa jurídica de rios particulares, ou, se houver dúvida quanto à condição de navegabilidade do rio, poderá, por cautela, remeter a notificação também ao respectivo ente federado.

O Código de Minas prevê a inscrição da garantia caucionária ou a renúncia ao direito de participação do proprietário do solo nos resultados da lavra (parágrafo único do art. 12 do Dec.-Lei 227/1967. O Sr. já realizou esse ato? Comente a disposição legal em contraste com o decidido na AC 1.956-0, j. 13/6/1983, rel. des. Bruno Affonso de André.

As normas de serviços extrajudiciais paulista prescrevem que é passível de registro atos, fatos ou títulos previstos em lei ou atos cuja natureza de registro estrito senso seja definida em ato normativo (item 11, “a”, n. 42, Cap. XX[4]). Já a Lei 6.015/73, inciso I, apenas elenca os atos passíveis de registro stricto sensu. Pois bem. Quando tratamos de direitos reais (relação do art. 1.225 CC) costumamos invocar o princípio da taxatividade. Segundo a lição de Cristiano Chaves Faria e Nelson Rosenvald, o princípio da taxatividade encerra a ideia tradicional de imputação do “monopólio de edificação dos direitos reais” ao legislador. (“Direitos Reais, 7ª Ed.). Daí costumeiramente adotamos a expressão numerus clausus para dizer que o elenco legislativo é soberano em imprimir a determinado negócio jurídico a roupagem de direito real – no mais, no sentido de distingui-lo de um mero direito obrigacional. Enquanto aquele se impõe perante toda a coletividade, por meio da publicidade registral, este último ficaria adstrito às partes. Os mesmos autores reconhecem que há direitos reais fora do quadrante do art. 1.225 do CC, como ocorre com a propriedade fiduciária e com a promessa de compra e venda (vide arts. 1.361 e 1.417 CC). Se a doutrina entende como correto afirmar que os direitos reais se submetem ao princípio da taxatividade, o mesmo se pode dizer dos atos de registro estrito senso? Ora, considerando que o fólio real não abrange apenas os direitos reais do citado art. 1.225 CC, reputamos suficiente previsão na legislação (em sentido lato: lei formal ou normas administrativas). Neste ponto, para os atos de registro, passamos a entender que também podem ser relacionados atos por meio de comando normativo, o que não acontece com os direitos reais em si. Esta é uma distinção importante. Nessa esteira, lembramos que a Lei 6.015/73 não elenca o arrendamento rural como ato de registro imobiliário. Em São Paulo não há previsão normativa para o registro de contrato de arrendamento rural na matrícula do imóvel (ao contrário, há proibição[5]). Neste Estado, os contratos de arrendamento rural são de competência do Registro de Títulos e Documentos. Em Santa Catarina, há previsão expressa nas normas estaduais para averbação (não registro) de tal contrato na matrícula do imóvel (685, IX CNCGJ). Dito isso, relevante julgado foi exarado no âmbito do Conselho Superior de Magistratura do Tribunal Paulista no ano de 1983 (Ap. Civ. 1.956/-0) que traz ao debate os conceitos ora cuidados. Interessante notar que o voto vencedor restringiu os atos de registro ao universo do art. 167, I da LRP, ao negar acesso registro de arrendamento rural relacionado com exploração de recursos minerais, a teor do Dec.-Lei 277/67. Aparentemente, cuida-se de um contrato de exploração de jazida (para ser mais específico). Neste voto, remete-se o interessado ao Registro de Títulos e Documentos. E o que interessa aqui é verificar que, quase para além da taxatividade, o julgador criou uma reserva, um monopólio para o artigo 167, inciso I da LRP. Por outro lado, o voto vencido, em giro oposto, considerou que o rol do artigo tratado seria meramente exemplificativo admitiu o registro por conta da previsão contida no Código de Mineração (Dec.-Lei 227/67), em seu art. 12, I, II e § único, que permitiu caucionar ou renunciar ao direito de participação do proprietário do solo e anuncia (no § único) a possibilidade de registro destes atos no Registro de Imóveis. A nosso sentir, parece que o voto vencido, além de não considerar que os atos de registro ficassem submetidos ao rol fixo da Lei 6.015/73 ainda retirou um caráter de “tipicidade “ que, muitas vezes, sem notar, introduzimos na noção de “taxatividade”. Ou seja, os atos de registro estrito senso (assim como os direitos reais) não podem ser criados pela vontade do particular, decerto; porém, a previsão legal não precisa ter o perfil de reserva legal, expressa em mínimos detalhes. Fechando a questão, entendemos que, por todas as razões aqui apontadas, a segunda posição é a que prevalece nos dias de hoje, inclusive com a permissão (embora polêmica, admitimos) de previsão de atos de registro (estrito senso) não só por lei formal, mas por meio de norma administrativa. Esclareço que não tivemos a oportunidade de enfrentar uma situação real, conforme a descrita no art. 12 do Decreto-lei acima mencionado.

