CSM/SP: A cláusula comissória expressa levada ao registro imobiliário, portanto, não torna o bem inalienável. Ao contrário, na forma do art. 1.359 do CC, o imóvel pode ser normalmente transferido, ficando o adquirente ciente de que a perda da propriedade pode ocorrer pelo inadimplemento de obrigação anterior.

Apelação n° 0008082-34.2024.8.26.0566
Espécie: APELAÇÃO
Número: 0008082-34.2024.8.26.0566
Comarca: SÃO CARLOS

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0008082-34.2024.8.26.0566
Registro: 2025.0000608522
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0008082-34.2024.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante ANTÔNIO DE PAULO PERUZZI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO CARLOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 0008082-34.2024.8.26.0566
Apelante: Antônio de Paulo Peruzzi
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Carlos
VOTO Nº 43.816
Direito civil – Apelação em dúvida registrária – Registro de imóveis – Provimento.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve o óbice ao registro de formal de partilha. O apelante sustenta que não há cláusula resolutiva no contrato de compra e venda que deu origem ao registro anterior e pede a improcedência da dúvida.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível registrar o formal de partilha.
III. Razões de Decidir
3. Diferentemente do sustentado pelo registrador, não há cláusula resolutiva nem nos registros das matrículas, nem nas escrituras públicas que lhes deram origem.
4. Mesmo que houvesse cláusula resolutiva, o registro do título translativo deveria ser efetuado, dele constando menção à cláusula.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: “1. A cláusula resolutiva de contrato de compra e venda (pacto comissório) deve ser enunciada de forma clara. 2. A existência de cláusula resolutiva não impede o registro do título subsequente, conforme art. 1.359 do Código Civil”.
Legislação Citada:
– Código Civil, art. 1.359.
Trata-se de apelação interposta por Antônio de Paulo Peruzzi contra a r. sentença de fls. 77/79, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis e Anexos de São Carlos, que, em suscitação de dúvida, manteve o óbice ao registro de formal de partilha nas matrículas nºs 7.343 e 175.570 daquela serventia.
Alega o apelante, em síntese, que não há propriedade resolúvel na espécie, pois não houve previsão de cláusula comissória no contrato de compra e venda. Sustenta, ainda, que a menção à forma de pagamento do preço no registro não dá origem, por si só, à clausula resolutiva. Pede, ao final, o provimento do apelo para que o formal de partilha seja registrado (fls. 82/93).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 101/103).
Por meio da decisão de fls. 104, o processo foi remetido da Corregedoria Geral da Justiça a este Conselho Superior da Magistratura.
É o relatório.
Discute-se neste procedimento de dúvida a possibilidade de se registrar nas matrículas nºs 7.343 e 175.570 do Registro de Imóveis e Anexos de São Carlos formal de partilha extraído dos autos de arrolamento dos bens deixados por Nelson Peruzzi.
A aquisição da propriedade do imóvel matriculado sob nº 175.570 pelo falecido se deu da seguinte forma, consoante R.1:
“Por escritura pública de Venda e Compra, datada de 04/06/1980, (…) o proprietário Luiz Motta (…) vendeu para Nelson Peruzzi (…) este IMÓVEL pelo valor de Cr$150.000,00, que será pago por intermédio de 15 notas promissórias, de Cz$10.000,00 cada uma, vencendo-se a 1ª em 03/11/1981 e as demais nos mesmos dias dos meses subsequentes, até final liquidação, as quais ficam vinculadas à presente e, valendo-se como comprovantes dos aludidos pagamentos, a entrega dos respectivos títulos quitados” (fls. 17/18).
Com conteúdo semelhante, consta o que segue no R.3 da matrícula nº 7.343:
“Por escritura datada de 04/06/1980, (…) os proprietários José Santos Zangotti (…) e sua mulher Clara Dirce Soares Zangotti (…) venderam para Nelson Peruzzi (…) este IMÓVEL pelo valor de Cr$ 150.000,00, importância que será paga por intermédio de 15 notas promissórias, de Cr$ 10.000,00 cada uma, de emissão do comprador, à favor do vendedor varão, sem juros e correção monetária, vencendo-se a 1ª em 3 de agosto de 1980, os quais ficam vinculadas à presente e, valendo-se como comprovante dos aludidos pagamentos, a entrega dos respectivos títulos quitados” (fls. 19/20).
O Oficial, cujo entendimento foi chancelado pela MM. Juíza Corregedora Permanente, desqualificou o título, forte no argumento da necessidade do prévio cancelamento do pacto comissório constante no registro (fls. 3).
