TJ/GO: Homem poderá usar nome feminino mesmo sem cirurgia para mudança de sexo

A juíza da 1ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Goiânia, Sirlei Martins da Costa (foto), autorizou um homem a mudar seu registro civil e a utilizar um nome feminino, mesmo sem ter se submetido à cirurgia de mudança de sexo. 

A magistrada levou em consideração o argumento do requerente que, embora tenha nascido sob o sexo masculino, sempre percebeu que psicologicamente pertencia ao sexo feminino e, por isso, passou por diversos procedimentos cirúrgicos estéticos, cirurgias plásticas, inclusive colou prótese de silicone nos seios.

“É um grave erro pensar que o sentimento de inadequação entre o corpo anatônico e o sentimento de identidade sexual seja o mesmo para todos os transexuais. Afirmar que existe 'transexual típico' é tão absurdo quanto falar em 'homossexual típico' e 'heterossexual típico' ”, destacou.

De acordo com juíza, a alteração do registro civil é possível, mesmo que ele não tenha se submetido a cirurgia de transgenitalização, uma vez que segue o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, diante do constrangimento da identificação como homem, quando fisicamente é identificado como mulher e assim reconhecido socialmente. Além disso, as certidões juntadas dos autos demonstram que a pretendida alteração não trará prejuízo a terceiros ou ao Estado.

Sirlei explicou que a Lei de Registros Públicos prevê, em seu artigo 58, que o prenome será definitivo. Ela observou, ainda, que a palavra "definitivo" foi introduzida pela Lei n°9.708, de 18 de novembro de 1998. “Antes, o caput daquele dispositivo rezava que o prenome será imutável. Porém, a mudança é permitida em algumas hipóteses previstas em lei, como alteração de prenome que impunha constrangimento ao seu titular”, pontuou.

Fonte: TJ-GO | 09/01/14

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TJ/PI: “Retificação de Registro: Transexualidade” – Des. Brandão de Carvalho

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. TRANSEXUALIDADE. ALTERAÇÃO DE PRENOME INDEPENDENTEMENTE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO.

A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí sob nossa Presidência e Relatoria, julgou um procedimento judicial inédito na justiça de nosso Estado e quiçá do nordeste brasileiro acerca de um tema de suma importância para quem se destinou e que abra as portas para a defesa intransigente dos direitos invioláveis e imprescritíveis da dignidade da pessoa humana, como corolário do que estabelece o art. 1º, III da nossa Constituição Federal com esteio na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ação já julgada, se incorpora de agora em diante no domínio público, motivo porque levo ao conhecimento do leitor este tema de importância inusitada face aos seus meios e fins; fomos seguidos à unanimidade pelos Desembargadores José de Ribamar Oliveira, José James Gomes Pereira, com anuência do Ministério Público, no ato representado pelo Procurador José Ribamar da Costa Assunção. Por tratar-se de pessoa hipossuficiente economicamente, a ação foi proposta pelos auspícios da assistência judiciária, tendo como Defensor Público o Dr. João Castelo Branco.

Antes de se adentrar ao mérito da causa, cumpre a este Relator fazer uma breve consideração. Embora não tenha havido instrução processual, tenho que a manifestação ministerial apresentada no primeiro grau à fl. 29, e neste segundo grau de jurisdição às fls. 55/68, autoriza este órgão julgador a decidir o presente recurso, estando a causa madura. Isso porque entendo como suficientes para julgamento a prova produzida com a inicial e, ainda, por não vislumbrar qualquer comprovação de efetivo prejuízo para as partes ou para a prestação jurisdicional. Por fim, é de registrar-se que o parecer ministerial nos autos é conclusivo pelo provimento do recurso, indicando, assim, que a causa está madura, pronta para julgamento, como autoriza o §3º do art. 515 do CPC.

Senhores Desembargadores, como visto, pretende a parte autora, ora recorrente, a alteração do prenome constante do seu registro civil de ‘José Alberto’ para ‘Safira’, fazendo-se constar Safira Bringel de Sousa.

Ao sentenciar, a magistrada a quo extinguiu o feito sem julgamento de mérito, por entender, em síntese, que “é imprescindível a transgenitalização para que o indivíduo passe a ter interesse processual na modificação de nome e gênero, posto que não há como requerer a mencionada retificação se, para fins de registro, o sexo está adequado”.

