CSM/SP: Registro de Imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida julgada procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que não pode ser imposta à concessionária de serviço público – Emolumentos que devem ser fixados segundo a avaliação estabelecida na ação judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Exigências afastadas com base em precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área do imóvel atingido, em razão da ausência de planta e memorial descritivo com pontos de amarração – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso de apelação.

Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1006984-12.2018.8.26.0047

Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047

Registro: 2020.0000413360

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para afastar os óbices apresentados pelo Sr. Oficial Registrador e julgar improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047

Apelante: TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis

VOTO Nº 31.098

Registro de Imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida julgada procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que não pode ser imposta à concessionária de serviço público – Emolumentos que devem ser fixados segundo a avaliação estabelecida na ação judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Exigências afastadas com base em precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área do imóvel atingido, em razão da ausência de planta e memorial descritivo com pontos de amarração – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso de apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Triângulo Mineiro Transmissora S.A. em face da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de servidão administrativa junto à matrícula nº 1.963 daquela serventia extrajudicial (fl. 89/92), confirmando os óbices apresentados na nota devolutiva emitida pelo registrador (fl. 12/13).

Afirma a apelante, em síntese, que a servidão administrativa está perfeitamente descrita no memorial descritivo e planta do imóvel apresentados em conformidade com a prova pericial elaborada nos autos do Processo nº 1007599-41.2014.8.26.0047, da 3ª Vara Cível da Comarca de Assis/SP, o que afasta qualquer dúvida de que esteja inserida nos limites da propriedade rural denominada Fazenda Bom Retiro, objeto da matrícula nº 1.963. Aduz, assim, que a obrigação de providenciar o georreferenciamento do imóvel serviente é do proprietário da área, sobretudo porque a servidão administrativa já está devidamente georreferenciada. Ainda, sustenta não estar obrigada à inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR, bem como que as custas e os emolumentos deve ser calculados com base no valor econômico apurado na ação judicial que instituiu a servidão administrativa (fl. 115/132).

O Sr. Oficial de Registro manifestou-se nos autos, insistindo na manutenção da r. decisão recorrida (fl. 177/182).

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer (fl. 207/212).

É o relatório.

2. A apelante, concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica, por sentença proferida em ação judicial teve instituída, em seu favor, servidão administrativa sobre uma faixa de terras, declarada de utilidade pública, inserida em imóvel rural objeto da matrícula nº 1.963 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis/SP.

Contudo, o mandado judicial expedido nos autos da ação de instituição de servidão administrativa (Processo nº 1007599-41.2014.8.26.0047, da 3ª Vara Cível da Comarca de Assis/SP), apresentado a registro pela apelante, foi negativamente qualificado pelo Sr. Oficial Registrador, que apresentou as seguintes exigências: i) apresentar a planta e memorial descritivo do imóvel serviente, com a localização da respectiva servidão, a fim de que seja preservado o princípio da especialidade objetiva, e juntar a Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, devidamente quitada, emitida pelo profissional responsável pelo levantamento; ii) apresentar comprovação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR do imóvel objeto da matrícula nº 1.963; iii) juntar a última declaração do ITR, bem como a certidão negativa de débitos do ITR, para fins de cálculo das custas e emolumentos devidos para a prática do ato registrário.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça1, vigente à época da qualificação (atual item 117). Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial2.

No que diz respeito à necessidade de prévia inscrição do imóvel serviente junto ao Cadastro Ambiental Rural – CAR e de apresentação da documentação relativa ao ITR, importa anotar que este C. Conselho Superior da Magistratura, apreciando hipótese bastante semelhante àquela versada nos presentes autos, entendeu, recentemente, que as exigências formuladas pelo registrador não merecem subsistir. A propósito, assim ficou decidido:

