CNB/SP: 10 confusões que podem ser evitadas dentro do vocabulário jurídico utilizado nas serventias

  1. Conciliação x Mediação (Lei 13.140/2015 e Resolução 125/2010)

A conciliação é uma forma de solução de conflitos em que as partes, por meio da ação de um terceiro, chegam a um acordo. Nesse caso, o conciliador adota uma posição mais ativa, orientando e fazendo sugestões. Já a mediação é um método de resolução de conflitos na qual uma terceira pessoa, o mediador, facilita o diálogo entre as pessoas para que elas mesmas proponham soluções.

  1. ITCMD x ITBI (Art. 155, I, CF e 156, II, CF)

Para transferência da propriedade de um imóvel é necessário o pagamento de um imposto. Se for transmitido a alguém por herança ou doação, incide o chamado ITCMD (Imposto de Transmissâo Causa Mortis e Doação) na transferência do bem para o herdeiro ou donatário. Já se for transferência por compra e venda, o imposto devido é o ITBI (imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis e Direitos a ele relativos).

  1. Mandato x Mandado

O mandato pode ser uma procuração, delegação. É a autorização que uma pessoa recebe de outra para exercer em seu nome um direito ou obrigação. A procuração é o instrumento do mandato. Já o mandado é um ato escrito, emanado de autoridade pública competente, judicial ou administrativa, determinando a prática de ato ou diligência. Trata-se de uma ordem emitida por juiz que deve ser cumprida.

  1. Ata notarial x Escritura Pública (Art. 384 da Lei 13.105/2015 e Lei 8.935/94)

As atas e as escrituras têm objetos diferentes: a ata descreve o fato no instrumento; a escritura declara os atos e negócios jurídicos, constituindo-os. Na ata notarial, o tabelião escreve os fatos ou materializa, em forma narrativa, tudo o que presencia ou presenciou, vendo ou ouvindo com seus próprios sentidos. Já na escritura pública o tabelião recebe a manifestação de vontade, qualifica essa manifestação fazendo incidir um instituto jurídico pertinente, presta assessoria, tem poder discricionário, obstando manifestações que estiverem em desacordo com o direito e, por fim, redige o instrumento jurídico adequado.

  1. Testamento x Doação 

O testamento serve para que alguém deixe por escrito que destino quer que seus bens tenham após o seu falecimento. O testador indica como quer que seu inventário seja feito. Para os que possuem herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou cônjuge), o testamento só pode versar sobre 50% do seu patrimônio, devendo o restante seguir a forma prevista em lei. Ao contrário do testamento, a doação tem por objetivo a transferência, ainda em vida, dos bens dos doadores para integrar o patrimônio dos donatários. É uma forma de resolver tudo em vida, sem se preocupar com inventário posterior dos bens doados.

  1. Usucapião Extrajudicial (Lei nº 13.105/2015) x Usucapião judicial (Código Civil Art. 1.238 a 1.244)

Usucapião é uma forma de aquisição de propriedade de bem móvel ou imóvel pelo exercício de posse mansa e pacífica, prolongada e ininterrupta por prazos especificados na legislação civil vigente. A usucapião judicial é uma ação declaratória, ou seja, ao final, se procedente, servirá para declarar o requerente como proprietário do imóvel. A ação deve ser proposta pelo possuidor do imóvel, com auxílio de um advogado, devendo individualizar a área objeto da ação. Já na usucapião extrajudicial, o pedido de usucapião de bem imóvel poderá ser realizado perante o cartório de registro de imóveis da comarca em que o bem usucapiendo estiver localizado. A sentença será registrada no registro de imóveis mediante mandado, encerrando o processo. Como não se trata de uma transmissão de bem, mas de uma aquisição originária, não se aplicam os impostos sobre transferência.

