TJ/PE: Paternidade que se pre(exume)

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES  

A verdade exumada procura o pai no sepulcro, dado que a investigação não há que se contentar no que se presume. Paternidade por presunção é combinar incerteza com certeza ficta, como quem busca o pai por afirmação legal, mesmo que não extraída da verdade apurada e feita. Não basta ter ou adquirir um pai, senão o pai verdadeiro. Nisso, verdade e realidade se tornam rima e solução, não admitido o presumido que nada rima ou soluciona.

A questão posta acima traz ao tema recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ- 3ª Câmara Cível, AI nº 0020927-31.2013.8.19.0000; de 26.09.2013) onde por razões religiosas de direito (liberdade religiosa) não se permitiu exumar os restos mortais do suposto pai procurado, de origem judaica. Entretanto, entendeu-se suficiente que em não ocorrendo prova inequívoca a afastar a paternidade do morto, este será havido, como se pai fosse, mais precisamente pai por presunção.

Em investigação de paternidade "post mortem", ante recusa dos herdeiros, filhos do investigado, a fornecimento de material genético, determinou o juízo de origem (2ª Vara de Família da Capital) a exumação. O tribunal carioca admitiu, porém, que a exumação poderia, à vista de preceitos judaicos, agredir direito à liberdade de crença, conquanto o direito fundamental ligado à dignidade humana, cláusula geral dos direitos da personalidade, exija o conhecimento da paternidade biológica, com todos os seus efeitos.

Nesse alcance, o relator, desembargador Fernando Foch Lemos Arigony da Silva assentou que "(…) sem prejuízo de nenhum desses direitos ou, dito de outro modo, com a preservação de ambos, se deve resolver o impasse com a aplicação do entendimento que a Súmula 301 do STJ sintetiza e com o qual foram sepultadas acesas discussões: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade". Aplicada a Súmula 301-STJ, por extensão ou analogia em face dos herdeiros recusantes.

Pois bem. A questão está a saber, tendo em conta a ponderação de interesses, se haverá de prevalecer, como bastante, apenas a presunção, para definir uma paternidade, quando atualmente esta se torna incontroversa e iniludível por testes genéticos de DNA. É que a presunção fica na esfera da ficção legal, tal qual a vetusta premissa romana "is pater est quem nuptiae demonstrant" ("É pai aquele que as núpcias indicam"), a ponto de que não se supunha paternidade atribuída a outro, enquanto ocorrente o casamento. Ou seja, a presunção "pater is est"; disposta e ampliada na regra do art. 1.597 do atual Código Civil.

Convenhamos que este jogo de presunções não guarda mais conformidade com os atuais recursos científicos. Beviláqua chegou a justificar os prazos do artigo 338 do antigo Código Civil de 1916, "à falta de melhor solução da ciência".

Entretanto, apesar dos avanços tecnológicos, a presunção continua em seu "locus" normativo, a exemplo do artigo 232 do Código Civil, onde a recusa à perícia médica ordenada judicialmente poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Presunção relativizada pela Lei nº 12.004/2009, quando a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, todavia "a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório".

Ora. O direito fundamental à identidade genética confrontado com outros direitos e garantias, tem sido rediscutido, em sua necessária concretude de efetividade da dignidade humana, ao extremo da imprescindibilidade de condução coercitiva do investigado à realidade do exame de DNA como medida assecuratória de tal direito. E, por extensão, também da condução dos herdeiros do investigado.

No ponto, artigo do magistrado Fabrício Castagna Lunardi ("Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões", vol. Nº 33, abril-maio/2013, pp. 65-93) colocou, com proficiência, o tema.

Assinala, a propósito, que "o Supremo Tribunal Federal na sua composição plenária, durante o julgamento do RE nº 363.889-DF, em 15.12.2011, indicou a necessidade de reanálise da decisão proferida no HC nº 71.373-RS, de 1994, que impedia a condução coercitiva do investigado para realização de exame de DNA." No julgado recente, entendeu-se que o direito à identidade genética deve prevalecer quando confrontado com outras garantias, como coisa julgada e segurança jurídica. De tudo resulta imperativa uma nova reflexão a respeito, não se podendo admitir que "uma ação investigatória de paternidade fosse decidida com base em mera ficção jurídica ou presunção".

Eis a questão posta a estilete. A condução coercitiva do suposto pai, para a obtenção da verdade material (e não formal), apóia-se, sobremodo, na conveniência de as decisões judiciais refletirem a realidade fática, e não serem proferidas "com base em simples dogmas técnico-jurídicos oitocentistas".

E acrescenta Castagna Lunardi, com inteira razão: (i) "Os artigos 231 e 232 do Código Civil de 2002, quanto a Súmula nº 301 do STJ e o art. 2º-A da Lei nº 8.560, foram editados nas contingências da decisão do STF no HC nº 71.373, baseada no contexto social e no direito da época". Assim,   optou-se pela coerção indireta, impondo-se o ônus processual; (ii) operada a recusa, "o reconhecimento de paternidade com base numa ficção não é capaz de garantir o direito à verdadeira identidade genética, sobretudo quando as demais provas dos autos são fracas"; (iii) a atribuição judicial de paternidade com base numa mera ficção viola o núcleo essencial do direito fundamental à identidade genética, que pressupõe a verdade real e nunca uma verdade meramente formal ou processual.

