CSM/SP: Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Hipoteca Judiciária – Apelação provida.

Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1042311-59.2024.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Registro: 2025.0000988355

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante ALTAIR FERREIRA DOS SANTOS, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Apelante: Altair Ferreira dos Santos

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.887

Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Hipoteca Judiciária – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa ao registro de hipoteca judiciária sobre imóvel com averbação de indisponibilidade, com base no art. 1.420 do Código Civil, além de ausência de determinação judicial sobre a prevalência da oneração.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a hipoteca judiciária pode ser registrada em imóvel com averbação de indisponibilidade sem determinação judicial expressa sobre a prevalência da oneração.

III. Razões de Decidir

3. O art. 1.420 do Código Civil não se aplica à hipoteca judicial, que não tem natureza negocial, mas sim processual. Não deriva da vontade do devedor, mas sim do credor, e visa conferir publicidade ao crédito reconhecido por sentença judicial.

4. A hipoteca judiciária não implica em privilégio do crédito, muito menos em alienação imediata do bem. O atributo da hipoteca judicial é conferir efeito erga omnes ao crédito e sequela em relação terceiros, de modo que e não impede o registro, pois não há transmissão da propriedade. Tem a natureza de medida processual para assegurar futura execução.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. A hipoteca judiciária pode ser registrada mesmo com averbação de indisponibilidade, pois não implica alienação imediata. 2. A prevalência da hipoteca judicial não necessita de determinação expressa quando se trata de alienação judicial forçada.

Legislação Citada:

– Código Civil, art. 1.420.

– Código de Processo Civil, arts. 495, 835, § 3º.

Jurisprudência Citada:

– CSM, Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, Rel. Des. Pereira Calças, j. 05/12/2017.

– CSM, Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368, Rel. Des. Pinheiro Franco, j. 27/08/2019.

– CSM, Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278, Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. 01/09/2022.

– CSM, Apelação Cível 1048319-36.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 22/08/2024.

– CSM, Apelação Cível 0000138-72.2024.8.26.0568, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 27/06/2024.

Trata-se de apelação interposta por ALTAIR FERREIRA DOS SANTOS em face da r. sentença de fls. 467/471, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao requerimento para registro da hipoteca judiciária junto ao imóvel objeto da matrícula 76.031, em razão de averbação vigente de indisponibilidade dos bens e direitos da proprietária Imobiliária e Construtora Continental Ltda, com fundamento no art. 1.420 do Código Civil e pela ausência de determinação judicial acerca da prevalência da oneração em relação à indisponibilidade.

O apelante busca a reforma da sentença, tendo em vista que a pretensão é de registro de hipoteca judiciária determinada por decisão judicial após comprovação do cumprimento dos requisitos legais, a fm de garantir e satisfazer a condenação imposta em processo judicial, de modo que não há que se falar em preferência da indisponibilidade porque necessária a proteção ao credor em fase de cumprimento de sentença ou execução. Acrescente-se que a Imobiliária e Construtora Continental Eireli tem outros imóveis e figura como devedora em muitos outros processos judiciais (fls. 479/484).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls. 507/508).

É o relatório.

A apelação merece provimento.

De acordo com os autos, o apelante apresentou ao 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos requerimento para registro de hipoteca judiciária do imóvel objeto da matrícula 76.031, autorizada por decisão judicial nos autos do processo nº 0012924-50.2023.8.26.0224 movido pelo apelante Altair Ferreira dos Santos em face da Imobiliária e Construtora Continental Eirelli, perante a 8ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos.

O Oficial informou que junto à matrícula 76.031 consta averbação vigente de indisponibilidade dos bens e direitos da proprietária e requerida Imobiliária e Construtora Continental Ltda, o que impede o registro da hipoteca, mesmo da judiciária, tendo em vista a vedação contida no art. 1.420 do Código Civil, no sentido de que somente os bens alienáveis podem ser dados em hipoteca e também porque o requerimento veio desacompanhado de qualquer determinação judicial acerca da prevalência da oneração em relação à indisponibilidade, razão para a nota de devolução (fls. 81/82).

Como se vê, o ingresso do título foi impedido pela existência de averbação de indisponibilidade proveniente de ordem de outro juízo (Av. 08, ação civil pública nº 224.01.2009.049383-8/000000-000, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Guarulhos), sem que o juízo da execução tenha ressalvado a prevalência da hipoteca.

No entanto, a qualificação negativa deve ser afastada.

Em primeiro lugar porque o artigo 1.420 do Código Civil não se destina às hipóteses de hipoteca judicial, decorrente da vontade do credor, mas principalmente à hipoteca convencional, que deriva da vontade do devedor. Logo, óbice apresentado pelo Registrador quanto a esse fundamento não se justifica.

Em segundo lugar, com amparo no art. 495 do Código de Processo Civil, a hipoteca judiciária tem a função de “garantir uma possível execução definitiva ou provisória” (FONSECA, João Francisco N. da. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IX. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87). Por meio dela, o bem é afetado para que recaia sobre ele, ao depois, a penhora em eventual cumprimento de sentença (art. 835, § 3º, do CPC/2015).

Uma vez constituída, a hipoteca judiciária confere ao credor hipotecário o direito de preferência no pagamento, observada prioridade no registro (art. 495, § 4º, do CPC/2015). Vale dizer, o montante obtido na excussão hipotecária servirá, prioritariamente, ao pagamento do credor hipotecário, ressalvadas eventuais preferências estabelecidas a outros créditos por leis específicas. Por ser “apenas uma medida processual, diferente, portanto, da hipoteca como garantia real do direito material, a preferência apontada pelo dispositivo legal cede a qualquer regra de direito material” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil. 8ª ed. Juspodivm: 2023, p. 919).

Dizendo de outro modo: por si só ela não implica em transmissão do domínio ou imediata alienação do imóvel e eventual registro da arrematação ou adjudicação futuras deverá ser precedido do levantamento da indisponibilidade.