Pois bem, não se desconhece que o Judiciário em muitos casos vem autorizando a troca do prenome na hipótese em que a pessoa se submete à cirurgia de mudança de sexo, sendo a referida cirurgia conditio sine qua non. Todavia, entendo não ser justo e razoável forçar a pessoa e uma eventual “mutilação” para só assim autorizar-se a troca do prenome e respectiva documentação, situação essencial para a sua melhoria de vida em sociedade. E como será visto adiante, embora ainda de forma não uníssona, os Tribunais Pátrios evoluíram nos seus julgados, não mais exigindo a realização da cirurgia mencionada.

O direito ao nome e à dignidade da pessoa humana distingue a pessoa na sua vida em sociedade, tutelando o seu nome, a sua filiação, o seu sexo, dentre outros, distinguindo, individualizando e permitindo a constituição de sua personalidade, maneira individual de cada ser humano. E a identidade sexual constitui aspecto importante da identidade pessoal, pois, é cediço, está a sexualidade presente nas manifestações inerentes ao ser humano. E para o transexual, a sua identidade não é coincidente com o sexo anatômico, apontando, em verdade, para o sexo psicossocial.

A Constituição Federal em seu artigo 1º, III, estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento, baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Senhores Desembargadores, alega José Alberto que o nome masculino não retrata sua identidade social, que é feminina, afirmando ser reconhecidamente por todas as pessoas como Safira. Afirma ainda sofrer constrangimentos os mais diversos sempre que precisa se identificar com o nome que lhe foi dado.

Cumpre nesse momento transcrever o que diz a médica, psicanalista e antropóloga Profa. Elizabeth Zambrano (in Lima, Antônio Carlos de Souza (org.), Antropologia e Direito: Bases Para um Diálogo Interdisciplinar; Brasília, Associação Brasileira de Antropologia, 2007), extraído do acórdão da Apelação Cível nº 2001.71.00.026279-9/RS, da Relatoria do Juiz Federal Roger Raupp Rios, Tribunal Regional Federal da 4º Região, julgada em 14/08/2007:

“O senso comum considera que uma pessoa, ao ser classificada como homem ou mulher (sexo biológico), terá, naturalmente, o sentimento e o comportamento masculino ou feminino (identidade/papel de gênero) e o seu desejo sexual será dirigido para pessoas do sexo e/ou gênero diferente do seu (orientação heterossexual). Esses três elementos – sexo, gênero e orientação – são pensados, em nossa cultura, como estando sempre combinados de uma mesma maneira – homem masculino heterossexual ou mulher feminina heterossexual. É possível, entretanto, inúmeras combinações entre eles.

“Uma delas é a homossexualidade, termo referente a pessoas que praticam sexo com pessoas do mesmo sexo. Essas pessoas têm orientação sexual diferente da esperada para o seu sexo e gênero, mas isso, não necessariamente, indica uma mudança de ’identidade de gênero’. Elas não se percebem nem são percebidas pelos outros como de um gênero (masculino ou feminino) diferente do seu sexo (homem ou mulher), mesmo com comportamentos considerados ambíguos (homem afeminado ou mulher masculinizada).

“Já homens que fazem uso de roupas e modificações corporais para se parecer com uma mulher, sem buscar uma troca de sexo cirúrgica são considerados travestis. Travestis, aceitando seu corpo biológico de homem (embora modificado, às vezes, pelo uso de hormônios femininos e/ou implantes de silicone) e se percebendo como mulheres, reivindicam a manutenção dessa ambigüidade corporal, considerando-se, simultaneamente, homens e mulheres; ou se veem ’entre os dois sexos’ nem homens, nem mulheres. Todos, porém, se percebem como tendo uma identidade de gênero feminina.

“Outra combinação possível diz respeito aos transexuais, pessoas que afirmam ser de um sexo diferente do seu sexo corporal e fazem demanda de ’mudança de sexo’ dirigida ao sistema médico e judiciário.

“É muito comum homossexuais, travestis e transexuais serem percebidos como fazendo parte de um mesmo grupo, numa confusão entre a orientação sexual (homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade) e as ’identidades de gênero’ (homens masculinos, mulheres femininas, travestis, transexuais femininos e masculinos, entre outras).