Em outros termos, registrador e Corregedora Permanente entenderam que os atos de registro acima transcritos, por conterem cláusula resolutiva expressa, não podem ser modificados até a comprovação do pagamento integral do preço acertado no início da década de oitenta.
Sem razão, contudo.
Em primeiro lugar, porque no R.1 da matrícula nº 175.570 e no R.3 da matrícula nº 7.343 não houve previsão de cláusula resolutiva. É certo que ambos os registros mencionados, a exemplo das escrituras que lhes deram causa, se referem à forma de pagamento do preço, inclusive com alusão às parcelas respectivas e aos títulos de crédito representativos da dívida. Ainda assim, não decorre dos registros acima transcritos que o não pagamento de alguma das parcelas daria ensejo à resolução do contrato, com o retorno das partes aos status quo ante.
E a mesma conclusão acima ou seja, de que as partes não convencionaram cláusula resolutiva é obtida pela leitura das escrituras públicas que originaram os registros, pois não há uma única menção que indique a possibilidade de desfazimento da venda pelo inadimplemento do preço (fls. 64/67 e 68/70).
Ausente cláusula resolutiva nas escrituras registradas há mais de quarenta anos, não pago o preço ajustado, caberia ao vendedor tão somente cobrar o valor inadimplido.
Washington de Barros Monteiro, em comentário ao art. 163 do Código Civil de 1916[1], o qual não foi repetido no Código Civil atual, enaltece a necessidade de o pacto comissório ser expressamente convencionado pelas partes:
“O pacto comissório tem de resultar de convenção expressa; de outro modo, ou em caso de dúvida, a resolução contratual obedecerá à regra geral e comum[2]”.
Mas não é só.
Caso houvesse cláusula resolutiva expressa que não há, repita-se , o registro da transferência da propriedade não seria inviável. Apenas e tão somente deveria constar do registro a menção à existência de cláusula resolutiva expressa (art. 474 CC) que não se confunde, como é elementar, com condição resolutiva.
Ou seja, mesmo se houvesse cláusula resolutiva, o registro do título translativo deveria ser efetuado. Nesse caso, o novo proprietário, em virtude da inscrição constante da matrícula, estaria plenamente ciente da possibilidade de resolução do negócio anterior. E na hipótese de inadimplemento do preço por parte do proprietário anterior, o novo proprietário seria despojado do direito que obteve, uma vez que informado de que a propriedade era resolúvel.
É o que ensina Ruy Rosado de Aguiar Júnior:
“Sendo a resolução negocial (ou convencional) porque inserida no contrato cláusula resolutória por incumprimento, levado o contrato ao registro de imóveis, incide o art. 1.359; nesse caso, a resolução produz efeitos reais quanto à contraparte e também relativamente ao terceiro subadquirente; isto é, desfaz-se o negócio também quanto a terceiro[3]”.
A cláusula comissória expressa levada ao registro imobiliário, portanto, não torna o bem inalienável. Ao contrário, na forma do art. 1.359 do CC, o imóvel pode ser normalmente transferido, ficando o adquirente ciente de que a perda da propriedade pode ocorrer pelo inadimplemento de obrigação anterior.
Finalmente, há de se destacar que o título cuja inscrição se pretende no caso concreto é mero formal de partilha (fls. 25 e seguintes). Não haverá, dessa forma, transferência de propriedade por força de alienação, mas mera regularização formal em virtude do falecimento do proprietário do bem.
Destarte, mesmo que houvesse cláusula resolutiva expressa que não há e não existisse a previsão do art. 1.359 do CC, não haveria motivo para se impedir o ingresso de título judicial, que simplesmente transfere o imóvel de Nelson Peruzzi a seus herdeiros.
Razão assiste, portanto, ao apelante, cujo recurso deve ser integralmente provido.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha.
FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:
[1] Art. 1.163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago desfazer o contracto ou pedir o preço.
Parágrafo único. Se, em dez dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não reclamar o preço, ficará de pleno direito desfeita a venda.
[2] Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações: 2ª Parte: Contratos, Declarações Unilaterais da Vontade; Obrigações por Atos Ilícitos, 28. ed., rev. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 108.
[3] Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 2003, p. 262.

