Tais divergências não permitem concluir que os valores indicados para protesto correspondem de fato ao quanto fora contratado. A assinatura eletrônica avançada, é “a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável”. É aquela, por exemplo, que se utiliza de dados biométricos ou Personal Identification Number (PIN) do signatário, feita em plataformas privadas fora da ICP-Brasil, tais como Contraktor, D4Sign, Clicksign, Adobe Sign, Confia.
Processo 1031815-52.2024.8.26.0100
Pedido de Providências – Petição intermediária – Vassole, Godoy, Ramos e Albertoni Sociedade de Advogados – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado Vassole, Godoy e Ramos Sociedade de Advogados. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RAFAEL ALBERTONI FAGANELLO (OAB 336917/SP), GILBERTO FIGUEIREDO VASSOLE (OAB 270872/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1031815-52.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Petição intermediária
Requerente: Vassole, Godoy, Ramos e Albertoni Sociedade de Advogados
Requerido: 4º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado por Vassole, Godoy e Ramos Sociedade de Advogados em face do 4º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital, diante de negativa em se proceder ao protesto de contrato de prestação de serviços advocatícios.
A parte informa que em 21 de dezembro de 2023, apresentou requerimento de protesto de contrato de honorários de advogado, instruindo com notificação enviada por e-mail e boleto, além de declaração do credor e do advogado informando que os documentos digitais são originais; que não há qualquer restrição ético-legal para que o advogado ou sociedade de advogados utilize boleto bancário para recebimento de seus créditos; que mesmo havendo previsão legal para protesto, o título foi qualificado negativamente, pelos fundamentos:
a) não há certeza e liquidez sobre o valor, b) não há data de vencimento do título, ou seja, não há exigibilidade, c) assinatura das partes no contrato não foi feita por assinatura digital qualificada ou avançada, com fulcro no item 24, Cap. XV, das NSCGJ.
A parte requer o afastamento dos óbices, alegando que comprovou os trabalhos realizados, esclarecendo a existência de liquidez, certeza e exigibilidade do crédito; que, conforme avençado no contrato, os honorários seriam devidos com base no percentual de 35% sobre o proveito econômico obtido na demanda, totalizando o valor de R$ 3.531,96; que o protesto não derivaria de uma relação mercantil, mas sim de relação jurídica na qual o contratante deu seu aceite para prosseguimento dos trabalhos apresentados pelo advogado contratado, cuja ação judicial obteve êxito.
Documentos vieram às fls. 13/66.
Pela decisão de fls. 67, foi determinada a emenda à inicial para apresentação de prenotação válida, que não foi atendida pela parte requerente (fls. 70).
O Oficial manifestou-se, informando que a parte encaminhou a protesto um contrato de prestação de serviços denominado “Contrato de Honorários Incapacidade” n. 15700001262, celebrado entre a requerente e Elenice Aparecida dos Santos, sem data de vencimento e com dois valores antagônicos entre si, sendo 30% e 35% do proveito econômico obtido no processo (protocolo n. 2381 de 21 de dezembro de 2023); que a interessada protocolou o próprio contrato de honorários de advogado, não tendo sido apresentada nenhuma duplicata, nota promissória ou qualquer outro título de crédito; que a reclamante não contestou e nem impugnou a nota devolutiva fornecida, sendo que a única discussão trazida aos autos é relacionada à possibilidade ou não de advogado autônomo ou sociedade de advogados emitir título de crédito de natureza mercantil; que, nos termos do artigo 9º da Lei n. 9.492/97 e item 16, Cap. XV, das NSCGJ, cabe ao Tabelião, quando da qualificação, examinar os títulos e documentos de dívida em seus caracteres formais, ou seja, sua liquidez, certeza e exigibilidade; que não ficou claro no contrato qual valor deverá ser cobrado, se 30% ou 35% do proveito econômico obtido, de modo que o contrato carece de certeza e liquidez; que o título apresentado não possui data de vencimento e nem elementos que permitam determinar de maneira inequívoca a exigibilidade da dívida; que, nos termos do item 26, Cap. XV, das NSCGJ, os títulos e documentos de dívida assinados mediante assinatura eletrônica qualificada ou avançada podem ser apresentados a protesto eletronicamente, mas no título apresentado constam apenas assinaturas eletrônicas simples, o que é vedado para fins de protesto; que as assinaturas presentes no contrato não oferecem garantia adequada para que o documento seja considerado válido para ser submetido ao procedimento do protesto; que o título apresentado a protesto consiste em contrato de prestação de serviços (contrato de honorários de advogado e boleto de pagamento) e não um título de crédito; que há norma expressa e vigente que veda o saque de duplicatas ou qualquer outro título de crédito mercantil por advogado ou sociedade de advogados, como prevê o artigo 52 do Código de Ética e Disciplina da OAB (fls. 72/77). Juntou documentos (fls. 78/110).