  1. Herdeiros necessários (Art. 1.845 a 1.850 do CC) x Herdeiros testamentários

Os herdeiros necessários são aqueles que têm direito a parte legítima da herança: os descendentes (filho, neto, bisneto) os ascendentes (pai, avô, bisavô) e o cônjuge. A parte legítima equivale a 50% dos bens do testador, do qual os herdeiros necessários não podem ser privados. O cálculo da parte legítima é  realizado no momento de abertura da sucessão. Este percentual é calculado sobre a herança líquida, ou seja, após a quitação das dívidas e as despesas com o funeral. Àqueles que compõem apenas a partilha testamentária, como amigos, partes específicos e instituições (por exemplo, as ONGs e as Fundações) é dado o nome de herdeiros testamentários.

  1. Casamento (Código Civil Livro IV, artigos 1.511 a 1.783) x União Estável (Lei 9.278/1996)

O casamento é um ato que exige certa formalidade, visto que para ser realizado existe todo um procedimento a ser seguido. O casal precisa passar pelo processo de habilitação junto ao cartório, em que serão analisados documentos e será dada publicidade ao ato por meio de editais. Ainda, o casal deverá apresentar duas testemunhas e o casamento deverá ser celebrado por um juiz de paz, para que passe a surtir efeitos. Diferente do casamento, que se inicia de acordo com a data da celebração contida na certidão, a união estável não necessita dessas formalidades para sua constituição. Não há necessidade do pedido de habilitação junto ao cartório, ou de apresentação de documentos, como acontece no casamento. Apesar disso, aqueles que pretendem estipular a data do início da união podem comparecer em cartório para a realização de uma escritura pública, caso seja de seu interesse. Tanto para o casamento quanto para a união estável, as opções de regimes de bens são as mesmas.

  1. Autenticar X Reconhecer

O reconhecimento de firma acontece para verificar se a assinatura do documento confere com a mesma feita pelo autor na abertura da firma, já a autenticação é feita para a verificação de que a fotocópia presente confere com a original. Logo, o reconhecimento de firma é o ato pelo qual o tabelião, que tem fé pública, atesta que a assinatura constante de um documento corresponde àquela da pessoa que a lançou. Ou seja, é uma declaração em que o tabelião confirma a autenticidade ou semelhança da assinatura de determinada pessoa em um documento. Não se refere ao teor do documento, mas tão somente à autenticidade da assinatura

  1. Natimorto (Código Civil Art. 2º) x Nascituro (Código Civil Art. 2º)

Natimorto é o feto que morre dentro do útero materno ou durante o trabalho de parto, ou seja, é quando a criança não se encontra com vida quando sai do corpo materno. Já nascituro é a palavra que indica o feto que ainda está por nascer, sendo assim, é o ser humano que foi gerado, porém que ainda está dentro do útero materno, se desenvolvendo.

Fonte: CNB/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual – Partilha desigual em razão de liberalidade do cônjuge – Título que faz presumir a existência de doação – Necessidade de comprovação da declaração e do recolhimento do Imposto de Transmissão “causa mortis” e de Doação – ITCMD, ou de demonstração de sua isenção – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1048498-06.2016.8.26.0114

Apelante: Matheus Maccari Neto

Apelado: 1° Oficial de Registro de Imóveis de Campinas

VOTO Nº 37.765

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual – Partilha desigual em razão de liberalidade do cônjuge – Título que faz presumir a existência de doação – Necessidade de comprovação da declaração e do recolhimento do Imposto de Transmissão “causa mortis” e de Doação – ITCMD, ou de demonstração de sua isenção – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do registro nas matrículas nºs 113.259, 113.260, 113.261, 113.262, 121.058 e 121.060 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, da partilha de bens realizada em ação de divórcio consensual em que, apesar da atribuição de patrimônio com valor desigual a cada um dos ex-cônjuges, não foram promovidos a declaração e o recolhimento do Imposto de Transmissão “causa mortis” e de Doação – ITCMD, ou demonstrada a sua isenção.