“Registro de Imóveis – Servidão administrativa instituída por decisão judicial – I – Exigência de prévia averbação da inscrição do imóvel serviente no Cadastro Ambiental Rural – CAR que não deve subsistir. ‘Servidão administrativa’ não se confunde com ‘servidão de passagem’ para os fins do item 125.2 das NSCGJ – Informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012, e não da empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, até mesmo porque têm o condão de criar restrições de uso para os primeiros (delimitação dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, nos moldes do art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012) – Elaboração do CAR pela empresa concessionária que acarretaria, ainda, ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa – II – Emolumentos que devem ser fixados em consideração à avaliação estabelecida na demanda judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Recurso provido, para afastar a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP” (TJSP; Apelação Cível nº 1002363-69.2018.8.26.0047; Relator (a): Pereira Calças (Presidente Tribunal de Justiça); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Assis – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2019; Data de Registro: 21/05/2019).

Para efetiva compreensão das razões que levaram ao afastamento dos referidos óbices pelo C. Conselho Superior da Magistratura, vale a transcrição de parte do voto vencedor proferido nos autos da Apelação nº 1002363-69.2018.8.26.0047:

“O Cadastro Ambiental Rural, criado pela Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), consiste em registro público eletrônico integrante do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, contemplando, nos termos do art. 5º do Decreto nº 7.830/2012, ‘os dados do proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural, a respectiva planta georreferenciada do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública, com a informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e da localização das Reservas Legais.’ Cuidando-se de pequena propriedade familiar, a planta georreferenciada pode ser substituída por croqui que indique o perímetro do imóvel, as Áreas de Preservação Permanente e os remanescentes que formam a Reserva Legal, consoante art. 8º, caput, do mesmo Decreto.

As informações acima listadas, ante a sua complexidade e significativa extensão, devem ser fornecidas pelo proprietário ou possuidor do imóvel, conforme determina o art. 29, §1º, da Lei nº 12.651/2012 (‘A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural: I identificação do proprietário ou possuidor rural; II comprovação da propriedade ou posse; III identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal’).

Outrossim, dispõe o art. 5º, §4º, do Decreto nº 7.830/2012, que ‘a atualização ou alteração dos dados inseridos no CAR só poderão ser efetuadas pelo proprietário ou possuidor rural ou representante legalmente constituído.’

É certo que, uma vez efetivada a inscrição no CAR, a averbação do respectivo número junto ao Cartório de Registro de Imóveis pode ser feita por iniciativa de ‘qualquer pessoa’, como prevê o item 125.3 do capítulo XX das NSCGJ.

Contudo, nos casos em que o proprietário ou possuidor deixou de realizar o cadastro ambiental (hipótese sub examine), não se pode exigir que o titular de servidão administrativa promova, por si mesmo, a regularização do imóvel perante o SINIMA, para só então solicitar a averbação do respectivo número ao CRI e obter, finalmente, o registro do direito de servidão.

Primeiro, porque, como visto, as informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012. Até mesmo porque a inscrição no CAR, por demandar a ‘localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal’ (art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012), tem o condão de criar restrições de uso (obrigações de não fazer) para o proprietário ou possuidor. Não parece adequado, nesse contexto, que o titular de servidão administrativa, a qual atinge apenas uma fração do imóvel serviente (diminuta, no mais das vezes), possa estabelecer os limites de uso e fruição de todo o imóvel, afetando direitos alheios (do proprietário e do possuidor). Segundo, porque a elaboração do CAR pela empresa concessionária acarretaria ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa, podendo prejudicar, em última análise, o atendimento dos interesses da coletividade.

(…)

Possível imaginar, ainda, os efeitos negativos potencializados em escala nacional, caso exigidas tais providências das concessionárias de energia elétrica, para todas as propriedades sem CAR pelas quais passem as redes de transmissão.

(…)

É preciso salientar, no entanto, que a Lei nº 12.651/2012 dispensa a criação de Reserva Legal sobre ‘áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica’ (art. 12, §7º). Logo, nesse cenário, a delimitação da Reserva Legal continua a cargo do proprietário, que deve excluir do cálculo da Reserva o trecho abrangido pela utilidade pública (art. 23, inciso I, da Instrução Normativa MMA nº 02/2014).