Lado outro, “a hipoteca judiciária não estabelece vinculação absoluta quanto ao futuro bem a penhorar. Tanto o credor como o devedor podem motivadamente vir a pleitear que a penhora atinja outro bem – cabendo ao juiz resolver a questão tomando em conta as diretrizes do menor sacrifício do devedor e da utilidade da execução” (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Egon Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a hipoteca judiciária. Revista de Informação Legislativa, n. 133, jan.-mar./1997. Brasília, p. 88).

Nessa linha de ideias, a hipoteca judiciária não acarreta, tal qual o pagamento, a imediata satisfação do direito do credor. A constituição da hipoteca judiciária, além de não derivar de ato do devedor, mas sim do próprio credor, destina-se, reitera-se, a assegurar futura execução. Inclusive, a excussão da hipoteca somente ocorrerá se o executado não pagar o débito no prazo legal.

Não há óbice, portanto, para o deferimento de seu registro porque ela não importa, por princípio, em alienação do bem.

Adicionalmente, a sustentar o mesmo raciocínio, este C. Conselho Superior da Magistratura, em precedentes envolvendo alienação judicial forçada, ou seja, não voluntária, vem entendendo que a previsão expressa de prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo é prescindível:

“(…) apesar de o decreto de indisponibilidade advir de Juízo distinto daquele que providenciou a alienação forçada, é de se amainar a necessidade de que a carta de arrematação contenha expressa menção de prevalência da venda judicial. Deveras, a preferência da alienação judicial sobre eventuais decretos de indisponibilidade é ínsita à expedição da carta de arrematação ou de adjudicação. A finalidade precípua da carta é viabilizar o registro da venda forçada. Seria de todo incongruente que o Juízo em que efetuada a hasta pública expedisse carta de arrematação ou de adjudicação, se não fosse para que arrematante ou adjudicante pudesse levá-la a efetivo registro. Quando da ordem de expedição da carta de arrematação, o Juízo que providenciou a alienação já está afirmando, porque consequência imanente ao ato, que o respectivo registro há de ser efetuado, ainda que Juízo distinto tenha decretado a indisponibilidade do bem arrematado. Note-se que o registro não trará, em tese, prejuízo àquele cuja demanda tenha ensejado o decreto de indisponibilidade. O crédito que possui subroga-se no preço da arrematação, sem alteração alguma na ordem de preferência. Tampouco se olvide que o destinatário da determinação judicial de indisponibilidade é o próprio devedor. A ordem presta- se a obstar que o devedor, sponte propria, por alienação entre particulares, desfaça-se de seu patrimônio, furtando-se ao pagamento da dívida. Todavia, a ordem de indisponibilidade não impede a venda judicial do bem” (Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, Rel. Des. Pereira Calças, j. 05/12/2017).

No mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Indisponibilidade decorrente de penhora determinada em favor do INSS – Carta de Arrematação – Alienação forçada – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido” (CSM; Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368; Rel. Des. Pinheiro Franco; j. 27/08/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – INDISPONIBILIDADE DOS BENS DA EXECUTADA DESPROVIDA DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO BEM IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, AFASTADO O ÓBICE REGISTRAL E REFORMADA A SENTENÇA” (CSM; Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278; Rel. Des. Fernando Torres Garcia; j. 01/09/2022).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – DÚVIDA – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE AVERBADAS NA MATRÍCULA DESPROVIDAS DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO – PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – APELAÇÃO PROVIDA” (CSM; Apelação Cível 1048319-36.2024.8.26.0100, de minha relatoria; j. 22/08/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTAS DE ARREMATAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – DÚVIDA INVERSA – AUSÊNCIA DE PROTOCOLO VÁLIDO – ANUÊNCIA EM RELAÇÃO A PARTE DAS EXIGÊNCIAS FORMULADAS PELO OFICIAL DE REGISTRO – IMPUGNAÇÃO PARCIAL – DÚVIDA PREJUDICADA – ANÁLISE, EM TESE, DA EXIGÊNCIA IMPUGNADA A FIM DE ORIENTAR – FUTURA PRENOTAÇÃO – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE – AVERBADAS NAS MATRÍCULAS DESPROVIDAS DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DOS IMÓVEIS E SEU RESPECTIVO REGISTRO – PRECEDENTES DO EGRÉGIO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – APELAÇÃO NÃO CONHECIDA” (CSM; Apelação Cível 0000138-72.2024.8.26.0568, de minha relatoria; j. 27/06/2024).

A conclusão acima ganha reforço com alteração recente das Normas de Serviço Extrajudiciais (item 413 do Capítulo XX), por força de aprovação do Parecer 607/2024-E, elaborado no bojo da Apelação n. 1073659-79.2024.8.26.0100, em reflexo do entendimento que tem prevalecido neste Conselho Superior da Magistratura, no sentido de se admitir o registro da alienação judicial do bem imóvel ainda que oriunda de juízo diverso do que determinou a indisponibilidade e ainda que ausente, no título, alusão à sua prevalência.

Assim, por força do Provimento CG n. 44/2024, publicado em 19/09/2024, foi suprimida a parte final do item 413 do Cap.XX das NSCGJ, que hoje vigora com a seguinte redação:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ n.º 39/2014 e na forma do § 1.º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel”.

Por consequência, os precedentes acima, apesar de referentes à alienação judicial forçada, estendem-se aos casos de hipoteca voluntária, uma das modalidades de constrição judicial.

Ressalte-se, no entanto, que a solução dada ao caso concreto não se baseia na aplicação retroativa do dispositivo alterado, mas nos precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, que há longa data vêm prevalecendo.

Daí porque desnecessária a exigência de que seja consignada, no título, a prevalência da hipoteca judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou de que seja previamente cancelada a ordem de indisponibilidade averbada.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da hipoteca judiciária.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


1VRP/SP: EMENTA (NÃO OFICIAL)- DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – CONTRATO DE LOCAÇÃO COM CLÁUSULA DE VIGÊNCIA – ASSINATURA DIGITAL EM PLATAFORMA PRIVADA (“DOCUSIGN”) – EXIGÊNCIA DE ASSINATURA ELETRÔNICA QUALIFICADA (ICP-BRASIL) – DOCUMENTO CONSIDERADO INVÁLIDO PELO VERIFICADOR DO ITI – ÓBICE REGISTRÁRIO MANTIDO – PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA.

