Provimento da Corregedoria Nacional de Justiça autoriza fazer registro tardio voluntário de filhos sem ação judicial; em todo o Estado de São Paulo, foram 11.120 reconhecimentos no ano passado, ante 6.503 em 2011, antes da vigência da nova norma.
Um ano e meio após a edição de um provimento da Corregedoria Nacional de Justiça que autoriza os cartórios de todo o País a realizar o reconhecimento tardio de paternidade, o número de registros nas repartições do Estado de São Paulo aumentou 71% de 2011 para o ano passado. Foram 6.503 registros em 2011, ante 11.120 em 2012. Só neste ano, já foram feitos 6.650 procedimentos, dos quais 4.089 em cartórios.
O fenômeno é diretamente associado à agilidade e à desburocratização do processo, uma vez que as famílias que pretendem fazer o reconhecimento tardio não precisam mais recorrer à Justiça, como acontecia. Antes, mesmo que o reconhecimento fosse voluntário, era preciso um advogado para dar entrada em uma ação judicial e passar por parecer do Ministério Público Estadual, até receber o aval do juiz, que emitia um mandado de averbação para o reconhecimento no cartório.
Mais ágil, agora a certidão do reconhecimento tardio de paternidade pode ser emitida no mesmo dia ou, no máximo, em uma semana – caso o pedido seja feito em outra cidade ou em outro Estado. No Judiciário, um processo consensual chega a demorar meses, enquanto um litigioso dura até três anos. No Estado, o procedimento custa R$ 58,15, mas a certidão pode sair de graça se a família não tiver condições de pagar por ela.
"A norma veio para facilitar a vida de muitas famílias. Muitas vezes o pai não fazia o reconhecimento simplesmente porque achava burocrático e demorado demais", diz Luis Carlos Vendramini Junior, presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado (Arpen-SP).
O montador de estandes Fábio Freitas de Sousa, de 36 anos, por exemplo, fez o reconhecimento do filho de 13 no cartório, há um mês. O menino nasceu quando ele estava preso e a mãe não incluiu o nome de Sousa na certidão. Após um tempo, a mãe da criança também foi presa, o que dificultou o processo.
Sousa está em liberdade há sete anos e, desde então, tentava fazer o reconhecimento, mas não conseguia porque tinha de ser judicialmente, e a burocracia emperrava. |
Recentemente, Sousa descobriu a possibilidade de fazer o reconhecimento no cartório. Para isso, precisava da assinatura da mãe do menino, da assistente social e do diretor do presídio. "Era muito constrangimento para ele não ter o nome do pai na certidão. E esse era um direito dele. Agora, ele tem o meu sobrenome", diz o pai.
Acesso. André Corrêa, professor de Direito Civil da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que os cartórios são muito mais próximos da população, o que facilita o acesso. "Sempre que se fala em Justiça, as pessoas pensam em algo demorado, caro, que nem sempre dá certo."
O juiz Ricardo Pereira Júnior, titular da 12.ª Vara de Família Central do Tribunal de Justiça de São Paulo, concorda. "O fórum afasta as pessoas. É um ambiente de conflitos, as pessoas não gostam de estar lá", acredita.
Os juristas ressaltam também que a norma tornou o Judiciário mais ágil e eficiente, uma vez que essas demandas foram transferidas para os cartórios. Pereira Júnior diz que o provimento faz parte de um processo de racionalização do Judiciário. "Antes, a Justiça era acionada para se manifestar em situações que eram exclusivamente de interesse entre as partes, o que tornava os processos demorados. Agora, os juízes têm mais tempo para se dedicar a processos mais complexos."
O juiz auxiliar da Corregedoria Gabriel da Silveira Matos explica, porém, que a norma não tinha como objetivo direto desafogar a Justiça, mas houve impacto. "Cada reconhecimento de paternidade resolvido extrajudicialmente é um processo a menos, é uma audiência a menos, o que possibilita ao juiz dar atenção a outras questões."
No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm pai no registro
Rio tem o maior número de filiações incompletas, seguido de São Paulo, com 663.375 menores de idade sem pai.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, apontam que há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento.
O Estado do Rio lidera o ranking, com 677.676 crianças sem filiação completa, seguido por São Paulo, com 663.375 crianças com pai desconhecido. O Estado com menos problemas é Roraima, com 19.203 crianças que só têm o nome da mãe no registro de nascimento.
"É um número assustador, um indício de irresponsabilidade social. Em São Paulo, quase 700 mil crianças não terem o nome do pai na certidão é um absurdo", diz Álvaro Villaça Azevedo, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).
Segundo o professor, ter o nome do pai na certidão de nascimento é um direito à personalidade e à identidade de toda criança. "Além disso, é uma questão legal para que essa pessoa possa ter direito a receber herança, por exemplo", afirma.
Para o juiz Ricardo Pereira Júnior, titular da 12.ª Vara de Família de São Paulo, ter tanta criança sem registro paterno é preocupante. "Isso significa que haverá a necessidade de regularizar essa situação mais para a frente. Uma criança sem pai pode sofrer constrangimentos, além de estar em uma situação de maior vulnerabilidade, pois não tem a figura paterna."
Nelson Susumu, presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), também considera o número preocupante, e ressalta que há ações para diminui-lo. "O programa Pai Presente do CNJ foi criado para tentar reduzir esse número."
Família comemora o 'primeiro' dia dos pais
Depois de idas e vindas, Thamires, de 21 anos, vai passar a data oficialmente registrada.