Eis o dilema. O presuntivo pai, constituído na ficção, poderá ser, em alguns casos, o falso positivo (o pai posto, por pressuposto da presunção); obstando, nessa conseqüência, que o filho busque e identifique o verdadeiro pai, em tal certeza que o coloque também seguro e certo de sua origem perante si mesmo. Em somente assim, efetivaria ele o seu direito à identidade genética, incólume e induvidosa.

Ora bem. Exumações têm sido feitas, na arqueologia dessa origem certa, envolvendo supostos pais, anônimos ou célebres, como as realizadas dos restos mortais de Juan Perón (10/2006) Tim Maia (03/2012) ou ainda, de Yves Montand. Curiosamente, nestes casos, com resultados negativos.

Assim, resulta irrecusável admitir: (i) o reconhecimento da origem genética como um direito personalísssimo, irrenunciável e imprescritível, derivado do princípio da dignidade humana (Súmula 140 – STF); (ii) "devendo o Poder Público contribuir para sua efetivação" (TJSC – 4ª CC); e (iii) a possibilidade de exumação para fins de exame de DNA, pacificada na jurisprudência do STJ, porquanto faculdade conferida ao juiz pelo art. 130 do CPC (STJ – AgRg no Ag 1159165-MG, DJe 04.12.2009; Pet. 8321; REsp. nº 765.479).

Por igual, tenha-se também forçoso admitir o apuramento da verdade pela verdade necessária. Verdades presumidas "jus hominis", verdades prováveis por inferências de razoabilidade, e outras verdades fictas, devem ceder à verdade real em sua inteira prospecção, seja como finalidade do processo, seja como condição de justiça, fundamental para a autoridade dos julgados (veritas + dicere).

Implicará o veredicto a consciência da dignidade plena do encontro do filho com o seu verdadeiro pai. Exumado que seja, mas não pre(exumido).

____________________________

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE I 14/10/2013.

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A fé-pública da escritura tem como efeito imediato que a mesma sirva como prova plena da quitação do ITBI perante o Registro de Imóveis

Numeração: 0371620

Relator(a): Des.(a) Silas Vieira 

Data de Julgamento: 11/09/2013 

Data da publicação da súmula: 11/10/2013 

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CÂMARA MUNICIPAL – REJEIÇÃO – IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA – NORMA DE REPETIÇÃO OBRIGATÓRIA – VIA CORRETA – LEI N. 5.492 DE 28 DE DEZEMBRO DE 1988 – ARTIGO 11, §1º E 2º COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.378 DE 09 DE JANEIRO DE 2012 – EXIGÊNCIA DIRECIONADA AO OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS – APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO DO ITBI NO ATO DO REGISTRO – FÉ PÚBLICA DA ESCRITURA PÚBLICA QUE INFORMA O PAGAMENTO DO IMPOSTO – VIOLAÇÃO AO ART. 5º E ART. 165, §1º DA CEMG – REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA. – A Câmara Municipal de Belo Horizonte, além de ter participado de todo processo legislativo, possui a função de defesa da norma impugnada, nos termos do art. 118, §5º, da Constituição Mineira, sendo parte legítima para figurar no pólo passivo da ação direta de inconstitucionalidade. – Não há óbice a que o Tribunal de Justiça julgue a ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal em face de dispositivo da Constituição Estadual que traz norma de reprodução obrigatória. – O §1º do art. 11 da Lei n. 5.492/88 do Município de Belo Horizonte, com a redação conferida pela Lei n. 10.378/2012, obriga o Oficial de Registro de Imóveis a exigir a apresentação da certidão de quitação do ITBI no ato do registro, mesmo constando expressamente na escritura que o Tabelião de Notas conferiu e arquivou tal comprovante do pagamento do imposto, sob pena de ser responsabilizado solidariamente, ex vi do §2º. – A fé-pública da escritura tem como efeito imediato que a mesma sirva como prova plena da quitação do ITBI perante o Registro de Imóveis, substituindo qualquer outro documento, sob pena de negar a veracidade de seu conteúdo (art. 215 e 216 do CC). – Os §1º e 2º da Lei nº 5.492/88 do Município de Belo Horizonte contrariam o artigo 5º, II da Constituição Estadual, na medida em que nega fé ao conteúdo da Escritura Pública.

A notícia refere-se ao seguinte processo: 1.0000.12.037162-0/000.

Clique aqui e confira a Íntegra do Acórdão.

Fonte: Anoreg/BR – TJ/MG I 14/10/2013.

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STJ: Romário deve pagar indenização milionária por danos a imóvel de vizinho

O ex-jogador de futebol e deputado federal Romário de Souza Farias deve pagar indenização superior a R$ 5,6 milhões por danos resultantes de infiltrações que atingiram o imóvel de um vizinho. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, negou pedido do deputado para rever o valor estipulado em razão de lucros cessantes e danos emergentes, apurado em liquidação de sentença por arbitramento. 