O Ministério Público opinou pela extinção do feito (fls. 117/118).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Considerando os elementos já presentes nos autos, entendo possível imediato julgamento.
De início, é importante ressaltar que o Tabelião de Protesto dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 9º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema notarial e registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.
Assim, o Tabelião de Protesto, quando da qualificação dos títulos e documentos de dívida protocolados, perfaz exame dos seus caracteres formais e requisitos formais, devendo obstar o curso daqueles que apresentarem vícios ou irregularidade formal.
Vale dizer, a análise qualificativa de protestabilidade do título ou documento de dívida feita por Tabelião restringe-se aos requisitos formais, não podendo adentrar no mérito do documento apresentado ou discutir os seus elementos intrínsecos.
É o que dispõe o artigo 9º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997 (destaque nosso):
“Art. 9º Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.
Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo Tabelião obstará o registro do protesto.”
No mesmo sentido, os itens 16 e 17, Cap. XV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ):
“16. Na qualificação dos títulos e outros documentos de dívida apresentados a protesto, cumpre ao Tabelião de Protesto de Títulos examiná-los em seus caracteres formais.
17. Verificada a existência de vícios formais ou inobservância do estatuído na legislação em vigor ou na normatização administrativa do Conselho Nacional de Justiça ou da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, os títulos e outros documentos de dívida serão devolvidos ao apresentante com anotação da irregularidade, ficando obstado o registro do protesto.”.
No mérito, o pedido é improcedente.
A parte requerente encaminhou a protesto o contrato de prestação de serviços advocatícios denominado “Contrato de Honorários Incapacidade” n. 15700001262 celebrado com Elenice Aparecida dos Santos em 14 de abril de 2021 (fls. 32/35).
No entanto, no instrumento particular, não consta data de vencimento e existem dois valores antagônicos entre si, sendo 30% e 35% do proveito econômico obtido no processo, ou seja, não ficou claro no contrato qual valor deverá ser cobrado, se 30% ou 35% do proveito econômico obtido.
Bem por isso, não há certeza, liquidez e exigibilidade no título apresentado, uma vez que, para se aferir eventual valor devido, é necessário analisar um conjunto de documentos, bem como eventos ocorridos.
A avaliação dos fatos extra título, a partir do exame dos documentos juntados pela parte requerente quando do protocolo do título, não permite concluir que os valores levados a protesto correspondem de fato ao quanto fora contratado.
Como se vê, são muitas as variáveis a serem ponderadas, que demandam contraditório e exame de provas, a afastar a exigibilidade imediata do contrato nos moldes pretendidos.
Não se ignora a possibilidade de contratos bilaterais serem recepcionados como títulos executivos extrajudiciais.
Contudo, há que se observar o disposto no Capítulo XV, das NSCGJ:
16. Na qualificação dos títulos e outros documentos de dívida apresentados a protesto, cumpre ao Tabelião de Protesto de Títulos examiná-los em seus caracteres formais.”
“17. Verificada a existência de vícios formais ou inobservância do estatuído na legislação em vigor ou na normatização administrativa do Conselho Nacional de Justiça ou da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, os títulos e outros documentos de dívida serão devolvidos ao apresentante com anotação da irregularidade, ficando obstado o registro do protesto.” (…)
“20. Podem ser protestados os títulos de crédito, bem como os documentos de dívida qualificados como títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais. (…)
“22. Além dos considerados títulos executivos, também são protestáveis outros documentos de dívida dotados de certeza, liquidez e exigibilidade, atributos a serem valorados pelo Tabelião, com particular atenção, no momento da qualificação notarial.”
Logo, embora, em tese, seja possível protesto de instrumento particular, é dever do Tabelião aferir se estão presentes os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, o que não se positivou, na espécie.
Neste sentido, convergem os precedentes administrativos da E. Corregedoria Geral da Justiça, destacando-se:
“TABELIÃO DE PROTESTO – Recebimento de título para protesto que não constitui título executivo extrajudicial – Sinalagma configurador da avença bilateral com obrigações diversas para ambas as partes – Necessidade, não obstante se tratar de documento assinado por duas testemunhas, e da existência de cláusula na qual as partes reconhecem se tratar de título executivo, de análise cuidadosa para valoração dos atributos de certeza, liquidez e exigibilidade, no momento em que o título é apresentado para protesto, conforme previsto no Capítulo XV, itens 16, 17, 20 e 22 das NSCGJ – Reexame da decisão de absolvição e arquivamento, nos termos do subitem 23.1., do Capítulo XXI, das NSCGJ e do art. 28, XXVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, com condenação do Tabelião de Protesto de Letras e Títulos à pena de multa.” (Processo n. 146.716/2015; Parecer 411/15-E, aprovado em 14.10.15 pelo Des. Hamilton Elliot Akel, então Corregedor Geral da Justiça)
Desta feita, o exame necessário ao protesto restringe-se ao âmbito da análise formal do título. Do mesmo modo que não cabe ao Tabelião o exame intrínseco, também não cabe a ele a definição de exigibilidade mediante análise de fatos e provas.