“Todos os indivíduos que reivindicam um gênero que não apoiado no seu sexo podem ser chamados de ’transgênero’. Estariam incluídos aí, além de transexuais que realizaram cirurgia de troca de sexo, travestis que reconhecem seu sexo biológico, mas têm o seu gênero identificado como feminino; travestis que dizem pertencer a ambos os sexos/gêneros e transexuais masculinos e femininos que se percebem como homens ou mulheres mas não querem fazer cirurgia. A classificação de suas práticas sexuais como homo ou heterossexuais estará na dependência da categoria que estiver sendo considerada pelo indivíduo como a definidora de sua identidade (o sexo ou o gênero)”.

Segundo consta na inicial e no recurso de apelação bem elaborados por Defensor Público, José Alberto é transexual. Não se pretende aqui definir o que é transexual, travesti, homossexual, não é atribuição da ciência do direito defini-los ou diferenciá-los, mas se deve voltar os olhos para critérios que igualem a todos e sejam capazes de permitir o exercício de sua condição de pessoa humana, sobrelevando-se o direito à liberdade e à dignidade humana.

O judiciário não pode se quedar inerte e permanecer estático e insensível a esse aspecto social relevante, deixando indefinida uma situação que exige e reclama solução.

A manutenção em registro de nascimento e em seus documentos de identificação da indicação de prenome que não corresponde ao modo pelo qual a parte recorrente aparece em suas relações com a sociedade, equivale a deixá-la em uma situação incômoda, de incertezas, de conflitos, de retração, de angústia, o que causa abalos e embaraços múltiplos. É negar-lhe o direito de exercer a cidadania em sua forma mais plena, de alçada constitucional. Ressalte-se que a alteração do prenome não acarreta prejuízos à sociedade e nem a terceiros, e apenas suplantará transtornos que está ela a suportar.

Não se pode permitir ou chancelar tratamento discriminatório, sendo explicitamente vedadas as que objetivem prejudicar, restringir ou até acabar com o exercício de direitos e liberdades, quer por motivo de sexo, raça, etnia, cor, idade, origem, religião.

Não se pode olvidar que no exercício de sua mais ampla e irrestrita liberdade, o Sr. José Alberto tem direito de buscar melhor qualidade de vida por meio da satisfação de suas aspirações, e sua pretensão está representada, nesse momento, pela alteração de seu prenome, o que, segundo consta em seu recurso, ficará ela plenamente satisfeita com a mudança do prenome.

De fato, o que se verifica é que sua satisfação é sentir-se bem com a sua condição expressada por meio do seu nome e o que ele representa para si e para a coletividade, concretizando o seu direito à liberdade e à dignidade. É a identificação social e psicológica, conformação social entre o nome e sua aparência, reconhecimento de sua condição de ser humano digno.

Suas ações, modo de vida e opção pessoal não podem ser meio de discriminação, mas são motivos que revelam sua verdadeira identidade.

José Alberto, além de se apresentar com características físicas e psíquicas femininas, trajando-se como tal, deixa certo que o nome que melhor lhe identifica e que satisfaz os seus anseios é o nome Safira.

Os recortes de jornais apresentados com a exordial indicam que José Alberto há mais de 34 (trinta e quatro) anos é conhecida como Safira, apresentando-se como mulher, e são datados a partir de 1979, de diversas cidades, além de Teresina-PI, como São Paulo-SP, Brasília-DF, Caxias do Sul-RS. As fotos constantes dos seus documentos de identificação, RG, carteira profissional e carteira sindical indicam que se apresenta como mulher.

É de conhecimento público e notório, não circunscrito apenas aos limites de Teresina, do Estado do Piauí, mas sim de vários Estados do nosso país, que o autor José Alberto é conhecido como Safira Bengell.

Destarte, ao meu sentir, a solução é diversa da sentença recursada, e não pode ser outra que não o atendimento do pedido da autora, não importando se ele fez ou fará cirurgia de transgenitalização.

O art. 58 da Lei n. 6.015/73, com a nova redação dada pela Lei n. 9.807/99, dispõe o seguinte:

Art. 58 – O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

Parágrafo único – A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.

A mesma Lei de Registros Públicos estabelece, em seu art. 55, a possibilidade de o prenome ser modificado quando expuser seu titular ao ridículo. No caso em análise, José Alberto, convicto de seu anseio, portando-se e vestindo-se como mulher, fica exposto a situações vexatórias ao ser chamado em público pelo nome constante no registro.

A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei de Registros Públicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive, qual seja, “Safira”.

Reproduzo a seguir decisões que se amoldam ao caso em discussão:

APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALISMO. TRAVESTISMO. ALTERAÇÃO DE PRENOME INDEPENDENTEMENTE DA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E À DIGNIDADE. CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. ACOLHIMENTO DE PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDO GRAU.

