ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1047359-95.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, são apelados ANDRÉA PEREZ ALVES, LÚCIA PEREZ ALVES, PAULO JOSE PEREZ ALVES, PAULO PERSIO DO VALLE ALVES (E OUTROS(AS)) e CRISTINA LÚCIA PEREZ ALVES.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente sem voto), REZENDE SILVEIRA E GERALDO XAVIER.
São Paulo, 5 de abril de 2023.
MÔNICA SERRANO
Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1047359-95.2022.8.26.0053 – São Paulo
APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
APELADOS: ANDRÉA PEREZ ALVES, LÚCIA PEREZ ALVES, PAULO JOSE PEREZ ALVES, PAULO PERSIO DO VALLE ALVES E CRISTINA LÚCIA PEREZ ALVES
INTERESSADO: SECRETARIO DE FINANÇAS DO MUNICIPIO DE SAO PAULO
VOTO Nº 23615
MANDADO DE SEGURANÇA – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – Fato gerador do ITBI se dá com o efetivo registro no respectivo cartório – Cessão de direitos não tem o condão de ser hipótese de incidência de imposto – Direito ao registro da Cessão de Direitos sem o recolhimento do ITBI – Precedentes deste Tribunal, do STJ e do STF – Sentença mantida – Recurso desprovido.
Trata-se de apelação interposta contra sentença que, em mandado de segurança, concedeu a ordem “para o fim de afastar a cobrança do ITBI sobre a cessão de direitos à aquisição do imóvel, descrita na inicial, enquanto pendente o seu registro na matrícula respectiva”.
Sustenta a apelante, em síntese, que i) o ITBI, nos termos do art. 156, inc. II, da CF/88, incide sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis, sobre os direitos reais sobre estes e na cessão de direitos à sua aquisição; ii) a legislação municipal repete o texto constitucional e prevê expressamente a incidência de ITBI na cessão de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda; iii) o ITBI incide sobre qualquer ato negocial que tenha conteúdo econômico a revele a capacidade contributiva; iv) a incidência tributária não depende necessariamente da formalidade adotada na prática do ato, de modo que possível a exigência do imposto antes do registro da escritura pública na matrícula do imóvel . Subsidiariamente, requer que o ITBI seja exigido no momento do registro imobiliário da escritura pública de cessão de direitos. Com tais argumentos, pugna pela improcedência da ação.
Recurso tempestivo e isento de preparo.
Contrarrazões às fls. 145/151.
É o relatório.
A questão jurídica a ser enfrentada neste processo referese ao momento de ocorrência do fato gerador do ITBI, concluindo-se, pois, se o caso em tela representa hipótese de exigência tributária do imposto, em se tratando de cessão de direitos aquisitivos por instrumento particular (fls. 32/35).
Como sabido, o ITBI é um imposto de competência municipal previsto no artigo 156, II, da Constituição Federal, cujo fato gerador se dá com a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, houve por bem especificar as três hipóteses nas quais haverá a incidência de referido tributo. Assim, em seu artigo 35 fez previsão de que:
Art. 35: O imposto, de competência dos Estados (leia-se dos Municípios e Distrito Federal), sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II;
Alega a municipalidade que a mera transferência de direitos aquisitivos seria uma verdadeira hipótese de incidência do tributo em questão. Insta mencionar que o Direito Tributário, assim como qualquer outro ramo do Direito, não pode se autodeclarar absolutamente autônomo. Não fosse isso verdade, o Código Tributário Nacional não teria disposto no seu artigo 110 que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Logo, pela letra da lei, o ramo do Direito Tributário não apenas interessa-se pelos efeitos e requisitos civis, como está a eles vinculado. A interpretação de uma norma deve ser feita com base em todo ordenamento jurídico.
Acrescenta-se também que o que se tributa com o ITBI é a transmissão do bem imóvel de uma pessoa a outra por meio de (a) transmissão de propriedade; (b) transmissão de direitos reais e; (c) cessão de direitos de propriedade ou direitos reais. E, conforme a lei civil e a jurisprudência deste Tribunal, apenas poderão ser considerados fatos geradores do ITBI a transferência imobiliária devidamente registrada em Cartório de Registro de Imóveis.