(…)

Sustenta o Sr. Oficial que a exibição da declaração de ITR se prestaria à verificação do ‘maior valor’ entre aqueles arrolados nos incisos I a III do art. 7º (preço do imóvel, valor lançado para fins de ITR ou base de cálculo do ITBI), conforme dispõe o caput do mesmo dispositivo. Todavia, o caso em análise subsume-se ao parágrafo único do art. 7º, que vincula a base de cálculo dos emolumentos ao valor atribuído à coisa em sede de ação judicial ou procedimento fiscal (exceção à regra do caput). Assim, a quantia indenizatória fixada em favor do proprietário do imóvel (art. 40 do Decreto-Lei nº 3.365/1941) dá a justa dimensão patrimonial da servidão, devendo ser utilizada como parâmetro na apuração das despesas registrais”.

No mais, em que pese a realização de prova técnica no bojo da ação judicial em que instituída a servidão administrativa em favor da apelante, com a indicação das coordenadas geográficas e geodésicas da área (fl. 26), não foram apresentados, nestes autos, planta ou memorial descritivo com pontos de amarração que permitam identificar em que parte da matrícula nº 1.963 se encontra a área sujeita à servidão.

São diversos os precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura no sentido de que o registro da servidão administrativa se submete a todos os princípios informadores dos registros públicos[3]. A propósito, já ficou decidido que:

“Registro de Imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Servidão administrativa – Princípio da especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área de cada um dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente nas respectivas matrículas – Dúvida julgada procedente – Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1005785-19.2017.8.26.0037; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Araraquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/12/2018; Data de Registro: 19/12/2018).

No referido voto, ficou expressamente consignado que:

“A servidão administrativa proporciona utilidade para o prédio dominante e grava o prédio serviente, que pertence a proprietário diverso, com força de limitação administrativa. Uma vez registrada, grava o direito real em favor de seu titular, no caso, a Administração Pública ou suas concessionárias.

Ora, não se pode admitir a constituição de um direito real sem a necessária certeza sobre a amarração da área objeto da servidão à base territorial sobre a qual está sendo implantada.

É verdade que as servidões administrativas não possuem natureza similar à da desapropriação, como modo de aquisição de domínio; entretanto, de outro enfoque, traduzem gravame e limitam o exercício da propriedade, com natureza pública, instituído sobre imóvel alheio.

Não se pode falar em mitigação da especialidade objetiva para atos de registro constitutivo de um novo direito real, sob pena de ofensa a todos os princípios de segurança jurídica e publicidade afetos ao serviço de registro imobiliário.”

Assim sendo, correta a exigência formulada pelo registrador, quanto à necessidade de apresentação de planta e memorial descritivo do imóvel objeto do imóvel serviente, com a localização da respectiva servidão, a fim de que seja preservado o princípio da especialidade objetiva.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[2] Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223. (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: IDJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de bens imóveis de valores venais distintos, sem torna – Acréscimo patrimonial de forma não onerosa a caracterizar doação – Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis – ITCMD – Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias – Óbice mantido – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1007778-97.2020.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1007778-97.2020.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1007778-97.2020.8.26.0100

Registro: 2020.0000413387

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007778-97.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FRANCISCO CARLOS FAGIONATO, é apelado OFICIAL DO 4º REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1007778-97.2020.8.26.0100

Apelante: Francisco Carlos Fagionato

Apelado: Oficial do 4º Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.172

Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de bens imóveis de valores venais distintos, sem torna – Acréscimo patrimonial de forma não onerosa a caracterizar doação – Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis – ITCMD – Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias – Óbice mantido – Recurso desprovido.

1. Trata-se de apelação interposta por FRANCISCO CARLOS FAGIONATO em face da r. sentença de fl. 56/59, que manteve a recusa levantada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, negando registro de escritura pública em razão da não apresentação de prova de quitação do ITCMD.