A demonstração de que as características físicas e psíquicas do indivíduo, que se apresenta como mulher, não estão em conformidade com as características que o seu nome masculino representa coletiva e individualmente são suficientes para determinar a sua alteração.

A distinção entre transexualidade e travestismo não é requisito para a efetivação do direito à dignidade. Tais fatos autorizam, mesmo sem a realização da cirurgia de transgenitalização, a retificação do nome da requerente para conformá-lo com a sua identidade social.

Pronta indicação de dispositivos legais e constitucionais que visa evitar embargo de declaração com objetivo de prequestionamento.

REJEITADAS AS PRELIMINARES, NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70022504849, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 16/04/2009).

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALISMO. ALTERAÇÃO DE PRENOME INDEPENDENTEMENTE DA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E À DIGNIDADE. CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. ACOLHIMENTO DE PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDO GRAU. A demonstração de que as características físicas e psíquicas do indivíduo, que se apresenta como mulher, não estão em conformidade com as características que o seu nome masculino representa coletiva e individualmente são suficientes para determinar a sua alteração. A distinção entre transexualidade e travestismo não é requisito para a efetivação do direito à dignidade. Tais fatos autorizam, mesmo sem a realização da cirurgia de transgenitalização, a retificação do nome da requerente para conformá-lo com a sua identidade social. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70030772271, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 16/07/2009).

Registro civil. Alteração de prenome e sexo da requerente em virtude de sua condição de transexual. Admissibilidade. Hipótese em que provada, pela perícia multidisciplinar, a desconformidade entre o sexo biológico e o sexo psicológico da requerente. Registro civil que deve, nos casos em que presente prova definitiva do transexualismo, dar prevalência ao sexo psicológico, vez que determinante do comportamento social do indivíduo. Aspecto secundário, ademais, da conformação biológica sexual, que torna despicienda a prévia transgenitalização. Observação, contudo, quanto à forma das alterações que devem ser feitas mediante ato de averbação com menção à origem da retificação em sentença judicial. Ressalva que não só garante eventuais direitos de terceiros que mantiveram relacionamento com a requerente antes da mudança, mas também preserva a dignidade da autora, na medida em que os documentos usuais a isso não farão qualquer referência. Decisão de improcedência afastada. Recursos providos, com observação. (TJSP, AC 0008539-56.2004.8.26.0505, 6ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Vitor Guglielmi j. 18/10/2012).

Registro civil. Transexualidade. Prenome. Alteração. Possibilidade. Apelido público e notório. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário à situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência dos arts. 56 e 58 da Lei n. 6015/73 e da Lei n. 9708/98. Recurso provido." (TJRS,  AC 70001010784, 7ª C. Cív., Rel. Des. Luis Felipe Brasil Santos, j. 14/06/2000).

É de registrar ainda que mesmo quando inexistente norma legal, deve ser suprida a lacuna por meio de integração, devendo o julgador adotar a decisão que melhor se alinhe com os valores do ordenamento jurídico, tal como a dignidade da pessoa humana.

E como os documentos públicos devem ser fidedignos aos fatos da vida, e que deve haver segurança nos registros públicos, no livro cartorário, à margem do registro da alteração do prenome do recorrente, deve ficar averbado que a modificação procedida decorre de decisão judicial em ação de modificação de registro. Isso decorre da imperiosa necessidade de salvaguardar os atos jurídicos já praticados, e objetiva manter a segurança das relações jurídicas e, por fim, visa solucionar eventuais questões que sobrevierem no âmbito do direito. Entretanto, assim como decidido no REsp 737.993/MG, da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 10/11/2009, “tal averbação deve constar apenas do livro de registros, não devendo constar nas certidões do registro público competente nenhuma referência de que a aludida alteração é oriunda de decisão judicial, …, sob pena de manter a exposição do indivíduo a situações constrangedoras e discriminatórias”.

Em face do exposto, conheço e dou provimento ao recurso de apelação, para julgar procedente o pedido da ação, para autorizar a modificação do nome que consta do registro civil de “José Alberto Bringel Sousa” para “Safira Bringel Sousa”, de acordo com o parecer ministerial superior.

Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho

Decano e Presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense

Fonte: TJ/PI I 05/12/2013.