Processo 1108905-05.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Guimarães & Vieira de Mello Advogados – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: HELDER FELIPE FONSECA DAMASCENO (OAB 449801/SP), MARCELLO AUGUSTO LIMA VIEIRA DE MELLO (OAB 339563/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1108905-05.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: Oficial do 15º de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Guimarães & Vieira de Mello Advogados
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Guimarães & Viera de Mello Advogados, diante de negativa em se proceder ao registro de contrato de locação envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 235.015 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentado contrato de locação não residencial celebrado em 22 de fevereiro de 2021, com cláusula de vigência, assinado digitalmente pela plataforma “DocuSign”, figurando como locador, IRB Renda Empreendimentos SPE S.A. e como locatária a suscitada, Guimarães & Vieira de Mello Advogados, objetivando o imóvel objeto da matrícula n. 235.015 da serventia; que pelo R.6 da referida matrícula, a locadora tornou-se titular dominial do imóvel; que o título foi desqualificado porque, ao verificar o arquivo na plataforma https://verificador.iti.br/, consta relatório como “inválido”; e que a exigência, portanto, foi para reapresentar o contrato assinado digitalmente com o e-CPF de todos os participantes em PDF/A ou pela plataforma https://assinador.registrodeimoveis.org.br/, em conformidade com o padrão de assinaturas eletrônicas qualificadas e avançadas em relação à regulamentação da ICP-Brasil e às definições contidas na Medida Provisória n. 2.200-2/2001, na Lei n. 14.063/2020, no Decreto n. 10.543/2020, na Portaria Conjunta ITI/CC/PR SGD/SEDGG/ME n. 1/2021, e nos itens ns. 366 e seguintes, Subseção VII, da Seção XI, das NSCGJ (fls. 01/05).
Documentos vieram às fls. 06/82.
Em impugnação apresentada nos autos, a parte suscitada aduziu, em apertada síntese, que a exigência deve ser afastada, pois o documento apresentado a registro possui de forma inequívoca meios de conferência de sua integridade e autenticidade, por meio da própria plataforma utilizada para aposição das assinaturas digitais; que o registro de um contrato de locação na matrícula de um imóvel não se confunde com o registro propriamente dito da transferência de um bem imóvel, não se submetendo o caso em comento a referida hipótese de uso obrigatório da assinatura qualificada; que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. e 83/94). Juntou documentos (fls. 95/134).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 137/138).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que no sistema registral vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, o pedido é procedente, para manter o óbice.
A Lei n. 6.015/1973 preceitua que a forma do título é indispensável para sua admissão no Registro de Imóveis. Somente podem ser admitidos a registro os títulos hábeis que assumam a forma prevista em lei (artigo 221 da Lei de Registros Públicos).
Assim, a qualificação registral incide, dentre outros tantos requisitos, no exame dos requisitos formais do título apresentado para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, não se admitindo o acesso ao fólio real de documento que não assuma a forma prevista em lei ou apresentado com deficiência formal. A avaliação do título recai diretamente na análise formal do documento apresentado, de sua autenticidade, conteúdo, presunção de validade jurídica, dentre outros aspectos formais.
Neste aspecto, o Oficial apontou que a parte interessada apresentou contrato de locação não residencial celebrado em 22 de fevereiro de 2021, com cláusula de vigência, assinado digitalmente pela plataforma “DocuSign”, figurando como locador, IRB Renda Empreendimentos SPE S.A. e como locatária a suscitada, Guimarães & Vieira de Mello Advogados, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 235.015 do 15º RI (fls. 15/50).
No entanto, a verificação dos atributos do documento mencionado, realizada pelo Oficial junto ao portal do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação ITI, atesta que o arquivo é inválido, encerrando contrariedade ao disposto no inciso I do § 1º do artigo 208 do Provimento CNJ n. 149/2023, e no subitem 366.5, Cap. XX, das NSCGJ.
A Lei n. 14.063/2020, que, entre outras coisas, “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos”, classifica, no artigo 4º, a assinatura eletrônica em três modalidades: (i) assinatura eletrônica simples; (ii) assinatura eletrônica avançada; e (iii) assinatura eletrônica qualificada:
“Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:
I – assinatura eletrônica simples:
a) a que permite identificar o seu signatário;
b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;
II – assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:
a) está associada ao signatário de maneira unívoca;
b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;
c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;
III – assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
§ 1º. Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.
§ 2º. Devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados”.
Nos termos do decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça no RESP 2159442-PR, julgado em 24/09/2024: “A intenção do legislador foi de criar níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas (em suas modalidades simples, avançada ou qualificada), conforme o método tecnológico de autenticação utilizado pelas partes, e – ao mesmo tempo – conferir validade jurídica a qualquer das modalidades, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontades entre os particulares”.
Portanto, a diferença principal entre as três modalidades de assinatura eletrônica está no nível de segurança e na forma de verificação da identidade do signatário.
A primeira espécie, assinatura eletrônica simples, é “a que permite a identificação do signatário” ou “a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário”, mas não utiliza certificado[1] para garantir a autenticidade e integridade da assinatura, tal como a assinatura que permite identificar os dados do signatário a partir de simples preenchimento de um formulário eletrônico, atrelado ou não à localização geográfica ou ao IP (internet protocol) do dispositivo ou da rede utilizada para acesso.
A segunda, assinatura eletrônica avançada, é “a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável”, tal como a assinatura que utiliza dados biométricos ou Personal Identification Number (PIN) do signatário, tais como feitas via “Contraktor”, “D4Sign”, “Clicksign”, “Adobe Sign”, todas feitas em plataformas privadas fora da ICP-Brasil.
A terceira, assinatura digital qualificada, é que utiliza certificado digital nos moldes do § 1º, do artigo 10 da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, ou seja, produzida com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.