O que define o imóvel rural – a localização ou a destinação? Comente casos concretos (p. ex. chácaras de recreio, atividades tipicamente urbanas em áreas rurais, etc.).

O que interessa ao Registro Imóveis para caracterização de imóvel rural é a sua localização, ou seja, estando este fora do perímetro urbano ou de expansão urbana o imóvel é considerado rural. Logo, imóvel rural é aquele imóvel não urbano. Ao Município, por força de comando constitucional (art. 182 da CF/1988) é conferida primazia na definição da política urbana. Ou seja, é competência privativa do Município ordenar o espaço urbano, inclusive, por plano diretor. Assim, para retirar a condição de imóvel rural do sistema registral é preciso uma certidão do Poder Público Municipal atestando que aquela área passou a integrar o espaço urbano, que deverá ser acompanhada da lei municipal e cadastro respectivos (recomenda-se pedido de cancelamento do CCIR, evitando a divergência cadastral). Salvo melhor juízo, não vejo como o controle formal da propriedade possa descaracterizar um imóvel por mera destinação, sem lei municipal ou algum provimento judicial, como acontece nos casos de chácaras de recreio, por exemplo. Em reforço ao defendido, a transitoriedade do uso da terra é fator incompatível com a segurança do Registro Público. Entendemos que o Registro não é volúvel qual piuma al vento. Agora, sob outro aspecto, indícios objetivos de fracionamento irregular do solo rural, como chácaras com lotes rurais de metragens inferiores à fração mínima de parcelamento, devem ser observados pelo Oficial de Registro, bem como pelas demais autoridades locais. Para concluir, a questão de destinação de um imóvel é tema que se relaciona com o debate tributário, na busca de se evitar a bitributação (ITR/ IPTU), ou seja, impedir que um mesmo fato gerador seja tributado por diferentes entes federativos (considerando que o ITR pode, apenas pode, ser arrecadado pelo Município), na disputa entre o texto legal (CTN,§ 1º, art. 32), que considera o critério da localização, e entendimentos jurisprudenciais ( STJ: Resp 1112646), que apontam para o critério da destinação.

[1] Registro de Imóveis e Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 62.

[2] 125.1.3. Na hipótese de compensação de Reserva Legal, a notícia deverá ser averbada na matrícula de todos os imóveis envolvidos após a homologação ou aprovação do órgão ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

[3] Vide notícia recente de 9.4.2018 : https://g1.globo.com/economia/noticia/bancos-terao-que-registrar-carros-e-imoveis-dados-como-garantias.ghtml.

[4] NSCGJSP, Cap. XX, item 11: no Registro de Imóveis, “além da matrícula, serão feitos: a) o registro de (…) “outros atos, fatos ou títulos previstos em lei ou cuja natureza como ato de registro em sentido estrito seja definida em ato normativo”.

[5] NE. Vide item 78.3 do Cap. XX das NSCGJSP: “O protesto contra alienação de bens, o arrendamento e o comodato são atos insuscetíveis de registro, admitindo-se a averbação do protesto contra alienação de bens diante de determinação judicial expressa do juiz do processo, consubstanciada em Mandado dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis”. V. na jurisprudência bandeirante: Ap. Civ. 1.262-6/4, Santa Adélia, j. 16/3/2010, Dje 25/5/2010, rel. des. Munhoz Soares, com indicação de precedentes. [http://bit.ly/ac1262-6-4].

Fonte: Observatório do Registro | 30/05/2018.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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