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TJRS: AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. MUDANÇA DE SEXO. TRANSEXUALIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. MUDANÇA DE SEXO. TRANSEXUALIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Quando está comprovado que a retificação do registro de nascimento não trará qualquer prejuízo à sociedade e, sobretudo, garante a dignidade da pessoa humana daquele que a pleiteia, cumpre a procedência do pedido. Sentença mantida.

NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.

Apelação Cível

 

Oitava Câmara Cível

Nº 70052872868

 

Comarca de Caxias do Sul

MINISTERIO PUBLICO

 

APELANTE

ERON DAITX CAMARGO

 

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente e Revisor) e Des. Luiz Felipe Brasil Santos.

Porto Alegre, 04 de abril de 2013.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposta pelo Ministério Público porque inconformado com a procedência da ação de retificação do registro civil de nascimento de E.D.C. em razão da sua transsexualidade.

Em suas razões, o Ministério Público discorreu sobre a impossibilidade jurídica do pedido avaliando que o caso dos autos não se coaduna com a preservação da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, discorreu sobre os preceitos constitucionais arguindo que não há dispositivo legal que autorize a medida requerida pelo apelado. Ao contrário, salientou que a mudança de sexo na certidão de nascimento constitui crime de falsidade ideológica, não perdendo a tipicidade, ilegalidade e culpabilidade apenas porque o Poder Judiciário assim permitiu. No ponto, asseverou que manutenção da decisão recorrida poderá gerar uma série de fraudes exemplificando que o apelado poderá aposentar-se com tempo de contribuição menor do que o exigido para os homens etc. Assim, arguiu que o correto é a incidência do art. 267, VI, do CPC, extinguindo-se o processo por impossibilidade jurídica do pedido. Desse modo, requereu o provimento do apelo ao efeito de se cassar os reformar a sentença recorrida extinguindo-se o processo. Por final, prequestionou o art. 1º, parágrafo único, art. 2º, art. 3º, inciso IV, art. 5º, inciso I, art. 22, inciso I, art. 44, art. 49, inciso XI, art. 51, art. 52 e art. 59, todos da Constituição Federal.

O apelado apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença – fls. 79-83.

O Ministério Público, nesta instância, exarou parecer opinando pelo desprovimento do apelo – fls. 86-92v.

Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, em razão da adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)

A questão a ser solvida nesta apelação cível é a inconformidade do Ministério Público com a procedência da demanda proposta por E.D.C., autorizando que o apelado retifique seu registro civil de nascimento para mudança de nome e de sexo, em virtude de sua transexualidade.

A situação trazida nestes autos não é mais novidade neste Tribunal e, nessa esteira, já possui orientação sedimentada quanto à possibilidade do pedido, em razão do respeito à dignidade da pessoa humana.

Em que pese ao extenso arrazoado do recorrente, a celeuma vivida pela pessoa que não se encaixa em seu sexo transcende à mera opção sexual e passa a obstaculizar a sua dignidade.

Isso é o que dizem os psiquiatras e psicólogos, pessoas que estão autorizadas a emitirem pareceres sobre o tema.

Logo, a intervenção do Poder Judiciário ocorre somente no momento em que, avaliado o pedido sob a ótica dos especialistas, constata-se que a parte realmente não se encaixa em seu sexo e necessita mudá-lo para seguir sua vida com dignidade.

Além disso, nestes autos existem todas as provas de que o recorrido nunca se envolveu na prática de delitos de qualquer natureza, bem como se encontra em situação regularizada perante os órgãos públicos.

Desse modo, a retificação do registro de nascimento não trará qualquer prejuízo à sociedade restringindo-se apenas à garantia da dignidade daquele que a pleiteia.

No mais, o Ministério Público, nesta instância, avaliou com perfeição o caso, de sorte que adoto o seu parecer como razões de decidir, a saber:

“(…) II – Preliminarmente.

Não calha a prefacial de impossibilidade jurídica do pedido.

Como é cediço, o pedido é considerado impossível juridicamente diante da existência de expressa vedação legal. O ordenamento jurídico pátrio não veda expressamente a possibilidade de alteração do nome em razão da realização de cirurgia de redesignação sexual, em face da qual o indivíduo passa a ostentar genitália diversa daquela apresentada por ocasião de seu nascimento.

Além de não haver vedação legal expressa em relação ao pedido formulado nos autos, a Lei dos Registros Públicos – Lei n.º 6.015/2003 – permite a alteração do nome, por exceção, sendo o pedido motivado, após ouvido o Ministério Público, e autorizado por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, na forma do artigo 56, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 12.100, de 2009.