Fonte: DJE/SP 24.06.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


CSM/SP: Registro de Imóveis. Direito registral e notarial – Escritura de doação sem referência aos ônus constantes das matrículas dos bens imóveis doados – Registro foi subordinado à rerratificação do título – Dúvida julgada procedente – Apelação provida.

Apelação n° 1000833-56.2023.8.26.0111

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000833-56.2023.8.26.0111
Comarca: CAJURU

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000833-56.2023.8.26.0111

Registro: 2025.0000608514

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000833-56.2023.8.26.0111, da Comarca de Cajuru, em que é apelante JOSÉ LEANDRO DALTOSO SELEGATO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAJURU.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000833-56.2023.8.26.0111

Apelante: José Leandro Daltoso Selegato

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cajuru

VOTO Nº 43.805

Direito registral e notarial – Escritura de doação sem referência aos ônus constantes das matrículas dos bens imóveis doados – Registro foi subordinado à rerratificação do título – Dúvida julgada procedente – Apelação provida.

I. Caso em Exame.

1. O interessado, irresignado com a exigência de rerratificação da escritura pública de doação, ratificada em primeira instância, para lá constar as hipotecas, a penhora e o contrato de arrendamento mercantil então presentes nas matrículas dos bens imóveis doados, pretende a reforma da sentença e, com o provimento do recurso, o registro do título, a ser sucedido pelo cancelamento direto dos ônus apontados pelo Oficial.

II. Questões em Discussão.

2. O ocorrência cancelamento indireto dos ônus reportados pelo Oficial. 3. A necessidade da escritura de rerratificação, para mencionar os onus e direitos reais já ineficazes pelo cancelamento indireto..

III. Razões de Decidir.

4. A escritura pública deve mencionar os ônus e direitos reais sobre coisa alheia constantes da matrícula do imóvel. A menção, porém, se circunscreve somente aos onus subsistentes e dotados de eficácia, não cancelados, direta ou indiretamente. 5. A arrematação do bem imóvel hipotecado e penhorado, sobre o qual pesava o contrato de arrendamento rural, importou o cancelamento indireto dos ônus listados pelo Oficial. 6. A excussão extinguiu a hipoteca, e tornou ineficaz a penhora do bem imóvel arrematado. Por sua vez, o arrendatário, ainda que, ao tempo da arrematação, estivesse vigente (o que é improvável) o arrendamento mercantil, não exerceu, nem ele nem seus sucessores, o direito de preferência, e nem também não requereram a adjudicação do imóvel. 7. Os ônus são ineficazes, há muito, de sua eficácia, em razão da arrematação do imóvel. 8. A exigência impugnada não merece subsistir, é de ser afastada; a rerratificação do título não se justifica, pois diz respeito a onus e direitos reais já objeto de cancelamento indireto. 9. A escritura de doação comporta registro, a ser sucedido, ademais, pelo cancelamento direto dos ônus relacionados pelo Oficial, mediante averbação, denominada averbação de higienização, aqui, diante das particularidades do caso, admitida. Visa o cancelamento direto eliminar quaisquer dúvidas sobre a ineficácia de onus e direitos reais alcançados pela arrematação.

IV. Dispositivo.

10. Recurso provido, dúvida julgada improcedente.

Teses de julgamento: Os ônus reais constantes das matrículas, se indiretamente cancelados, não precisam ser mencionados nas escrituras imobiliárias. Aceita-se, nessa situação, a declaração de inexistência de ônus reais, a dispensar a rerratificação da escritura, que, por conseguinte, não condiciona o registro imobiliário.

Legislação citada: Código Civil, art. 1.499; Lei n.º 6.015/1973, art. 230; Lei n.º 7.433/1985, art. 1.º, § 2.º; Decreto n.º 93.240/1986, art. 1.º, IV, §§ 1.º e 3.º; Decreto n.º 59.566/1966, arts. 13, II, a, 21, caput, 26, I, 45 e 46; Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/1964), art. 95, II; NSCGJ, t. II, item 60, e, do Cap. XX.

Jurisprudência citada: CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 13.838-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. 24.2.1992; Apelação Cível n.º 15.296-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. 3.8.1992.

O registro da escritura pública de doação com reserva de usufruto, pretendido pelo donatário dos imóveis matriculados sob os n.ºs 12.276 e 12.277 do RI de Cajuru/SP, José Leandro Daltoso Selegato, foi condicionado à rerratificação do título de fls. 24-29, prenotado sob o n.º 68.535 (fls. 21-22), para lá constar os ônus que recaem sobre os bens doados, em especial, o contrato de arrendamento mercantil, as hipotecas e a penhora averbados (av. 3, av. 4, av. 5 e av. 6).

Suscitada a dúvida, requerida pelo interessado/donatário (fls. 31), o Oficial, em suas razões, ao justificar a exigência feita, reportou-se à regra do art. 1.º, § 3.º, do Decreto n.º 93.240/1986, que regulamenta a Lei n.º 7.433/1985, ao item 60, alínea e, do Cap. XVI das NSCGJ, t. II, e à declaração, presente na escritura, em desacordo com a realidade, dando conta da inexistência de ônus sobre os imóveis doados (fls. 33-35).