O apelante alegou, em suma, que em razão da compensação decorrente da atribuição aos cônjuges de bens com valores desiguais foram promovidos a declaração e o pagamento do Imposto de Transmissão “inter vivos” – ITBI. Afirmou que foi adotado o regime da comunhão parcial e que a universalidade dos bens partilhados, adquiridos durante o casamento, somente se extinguiu com a partilha que englobou o ativo e o passivo, ou seja, os bens e as dívidas comuns do casal. Esclareceu que os bens partilhados têm valor total de R$ 8.971.709,39 e que na partilha recebeu bens com valor de R$ 5.721.709,39, ao passo que os atribuídos à sua ex-esposa somam R$ 3.250.000,00. Contudo, assumiu a obrigação de pagar a totalidade das dívidas comuns, de R$ 4.236.794,80, o que caracterizou a reposição onerosa de bens em favor de sua ex-esposa, na forma de dação em pagamento, e ensejou a declaração e o pagamento do Imposto de Transmissão “inter vivos” – ITBI. Aduziu que a inexistência de transmissão gratuita afasta a incidência do imposto sobre doação e, portanto, a declaração e o recolhimento do ITCMD. Requereu o provimento do recurso para que seja promovido o registro da partilha (fls. 209/222).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 252/254).

É o relatório.

Foi apresentada para registro a carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual, Processo nº 0004611-71.2013.8.08.0024 da 3ª Vara da Família da Comarca de Vitória, Espírito Santo (fls. 20 e seguintes), em que foram partilhados os bens móveis e imóveis relacionados às fls. 24/28.

O quadro demonstrativo apresentado às fls. 8 e 157/158 mostra que os bens partilhados somam R$ 8.971.709,39, sendo que os atribuídos ao apelante têm valor de R$ 5.721.709,39 e os pertencentes à sua ex-esposa totalizam R$ 3.250.000,00.

Por sua vez, o apelante assumiu a obrigação de pagar a totalidade dos débitos comuns do casal, de R$ 4.236.794,80 (fls. 08, 28/29 e 159).

Ocorre que na partilha não foi prevista a reposição em favor da ex-esposa da diferença entre valor total dos bens partilhados e o daqueles que lhe foram atribuídos (fls. 21/30 e 122/123), o que faz presumir a existência de doação.

As obrigações comuns, por seu lado, não alteram a base de cálculo do Imposto de Transmissão “causa mortis” e de Doação – ITCMD, porque o art. 12 da Lei nº 10.705/2000 dispõe que em seu cálculo não serão abatidas as dívidas que onerem os bens transmitidos:

Artigo 12 – No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio“.

Ademais, neste caso concreto a obrigação de comprovar a declaração e o recolhimento do ITCMD não se modificaria pela existência de dívidas comuns que foram integralmente assumidas pelo apelante, pois se forem abatidas haverá inversão do resultado patrimonial da partilha, com atribuição de bens de maior valor à ex-esposa e a consequente permanência da obrigação de declarar e recolher o Imposto de Transmissão “causa mortis” e de Doação – ITCMD pela inexistência de reposição do patrimônio do outro cônjuge.

Por seu lado, o fato do apelante assumir integralmente as dívidas do casal, sem integral abatimento nos valores dos bens atribuídos à ex-esposa, não caracteriza reposição onerosa do patrimônio e, portanto, não afasta a incidência do ITCMD.

Assim porque a reposição do patrimônio, para efeito de apuração do imposto devido, ocorre mediante negócio jurídico bilateral, oneroso e comutativo.

Contudo, na forma como realizada, a partilha faz presumir a existência de doação porque não há previsão de que o patrimônio do outro cônjuge, correspondente à diferença entre a metade dos bens comuns do casal e o valor que efetivamente recebeu, será recomposto mediante pagamento em dinheiro, ou por outro modo equivalente.

Disso decorre a presunção da existência de negócio jurídico de doação que, conforme o art. 538 do Código Civil:

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra“.