Da nota devolutiva de fl. 07 constou o seguinte óbice:

“Tendo em vista que os imóveis da permuta possuem valores dispares, ou seja, não são equivalentes, apresentar guia devidamente recolhida do ITCMD sobre a diferença do valor existente entre eles, nos termos do Art. 1º, II, Art. 6º, II, a e Arts. 13 e 16, todos do Decreto Estadual n.º 46.655, de 01 de abril de 2002.

Neste sentido: processos nºs 1095880-08.2014.8.26.0100, 1003262-68.2019.8.26.0100 e 1047284-17.2019.8.26.0100, todos da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital e Corregedor Permanente desta Serventia”.

Em suas razões, o recorrente afirma que a negativa não se aplica, já que a escritura pública envolveu permuta simples de imóveis sem torna, com valor atribuído aos imóveis pelos proprietários, prerrogativa que lhes é exclusiva, visto que os valores são subjetivos e de livre escolha das partes. Não se pode, ademais, atribuir ao negócio jurídico a chamada renúncia, que não é presumida. E, mesmo eventual renúncia expressa não constituiria fato gerador de ITCMD. Ao final, pugnou pelo provimento da apelação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 89/92).

É o relatório.

2. O recurso não merece provimento.

Versa a questão sobre a possibilidade de se efetuar o registro de escritura pública de permuta de bens imóveis com valores venais diversos e sem torna, sem que haja prova de recolhimento do ITCMD.

Consoante escritura pública de fl. 08/14, FRANCISCO CARLOS FAGIONATO e sua mulher MARINA BORGES FAGIONATO e GUILHERME BORGES FAGIONATO e ROSANA ALVES BEZERRA permutaram dois imóveis a eles pertencentes matriculados sob os nºs 184.567 e 184.584 no 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP, possuindo cada um deles valor venal de R$105.744,42 e valor atribuído para efeito da permuta de R$163.965,00, com os imóveis matriculados no 4º Registro de Imóveis da Capital-SP sob os nºs 85.501 e 85.502, com valor venal de referência de R$362.399,00 e R$131.921,00, e valor atribuído para efeito da permuta de R$281.364,00 e R$46.566,00, respectivamente.

O valor dos imóveis permutados atribuído pelos permutantes foi de R$ 327.930,00, não havendo torna ou reposição.

Não se ignora que, se tratando de ITCMD, este Conselho Superior da Magistratura tem seguido a linha de que, em regra, não cabe ao Oficial Registrador aferir a regularidade do valor apurado a título do referido imposto:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA  FORMAL DE PARTILHA – Registro negado, ao argumento de recolhimento a menor de ITCMD – Impossibilidade Não pode o Sr. Oficial obstar registro por entender que o valor recolhido a título de tributo é inferior ao devido  Dúvida improcedente – Recurso provido.” (Apelação n.º 1066691-48.2015.8.26.0100, Rel. Des. PEREIRA CALÇAS).

Contudo, a hipótese não envolve a regular apuração de valor recolhido, mas sim de efetivo não recolhimento.

Com efeito, o Art. 289 da Lei n° 6.015/73 é expresso ao indicar que é dever do registrador fiscalizar o pagamento dos tributos incidentes:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

A omissão do titular da delegação pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos termos do Art. 134, VI, do Código Tributário Nacional-CTN, não se olvidando, também, de seu dever de analisar a natureza dos negócios apresentados a registro, evitando-se simulações ou até omissões culposas que tragam prejuízos ao Fisco.

No caso, o negócio jurídico entabulado, permuta de bens imóveis de valores venais distintos sem haver torna ou reposição em dinheiro, gera acréscimo patrimonial de forma não onerosa àquele que recebe o bem de maior valor, a caracterizar doação, nos termos da legislação civil vigente.