Na lição de Ricardo Campos:
“Destarte, é possível afirmar que “somente a assinatura eletrônica qualificada, por meio de uso da criptografia assimétrica, aliado a um certificado digital emitido por uma Autoridade Certificadora no âmbito de uma Infraestrutura de Chaves Pública, permite, atualmente, atestar de forma segura a integridade e a autenticidade de um documento eletrônico assinado. Todas as demais modalidades de assinatura eletrônica, conquanto não sejam – …- juridicamente inválidas, não são capazes, por si só, de assegurar a integridade e a autenticidade de um documentos ainda que, eventualmente, sejam aptas e suficientes para outras finalidades”. [2]
Portanto, dentre essas três espécies, a assinatura digital qualificada é a que alcança o maior nível de segurança, por possuir “nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.” (Lei n. 14.063/2020, artigo 4º, § 3º), a partir do regramento dado pela MP n. 2.200-2/2001.
No caso em análise, a consulta efetuada pelo Oficial para a apuração de conformidade do padrão de assinatura digital ICP-Brasil resultou negativa, tendo as assinaturas do título prenotado sido realizada por plataforma privada não validada.
À luz do artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei n. 14.063/2020, exige-se a assinatura eletrônica qualificada nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais:
“Art. 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público.
(…)
§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: (…)
IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso I do § 1º deste artigo;
(…)
§ 4º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada.
§ 5º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.
No tocante à Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil, muito embora ela não impeça o uso de outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica (artigo 10, § 2º), é certo que, em se tratando de atos de transferência e de registro de bens imóveis, diante do disposto no artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei n. 14.063/2020, é necessário que a assinatura eletrônica seja qualificada.
É importante destacar que se trata de lei especial – “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos” – que permanece em vigor e não foi alterada pela Lei n. 14.620/2023, a qual modificou o artigo 784 do Código de Processo Civil para tratar de assinatura eletrônica nos títulos executivos.
No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, a matéria é tratada nos itens 365 e 366, do Capítulo XX, das Normas de Serviço:
“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.”
“366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.”
“366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes.”
No mesmo sentido, o artigo 208 do Provimento CNJ n. 149/2023:
“Art. 208. Os oficiais de registro e os tabeliães deverão recepcionar diretamente títulos e documentos nato-digitais ou digitalizados, observado o seguinte:
I – a recepção pelos tabeliães de notas e de protestos ocorrerá por meio que comprove a autoria e integridade do arquivo;
II – a recepção pelos oficiais de registro ocorrerá por meio:
a) preferencialmente, do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – Serp e dos sistemas que o integra (especialmente os indicados nos incisos I a III do § 1º do art. 211 deste Código); ou
b) de sistema ou plataforma facultativamente mantidos em suas próprias serventias, desde que tenham sido produzidos por meios que permitam certeza quanto à autoria e integridade.
§ 1º Consideram-se títulos nato-digitais, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles previstos em lei específica:
I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado, por todos os signatários (inclusive testemunhas), com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registrais (art. 17, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.015/1973; art. 38, § 2º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código); (…)”
Na situação telada, porém, não se está diante do acesso ou envio de informações aos registros públicos (artigo 17, § 1º, da Lei n. 6.015/1973), assim como não se trata de atos expedidos pelos registros públicos (artigo 38, da Lei n. 11.977/2009) nem de assinatura eletrônica notarizada (artigo 285 do Provimento n. 149/2023), e, por fim, a Corregedoria Nacional já expediu regras de admissão da assinatura avançada em atos que envolvam imóveis, como facultam o artigo 17, § 2º, da Lei n. 6.015/1973 e o artigo 38, § 2º, da Lei 11.977/2009, mas não para os atos como os da espécie, que continuam submetidos à exigência do artigo 5º, § 2º, IV, da Lei n. 14.063/2020.
Nesse mesmo sentido, válido destacar os seguintes precedentes julgados recentemente pelo C. Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):
“Apelação – Dúvida – Registro de Imóveis – Negativa de inscrição no fólio real de contrato de locação e seu aditamento para assegurar observância da cláusula de vigência e do exercício do direito de preferência em caso de alienação da coisa locada – Exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas dos signatários. Óbice mantido – Assinatura eletrônica qualificada exigível por força do disposto no artigo 5º, § 1º, inciso II, da lei nº 14.063/2020, e nos itens 365 e 366 das NSCGJ Regramento da Corregedoria Nacional que não instituiu regra diversa para a prática de atos de registro, como ocorre na espécie. Recurso a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1094448-02.2024.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 13/11/2024; Data de Registro: 19/11/2024).
“Dúvida – Registro de Imóveis – Negativa de registro de instrumento particular de confissão de dívida garantido por alienação fiduciária – Exigência de assinaturas eletrônicas qualificadas de todos os signatários. Exame do título de acordo com norma vigente ao tempo da prenotação – Princípio tempus regit actum – Assinatura eletrônica qualificada necessária para atos de transferência e registro de bens imóveis, ou seja, para todos os atos de constituição, modificação e extinção de direitos reais sobre imóveis. Lei n. 14.063/2020 e Código Nacional de Normas. Recurso a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1006264-51.2023.8.26.0344; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Marília – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/10/2024; Data de Registro: 04/11/2024).
Bem por isso, mostra-se acertado o óbice apontado pelo Oficial, que fica mantido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 25 de setembro de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
Nota:
[1] “Atestado eletrônico que associa os dados de validação da assinatura eletrônica a uma pessoa natural ou jurídica”, nos termos do artigo 3º, III, da Lei n. 14.063/2020.
[2] CAMPOS, Ricardo. Parecer Assinaturas eletrônicas e registros imobiliários. Legal Grounds Institute, 2023, p. 16-7.