Por conseguinte, sendo juridicamente possível o pedido constante da exordial, relativo à alteração do nome e gênero constante do registro de nascimento em virtude da realização de cirurgia de redesignação sexual, deve ser desacolhida a prefacial.

III – Do Mérito.

No mérito, improcede a inconformidade.

Cuida-se de irresignação manifestada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara da Direção do Foro da Comarca de Caxias do Sul que julgou procedente o pedido formulado nos autos da Ação de Retificação de Registro de Nascimento – Alteração do Nome e Gênero – promovida por E.D.C., ao efeito de determinar a retificação de seu assento de nascimento, para nele fazer constar o nome de C.B.D.C. e o gênero/sexo feminino.

Com a devida vênia do operoso e diligente colega Promotor de Justiça em ofício perante o primeiro grau de jurisdição, o decisum está correto e não comporta reparos.

Com efeito, a alteração do nome é possível em casos excepcionais, mediante decisão judicial em pedido motivado, após ouvido o Ministério Público, na forma do artigo 57 da Lei n.º 6.015/73, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 12.100/2009, cuja dicção refere:

Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.”

E o artigo 58 do citado texto legal sofreu alteração com o advento da Lei n.º 9.708/1998, deixando de prever como imutável, para afirmar definitivo o prenome, admitida a sua substituição, excepcionalmente, verbis:

Art. 58. O prenome será imutável.

Parágrafo único. Quando, entretanto, for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do Juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do artigo 56, se o oficial não o houver impugnado.”

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

O nome permite a individualização das pessoas e, mais do que isso, sua identificação como sujeito de direitos e obrigações na ordem civil. O sistema vigente no ordenamento jurídico pátrio é informado pelo princípio da continuidade dos registros públicos e, especialmente em relação ao nome, pelo princípio da imutabilidade ou definitividade.

Tais princípios são mitigados diante de situações excepcionais que autorizam a alteração do nome, quando, v.g., expuser a pessoa a ridículo, contiver erro de grafia, decorrer de reconhecimento de filiação, de adoção e quando a pessoa for publicamente conhecida em seu meio social pelo nome que pretende adotar.

A meu sentir, o caso dos autos enquadra-se na última opção citada, ainda mais quando realizada cirurgia de transgenitalização, estando caracterizada situação excepcional suficiente a justificar o pedido de alteração do nome e gênero constantes do assento de nascimento, na forma autorizada pelos precitados dispositivos legais.

No caso concreto, E. promoveu a demanda visando a retificação de seu registro civil, mediante a alteração de seu prenome para “C. B.” e de seu gênero para “feminino”, esclarecendo ser portador de transtorno de identidade de gênero, por ser visto e tratado como mulher desde a adolescência, sendo, inclusive, chamado por “Carol”, em sua profissão de esteticista. Argumentou possuir características e personalidade femininas, acrescentando que a alteração pretendida irá evitar repercussões negativas e abalos psíquicos decorrentes da atual situação, permitindo perfeita adequação de sua personalidade ao meio social em que vive.

Observa-se que o apelado passou por processo de avaliação diagnóstica no Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG), no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, conforme orientação do Conselho Federal de Medicina – Resolução CFM n.º 1.652/2002 (fl. 21).

Segundo consta do Sumário de Alta emitido pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre/RS, no curso o feito, em 10/08/2012, apresentando diagnóstico de ”Transexualismo”, o apelado submeteu-se a cirurgias de “Penectomia total”, “Orquietomia bilateral” e “Vaginoplastia” (fl. 63).

Portanto, o fato de o apelado ser visto e tratado como mulher desde a adolescência, ser identificado no meio social por “Caroline” e, ainda, ter-se submetido à cirurgia de transgenitalização, caracteriza a situação de excepcionalidade exigida na lei, autorizando a alteração posterior do nome e sexo, com a substituição pelo prenome adotado em seu meio social, agregado ao gênero compatível, aos efeitos dos artigos 57 e 58 da Lei n.º 6.015/73.

Sobre o tema, o Colendo Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se favoravelmente à alteração de nome e designativo de sexo em registro civil de pessoa submetida à cirurgia de redesignação sexual:

“Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana.

Sob a perspectiva dos princípios da Bioética – de beneficência, autonomia e justiça –, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual.

A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade.

A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana – cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano.

Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto.

Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana.

A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo.