A partilha realizada também não importou em dação em pagamento que consiste em acordo pelo qual o credor, para a extinção da obrigação, concorda em receber prestação diversa da que lhe é devida, ou como disposto no art. 356 do Código Civil:

Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida“.

Por essas razões, mostra-se correta a exigência de comprovação da declaração e pagamento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação – ITCMD, ou do reconhecimento de sua isenção, como requisito para o registro da partilha.

Ante o exposto, mantenho a recusa do registro e, em consequência, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 22.07.2019

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Desapropriação parcial – Georreferenciamento – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Cabimento do registro no CAR – Recurso não provido, com observação.

Apelação Cível nº 1000054-68.2018.8.26.0114

Apelante: Concessionária Rota das Bandeiras S/A

Apelado: 1° Oficial de Registro de Imóveis de Campinas

VOTO Nº 37.763

Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Desapropriação parcial – Georreferenciamento – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Cabimento do registro no CAR – Recurso não provido, com observação.

Trata-se de recurso de apelação interposto pela CONCESSIONÁRIA ROTA DAS BANDEIRAS S.A. contra a r. sentença de fls. 72/74, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. 1º Oficial de Registros de Imóveis da Comarca de Campinas, mantendo a recusa do ingresso de carta de adjudicação, em razão da ausência de georreferenciamento, cadastro de imóvel rural (CCIR) e cadastro ambiental rural (CAR).

Sustenta a apelante cuidar-se de desapropriação de imóvel para fins de trecho de rodovia, não cabendo a imposição das exigências e sim o registro da carta de adjudicação.

Afirma que apresentou o CCIR do último exercício quitado. Ademais, a desapropriação seria forma originária de aquisição de propriedade, não tratando a hipótese de parcelamento de imóvel rural.

Verbera que o imóvel desapropriado é parte de rodovia, não se tratando de imóvel rural, estando suspensa a obrigatoriedade de apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), sendo dispensada a prova de ITR.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 183/186).

É o relatório.

Presentes os pressupostos legais e administrativos, conheço do apelo.

No mérito, contudo, ele deve ser desprovido.

A natureza judicial do título apresentado não impede sua qualificação registral quanto aos aspectos extrínsecos ou aqueles que não foram objeto de exame pela Autoridade Jurisdicional.

O item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça é expresso acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis a tanto, como se constata de sua redação:

119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

Essa questão é pacífica nos precedentes administrativos deste órgão colegiado, entre muitos, confira-se trecho do voto do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na Apelação n. 0001561-55.2015.8.26.0383, j. 20/7/2017:

A origem judicial do título não afasta a necessidade de sua qualificação registral, com intuito de se obstar qualquer violação ao princípio da continuidade (Lei 6.015/73, art. 195). Nesse sentido, douto parecer da lavra do então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra, lançado nos autos do processo n.º 2009/85.842, que, fazendo referência a importante precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 31.881-0/1), aduz o que segue: “De início, cumpre anotar, a propósito da matéria, que tanto esta Corregedoria Geral da Justiça quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura têm entendido imprescindível a observância dos princípios e regras de direito registral para o ingresso no fólio real seja pela via de registro, seja pela via de averbação de penhoras, arrestos e seqüestros de bens imóveis, mesmo considerando a origem judicial de referidos atos, tendo em conta a orientação tranqüila nesta esfera administrativa segundo a qual a natureza judicial do título levado a registro ou a averbação não o exime da atividade de qualificação registral realizada pelo oficial registrador, sob o estrito ângulo da regularidade formal (Ap. Cív. n. 31.881-0/1)”.

A aquisição da propriedade imóvel por meio de desapropriação encerra forma originária de aquisição da propriedade.