Em sua impugnação de fls. 42-47, o interessado/donatário sustentou a impertinência da exigência, que não teria sido formulada por ocasião dos registros da arrematação e da venda e compra precedentes à doação, determinante, aliás, o primeiro deles, do cancelamento dos ônus referidos pelo Oficial. Acrescentou, em reforço, que as indisponibilidades, diante de uma arrematação superveniente, perdem a sua eficácia, mesmo na falta de cancelamento direto. Requereu, nessa linha, o registro, além do cancelamento direto das averbações apontadas pelo Oficial.

Irresignado com a r. sentença de fls. 75-77, que julgou a dúvida procedente, o interessado, ora recorrente, interpôs a apelação de fls. 80-93, sem nada inovar.

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 128-131, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O recorrente/interessado José Leandro Daltoso Selegato, donatário, pretende o registro do título de fls. 24-29, da escritura de doação com reserva de usufruto, nas matrículas n.º 12.276 e n.º 12.277 do RI de Cajuru/SP, relacionadas aos bens imóveis doados, às glebas A e B da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, de propriedade de seus genitores, os doadores Oswaldo Selegato e Ercilia Daltoso Selegato (fls. 4-19).

Constam dessas matrículas, as dos bens imóveis doados, ônus transportados da matrícula n.º 1.095 do RI de Cajuru/SP, assento de origem de ambas, encerrado após a retificação com georreferenciamento (fls. 51-60, av. 24). O encerramento da matrícula correspondente ao bem imóvel retificando, seccionado pela Estrada Municipal CAJ-168, ensejou a abertura das matrículas pertinentes aos imóveis doados, para as quais transportadas, por averbação, os ônus naquela inscritos.

Ônus, desenvolve Narciso Orlandi Neto, “é encargo, peso, fardo, obrigação, dever, compromisso, responsabilidade. Todos esses significados se aplicam aos imóveis e aos direitos registrados. São ônus, v.g., as penhoras, as hipotecas… as indisponibilidades”, ônus a que se refere o art. 230 da Lei n.º 6.015/1973. [1]

Nessa linha, as hipotecas de primeiro e segundo graus, r. 11 e r. 12 da matrícula n.º 1.095, garantias dadas pela proprietária (à época) Agro Industrial Amália S/a, tendo o Banco Econômico S/a como credor hipotecário, e a penhora realizada na execução por ele, agente financeiro, ajuizada contra a devedora hipotecária e a S/a Indústrias Reunidas F. Matarazzo, r. 14, foram averbadas, averbações de transporte (av. 4, av. 5 e av. 6), nas matrículas n.º 12.276 e n.º 12.277 (fls. 4-19).

Nelas, matrículas dos bens doados, também foi averbado, outra averbação de transporte (av. 3; cf. fls. 9 e 16-17), o contrato de arrendamento mercantil que pesava sobre uma área destacada do bem imóvel desmembrado, no qual figura, como arrendadora, a Agro Industrial Amália S/a e, na posição de arrendatário, o Conde Francisco Matarazzo Júnior, título inscrito sob o n.º 2.233, no livro 4-G, fls. 130, reportado na matrícula de origem n.º 1.095 (fls. 51).

Tais ônus (as duas hipotecas, a penhora e o contrato de arrendamento mercantil), inscritos nas matrículas dos imóveis doados, não foram referidos na escritura de doação, daí a negativa de registro, o juízo de desqualificação registral, a nota devolutiva de fls. 21-22, que se baseou, assim como as razões articuladas na dúvida suscitada de fls. 33-35, no art. 1.º, § 2.º, da Lei n.º 7.433/1985, no art. 1.º, IV, §§ 1.º e 3.º, do Decreto n.º 93.240/1986, e no item 60, e, do Capítulo XVI das NSCGJ, t. II.

Conforme a escritura de doação com reserva de usufruto, não há ônus reais sobre os bens imóveis doados, informação reforçada pelas declarações das partes, que, contudo, sustenta o Oficial, estaria em desacordo com a realidade fático-jurídica, situação a demandar, nos termos da dúvida por ele suscitada, e com vistas ao registro visado, a lavratura de uma escritura de rerratificação.

A exigência impugnada, entretanto, não merece subsistir.

2. O recurso de apelação comporta provimento e o título recusado, consequentemente, registro.

O bem imóvel matriculado sob o n.º 1.095, hipotecado e penhorado, foi arrematado judicialmente, antes de sua retificação e de seu desmembramento, pelo próprio exequente Banco Econômico S/a, o credor hipotecário em favor de quem efetivada a penhora, garantia, tal como as hipotecas, da satisfação de seus créditos, os exigidos da Agro Industrial Amália S/a, devedora hipotecária (cf. r. 17, fls. 56-57).