Nesse sentido, dispõe o artigo 1227, do Código Civil que os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o Registro no Cartório de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1245 a 1247, salvo os casos expressos neste Código). Também nesse sentido, o artigo 1245, caput e § 1º, afirma que:
Art. 1245, caput: Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1º: Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono imóvel.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento neste sentido:
Tributário. Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Fato Gerador. Registro no Cartório Imobiliário. Súmula 83 /STJ. 1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade com a Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário (RMS 10.650/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 04.09.2000). 2. Não se conhece de recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no Agravo de Instrumento nº 717.187-DF Segunda Turma Rel. Ministro Castro Meira, j. em 14/03/2006).
A partir destas mesmas considerações, este E. Tribunal de Justiça de São Paulo vem entendendo, tanto nos casos de cessão de direitos como os de compromisso de compra e venda, não podem ser considerados fatos geradores do ITBI quando não houver registro no Cartório de Registro de Imóveis. Confira-se:
Apelação. Mandado de segurança. Imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis. Escritura pública de cessão de direitos sobre imóvel. Alegação de não incidência do tributo. Procedência. Fato gerador. Registro imobiliário da transmissão da propriedade. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Recurso provido. O imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis incide sobre a transmissão, a qualquer título, por ato oneroso, da propriedade imóvel por natureza ou por acessão física, e de direitos reais, exceto os de garantia, bem como sobre a cessão de direitos a sua aquisição (artigo 156, II, da Magna Carta). O fato gerador do imposto é o registro imobiliário da transmissão da propriedade. Só com o registro é possível a exação. O entendimento aqui esposado conta com o beneplácito do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO CONTRATUAL. NÃO-INCIDÊNCIA. 1. A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. Somente após o registro, incide a exação. 2. Não incide o ITBI sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo. 3. Agravo regimental desprovido.” (agravo regimental no agravo de instrumento 448.245/DF, relator Ministro Luiz Fux). Oportuno citar, sobre a exigência de pagamento de ITBI antes do registro do título translativo da propriedade, o ensinamento de Kiyoshi Harada: (…) Convém ressaltar, que a transmissão da propriedade imobiliária só se opera com o registro do título de transferência no registro de imóveis competente, segundo o art. 1.245 do Código Civil, que assim prescreve: ‘Transfere-se entre vivos a propriedade mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis.’ O § 1º desse artigo dispõe enfaticamente que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Portanto, a exigência do imposto antes da lavratura da escritura de compra e venda ou do contrato particular, quando for o caso, como consta da maioria das legislações municipais, é manifestamente inconstitucional. Esse pagamento antecipado do imposto não teria amparo no § 7º do art. 150 da CF, que se refere à atribuição ao ‘sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido’. Por isso, o STJ já pacificou sua jurisprudência no sentido de que o ITBI deve incidir apenas sobre transações registradas em cartório, que impliquem efetiva transmissão da propriedade imobiliária (Resp 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; AGA 448.245; ROMS 10.650). Curvamo-nos à jurisprudência remansosa do STJ, reformulando nosso ponto de vista anterior, quer porque inaplicável o § 7º do art. 150 da CF em relação ao ITBI, quer porque o fato gerador desse imposto, eleito pelo art. 35, II, do CTN em obediência ao disposto no art. 156, II, da CF, é uma situação jurídica, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária.” (Direito Tributário Municipal, segunda edição, São Paulo: Atlas, página 100). Bem assentado, pois, que o registro do título translativo da propriedade é condição sine qua non para que se exija o pagamento do imposto. No caso vertente, todavia, o município está a exigir o imposto sobre a cessão de instrumento particular de compromisso de compra e venda. Patente, portanto, a ilegitimidade da exação contra a qual se insurge a impetrante. A esta cumpre dar razão. Posto isso, dá-se provimento ao apelo: concede-se a segurança e reconhece-se à impetrante o direito líquido e certo de não recolher, por ocasião de retificação da lavratura de escritura pública de “cessão de direitos de contrato de compromisso de venda e compra”, imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis. As custas serão suportadas pelo impetrado. Descabida condenação ao pagamento de honorários advocatícios (artigo 25 da Lei 12.016/09). (Apelação nº 0115601-11.2010.8.26.0000, relatoria do Des. Geraldo Xavier, 14ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, julgado em 28/08/2014).