“Art.538, CC: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito:

DECADÊNCIA ITCMD  Não ocorrência – Inteligência do art. 173, inc. I do CTN  Créditos tributários constituídos antes de decorrido o prazo decadencial – Preliminar prejudicial de mérito afastada  APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – ITCMD – Alegação de que se firmou contrato de permuta sem torna a título oneroso, de forma a não incidir o imposto estadual Inadmissibilidade  Autuação baseada nas informações prestadas na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física onde foram informadas as transferências de valores a título de doação – Admissibilidade  Doação, todavia, que ocorreu em valor menor ao apurado pela fiscalização – Doação relativa a diferença de valores (venais) entre os imóveis permutados  ITCMD que deve recair sobre esta diferença – Minoração do valor autuado que se impõe  Multa confiscatória – Não observada  Conversão do depósito em renda em favor da Fazenda – Possibilidade após o trânsito em julgado R. sentença parcialmente reformada  Recursos da autora e da ré parcialmente providos. (Apelação Cível: 1003390-40.2016.8.26.0053, SILVIA MEIRELLES RELATORA).

Nestes termos, assiste razão ao I. Registrador ao exigir a apresentação de guia recolhida do ITCMD sobre a diferença do valor existente entre os imóveis, à luz do que dispõem os Arts. 1º, II, 6º, II, a, e 13 e 16, todos do Decreto Estadual nº 46.655/2002:

“Artigo 1.º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

II – por doação.

Artigo 6.º – Fica isenta do imposto

II – a transmissão por doação:

cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs;

Artigo 13 – O valor da base de cálculo é considerado na data da abertura da sucessão, do contrato de doação ou da avaliação, devendo ser atualizado monetariamente, a partir do dia seguinte, segundo a variação da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – UFESP, até a data prevista na legislação tributária para o recolhimento do imposto.

Artigo 16 – O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.705/00, art.13):

 em se tratando de:

a) urbano, não inferior ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.

Neste cenário, não colhe o argumento do recorrente no sentido de ser prerrogativa dos proprietários a atribuição de valores aos imóveis objeto da permuta.

E, como bem ressaltado na r. sentença recorrida, não se está a exigir que toda permuta entre bens imóveis seja feita entre bens de idêntico valor. Não se caracteriza doação tributável, por exemplo, quando a diferença for irrisória, ou seja, inferior ao limite de isenção previsto em lei estadual.

No presente caso, contudo, a cessão patrimonial é relevante, presumindo-se a doação, in casu no valor de de R$282.831,16.

Por epítome, se conclui que, de fato, incabível o registro buscado, com a manutenção do óbice suscitado pelo Sr. Oficial Registrador.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Usucapião Extrajudicial – Requerente que obteve a posse inicial do bem por força de usufruto registrado na matrícula imobiliária – Casamento futuro previsto como condição resolutiva do direito real limitado – Pretensão de reconhecimento pelo Oficial da modificação da natureza da posse exercida por força da constituição de união estável, dando-lhe eficácia idêntica ao casamento previsto como condição resolutiva – Impossibilidade – Exercício de direito contrário ao direito registrado que não pode ser apreciado pelo Oficial do Registro Imobiliário – Necessidade de cancelamento prévio no registro do usufruto na matrícula – Registrador que não tem atribuição de valorar juridicamente fato extintivo de direito real, mas apenas a simples posse ad usucapionem – Efeitos registrários do reconhecimento da união estável com os mesmos efeitos do casamento depende de decisão judicial, impossibilitando o reconhecimento extrajudicial da usucapião – Recusa mantida – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1104096-79.2019.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1104096-79.2019.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1104096-79.2019.8.26.0100

Registro: 2020.0000413366

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1104096-79.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LEONOR SELVA BARBOSA, é apelado 18º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1104096-79.2019.8.26.0100