Com a expropriação efetivada, exauriram-se, esgotaram-se as garantias reais. As hipotecas foram extintas, em conformidade com o art. 1.499, VI, do CC. A alienação judicial, forçada, em hasta pública, modo derivado de aquisição da propriedade, foi promovida pelo próprio credor hipotecário, em execução por ele ajuizada, e, mais, tendo sido ele o arrematante, restou efetivada em pagamento, ainda que parcial, de seu crédito.

A penhora, por sua vez, desvinculou-se do bem imóvel; trata- se de efeito colateral, secundário, da expropriação.[2] O exequente, credor hipotecário, não tendo como concorrentes outros credores com preferência na obtenção do produto da expropriação, valeu-se do crédito executado, para fins de pagamento do preço oferecido, este inferior à dívida executada, portanto, sequer precisou exibi-lo, depositá-lo judicialmente.

In casu, a penhora não se sub-rogou no preço; extinguiu-se, de pleno direito, com a arrematação. O exequente usou do imóvel por ele penhorado como meio de pagamento, de satisfação parcial de seu crédito.

Sob essa perspectiva, o registro da carta de arrematação, ocorrido no dia 7 de março de 2000 (sucedido pela venda do bem imóvel, depois desmembrado, aos doadores), importou o cancelamento indireto das hipotecas e da penhora referidas, documentadas no r. 11, r. 12 e r. 14 da matrícula n.º 1.095, inscrições averbadas nas matrículas dos bens imóveis doados, para lá indevidamente transportadas, quando já privadas de seus efeitos.

Nas precisas palavras de Narciso Orlandi Neto, fala-se, aí, “em força extintiva da inscrição.”[3] A esse respeito, exemplifica, tratando de situação pertinente ao dissenso em discussão, ao afirmar que os “ônus anteriores ao registro da carta de arrematação … são indiretamente cancelados”,  ressalvadas algumas exceções, tais quais a hipoteca cujo credor não tenha sido notificado na execução, a cláusula de reversão da doação, as cláusulas resolutivas, o sequestro do Código Penal[4], estranhas todas elas à hipótese vertente.

A propósito, a jurisprudência administrativa do C. CSM, forte na doutrina de Afrânio de Carvalho[5], sedimentou posição no sentido de que duas são as espécies de cancelamento dos registros: o direto, dependente de assento negativo, mediante averbação, e o indiretoo ocorrente in casu, resultante da transferência de direitos reais inscritos a outrem, enfim, da repercussão de inscrições subsequentes (por exemplo, as da arrematação e adjudicação) sobre as antecedentes.[6]

3. Quanto ao contrato de arrendamento rural, pactuado anteriormente à abertura da matrícula do bem imóvel desmembrado, ou seja, antes do dia 9 de maio de 1978, há mais de quarenta e cinco anos, portanto, está extinto, infere-se, há décadas (cf. art. 26, I, do Decreto n.º 59.566/1966). Seu prazo, se por tempo determinado, expirou-se, é certo, sem que tenha sido prorrogado/renovado. Se por tempo indeterminado, os prazos mínimos estabelecidos no art. 13, II, a, e 21, caput, do Decreto n.º 59.566/1966, e no art. 95, II, do Estatuto de Terra, já decorreram.

Seja como for, o direito de preempção, de preferência, positivado no Decreto n.º 59.566/1966, no seu art. 45, não foi exercido. O arrendatário ou os seus sucessores, mesmo se não cientificados da hasta pública, não se valeram da regra do art. 46, da possibilidade de adjudicação do imóvel, mediante depósito do preço, que deveria ter sido feito em seis meses, contados do registro translativo da propriedade.

Dentro desse contexto, o contrato de arrendamento rural não é oponível ao arrematante, muito menos aos doadores, para quem a propriedade imobiliária foi transferida no dia 11 de dezembro de 2012 (fls. 51-60, r. 21), mais de dois anos antes da abertura das matrículas dos bens imóveis doados, para onde transportado, por averbação, e aí também equivocadamente, o ônus relativo ao arrendamento, ônus também atingido pelo registro da arrematação, por ele indiretamente cancelado.

4. À vista do exposto, dos fundamentos  apresentados, a exigência questionada é de ser afastada; não merece, enfim, prevalecer. A rerratificação da escritura pública de doação apresentada a registro não se justifica.

Os ônus aludidos pelo Oficial, indiretamente cancelados, não mais recaem sobre os imóveis doados, já não recaiam sobre eles ao tempo da abertura das matrículas, logo, realmente, não era o caso de mencioná-los no título, de lá então fazer constar a existência deles, e o é, isso sim, de determinar o cancelamento deles, por averbação.