Fonte: DJE/SP 26.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


CSM/SP: Direito registral e tributário – Registro de imóveis – Exigência pela apresentação de certidão de homologação da declaração de ITCMD, a ser expedida pela secretaria da fazenda e planejamento – Revisão parcial do entendimento até o momento adotado pelo CSM – Interpretação e adequação da portaria CAT 89/2020 ao decreto 46.655/2002 – Apelação provida.

Apelação Cível nº 1029036-90.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1029036-90.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1029036-90.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0000860601

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029036-90.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ELISABETE DE AZEVEDO GUIMARÃES, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para determinar o registro do título, nos termos do voto do Desembargador Relator, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de agosto de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1029036-90.2025.8.26.0100

Apelante: Elisabete de Azevedo Guimarães

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.824

Direito registral e tributário – Registro de imóveis – Exigência pela apresentação de certidão de homologação da declaração de ITCMD, a ser expedida pela secretaria da fazenda e planejamento – Revisão parcial do entendimento até o momento adotado pelo CSM – Interpretação e adequação da portaria CAT 89/2020 ao decreto 46.655/2002 – Apelação provida.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve a exigência de certidão de homologação do ITCMD para registro de carta de adjudicação, conforme previsto pela Portaria CAT 89/2020, decorridos quase dois anos do recolhimento do tributo e DA comunicação do ato à Secretaria da Fazenda do Estado.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar a correção da exigência de apresentação de certidão de homologação relativa à declaração de ITCMD prestada pelo contribuinte como requisito para obtenção do registro imobiliário do formal ou da carta de adjudicação, independentemente do prazo decorrido desde a comunicação do recolhimento do tributo à Secretaria da Fazenda, sem que tenha havido qualquer impugnação.

III. Razões de decidir

3.A Portaria CAT 89/2020 deve ser lida em harmonia e adequada ao conteúdo do Decreto n.46.655/2002, que admite homologação tácita do crédito tributário constituído pela declaração mediante recolhimento do imposto, decorrido o prazo de trinta dias, com termo inicial na comunicação feita pelo contribuinte à Fazenda do Estado.

4.A declaração do ITCMD e o recolhimento antecipado são suficientes para o registro, decorrido o prazo de trinta dias previsto no Decreto 46.655/2002, com termo inicial na data da comunicação do recolhimento à Secretaria da Fazenda.

5.Decorrido o prazo de impugnação sem homologação expressa, nada impede a Fazenda Pública de cobrar eventual diferença de imposto que venha ser apurado. O que não se admite é que a inércia da Fazenda Pública, decorrido o prazo previsto em decreto para homologação ou impugnação, impeça o registro do título junto ao Oficial de Registro de Imóveis.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso provido, com revisão parcial da orientação firmada até o momento pelo CSM.

Tese de julgamento: “1. A exigência de certidão expressa de homologação do ITCMD é indevida nos casos de homologação tácita em razão do descumprimento, pela Fazenda Pública, dos prazos fixados nos artigos 22 e 23 do Decreto n. 46.655/2002, com termo inicial na dada da comunicação pelo contribuinte ao Fisco do recolhimento do tributo. 2. Em tal situação de homologação tácita por decurso de prazo sem impugnação pela Fazenda, o poder qualificador e a responsabilidade dos Registradores se limita à verificação do pagamento do crédito constituído pela declaração e não alcança eventual complemento necessário à solução integral da obrigação tributária”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– CTN, art. 142, art. 150, art. 156, VII; CPC, art. 662; Lei n.10.705/2000, art. 25; Decreto n.46.655/2002 (arts. 21, 22 e 23); item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

– CSM, Apelação Cível n.1028041-78.2022.8.26.0554, de minha relatoria, j. 10/09/2024; Apelação n.1031973-44.2023.8.26.0100, Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. 29/09/2023; Apelação n.1019035-22.2020.8.26.0100; Rel. Des. Ricardo Anafe; j. 20/10/2021; Apelação n. 0000534-79.2020.8.26.0474; Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 25/02/2021; Apelação n. 1184541-45.2023.8.26.0100, de minha relatoria, j. em 23/05/2024; Apelação n.1003559-67.2022.8.26.0198, Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. em 28/11/2023; Apelação n.1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018.

– STJ, REsp n.1.101.728-SP; Rel. Min. Teori Albino Zavascki; j. 11/03/2009; STJ, AgRg nos EREsp n.638.069; Rel. Mins. Teori Albino Zavascki; j. 25/05/2005; Súmula n. 436.

– STF, RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello; j. 27/03/2012.

Trata-se de apelação interposta por Elisabete de Azevedo Guimarães contra a r. sentença de fls. 208/213, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente a dúvida, mantendo exigência pela apresentação de certidão de homologação da declaração do ITCMD para registro da carta de adjudicação extraída do processo de inventário de autos n.1077713-59.2022.8.26.0100 na matrícula n.104.568 daquela serventia.

A parte recorrente alega que a função fiscalizatória dos Oficiais de Registro se restringe ao recolhimento do tributo, não à sua exatidão; que a declaração e o recolhimento foram suficientemente comprovados; que o inventário foi realizado por arrolamento, o que veda o conhecimento de questões relativas ao lançamento tributário (artigo 662, do CPC); que a Portaria CAT 89/2020 é ilegal por exigir o que o Código de Processo Civil dispensa; que não há risco de prejuízo à Fazenda Pública, que poderá exigir o que entender devido em procedimento próprio; que não se pode submeter a parte interessada no registro a prazo incerto e desconhecido para que a Fazenda proceda à homologação; que, comprovados a declaração e o recolhimento do tributo, não há razão legítima para se impedir o ato (fls. 223/231).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 254/258).

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

A parte recorrente apresentou para registro carta de adjudicação extraída do processo de autos n.1077713-59.2022.8.26.0100, no qual se processou o inventário de Ida de Azevedo Guimarães, que deixou um único imóvel e dois filhos como herdeiros (cópia integral às fls.28/187).

O herdeiro Aquiles renunciou ao seu quinhão da herança (fls.122 e 137), sendo o imóvel adjudicado à herdeira universal Elisabete.

A sentença que homologou a adjudicação ressaltou que o registro da adjudicação estaria condicionado à comprovação do recolhimento do ITCMD e determinou a intimação do fisco para lançamento administrativo do imposto, conforme prescreve o artigo 659, §2º, do CPC.