As infiltrações no apartamento do andar de baixo foram resultado de uma série de reformas feitas pelo deputado em sua cobertura no condomínio Barra Golden Green, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que se iniciaram em abril de 2000. O imóvel de baixo estava alugado, mas em outubro de 2002 foi devolvido pelos locatários, insatisfeitos com as infiltrações. 

Os proprietários afirmaram na Justiça que, mesmo notificado dos problemas, Romário não tomou as providências para reparar os danos e evitar novas infiltrações. Alegaram que, por causa disso, não conseguiram alugar nem vender o imóvel. Sem a renda do aluguel, tiveram de voltar a residir no apartamento, que em 2006 acabou sendo leiloado por conta de dívidas dos proprietários, discutidas em outro processo. 

No recurso julgado pelo STJ, Romário questionava decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que confirmou a condenação judicial de R$ 20 mil por danos morais, além dos lucros cessantes e danos emergentes. 

A sentença foi liquidada em 2007 em montante de R$ 2,276 milhões. Após a oposição de embargos, foi dado início ao cumprimento provisório, que resultou na penhora de vários bens do ex-jogador, entre eles uma Ferrari, também alvo de disputa judicial no STJ, por suposta fraude à execução (REsp 1.385.705). 

Lucros cessantes

Segundo Romário, não bastasse a sentença ter incluído no cômputo dos lucros cessantes período anterior ao vazamento, também considerou o período de outubro de 2002 a dezembro de 2006, data em que o imóvel foi a leilão. Seus advogados sustentam que o termo final da liquidação deveria ser a data em que os proprietários voltaram a utilizar o imóvel. 

Entre outros pontos, a defesa do ex-jogador questionou também o valor médio de mercado adotado pela perícia para calcular os lucros cessantes a título de aluguéis: R$ 32,5 mil por mês em 2002. Romário sustentou que deveria ser levado em conta o preço médio de R$ 26 mil. Para ele, o real motivo de o imóvel não ter sido alugado durante o período objeto da liquidação foi a baixa procura por apartamentos de luxo para locação naquela área do Rio de Janeiro. 

Além de questionar vários pontos da sentença mantida pelo TJRJ, que supostamente teriam inflado indevidamente o valor da indenização, o recurso apontou omissão do tribunal fluminense na análise de documentos apresentados pela defesa. 

Posição do relator

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, que ficou vencido no julgamento, entendeu que o TJRJ teria mesmo deixado de se pronunciar sobre documentos que poderiam alterar o período dos lucros cessantes, bem como sobre o argumento de que o imóvel não foi alugado em razão de dificuldades de mercado e não em decorrência das infiltrações. 

Salomão observou que, no leilão do apartamento, decorrente de processo que nada tinha a ver com o caso em questão, ele foi arrematado por R$ 1,8 milhão. Para o ministro, é inconcebível que uma indenização possa superar três ou quatro vezes o valor do imóvel. “É a maior aplicação do planeta”, disse ele. Seu voto foi no sentido de que se devolvesse o processo ao TJRJ para análise dos argumentos apresentados pela defesa, que teriam ficado sem resposta. 

No entanto, prevaleceu no julgamento da Quarta Turma o voto divergente da ministra Isabel Gallotti. Ela considerou que o valor da indenização é elevado, mas resulta dos expressivos danos emergentes, do longo período de privação da possibilidade de aluguel do imóvel (lucros cessantes) e dos juros de mora desde 2003. No seu entender, não houve omissões no acórdão do TJRJ e a decisão estava adequadamente fundamentada. Com isso, foi negado provimento ao recurso de Romário. 

Ferrari

Romário, durante o processo de execução da dívida, teria transferido uma Ferrari a sua esposa Isabella Bittencourt, com o objetivo de prejudicar os credores. A defesa do deputado sustentou no STJ que não houve tentativa de fraude porque o devedor não estava insolvente. 

Sustentou ainda que, quando da transferência da Ferrari, tinha-se uma causa com valor de R$ 10 mil, ainda a ser liquidada, e uma condenação por danos morais no valor de R$ 20 mil, não havendo motivos para se esquivar da dívida. Seria “inimaginável”, segundo a defesa, que a causa atingisse o montante de mais de R$ 5,6 milhões. 

Omissões

O TJRJ impôs multa de R$ 726 mil pela transferência do veículo, com base no artigo 600 do Código de Processo Civil (CPC). De acordo com a Quarta Turma do STJ, no entanto, para caracterizar a fraude, prevista no inciso II do artigo 593 do CPC, é preciso que a alienação ou oneração do bem seja capaz de reduzir o devedor à insolvência. 

A Turma, dessa vez acompanhando o voto do ministro Luis Felipe Salomão, anulou a decisão proferida pelo TJRJ em relação à fraude, para que o órgão se manifeste sobre pontos omissos do acórdão. Romário apresentou documentos para demonstrar que não estava insolvente e não tinha o objetivo de lesar interesses dos credores. O tribunal do Rio terá de examinar essas alegações e produzir novo acórdão.

A notícia refere-se aos seguintes processos: REsp 1237415 e REsp 1385705.

Fonte: STJ I 11/10/2013.

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