As particularidades do caso, acima enfrentadas, autorizam o pronto lançamento da averbação de higienização, em reforço assim da publicidade registral. Na oportuna observação de Narciso Orlandi Neto, “ao leigo nem sempre será possível saber o que vale e o que não vale, o que continua eficaz e o que perdeu a eficácia. Impressionam deveras a penhora, a hipoteca e indisponibilidade expostas na matrícula antes da arrematação.”[7]

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, nessa senda, julgando a dúvida improcedente, determino o registro da escritura de doação de fls. 24-29, a ser efetivado nas matrículas n.ºs 12.276 e 12.277 do RI de Cajuru/SP, e o cancelamento da av. 3av. 4av. 5 e av. 6.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 66-67.

[2] Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civilexecução forçadacumprimento de sentença. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 671-673. v. IV. Na mesma linha, Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civilexecução forçadaprocessos nos Tribunais; recursosdireito internacional. 47.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 597. v. III.

[3] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 278.

[4] Ibidem.

[5] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 158.

[6] Apelação Cível n.º 13.838-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. 24.2.1992; e Apelação Cível n.º 15.296-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. 3.8.1992.

[7] Opcit., p. 278-279.

Fonte: DJE/SP 24.06.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


CSM/SP: Registro de Imóveis. Pela análise do art. 9º, II, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e do item 68 das NSCGJ resta claro que a gratuidade de ato extrajudicial depende de expressa determinação do magistrado que preside o feito na esfera jurisdicional.

Apelação n° 1000904-74.2024.8.26.0062
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000904-74.2024.8.26.0062
Comarca: BARIRI