A Fazenda do Estado de São Paulo, por manifestação da Procuradoria Geral, requereu a intimação da inventariante para comprovar o protocolo da declaração do ITCMD junto ao Posto Fiscal, justamente “a fim de obter manifestação conclusiva por parte do agente fiscalizador” (fl.157).

A inventariante comprovou, então, o protocolo da declaração e o recolhimento do tributo (fls.163/169), isso no segundo semestre do ano de 2.023. A Fazenda do Estado não homologou e muito menos impugnou a declaração do contribuinte, decorridos quase dois anos.

Prosseguiu-se com a expedição da carta de adjudicação, o recolhimento das custas judiciais e o arquivamento definitivo do feito, sem nova manifestação da Fazenda Pública (fls.170/187).

Ao qualificar o título apresentado, o Oficial obstou o registro, exigindo apresentação da certidão de homologação a ser expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, nos termos do artigo 12, I, “b”, da Portaria CAT 89/2020.

A exigência formulada pelo Oficial teve amparo no entendimento do Conselho Superior da Magistratura, consolidado no sentido de que a exigência pela apresentação da certidão de homologação está correta, diante do disposto na Portaria CAT n.89/2020, como se verifica nos seguintes julgados, inclusive de minha própria Relatoria (destaques nossos):

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. RECUSA DE INGRESSO DE FORMAL DE PARTILHA EXTRAÍDO DE INVENTÁRIO JUDICIAL. TÍTULO QUE SE SUJEITA À QUALIFICAÇÃO REGISTRAL. PARTILHA COM PREVISÃO DE PERMUTA ENTRE AS HERDEIRAS DE PARTES IDEAIS DE IMÓVEIS QUE JÁ PERTENCIAM A ELAS. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL QUE TORNA DESNECESSÁRIA ESCRITURA PÚBLICA. HERDEIRAS QUE RECEBEM QUINHÕES DESIGUAIS, SEM COMPENSAÇÃO FINANCEIRA. PERMUTA DE BENS IMÓVEIS COM VALORES DISTINTOS, SEM TORNA INCIDÊNCIA DE ITCMD. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO PELA FAZENDA ESTADUAL. PRECEDENTES DO C. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (TJSP; Apelação Cível 1028041-78.2022.8.26.0554; Rel. Des. Francisco Loureiro; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Santo André – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/09/2024; Data de Registro: 12/09/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. JULGADA PROCEDENTE. FORMAL DE PARTILHA. ITCMD. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO PELA FAZENDA ESTADUAL. PRECEDENTES DO C. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA. ÓBICE MANTIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (TJSP; Apelação Cível 1031973-44.2023.8.26.0100; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/09/2023; Data de Registro: 04/10/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. APELAÇÃO. DÚVIDA. NEGATIVA DE REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA EXPEDIDO EM INVENTÁRIO CONJUNTO. AUSÊNCIA DE MENÇÃO À MEAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. ACERTO DO ÓBICE REGISTRÁRIO. MEAÇÃO QUE INTEGRA A COMUNHÃO. INDIVISIBILIDADE. NECESSIDADE DE PARTILHA. COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DO ITCMD. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO PELA FAZENDA ESTADUAL. ÓBICE MANTIDO. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1019035-22.2020.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 20/10/2021; Data de Registro: 11/11/2021).

“Registro de Imóveis Formal de partilha Comprovação de pagamento do ITCMD Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda Óbice mantido Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 0000534-79.2020.8.26.0474; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Potirendaba – Vara Única; Data do Julgamento: 25/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).

O que se propõe no presente julgado é a revisão parcial do entendimento do Conselho Superior da Magistratura acima exposto, para que a exigência de apresentação de homologação expressa da Fazenda do Estado à declaração e recolhimento do ITCMD se limite aos prazos fixados nos artigos 22 e 23 do Decreto n. 46.655/2002, com termo inicial na data da comunicação da declaração e recolhimento do tributo pelo contribuinte.

Decorrido tal prazo, a ausência de homologação expressa não constitui óbice ao registro imobiliário do formal de partilha ou carta de adjudicação.

2. Uma análise detalhada de todo o sistema regulatório do ITCMD permite concluir que a portaria CAT 89/2020 expedida pelo órgão fiscal exige interpretação conjunta e, em especial, compatibilização com os procedimentos previstos no Decreto n. 46.655/2002 e a própria Lei n.10.705/2000, normas de hierarquia superior.

Por referidas razões, o entendimento que até agora tem prevalecido no CSM merece ser parcialmente revisto e adequado à interpretação harmônica e razoável das normas de regência, obedecido o princípio da hierarquia.

Como se sabe, nascida a obrigação tributária pela ocorrência do fato gerador, é preciso atribuir a ela condições para que seja satisfeita, o que é feito por meio do lançamento tributário, que é atividade privativa da autoridade administrativa, vinculada e obrigatória, como dispõe o artigo 142 do CTN.

O sujeito passivo pode até preencher declarações, calcular o tributo e antecipar o seu recolhimento, mas, sem homologação expressa ou tácita, não há lançamento e, consequentemente, não há crédito tributário a ser fiscalizado pelo Registrador.

No caso do ITCMD, seu lançamento se dá por homologação, tal como previsto no artigo 150 do CTN:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos têrmos dêste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.

§ 2º Não influem sôbre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será êle de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado êsse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”.

Disso decorre que não é a simples entrega de determinada declaração ao Fisco que irá caracterizar o lançamento por declaração previsto no artigo 147 do CTN.

Note-se que, nos termos do artigo 150, caput, do CTN, o que a autoridade administrativa examina e homologa é o pagamento que foi antecipado pelo contribuinte, e não propriamente a declaração, a qual serve apenas como informação da fórmula de cálculo utilizada.