Conservar o “sexo masculino” no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente.

Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido.

Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73.

Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar.

Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna.

De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar “imperfeições” como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado.

Recurso especial provido.”[1]

Neste Egrégio Tribunal de Justiça tem sido admitida a alteração de registro civil em caso em transexualismo, até mesmo independentemente da realização de cirurgia de redesignação sexual:

“APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALISMO. TRAVESTISMO. ALTERAÇÃO DE PRENOME INDEPENDENTEMENTE DA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E À DIGNIDADE. A demonstração de que as características físicas e psíquicas do indivíduo, que se apresenta como mulher, não estão em conformidade com as características que o seu nome masculino representa coletiva e individualmente são suficientes para determinar a sua alteração. A distinção entre transexualidade e travestismo não é requisito para a efetivação do direito à dignidade. Tais fatos autorizam, mesmo sem a realização da cirurgia de transgenitalização, a retificação do nome da requerente para conformá-lo com a sua identidade social. DERAM PROVIMENTO.”[2]

“APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO. PRENOME E GÊNERO. TRANSEXUALISMO. PROBIÇÃO DE REFERÊNCIA QUANTO A MUDANÇA. POSSIBILIDADE. Determinada a alteração do registro civil de nascimento em casos de transexualidade, desde que demonstrada a existência da alopatia, é imperiosa a proibição de referência no registro civil quanto à mudança, a fim de preservar a intimidade do apelado. NEGARAM PROVIMENTO. (SEGREDO DE JUSTIÇA)“[3]

“APELAÇÃO CÍVEL. TRANSEXUALISMO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NOME E SEXO. É possível a alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo e ao nome em virtude da realização da cirurgia de redesignação sexual. Vedação de extração de certidões referentes à situação anterior do requerente, sob pena de discriminação. RECURSO IMPROVIDO.”[4]

“APELAÇÃO CÍVEL. TRANSEXUALISMO. ALTERAÇÃO DO GENERO/SEXO NO REGISTRO DE NASCIMENTO. DEFERIMENTO. Tendo o autor/apelante se submetido a cirurgia de "redesignação sexual", não apresentando qualquer resquício de genitália masculina no seu corpo, sendo que seu "fenótipo é totalmente feminino ", e, o papel que desempenha na sociedade se caracteriza como de cunho feminino, cabível a alteração não só do nome no seu registro de nascimento mas também do sexo, para que conste como sendo do gênero feminino. Se o nome não corresponder ao gênero/sexo da pessoa, à evidência que ela terá a sua dignidade violada. Precedentes. Apelação provida. (SEGREDO DE JUSTIÇA)”[5]

“APELAÇÃO CÍVEL. TRANSEXUALISMO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NOME E SEXO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA RECONHECIDO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE TRANSGENITALIZAÇÃO REALIZADO. É possível a alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo e ao nome em virtude da realização da cirurgia de redesignação sexual. Vedação de extração de certidões referentes à situação anterior do requerente. APELO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA).”[6]

Depois de realizada a cirurgia de redesignação sexual, mediante os procedimentos “Penectomia total”, “Orquietomia bilateral” e “Vaginoplastia”, o apelado eliminou qualquer resquício de genitália masculina em seu corpo, passando a apresentar inegável fenótipo feminino, em absoluta compatibilidade com a identidade sexual adotada e a realidade social vivenciada desde a adolescência.

É inegável que o fato de o apelado ostentar nome masculino no registro civil, todavia, viver publicamente como mulher e assim se apresentar em seu meio social e profissional – onde é conhecido por nome e apelido feminino -, causa constrangimento, tristeza e discriminação, além de frequente exposição a situações vexatórias.

Negar a pretensão do apelado traduziria verdadeiro afronta à sua dignidade, pois importaria obrigá-lo a manter nome e gênero em seu registro em total desarmonia com a atual realidade inerente à sua redesignação sexual, sujeitando-o a todo o tipo de sentimento negativo que aflige o ser humano em sua existência, na vida íntima e social, com comprometimento da própria essência existencial, que jamais se afirmará completa.

O não-acolhimento do pleito do apelado importaria condená-lo a viver em situação de cruel aberração e inegável discriminação, impedindo-o de exercer os atributos de sua personalidade de forma plena e de viver dignamente, em razão de obstáculos impostas pelo registro civil, porque sua situação anátomo-fisiológica atual está em desarmonia com o assento de nascimento, em relação ao nome e ao designativo de gênero.