Aos 21 anos, este será o primeiro Dia dos Pais que Thamires Caroline Cabral Francisquete vai passar “oficialmente” registrada como filha do bacharel em Direito Alexandre Baitello Francisquete, de 38 anos. O pai fez o reconhecimento formal da paternidade há menos de um mês, em um cartório da zona sul de São Paulo.
“Comecei a me sentir filha dele de verdade a partir desse momento. Agora, oficialmente, eu faço parte da família”, diz Thamires, que decidiu adotar o sobrenome do pai na certidão de nascimento, que ficou pronta em uma semana. “Já estou até tirando outro RG”, conta.
Antes de oficializar o reconhecimento de paternidade, pai e filha tiveram uma história conturbada, com idas e vindas. Alexandre tinha só 16 anos quando engravidou a primeira namorada – mãe de Thamires -, que na época tinha 17 anos. Os pais dela queriam que eles se casassem. Os pais de Alexandre, não, pois achavam os dois jovens demais para assumir o compromisso.
O namoro durou pouco tempo e terminou antes de a gestação chegar ao fim. Quando Thamires nasceu, a família da mãe da menina foi registrar o bebê por conta própria, sem avisar o pai. Quando Alexandre soube, já era tarde demais. Para fazer a alteração na certidão de nascimento da menina com o devido reconhecimento, só por via judicial. “Não sabia que existia justiça gratuita, achei que seria caro demais pagar um advogado, por isso deixei passar”, diz o pai.
Mudança. Para piorar, a família materna de Thamires se mudou para outra cidade quando a menina tinha cerca de 1 ano e também não avisou a família de Alexandre. Eles não deixaram nenhuma informação, nem endereço nem telefone, o que impediu o contato mais próximo entre pai e filha. “As únicas fotos que eu tinha, ela ainda era um bebê”, conta Alexandre.
Daí em diante, Thamires foi criada pelo padrasto – a quem chama de pai até hoje. “Quando eu tinha uns 8 anos, minha mãe me contou que ele não era meu pai de verdade. Na hora não tive reação, mas guardei aquilo comigo. Quando fiz 12 anos, pedi para conhecer meu pai biológico.” Segundo Thamires, a família da mãe não questionou a decisão.
A essa altura, Alexandre já estava casado também, mas ainda não tinha outros filhos. Pensava na filha frequentemente, especialmente nas datas festivas, como Dia dos Pais, Natal, Dia das Crianças e o aniversário da menina. “Sentia um aperto, queria saber como ela estava.”
Em uma tarde, recebeu uma ligação de sua mãe, dizendo que tinha “uma grande notícia”. “Quando ela me disse que a Thamires tinha ligado pedindo para me conhecer, não acreditei. Comecei a tremer. Nunca mais tinha tido contato, achava que tinha perdido minha filha.”
O encontro entre pai e filha foi realizado na casa da avó materna, que organizou um almoço para os dois. “Fiquei nervosa, tremia muito, estava ansiosa”, diz Thamires, emocionada por ter o desejo realizado. “Eu chorava muito. Foi muito emocionante”, lembra Alexandre.
A partir de então, pai e filha passaram a manter um contato mais próximo, especialmente nos fins de semana, mas ainda sem reconhecimento oficial da paternidade. Mas, quando Thamires tinha 18 anos, a relação entre os dois estremeceu: Alexandre arrumou um emprego formal para a filha, com carteira assinada, mas ela não quis ir. Preferiu trabalhar com o namorado com transporte escolar – o que o pai, na época, desaprovava. Para Alexandre, a decepção foi tão grande que ele parou de falar com a filha. Ficaram 3 anos afastados. Um não ligava para o outro por orgulho.
O recomeço. Thamires, no entanto, não aguentou a distância e procurou o pai, que a recebeu de braços abertos em junho deste ano. Foi nessa ocasião que Thamires falou pela primeira vez sobre fazerem o reconhecimento formal da paternidade. Alexandre topou na hora.
Os dois marcaram uma data e foram ao cartório. “Foi uma sensação única. Acho que esperei tempo demais para tomar essa decisão. É muito mais que um simples nome no papel, é minha identidade, minha história”, afirma a filha.
Norma surgiu de ação para incentivar registros
Regra é um desdobramento do projeto Pai Presente, que incentiva o reconhecimento tardio de paternidade.
O provimento que autoriza os cartórios de todo o País a fazer o reconhecimento de paternidade foi publicado em fevereiro de 2012 pela Corregedoria Nacional de Justiça. A norma é um desdobramento do projeto Pai Presente, que incentiva o reconhecimento tardio de paternidade.
Gabriel da Silveira Matos, juiz auxiliar da Corregedoria, diz que a medida teve um imenso impacto social, pois desburocratizou o procedimento.
“O objetivo era garantir o amplo acesso a pessoas que até então nunca buscaram a inclusão do nome do pai no registro civil. Era desburocratizar a solução de um problema que afeta diretamente as crianças, ampliando sua cidadania e lhes garantindo mais direitos, como o de aproximação com o pai”, afirma Matos.
O juiz diz que a Corregedoria está empenhada em dar continuidade ao Pai Presente, tentando localizar as famílias em que não consta o nome do pai na certidão e sensibilizá-las para o problema.
Autora: Fernanda Bassette – O Estado de S. Paulo
Fonte : Assessoria de Imprensa da ARPEN/SP | 11/08/2013.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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