Em posicionamento alinhado com o que acima se expos, a orientação do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a declaração realizada pelo contribuinte também constitui o crédito tributário. Neste sentido, tese firmada para o tema 96 dos recursos repetitivos, da qual se originou a súmula n.436, com o seguinte teor:

“Súmula 436. A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco”

De qualquer modo, uma vez constituído o crédito tributário pela declaração do ITCMD, incumbirá ao Oficial de Registro exigir demonstração do respectivo pagamento, tal como prevê o artigo 25 da Lei n.10.705/00:

“Artigo 25 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto”.

Duas indagações devem ser objeto de reflexão: a) se a declaração que constitui o crédito tributário, acompanhada pelo recolhimento do tributo, independentemente de homologação da Secretaria da Fazenda, extingue, ou não, o crédito tributário; b) se o ato de homologação da declaração ou do recolhimento – constitui requisito necessário, sujeito à qualificação pelo Oficial, para o registro do formal de partilha ou da carta de adjudicação, nos termos do exigido pela legislação estadual de regência, desde que observado determinado prazo, com termo inicial na data da comunicação à secretaria da Fazenda.

Quanto à primeira indagação, há entendimento em lei federal que o pagamento antecipado extingue o crédito tributário declarado (artigo 156, VII, do CTN). Ainda que essa extinção ocorra “sob condição resolutória de ulterior homologação” (artigo 150, §1º, do CTN), é pacífica a orientação deste C. Conselho Superior da Magistratura no sentido de que a fiscalização que cabe a Notários e Registradores não vai além da aferição de existência ou do recolhimento do tributo, de modo que não cabe a eles zelar pela correção do valor recolhido, salvo se houver equivoco manifesto, aferível prima facie, sem a necessidade de ingresso acerca de tese controvertida sobre a base de incidência ou alíquota aplicável. A princípio a homologação é exigível, salvo se decorrido o prazo previsto na legislação de regência, sem manifestação do Fisco.

Quanto à segunda indagação, a norma de regência estadual exige a homologação pela autoridade fazendária, de modo que declaração do ITCMD e o respectivo recolhimento antecipado, devidamente comunicados à Secretaria da Fazenda, são suficientes para que o agente fiscal tome conhecimento da transmissão e dos valores envolvidos de forma que possa apurar corretamente a incidência do imposto e exercitar sua pretensão tributária.

Dizendo de outro modo, as normas de regência do Estado de São Paulo não se contentam com a declaração e o recolhimento do tributo, mas vão além, ao exigirem ato complementar de homologação pela autoridade fazendária. Tal homologação, contudo, pode ser expressa ou tácita e se encontra sujeita a requisitos de prazo e de forma.

O Decreto n.46.655/02 estabelece prazo certo tanto para apresentação da declaração pelo contribuinte quanto para manifestação pelo fisco (concordância ou não com os valores declarados), nos casos de arrolamentos ou inventários judiciais.

Sobre o prazo de apuração e de informação do tributo devido pelo contribuinte reza o art. 21 (destaques nossos):

Artigo 21 – Para fins de apuração e informação do valor de transmissão judicial “causa mortis”, o contribuinte deverá apresentar à repartição fiscal competente, declaração, que deverá reproduzir todos os dados constantes das primeiras declarações prestadas em juízo, instruída com os elementos necessários à apuração do imposto, conforme disciplina a ser estabelecida pela Secretaria da Fazenda, nos seguintes prazos:

I – no caso de arrolamento, em 30 dias, a contar do despacho que determinar o pagamento do imposto, instruída também com as respectivas guias comprobatórias do seu recolhimento;

II – no caso de inventário, em 15 (quinze) dias, contados da apresentação das primeiras declarações em juízo.

§ 1.º – Após a apresentação da declaração prevista no “caput”, se houver qualquer variação patrimonial decorrente de emenda, aditamento ou inclusão de novos bens nas últimas declarações, deverá o contribuinte cientificar o Fisco acerca dos dados que ensejaram tal variação, no prazo de 15 dias a contar da comunicação ao juízo.

§ 2.º – O imposto a recolher decorrente da declaração prevista neste artigo é exigível independentemente da lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa ou de notificação.

Sobre a concordância ou impugnação do Fisco, quanto à declaração prestada pelo contribuinte, dispõem os artigos 22 e 23 (destaques nossos):

Artigo 22 – Caso o Fisco concorde com os valores declarados, o Procurador do Estado encaminhará, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da apresentação da declaração prevista no artigo anterior, petição ao juízo competente, manifestando-se da seguinte forma:

I – no arrolamento, para requerer expedição de formal de partilha, auto de adjudicação ou alvará, desde que haja comprovação do recolhimento integral do imposto, instruída com o procedimento administrativo originado pela referida declaração;

II – no inventário, para requerer a remessa dos autos à Contadoria Judicial para elaboração dos cálculos do imposto.

Parágrafo único – Em se tratando de arrolamento, verificado que o imposto não foi recolhido, o Agente Fiscal de Rendas notificará o devedor para efetuar o recolhimento, no prazo de 10 (dez) dias, remetendo o procedimento ao Procurador do Estado para adoção das providências concernentes à cobrança do imposto, no caso de inadimplemento.

Artigo 23 – Se o Fisco não concordar com os valores declarados, no mesmo prazo do artigo anterior, serão adotados os seguintes procedimentos:

I – na hipótese de arrolamento:

a) o Agente Fiscal de Rendas notificará o contribuinte para o prazo de 30 dias, efetuar o recolhimento da diferença de imposto apurada ou apresentar impugnação;

b) o Procurador do Estado, mediante petição, discordará expressamente da expedição de alvará, formal de partilha ou carta de adjudicação, enquanto o débito não for liquidado;

II – na hipótese de inventário:

a) o Agente Fiscal de Rendas notificará o contribuinte sobre a discordância com os valores por ele declarados, facultando-lhe a apresentação de impugnação, no prazo de 30 dias;

b) o Procurador do Estado comunicará ao juízo a expressa discordância relativa aos valores declarados pelo contribuinte, requerendo a sua intimação para manifestar-se (Código de Processo Civil, arts. 1.007 e 1.008)”.