Apelante: Leonor Selva Barbosa

Apelado: 18º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

VOTO Nº 31.124

Usucapião Extrajudicial – Requerente que obteve a posse inicial do bem por força de usufruto registrado na matrícula imobiliária – Casamento futuro previsto como condição resolutiva do direito real limitado – Pretensão de reconhecimento pelo Oficial da modificação da natureza da posse exercida por força da constituição de união estável, dando-lhe eficácia idêntica ao casamento previsto como condição resolutiva – Impossibilidade – Exercício de direito contrário ao direito registrado que não pode ser apreciado pelo Oficial do Registro Imobiliário – Necessidade de cancelamento prévio no registro do usufruto na matrícula – Registrador que não tem atribuição de valorar juridicamente fato extintivo de direito real, mas apenas a simples posse ad usucapionem – Efeitos registrários do reconhecimento da união estável com os mesmos efeitos do casamento depende de decisão judicial, impossibilitando o reconhecimento extrajudicial da usucapião – Recusa mantida – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Leonor Selva Barbosa, em procedimento de dúvida suscitada pelo 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, visando a reforma da sentença de fl. 702/706, que manteve recusa de registro de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 66.181.

A nota de devolução do 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital contém a seguinte motivação para a recusa ao procedimento:

“Conforme R.3/66.181, deste Serviço Registral, nos termos da Carta de Sentença, expedida em 26/04/1983 pelo 3º Ofício Cível, do Fórum Distrital de Pinheiros, desta Capital, dos autos de Separação Consensual (proc. 672/82), foi atribuído a requerente, LEONOR SELVA BARBOSA, o USUFRUTO do imóvel usucapiendo, constando dentre outras condições, que, se a mesma viesse a se casar novamente, o usufruto ficaria automaticamente extinto, devendo ela restituir o imóvel ao nu-proprietário.

A requerente declarou viver em união estável, a partir de abril de 1995, declarando ser de conhecimento público e família essa união, inclusive do nu-proprietário, Antonio Fernando Barbosa, que deveria ter exercido o seu direito de reintegrar-se na posse do imóvel, porém, quedou-se silente.

Tudo indica, todavia, que a requerente permaneceu na posse do imóvel como usufrutuária. O usufruto permaneceu registrado na matrícula do imóvel e ainda não foi cancelado.

Enquanto não cancelado, o registro produz todos os efeitos legais (art. 252 da Lei de Registros Públicos). Assim, a posse da requerida seria, no mínimo, clandestina.

Em razão do acima exposto, a requerente nunca teve posse justa, ficando impossibilitada a aquisição originária ora requerida. Assim, em observância ao § 8º, do art. 216-A, da Lei Federal nº 6.015/73, fica indeferido o requerimento de reconhecimento da usucapião.” (fl. 642/644).

O recurso sustenta, em resumo, a necessidade de reforma da sentença, pois não considerou a união estável como tendo a mesma eficácia do casamento para fins de extinção do usufruto, alternando a natureza da posse. Afirma haver suficiente publicidade da união estável pela homologação judicial de acordo entre a apelante e Luiz Camano, reconhecendo a existência da união estável desde abril de 1995 (Processo nº 1005359-51.2018.8.26.0011 1ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional XI Pinheiros). Ainda, que há provas nos autos a indicar que o nú-proprietário tinha ciência da existência da união estável, observando-se o efeito da transmudação da posse direta do usufruto pela posse com ânimo de proprietário. Afirma a impossibilidade de se atribuir efeito restrito à união estável em relação ao casamento, entendendo pela mesma eficácia jurídica da união estável para fins de extinção do usufruto (fl. 725/737).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fl. 760/764).

É o relatório.

2. Conheço da apelação, presentes seus requisitos de admissibilidade.

A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fundamento no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:

Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

§ 1º No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso IV do caput do art. 216-A da LRP, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro do imóvel, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do CPC.

§ 2º Se, ao final das diligências, ainda persistirem dúvidas, imprecisões ou incertezas, bem como a ausência ou insuficiência de documentos, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido mediante nota de devolução fundamentada.

§ 3º a rejeição do pedido extrajudicial não impedirá o ajuizamento de ação de usucapião no foro competente.

§ 4º Com a rejeição do pedido extrajudicial e a devolução de nota fundamentada, cessarão os efeitos da prenotação e da preferência dos direitos reais determinada pela prioridade, salvo suscitação de dúvida.

§ 5º A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP.”