Nesse sentido, o voto do Desembargador José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça no momento do julgamento da Apelação n. 0001026-61.2011.8.26.0062, em 17/1/2013:

A desapropriação, amigável ou judicial, concluída extrajudicialmente, na via administrativa, ou por meio de processo litigioso, com a intervenção do Poder Judiciário, revela-se, sempre, um modo originário de aquisição da propriedade: inexiste um nexo causal entre o passado, o estado jurídico anterior, e a situação atual. A propriedade adquirida, com o aperfeiçoamento da desapropriação, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, tanto que não poderá ser reivindicada por terceiros e pelo expropriado (artigo 35 do Decretolei n.° 3.365/1941), salvo no caso de retrocessão.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também tem essa compreensão:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. DESAPROPRIAÇÃO. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DE PROPRIEDADE. EXIGIBILIDADE DE TRIBUTOS ANTERIORES AO ATO DESAPROPRIATÓRIO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE EXPROPRIANTE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. No caso em tela o recorrente exige do ente expropriante, em execução fiscal, os tributos (IPTU e Taxa de Limpeza Pública de Coleta de Resíduos Sólidos) incidentes sobre o imóvel desapropriado, derivados de fatos geradores ocorridos anteriormente ao ato expropriatório. 2. Considerando o período de ocorrência do fato gerador de tais tributos, e, levando-se em consideração que a desapropriação é ato de aquisição originária de propriedade, não há a transferência de responsabilidade tributária prevista no artigo 130 do CTN ao ente expropriante. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1668058/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 8/6/2017, DJe 14/6/2017).

Entretanto, a natureza originária da aquisição pela desapropriação não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada foi destacada de imóvel matriculado de área maior.

Da mesma forma, tal desapropriação não desnatura a área como imóvel rural, impondo-se a observância de todos os ditames legais e normativos.

O art. 176, § 3º, da Lei n. 6.015/73 dispõe:

§ 3° Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1° será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

Na mesma linha, o art. 225, § 3º, da Lei n. 6.015/73, prescreve:

§ 3° Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

A interpretação teleológica das referidas disposições normativas permite a compreensão de sua incidência no caso da desapropriação de parcela de imóvel rural, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

O Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) documento emitido pelo INCRA nas hipóteses de desmembramento, arrendamento, hipoteca, venda ou promessa de venda de imóveis rurais, deve ser exigido com fundamento no art. 22 da Lei n. 4.947/1966 e, especialmente, por força do estabelecido no art. 9º do Decreto n. 4.449/2002.

Nessa linha, há precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura, como se observa de extrato do voto do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na Apelação n. 1002005-13.2016.8.26.0100, j. 25/11/2016:

Também tem razão o Oficial em relação à exigência de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA. Conforme precedentes recentes citados pelo Oficial, este Conselho tem posição firme no sentido de que a exigência formulada encontra respaldo nos artigos 176, §§ 3º e 5º, e 225, § 3º, ambos da Lei nº 6.015/73; artigo 9º, § 1º, do Decreto nº 4.449/02; e artigo 2º do Decreto nº 5.570/05. A propósito: “REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – CARTA DE SENTENÇA EXTRAÍDA DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA RURAL – NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DO INCRA DE QUE A POLIGONAL OBJETO DO MEMORIAL DESCRITIVO NÃO SE SOBREPÕE A NENHUMA OUTRA CONSTANTE DE SEU CADASTRO GEORREFERENCIADO E QUE O MEMORIAL ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS TÉCNICAS – EXIGÊNCIA CORRETA APRESENTADA PELO OFICIAL, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO” (Apelação nº 0001532-10.2014.8.26.0037, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 16/10/2014). A Medida Provisória n. 700/2015, mencionada pela apelante, sequer havia sido editada quando da apresentação do título. Ele foi apresentado em 17 de setembro de 2015, ao passo que a medida provisória é de 08 de dezembro de 2015 (ressalte-se, aliás, que essa medida provisória nem mesmo foi reeditada; já foi revogada). Vigorando, entre nós, o princípio do tempus regit actum, descabe analisar o argumento.