Dizendo de outro modo, de acordo com o Decreto n.46.655/2002, que regulamenta o ITCMD no Estado de São Paulo é necessária manifestação do Procurador do Estado no prazo de 30 dias, contados da comunicação.

Caso esse prazo não seja observado, reputa-se tacitamente homologado o crédito tributário declarado, o qual, ressalte-se, é exigível desde o momento em que formalizada a declaração (artigo 21, §2º, do referido diploma). Em poucas palavras, a homologação pode ser expressa ou tácita, a última em razão do decurso do prazo de trinta dias sem manifestação da Procuradoria do Estado.

Neste ponto, a Portaria CAT no. 89/2020 deve ser lida conjuntamente, ou adequada ao procedimento e prazo previstos no Decreto regulatório. Isso porque a portaria impõe a exigência de certidão homologatória independentemente de eventual homologação tácita pelo decurso do prazo de trinta dias prevista de modo expresso no decreto.

A leitura isolada e literal da portaria levaria à conclusão equivocada de que deve o contribuinte aguardar sine die pela conclusão de fiscalização que não observa prazo fixado para tanto.

Foi o que ocorreu no caso concreto.

O prazo de 30 dias previsto no decreto se escoou no segundo semestre de 2.023, sem qualquer manifestação do Fisco, positiva ou negativa. A interpretação literal do Oficial de Registro de Imóveis negou qualificação ao título, por ausência de homologação expressa do Fisco.

3. A exigência de homologação expressa, independentemente do prazo de trinta dias após a comunicação ao Fisco decorre, portanto, de interpretação literal de portaria que contraria decreto que lhe hierarquicamente superior, o que não se pode admitir.

Esta conclusão se reforça pelo seguinte fato: diante da dificuldade estrutural para realizar a fiscalização, a Secretaria da Fazenda e Planejamento expediu a Portaria CAT 64/2020, que alterou alguns pontos da Portaria CAT 15/2003, permitindo monitoramento e homologação automática de acordo com alguns critérios de relevância.

Pela informação da própria Secretaria da Fazenda publicada, em 06/07/2020, no portal eletrônico daquele órgão[1]:

“Já neste momento, a Secretaria da Fazenda estima que mais de 60% das declarações de ITCMD sejam homologadas automaticamente, reduzindo o tempo médio de análise, que hoje é de 118 dias, para cerca de 30 dias. Este percentual, no entanto, tende a aumentar conforme os parâmetros de malha fiscal forem evoluindo”.

Como se vê, o objetivo principal é que a tecnologia da informação e a automação projetada permitam a homologação das declarações de ITCMD no prazo que o Decreto n.46.655/02 estipula. Mas não se mostra adequado, por meio de portaria, obstar o registro da transmissão declarada quando a própria Fazenda Pública descumpre o prazo do ato fiscalizatório fixado por ato regulatório de hierarquia superior para homologar ou impugnar o lançamento.

Disso decorre que a Portaria CAT n.89/2020 deve ser interpretada em harmonia com o Decreto no. 46.655/02, ou, caso se entenda no sentido da existência de antinomia, se conformar com a norma hierarquicamente superior.

A Portaria CAT 89/2020, ao exigir a apresentação de certidão de homologação relativa à declaração apresentada, independentemente de prazo para a Fazenda manifestar anuência ou discordância, também extrapola, indiretamente, os limites legais da responsabilização dos Registradores pelos atos de sua atribuição, pois tanto o artigo 289 da LRP quanto o artigo 25 da Lei Estadual n.10.705/2000 fixam expressamente como objeto de qualificação o “pagamento” do imposto.

Desde que não haja flagrante equívoco na declaração prestada pelo contribuinte e seja demonstrado o pagamento integral do crédito tributário constituído pela declaração, o Oficial não pode ser responsabilizado por eventuais diferenças necessárias à quitação integral da obrigação tributária que surgiu com a ocorrência do fato gerador, pois não é sua função investigar a exatidão do cálculo para apuração do crédito, mas apenas o seu pagamento. Para que não paire qualquer incerteza sobre a expressão “flagrante equívoco”, deve ser esta interpretada como o erro manifesto, constatável prima facie pelo Oficial, independentemente do exame aprofundado de tese jurídica sobre a base de incidência do tributo.

4. No caso concreto, houve adjudicação do único imóvel envolvido na partilha, com protocolo da declaração do ITCMD e comprovação de recolhimento do crédito tributário apurado (fls.163/169). O valor de avaliação do imóvel correspondeu ao valor venal de referência informado no cadastro municipal para a época do óbito (fls.36, 106 e 165), com observância do que prescrevem os artigos 9º, §1º e 13, I, da Lei n.10.705/2000, de modo que não se verifica equívoco flagrante na apuração.

O recolhimento integral ocorreu no dia 30 de outubro de 2023 (fl.169) e a carta de adjudicação foi expedida em 12 de março de 2024 (fl.178), sem qualquer manifestação complementar do Procurador do Estado, de modo que não se pode restringir o direito da herdeira ao registro pela inércia da Fazenda Pública, que não observou o procedimento previsto pelo Decreto n.46.655/2002.

O que não se tolera é subordinar o registro da partilha ou adjudicação a uma homologação da Fazenda Pública sem prazo para ocorrer, segundo a Portaria em vigor, que desafia e aparentemente contraria o texto de Decreto que lhe é hierarquicamente superior em termos normativos.

O óbice, como visto, não tem mais como subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, revendo em parte o entendimento anteriormente adotado por este Conselho Superior da Magistratura, dou provimento ao recurso de apelação para afastar a exigência prevista no artigo 12, I, “b”, da Portaria CAT n.89/2020, e determinar o registro da carta de adjudicação objeto da prenotação n.678.908 do 4º Registro de Imóveis da Capital.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Disponível em https://portal.fazenda.sp.gov.br/Noticias/Paginas/Secretaria-da-Fazenda-e-Planejamento-automatiza-homologa%C3%A7%C3%A3o-de-ITCMD.Aspx, com acesso em 20 de maio de 2025.

Fonte: DJEN/SP 28.08.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.