A questão posta no recurso, limitada em relação à dúvida inicial pela devolutividade recursal, diz respeito ao reconhecimento administrativo da eficácia da união estável da apelante, a partir de homologação judicial de acordo declaratório de união estável entre Leonor Selva Barbosa e Luiz Camano, como causa suficiente para a extinção do usufruto do bem imóvel atribuído à mesma, havendo previsão, na instituição do usufruto, do novo casamento da usufrutuária como condição resolutiva do direito real limitado.

Consta do R.3 da matrícula nº 66.181, do 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a instituição de usufruto com condição resolutiva em favor da apelante:

R.3 em 05 de janeiro de 1984.

Conforme CARTA DE SENTENÇA, referida no R.2, se verifica que nos termos das sentença de 05 de janeiro de 1.983, transitada em julgado aos 31 de janeiro de 1.983, o usufruto do imóvel, avaliado em Cr$ 8.436.871,00, foi atribuído à separanda, LEONOR SELVA BARBOSA, já qualificada, usufruto esse que ficará sujeito a duas condições resolutivas, a saber: 1º) A usufrutuária se obriga a residir no imóvel com seus filhos, até que os mesmos atinjam 21 anos de idade, para que não sintam diminuição no seu padrão de vida. Após ambos os filhos atingirem 21 anos de idade, a casa poderá ser eventualmente alugada a critério da usufrutuária, passando a mesma a receber a renda em seu exclusivo benefício. Se isso vier a acontecer a responsabilidade relativa ao pagamento dos impostos e taxas municipais passará a ser unicamente da usufrutuária e não mais ao nu-proprietário; 2º) caso a usufrutuária venha a se casar novamente, ficará automaticamente extinto o usufruto, devendo a mesma restituir o imóvel ao nuproprietário e ficando desde já autorizado o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis competente, a proceder o cancelamento do usufruto, mediante a simples apresentação da carta de sentença acompanhada da certidão do novo casamento.”

A pretensão da recorrente é pelo reconhecimento administrativo da suficiência da união estável para fins de extinguir o usufruto registrado, como efeito idêntico ao casamento civil, além da modificação, por força daquela extinção, da natureza da posse exercida sobre o bem, passando a ter efeitos para fins de aquisição da propriedade pela usucapião.

A pretensão não prospera, ao menos em sede administrativa.

Pretende a apelante que se reconheça, em procedimento de dúvida, a eficácia da união estável declarada pela interessada, homologada judicialmente, para extinguir os efeitos do usufruto registrado na matrícula imobiliária.

Para antes de se questionar a eventual equivalência da união estável e do casamento, para fins de ocorrência da condição resolutiva imposta ao usufruto, há de se reconhecer a limitação da esfera administrativa para a apreciação da questão.

É que, em termos finais, a pretensão contida no pedido da usucapião extrajudicial é de reconhecimento da extinção dos efeitos de um registro constante da matrícula que, de forma alguma, foi modificado, cancelado ou anulado. Ou seja, pretende que o Oficial registrador, em procedimento especial de reconhecimento da usucapião extrajudicial, venha a derrubar a eficácia do registro como ato de formação do direito real sobre coisa alheia, no caso, o usufruto.

E isto não se admite, posto que o registro mantém todos os seus efeitos até que haja sua modificação, seu cancelamento ou anulação, nos termos dos arts. 1.245, § 2º c.c. art. 1.227, ambos do Código Civil.

Sem que haja prévio cancelamento do registro do usufruto, reconhecendo-se a ocorrência da condição resolutiva constante do registro, não há como se colher efeitos formais de uma posse que se exerceria a partir da inexistência do direito real limitado. Ou seja, enquanto permanecer registrado o usufruto do bem imóvel em favor da apelante, não pode a mesma vindicar um efeito possessório que contrarie a natureza do direito registrado e que, até segunda ordem, legitima sua própria posse, isto em decorrência do efeito previsto no art. 1.203 do Código Civil, a estabelecer a manutenção do caráter da posse inicial até que haja prova em contrário.