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000904-74.2024.8.26.0062
Registro: 2025.0000608520
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000904-74.2024.8.26.0062, da Comarca de Bariri, em que é apelante MARIA APARECIDA DE SOUZA GUELFI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARIRI.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e deram por prejudicada a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível: 1000904-74.2024.8.26.0062
Apelante: Maria Aparecida de Souza Guelfi
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bariri
VOTO Nº 43.817
Apelação – Registro de imóveis – Dúvida – Negativa de registro de formal de partilha – Exigências de recolhimento do ITCMD (ou comprovação de isenção) e dos emolumentos – Insurgência parcial quanto às exigências formuladas pelo registrador – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida – Análise das exigências para orientar futura prenotação – Exigências cabíveis.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que negou o ingresso do formal de partilha no fólio real, sob a alegação de que a justiça gratuita concedida nos autos da ação judicial de inventário deveria isentar a cobrança dos emolumentos incidentes. 2. Recurso que não ataca todos os óbices registrais.
II. Questão em Discussão
3. Discute-se eventual prejuízo da dúvida e da apelação em razão da impugnação parcial das exigências. 4. Para orientar futura prenotação, questiona-se a exigência de recolhimento do ITCMD ou de comprovação de isenção, assim como o óbice de recolhimento de emolumentos à vista da concessão dos benefícios da justiça gratuita nos autos judiciais.
III. Razões de Decidir
5. A ausência de insurgência contra todas as exigências registrárias prejudica a dúvida, pois não permite decisão sobre a registrabilidade do título. Consequentemente, a apelação não pode ser conhecida.
6. Ao registrador cabe fiscalizar o recolhimento dos tributos relativos aos atos que lhe são apresentados (art. 289 da Lei nº 6.015/1973 e art. 134, VI, do CTN). Como não houve comprovação do recolhimento do ITCMD ou de concessão de isenção, a manutenção da exigência se impõe.
7. A justiça gratuita deferida na esfera judicial não se estende automaticamente aos emolumentos do registro, conforme entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
IV. Dispositivo e Tese
8. Apelação não conhecida e dúvida prejudicada.
Tese de julgamento:
1. A ausência de impugnação de todas as exigências registrárias prejudica a dúvida e impõe o não conhecimento da apelação.
2. Para orientar futura prenotação, os óbices prevaleceriam.
Legislação Citada:
Código de Processo Civil, art. 98, IX.
Lei nº 6.015/73, art. 289.
Código Tributário Nacional, art. 134, VI.
Lei Estadual nº 11.331/2002, art. 9º, incisos I e II.
NSCGJ, item 68 do Capítulo XIII. Constituição Federal, § 2º do art. 236.
Jurisprudência Citada:
CSM/SP, Apelação nº 1015474-45.2020.8.26.0114, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 31/5/2022.
CSM/SP, Apelação nº 0004941-15.2014.8.26.0224, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 11/5/2015.
CGJ/SP, RA. nº 1001907-19.2024.8.26.0562, Parecer de nº 536/2024-E, de autoria do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Carlos Henrique André Lisboa, aprovado em 29/08/2024 pelo Exmo. Corregedor Geral da Justiça, Des. Francisco Loureiro.
CSM/SP, Apelação nº 1024661-80.2024.8.26.0100; Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 29/08/2024.
Trata-se de apelação (fls. 104/115) interposta por MARIA APARECIDA DE SOUZA GUELFI contra a r. sentença (fls. 91/94) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Bariri/SP, que manteve a recusa do ingresso, no fólio real, do formal de partilha judicial expedido nos autos do Inventário de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Bariri, sob o nº 1000308-32.2020.8.26.0062 (fls. 25/68).
A apelante insiste, em suma, em que, por lhe terem sido concedidos os benefícios da justiça gratuita nos autos do referido inventário (fls. 46/47 e 65), o registro do formal de partilha deve ser efetivado sem a cobrança dos emolumentos registrais, nos termos do artigo 98, IX, do Código de Processo Civil. Requer, então, a reforma da sentença.
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 155/156).
É o relatório.
O registro do formal de partilha expedido nos autos do inventário de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Bariri/SP, sob o nº 1000308-32.2020.8.26.0062, foi negado pelo Oficial de Registro, que expediu a Nota de Devolução de nº 5042 (fls. 23/24), contendo as seguintes exigências:
“Conforme determina a Lei Estadual nº 10.705/00, e alterada pela Lei Estadual nº 10.992/01, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 46.655/02, bem como no artigo 289 da Lei nº 6.015/73 Lei de Registros Públicos e Artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional CTN, se faz necessário apresentar junto ao Formal de Partilha, os seguintes documentos:
a) Apresentar o Procedimento Administrativo realizado junto a Fazenda do Estado de São Paulo, onde apurou eventual incidência ou isenção do recolhimento de ITCMD Imposto de transmissão causa mortis ou doação, em virtude dos bens deixados pelos falecimentos de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza.
b) No caso de apuração de incidência de recolhimento de ITCMDs, apresentar cópia(s) autenticada(s) da(s) respectiva(s) guia(s) e do(s) correspondente(s) recolhimento(s).
c) Apresentar as Certidões de Homologação, emitidas pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, atestando que os lançamentos do ITCMDs foram homologados. (Inventário. Partilha. ITCMD. Recolhimento. Qualificação registral. Tributos. CSMSP -Apelação Cível: 1034876-28.2018.8.26.0100 São Bernardo do Campo -Data de Julgamento: 14/03/2019 Data DJ: 09/04/2019)
2 – Foi constatado por este Oficial que, na Decisão de fls. 34 do processo, foi concedido aos requerentes o benefício da assistência judiciaria para o tramite judicial.
Todavia, tais benefícios não são imediatamente estendidos aos emolumentos do serviço extrajudicial, conforme entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – CGJ/SP (EMOLUMENTOS COBRANÇA GRATUIDADE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA RECLAMAÇÃO CGJSP Recurso Administrativo 0004478-42.2023.8.26.0100 Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 28/08/2023 Data DJ: 01/09/2023).
Desta forma, com o cumprimento das exigências apontadas no item 1 acima, o interessado deverá efetuar o pagamento dos emolumentos referentes ao registro pretendido, observadas as disposições contidas no art. 9º, inciso II, in fine, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e, também contidas no item 68 e 68.1 do Capítulo XIII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