Não se pode obrigar Maria a chamar-se de João. E isso independe da opção sexual de cada um. Se Maria optou pela realização de cirurgia de redesignação sexual, passando a ostentar morfologia feminina, sentir-se mulher, apresentar todas as condições físicas e psicológicas femininas e assim sendo vista socialmente, não se pode chamá-la de João. Em tais condições, o assento civil contendo nome e designação de gênero masculino não refletiria a verdade, deixando de cumprir sua verdadeira função.

Haverá vida digna para o apelado somente quando reconhecida sua identidade sexual de forma absoluta, ou seja, quando o registro civil espelhar a verdade real por ele mantida, de acordo com sua identificação psicológica, física e social feminina.

Nesse sentido, mostra-se cabível a alteração no registro de nascimento do apelado, para fazer constar o nome feminino com o qual se identifica socialmente e a designação de sexo como gênero feminino.

Por oportuno, observa-se que os procedimentos cirúrgicos realizados pelo apelado foram oferecidos pelo Sistema único de Saúde, de acordo com a Portaria n. 1.707, de 18/08/2008, sendo a cirurgia de transgenitalização autorizada nos termos da Resolução n.º 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, tendo em vista tratar-se de paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual.

Se o Poder Público disponibiliza esse tipo de procedimento em pessoas portadoras de transtorno sexual, não pode negar o direito daqueles que procederam à redesignação sexual de promoverem a adequação do nome e gênero em seu assento de nascimento, sob pena de incorrer em grave ofensa à dignidade da pessoa humana, preconceito e discriminação.

Não há falar em afronta aos dispositivos constitucionais citados nas razões de apelação, porque a retificação de registro civil em questão constitui decorrência lógica do direito à dignidade da pessoa humana, erigida à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, na forma do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

A solução preconizada na sentença não importa desrespeito ou violação à mulher, mas forma de promover a Justiça, por garantir e efetivar a dignidade da pessoa humana, o respeito e a valorização de pessoas redesignadas sexualmente, a fim de reconhecer-lhes a verdadeira identidade e proporcionar-lhes a tão almejada felicidade.

A retificação do nome e do gênero constante do assento de nascimento em casos de redesignação sexual longe está de configurar ilícito penal, ausente a adequação típica relativa aos delitos descritos nos artigos 299, 307, 313-A e 236 do Código Penal.

Não se cogita de falsidade ideológica, falsa identidade, inserção de dados falsos em sistema de informação ou induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, pois o registro deve espelhar a realidade, sendo admitida no ordenamento jurídico a retificação relativamente ao sexo e ao nome em face da realização da cirurgia de redesignação sexual.

Destarte, estando caracterizada nos autos a situação de excepcionalidade exigida na lei, está correta a sentença que julgou procedente o pedido inicial, determinando a retificação do assento de nascimento do apelado, para nele fazer constar o nome C. e o gênero feminino.

Em face do exposto, o Ministério Público de segundo grau opina pelo conhecimento do recurso, pelo não-acolhimento da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, pelo não-provimento do apelo.” (Omiti os nomes em razão do Segredo de Justiça)

Diante de tais razões, a solução do caso é aquela conferida pela sentença, a autorizar a retificação do registro civil de nascimento do apelado em respeito à sua dignidade.

Por final, embora não seja exigido que o julgador manifeste-se sobre todos os dispositivos legais trazidos pela parte, considero prequestionados os dispositivos legais invocados pelo apelante.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo.

 

Des. Rui Portanova (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Luiz Felipe Brasil Santos – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUI PORTANOVA – Presidente – Apelação Cível nº 70052872868, Comarca de Caxias do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: SERGIO FUSQUINE GONCALVES


[1] REsp 1008398 / SP – RECURSO ESPECIAL – 2007/0273360-5 – Relator(a) – Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) – Órgão Julgador – T3 – TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento – 15/10/2009 – Data da Publicação/Fonte DJe 18/11/2009 – RMP vol. 37 p. 301 – STJ vol. 217 p. 840.

[2] Apelação Cível Nº 70030504070, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 29/10/2009.

[3] Apelação Cível Nº 70021120522, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 11/10/2007.

[4] Apelação Cível Nº 70028694479, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 28/05/2009.

[5] Apelação Cível Nº 70022952261, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 17/04/2008.

[6] Apelação Cível Nº 70013580055, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 17/08/2006.

Fonte: TJRS (Jurisprudência).