APELAÇÃO – Mandado de segurança – ITBI – Hipótese de incidência – Transferência da propriedade ou outros direitos reais sobre bens imóveis – Cessão de posse – Negócio jurídico que não atrai a incidência do imposto – Posse é situação de fato que não se confunde com o conceito de direito real – RECURSO DESPROVIDO. (Apelação 1000896-08.2016.8.26.0247; Relator Henrique Harris Júnior; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 22/02/2018; Data de Registro: 02/03/2018).
APELAÇÃO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – ITBI – Cessão de direitos – O ITBI é exigível no momento do registro da venda e compra – Mera cessão de direitos não caracteriza fato gerador – Sentença que julgou procedente o pedido mantida – Recurso improvido. (Apelação nº.1034823-44.2014.8.26.0114. Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Público. Relator(a): Rezende Silveira. Data do julgamento: 19/12/2017).
Desta feita, há que se concluir que a hipótese de cessão de direitos aquisitivos, por óbvio, não configura hipótese de incidência do ITBI. Isso porque, o CTN, ao vincular a definição do fato gerador do ITBI ao conceito dado pela lei civil, delimitou o momento da realização da incidência do referido imposto, o qual se aperfeiçoa com o registro no cartório imobiliário e não em razão da concessão de direitos aquisitivos.
Neste exato sentido é a jurisprudência do STJ:
Processual Civil e Tributário. Fato Gerador. Distrato. Contrato de Concessão de Direito Real de Uso. Distrato. Não Incidência. Acórdão solvido por enfoque constitucional. Agravo conhecido para negar seguimento ao recurso especial (Agravo de Instrumento nº. 1.171.435-DF (2009/0057378-3). Superior Tribunal de Justiça STJ. Relator: Ministro Campbell Marques. Data: 15/09/2009).
Não é diferente a orientação do E. STF:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A cobrança de ITBI é devida no momento do registro da compra e venda na matrícula do imóvel. 2. A jurisprudência do STF considera ilegítima a exigência do ITBI em momento anterior ao registro do título de transferência da propriedade do bem, de modo que exação baseada em promessa de compra e venda revela-se indevida. 3. Agravo regimental provido. (ARE 759964 AgR, Relator Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 15/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 28-09-2015 PUBLIC 29-09-2015).
Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão intervivos de bens imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato gerador. Compromisso de compra e venda. Registro do imóvel. 1. Está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido. (AI 764432 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 08/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 22-11-2013 PUBLIC 25-11-2013).
Sendo assim, a cessão de direitos aquisitivos não enseja incidência de ITBI, sendo somente a transmissão da propriedade, mediante o devido registro, o fato gerador de tal imposto.
Noutro giro, é verdade que, nos autos do ARE nº 1.294.969, o STF reconheceu a repercussão geral do Tema nº 1.214 (incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na cessão de direitos de compra e venda, ausente a transferência de propriedade pelo registro imobiliário) e, num primeiro momento, reafirmou a jurisprudência de então, qual seja, “que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente”. Contudo, no julgamento do segundo embargos de declaração opostos pelo Município de São Paulo, prevaleceu a divergência do Ministro DIAS TOFFOLI no sentido de não se reafirmar a jurisprudência, mantendo-se o reconhecimento da repercussão geral da matéria.
Todavia, não há óbice para que o entendimento esposado até então seja mantido, máxime em razão da ausência de despacho de suspensão dos feitos semelhantes que tramitam no país.
Do exposto, nega-se provimento ao recurso.
MÔNICA SERRANO
Relatora
Dados do processo:
TJSP – Apelação Cível nº 1047359-95.2022.8.26.0053 – São Paulo – 14ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Mônica Serrano – DJ 29.06.2023
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.