3 – Com o cumprimento das exigências acima, recolher os emolumentos para a prática dos atos do Formal de Partilha no valor de R$ 2.332,36 até a data de 20/05/2024, fazendo um pix na Chave Pix CNPJ Nº 52.787.780/0001-65 ou deposito bancário no Banco Itaú, agencia 0424, conta corrente 99793-0, favorecido Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bariri-SP, e encaminhar o comprovante de depósito no e-mail registrobariri@uol.com.br ou trazer pessoal uma cópia do comprovante de pagamento”.
Inconformada, a ora apelante solicitou a reconsideração das exigências e, alternativamente a suscitação de Dúvida (fls. 06/16), o que foi atendido pelo Oficial (fls. 01/04).
Após a manifestação do Ministério Público pela improcedência do pedido (fl. 90), sobreveio a r. sentença que manteve os óbices registrários, mencionando, contudo, que a dúvida havia sido suscitada pela interessada, quando foi o Oficial quem a suscitou, além de ter julgado a dúvida improcedente.
Saliente-se, por oportuno, que, tanto nas hipóteses de dúvida, diretamente ou inversamente suscitada, a regra da procedência ou improcedência não se modifica: será procedente quando o registro não se fizer, improcedente quando o registro for autorizado.
Nesse sentido, há equívoco na sentença ao manter as exigências registrárias e, não obstante, julgar a dúvida (direta) improcedente.
Feita a observação, verifica-se que a dúvida, todavia, está prejudicada.
Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não, é preciso que todas as exigências, e não apenas parte delas, sejam impugnadas.
A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrais, e, do mesmo modo, a anuência em relação a qualquer um dos óbices prejudica a dúvida, a qual só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava quando surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) a manutenção da recusa do Oficial.
Na espécie, a dúvida está prejudicada porque o interessado, ao requerer a suscitação de dúvida e, posteriormente, ao recorrer, não se insurgiu com relação a todas as exigências (fls. 104/115). Com efeito, há insurgência apenas quanto ao recolhimento dos emolumentos, conforme fl. 114. Por consequência, a dúvida e o recurso de apelação estão prejudicados.
Apesar disso, é pertinente analisar os óbices para orientar futura prenotação.
Como não houve comprovação do recolhimento do ITCMD ou de concessão de isenção, a manutenção da exigência se impõe.
Isso porque são sucessivos os precedentes deste Conselho, dando concretude ao art. 289 da Lei nº 6.015/73 e ao art. 134, VI, do CTN, no sentido de que cabe ao registrador fiscalizar o recolhimento dos tributos relativos aos atos que lhe são apresentados.
Especificamente em relação ao imposto de transmissão causa mortis, cito os seguintes julgados:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – Suposta ofensa ao princípio da especialidade subjetiva não configurada – Exigência de documentação pessoal atualizada afastada – ITCMD – Necessidade de comprovação de recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Óbice mantido – Apelação não provida” (CSM/SP – apelação nº 1015474-45.2020.8.26.0114, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 31/5/2022).
“Registro de Imóveis – Formal de partilha – ITCMD – Recolhimento do tributo não comprovado – Dever do Oficial de fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício – Via administrativa incompetente para dispensar a apresentação de comprovantes de pagamento – Dúvida procedente – Recurso não provido” (CSM/SP – apelação nº 0004941-15.2014.8.26.0224, Rel. Des. Elliot Akel, j. Em 11/5/2015).
Ademais, quanto à exigência impugnada, ao contrário do que a apelante alega, o benefício da justiça gratuita, deferido na esfera jurisdicional, não atinge o recolhimento dos emolumentos devidos ao registro do formal de partilha.
À falta de decisão judicial específica que estenda os benefícios da justiça gratuita aos emolumentos, deve haver sua cobrança.
Nesse sentido, destaca-se trecho do seguinte parecer de nº 536/2024-E, do Juiz Assessor desta Corregedoria Geral da Justiça, Carlos Henrique André Lisboa, proferido nos autos do RA. Nº 1001907-19.2024.8.26.0562, que acolhi em 29 de agosto de 2024:
“Sobre o tema, preceitua o art. 98, § 1º, IX, do Código de Processo Civil:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1º A gratuidade da justiça compreende: (…) IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Já a Lei Estadual nº 11.331/2002, que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, prescreve, de forma mais específica:
Artigo 9° – São gratuitos: I – os atos previstos em lei; II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
Em sentido muito semelhante, o item 68 do Capítulo XIII das NSCGJ:
68. São gratuitos os atos previstos em lei e os praticados em cumprimento de mandados e demais títulos judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
Nota-se que a regulamentação da concessão de gratuidade para a prática de atos notariais e de registro segue os parâmetros definidos pelo § 2º do art. 236 da Constituição Federal, ou seja, enquanto o Código de Processo Civil e a Lei Federal nº 10.169/2000 estabelecem normas gerais sobre o tema, a Lei Estadual nº 11.331/2002 e as Normas de Serviço da Corregedoria de Justiça regulamentam a matéria de forma mais detalhada.
E pela análise do art. 9º, II, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e do item 68 das NSCGJ resta claro que a gratuidade de ato extrajudicial depende de expressa determinação do magistrado que preside o feito na esfera jurisdicional.” (grifei)
Assim também já foi decidido por este CSM, em voto recente de minha lavra (Apelação Cível 1024661-80.2024.8.26.0100; julgado em 29/08/2024):
“REGISTRO DE IMÓVEIS. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA INVERSA. MANDADO DE PENHORA. NECESSIDADE DE PRÉVIO REGISTRO DE TÍTULO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DO EXECUTADO PARA DAR CUMPRIMENTO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 98, §1º, IX DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE PROCESSUAL QUE SE ESTENDE AOS EMOLUMENTOS DEVIDOS PARA O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. DECISÃO JUDICIAL NOS AUTOS DA EXECUÇÃO COM DETERMINAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO PROVIDA.”
E, na espécie, não há decisão específica emanada do Juízo do inventário determinando o registro do formal de partilha de maneira gratuita. A r. sentença que homologou a partilha e determinou a expedição do respectivo formal não determinou de maneira expressa o registro do título judicial com isenção de emolumentos (fl. 65).
Enfim, não fosse a dúvida prejudicada, seria o caso de manter os óbices registrais pelas razões expostas.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço da apelação e dou por prejudicada a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJE/SP 24.06.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.