No mais, não se ignora que o contrato de honorários advocatícios foi alçado à condição de título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 24, caput, da Lei n. 8.906/94 e do artigo 784, inciso XII, do Código de Processo Civil.
Todavia, para fins de protesto, exige-se que ele seja dotado de liquidez, certeza e exigibilidade.
Na hipótese, como dito, no contrato de honorários de incapacidade não consta data de vencimento e existem dois valores antagônicos entre si, sendo 30% e 35% do proveito econômico obtido no processo.
Tais divergências não permitem concluir que os valores indicados para protesto correspondem de fato ao quanto fora contratado.
Nesta senda, segue precedente da E. Corregedoria Geral da Justiça:
TABELIÃO DE PROTESTO DE LETRAS E TÍTULOS – Prestação de serviços advocatícios – Declaração do devedor, com anuência do credor, em que especificados o valor devido e a data de vencimento da obrigação – Contrato de honorários advocatícios que constitui título executivo extrajudicial – Necessidade de liquidação do débito por mero cálculo de atualização que não retira a liquidez da dívida – Divergências nos documentos apresentados pelo recorrente – Protesto inviável – Recurso não provido, mas por fundamentos distintos dos adotados na r. decisão recorrida. (CGJSP, Recurso Administrativo: 134.359/2018, Relator: Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, Data de Julgamento: 23/01/2019, Data de Publicação: 29/01/2019).
Ademais, no tocante à exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas ou avançadas no título (contrato) apresentado a protesto eletronicamente, razão ao Tabelião.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Capítulo XV que trata Do Tabelionato de Protestos, regulamentaram a exigência de assinaturas eletrônicas avançadas ou qualificadas nos títulos e documentos de dívida apresentados a protesto eletronicamente, nos seguintes termos:
“24. Podem ser apresentados a protesto, eletronicamente, os títulos e documentos de dívida subscritos mediante assinatura eletrônica avançada ou qualificada (Lei n. 14.063, de 23 de setembro de 2020, art. 4º, II e III, e Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, art. 10, §§ 1º e 2º).
(…)
26. Os títulos e os documentos de dívida assinados mediante utilização de assinatura eletrônica qualificada (Lei n. 14.063/2020, art. 4º, III, e MP n. 2.200-2/2001, art. 10, § 1º) podem ser recepcionados para protesto por meio eletrônico, se, em qualificação, for realizada a conferência dessas assinaturas com o emprego de programa adequado à legislação brasileira.
26.1. Os títulos e documentos de dívida subscritos mediante assinatura eletrônica avançada (Lei n. 14.063/2020, art. 4º, II, e MP n. 2.200- 2/2001, art. 10, § 2º) terão de estar acompanhados de declaração, sob responsabilidade do apresentante, acerca da autoria e integridade do título ou do documento, bem como da admissão de sua validade pelos figurantes. Essa declaração deverá ser assinada pelo apresentante.”
Convém mencionar que “assinatura eletrônica” contempla ampla abrangência, todavia, sob o enfoque que interessa nos autos, a Lei n. 14.063/2020, ao dispor sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas e sobre as licenças de softwares desenvolvidos por entes públicos, consagrou três espécies.
A primeira espécie de assinatura eletrônica, denominada simples, é “a que permite a identificação do signatário” ou “a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário”. É aquela, por exemplo, que permite a identificação dos dados do signatário a partir de simples preenchimento de um formulário eletrônico, atrelado ou não à localização geográfica ou ao IP do dispositivo ou da rede utilizada para acesso.
A segunda, assinatura eletrônica avançada, é “a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável”. É aquela, por exemplo, que se utiliza de dados biométricos ou Personal Identification Number (PIN) do signatário, feita em plataformas privadas fora da ICP-Brasil, tais como Contraktor, D4Sign, Clicksign, Adobe Sign, Confia.
A terceira, assinatura digital qualificada, é que utiliza certificado digital nos moldes do § 1º, do artigo 10 da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, ou seja, produzida com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.
No caso concreto, as assinaturas apostas pelas partes no contrato são simples, não se qualificando como assinaturas eletrônicas avançadas ou qualificadas, motivo pelo qual não atendem os itens 24 e 26, Cap. XV, das NSCGJ.
A recusa, portanto, foi acertada.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado Vassole, Godoy e Ramos Sociedade de Advogados.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 27 de maio de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 28.05.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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