E, no caso, eventual prova em contrário, como pretende a apelante, decorrente do reconhecimento de um fato jurídico que não consta do registro imobiliário, impedindo-se o reconhecimento, de plano e na esfera administrativa, de seus efeitos quanto à posse dele decorrente. Em outros termos, tendo a apelante iniciado sua posse como usufrutuária e havendo condição resolutiva expressa no negócio jurídico que estabeleceu o direito real limitado, permanece aquela posse com as mesmas características até que haja modificação do registro que lhe deu causa ou, alternativamente, haja decisão judicial reconhecendo a modificação do animus que empolga o uso do bem.

Veja-se que não se está aqui a discutir se os efeitos da união estável reconhecida equiparam-se ao casamento, quando este é escolhido, em ato de vontade, como condição resolutiva negocial (art. 121 do Código Civil), mas sim a impossibilidade de arguição dos efeitos registrários da ocorrência da condição enquanto tais efeitos não se consolidam no próprio registro, no caso, com o cancelamento do usufruto.

E, no âmbito da atuação do Oficial de Registro de Imóveis e da própria Corregedoria Permanente, não há espaço para, no procedimento declaratório da usucapião extrajudicial, reconhecer a ineficácia de um registro anterior que não tenha sido previamente cancelado ou modificado, seja por ato próprio dos interessados, seja por decisão judicial.

E não é a declaração feita pela parte interessada na ata notarial de legitimação possessória que vai gerar o efeito modificativo do direito real inscrito, posto que a extinção ou modificação do usufruto registrado não se apoia em ato unilateral do usufrutuário. Haveria a afirmação da existência da união estável e mais, seu efeito equivalente ao casamento, de ser reconhecido em pedido específico de cancelamento do registro pela ocorrência da condição, o que somente pode ser apreciado em procedimento judicial, ante sua eficácia perante terceiros, no caso, dos herdeiros do nú-proprietário.

Também a simples repetição da declaração da interessada, sobre a natureza jurídica da posse exercida, não é circunstância suficiente à vinculação do Registrador, obrigado este a apreciar a legalidade do pedido de registro da usucapião extrajudicial. O fato de se lançar na ata notarial uma declaração de vontade do interessado, no sentido de qualificar juridicamente o fato observado pelo tabelião, não importa em atribuição a aquele da fé pública notarial, posto que limitada a ata às impressões físico-materiais do tabelião quanto à existência e o modo de existir de algum fato (art. 384 da Lei nº 6.015/1973).

Não cabe, assim, ao Tabelião que lavra a ata notarial para a legitimação possessória, qualificar ou apreciar eventual tese do requerente no sentido da natureza de sua posse, no caso, por força de uma possível extinção prévia do usufruto ainda eficaz no registro; cabe-lhe apenas descrever a posse do requerente e seus antecessores (art. 216-A, I da Lei nº 6.015/1973).

Assim, havendo necessidade de se apreciar, antes da questão da posse para fins de usucapião, a extinção de um direito real limitado conferido à apelante e ainda constante do registro, não há como se proceder ao reconhecimento extrajudicial da usucapião, ante a limitação do procedimento administrativo previsto no art. 216-A da Lei nº 6.015/1973.

Não se pode, assim, apreciar em procedimento administrativo limitado a pedido da parte interessada, o reconhecimento da transmudação da posse decorrente do usufruto em posse ad usucapionem, por não se admitir, por presunção, a eficácia extintiva atribuída pelo ato de instituição do direito real limitado ao casamento, fixando-o como condição resolutiva do usufruto.

Há de se obter, previamente, o cancelamento do registro para, daí, observar-se eventual efeito da posse exercida não mais com fundamento no direito real limitado, mas em decorrência da posse em si mesma, com intenção de dono.

Tudo isto sem prejuízo da busca judicial de reconhecimento da aquisição pela usucapião, nos termos expressos do art. 217-A, § 9º da Lei nº 6.015/1973.

3. Por tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a recusa do 18º Oficial do Registro de Imóveis da Capital.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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