STJ aplica desconsideração inversa de personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha

A desconsideração inversa da personalidade jurídica poderá ocorrer sempre que o cônjuge ou companheiro empresário se valer de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, para subtrair do outro cônjuge direito oriundo da sociedade afetiva. 

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que reconheceu a possibilidade de desconsideração inversa da pessoa jurídica, em ação de dissolução de união estável. 

A desconsideração da personalidade jurídica está prevista no artigo 50 do Código Civil (CC) de 2002 e é aplicada nos casos de abuso de personalidade, em que ocorre desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nessa hipótese, o magistrado pode decidir que os efeitos de determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

A desconsideração inversa, por sua vez, ocorre quando, em vez de responsabilizar o controlador por dívidas da sociedade, o juiz desconsidera a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação do sócio. 

No caso analisado pela Terceira Turma, o juízo de primeiro grau, na ação para dissolução de união estável, desconsiderou a personalidade jurídica da sociedade, para atingir o patrimônio do ente societário, em razão de confusão patrimonial da empresa e do sócio que está se separando da companheira. 

Máscaras societárias

A alegação do empresário no recurso interposto no STJ é de que o artigo 50 do CC somente permitiria responsabilizar o patrimônio pessoal do sócio por obrigações da sociedade, mas não o inverso. Contudo, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entende que a desconsideração inversa tem largo campo de aplicação no direito de família, em que a intenção de fraudar a meação leva à indevida utilização da pessoa jurídica. 

“A desconsideração da personalidade jurídica, compatibilizando-se com a vedação ao abuso de direito, é orientada para reprimir o uso indevido da personalidade jurídica da empresa pelo cônjuge (ou companheiro) sócio que, com propósitos fraudatórios, vale-se da máscara societária para o fim de burlar direitos de seu par”, ressaltou a ministra. 

A ministra esclareceu que há situações em que o cônjuge ou companheiro esvazia o patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar o outro da partilha. Também há situações em que, às vésperas do divórcio ou da dissolução da união estável, o cônjuge ou companheiro efetiva sua retirada aparente da sociedade, transferindo a participação para outro membro da empresa ou para terceiro, também com o objetivo de fraudar a partilha. 

Assim, a ministra ressaltou que o objetivo da medida é “afastar momentaneamente o manto fictício que separa os patrimônios do sócio e da sociedade para, levantando o véu da pessoa jurídica, buscar o patrimônio que, na verdade, pertence ao cônjuge (ou companheiro) lesado”. 

No caso analisado pelo STJ, o TJRS seguiu o entendimento do juízo de primeiro grau e concluiu pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário. Alterar a decisão quanto ao ponto, conforme a ministra, não seria possível sem o reexame de fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. 

Legitimidade ativa

Conforme a decisão, a legitimidade ativa para requerer a desconsideração é atribuída, em regra, ao familiar lesado pela conduta do sócio. No caso analisado, a sócia detinha apenas 0,18% das cotas sociais, sendo a empresa gerida pelo ex-companheiro. 

Segundo a relatora, detendo a recorrida uma parcela muito pequena das cotas sociais, seria extremamente difícil – quando não impossível – investigar os bens da empresa, para que fosse respeitada sua meação. “Não seria possível, ainda, garantir que os bens da empresa não seriam indevidamente dissipados, antes da conclusão da partilha”, analisou a ministra. 

“Assim, se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa”, concluiu. 

A ministra esclareceu que, no caso, a legitimidade decorre não da condição de sócia, mas em razão da sua condição de companheira. 

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1236916.

Fonte: STJ I 25/11/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


TJ/SP: Admitida desconsideração da personalidade jurídica reversa de empresa

A 23ª câmara de Direito Privado do TJ/SP admitiu desconsideração da personalidade jurídica reversa. O julgamento se deu no caso em que, antes de uma loja de veículos entrar em liquidação, dois dos sócios constituíram uma nova empresa, transferindo expressivo patrimônio para ela. O colegiado considerou ser nítida a confusão patrimonial entre as empresas e as pessoas dos seus sócios.

Em primeira instância, o pedido de desconsideração da pessoa jurídica, que tinha como finalidade atingir o patrimônio da nova empresa constituída pelos mesmos sócios, foi negado pela juíza da 7ª vara Cível de Santos/SP.

No julgamento em 2ª grau, a 23ª câmara de Direito Privado deu provimento ao agravo, reformando decisão impugnada, a fim de determinar o prosseguimento da execução também em face da nova empresa, conforme requerido pelo agravante.

O relator do processo, desembargador José Marcos Marrone, considerou "viável a desconsideração da personalidade jurídica reversa da TFG Master Administração e Participações Ltda., motivo pelo qual a execução há de prosseguir também em face da empresa citada".

A causa foi patrocinada pelos advogados Maurício Guimarães Cury e Sylvio Guerra Júnior, do escritório Cury e Moure Simão Advogados Associados.

Veja a íntegra da decisão.

Fonte: Migalhas. Publicação em 24/05/2013.