A localização do imóvel é em área rural, pois compreendia imóvel dessa natureza; tampouco há indicação de situar-se em área urbana, assim definida pelo município.

Embora afirme a recorrente que a desapropriação transforma a área em bem de uso comum do povo, o fato de se cuidar de rodovia que cruza área rural não a transforma em área urbana. Além disso, no precedente acima referido (na Apelação n. 1002005-13.2016.8.26.0100) constou no voto convergente do Desembargador Ricardo Dip, então Presidente da Seção de Direito Público:

As exigências concernentes ao cadastro do imóvel desapropriado junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (“CCIR”) e a seu georreferenciamento são de todo pertinentes, porque a especialidade objetiva do imóvel tem apurarse, segundo preceitua o direito posto (vide art. 176, § 1º, II, 1, a, e §§ 3º-5º, e art. 225, § 3º, da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e art. 22 da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966), ainda que, como sucede in casu, haja aquisição originária: afinal, da circunstância de que, na desapropriação judicial, não se leve em conta a existência de direito anterior, não se extrai que o objeto do direito deva isentar-se de individuação secundum legem. Não é possível, na amplitude campal da realidade das coisas, admitir um direito sobre coisa indiferenciada, porque seria o mesmo que admitir um direito sem objeto. (g.n).

Portanto, compete definir a exata localização do imóvel conforme as coordenadas de seus vértices, consoante previsto na Lei de Registros Públicos.

Desse modo, é necessário o georreferenciamento para o ingresso do título judicial atinente à desapropriação parcial de imóvel para implantação de rodovia, bem como a apresentação do CCIR, conforme os precedentes deste Conselho Superior da Magistratura.

E tal obrigatoriedade se impõe ainda que não se esteja falando em transmissão de propriedade, mas sim em forma de extinção da propriedade do anterior titular (art. 1.275, inciso V, do Código Civil), independentemente de haver ou não interesse da Administração Pública ou de suas concessionárias.

O espaço físico objeto do registro é parte de rodovia, portanto é área de utilidade pública, nos termos do art. 3º, inciso VIII, alínea “b”, da Lei n. 12.651/12.

Nesses termos, o art. 12, § 8º, da Lei n. 12.651/12, prescreve:

Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:

(…) § 8° Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias.

De outra parte, o art. 29, caput, da Lei n. 12.651/12 estabelece:

Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Diante disso, em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural, no que pese a não exigência da Reserva Legal, pois, o CAR tem por finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

O momento para exame da exigência do CAR é quando da apresentação do título ao registro imobiliário, e não o momento da aquisição da propriedade pela desapropriação, por força do art. 1.246 do Código Civil.

Não obstante a não exigência da reserva legal, em conformidade ao decidido por este C. Conselho Superior da Magistratura, com sua composição atual, na Apelação n. 0002716-31.2016.8.26.0457, j. 10/4/2018, faço a observação da dispensa do Termo de Reserva Legal, em razão da decisão liminar na ADI n. 2100850-72.2016.8.26.0000, que suspendeu a vigência e eficácia da Lei Estadual n. 15.684, de 14/1/2015.

A exigência do georreferenciamento, assim, é de ser mantida com base na compreensão da ocorrência de desmembramento nos termos do art. 176, § 3º, da Lei n° 6.015/73 e não em razão do disposto no art. 29, § 3º, do Código Florestal.

A desapropriação implicou no destaque de parcela de imóvel registrado em área maior, daí a necessidade do cumprimento das exigências mantidas.

O fato da aquisição em decorrência de instituto de direito público não afasta a incidência da Lei de Registros Públicos que também alberga essa situação jurídica.

Em razão da extinção da propriedade pela desapropriação, bem como o destaque de área menor, faço observação da necessidade do georreferenciamento apenas da área desapropriada, sem necessidade de sua efetivação para fins de apuração do remanescente da matrícula da qual será destacada.

Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 26.07.2019

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