CSM/SP: É necessária a autorização da Secretaria do Patrimônio da União na desapropriação de bem da união por município

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0002018-57.2013.8.26.0157

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0002018-57.2013.8.26.0157, da Comarca de Cubatão, em que é apelante MUNICÍPIO DE CUBATÃO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE CUBATÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 14 de abril de 2015.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0002018-57.2013.8.26.0157

Apelante: Município de Cubatão

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis de Cubatão

VOTO N° 34.190

Registro de imóveis – Desapropriação de bem da união por município – Exigência de autorização da Secretaria do Patrimônio da União – Interpretação sistemática de princípios constitucionais, da lei 9.636/98, do decreto-lei 3.365/41 e do decreto-lei 2.398/97 – Recurso improvido.

Cuida-se de apelação contra a sentença de fls. 251/253, que julgou procedente a dúvida e indeferiu o registro de carta de sentença expedida nos autos de processo de desapropriação, pois não foi apresentada a certidão expedida pela Secretaria do Patrimônio da União, em razão da área se inserir em terreno de marinha.

Sustenta o apelante, em suma, que a exigência da certidão não se justifica, na medida em que a sentença transitou em julgado, de forma que a área desapropriada incorporou-se ao patrimônio do município, não tendo havido qualquer ressalva na sentença expropriatória (fls. 258/261).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 278/282).

É o relatório.

Extrai-se dos autos que o processo de desapropriação tramitou regularmente contra Paulo Roberto Borges, mas depois de proferida a sentença e transitada em julgado, a própria municipalidade percebeu que o terreno, em verdade, pertenceria à União, sendo o réu Paulo mero foreiro. Revogou então o decreto expropriatório e requereu a desistência da ação, mas o TJSP decidiu ser impossível a desistência àquela altura (fls. 169/170, 175 e 197 e seguintes).

Cabe ressaltar que a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do Colendo Conselho Superior da Magistratura:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária, O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Ap. Cível n° 31881-0/1).

No caso dos autos, o problema registrário persiste, como observado pelo oficial registrador, pois “nenhuma das decisões tratou dos efeitos em relação à União ou afastou de maneira inequívoca a propriedade desta.”

O § 2º do art. 2º do Decreto-lei 3.365/41 veda a desapropriação de bens da União pelos Municípios.

Conforme lição de Hely Lopes Meirelles, os “bens públicos são passíveis de desapropriação pelas entidades estatais superiores desde que haja autorização legislativa para o ato expropriatório e se observe a hierarquia política entre estas entidades. Admite-se, assim, a expropriação na ordem descendente, sendo vedada a ascendente, razão pela qual a União pode desapropriar bens de qualquer entidade estatal; os Estados-membros podem expropriar os de seus Municípios; os Municípios não podem desapropriar os de nenhuma entidade política” (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 604).

O ocorrido, portanto, infringe o próprio pacto federativo. Destaco, nesse sentido, trecho de decisão proferida por Walter de Almeida Guilherme na ADIN 9030772-75.2009.8.26.0000:

O que importa, todavia, deixar afirmado, a meu sentir, é que a organização federativa do Estado brasileiro é principio fundamental da República Federativa do Brasil. Os princípios constitucionais sensíveis, extensíveis e estabelecidos, na conhecida classificação de JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional Positivo, 14 ed. São Paulo, Malheiros, 1997), são de observância obrigatória, valendo destacar o posicionamento de Ricardo Lewandowski no estudo Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil:

‘No que tange aos postulados de observância obrigatória pelas comunas, registra-se que a autonomia municipal, por força do que dispõe o art. 129, caput, da Lei Maior, em particular no concernente à capacidade de auto-organização, encontra-se limitada não só pelos princípios estabelecidos na Constituição Federal, como também por aqueles consignados na Carta do respectivo Estado’.

É certo que o art. 3º, § 2°, do Decreto-lei 2.398/97 exige a apresentação da certidão da Secretaria do Patrimônio da União no caso do registro de escrituras relativas imóveis da união ou que contenham área de seu domínio:

  • 2º Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio:

I sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União – SPU que declare:

  1. a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos;
  2. b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e
  3. c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;

A razão da norma é garantir que transferências de direitos, domínio útil, sobre bens imóveis da União não sejam feitas à sua revelia e sem a obediência a determinadas formalidades legais. A norma, naturalmente, não previu o estabelecimento de garantias contra atos estatais que, infringindo o pacto federativo, interferissem no patrimônio da União. Essa é a razão pela qual, evidentemente, não se estabeleceu dispositivo determinando que quando um município tentar desapropriar imóvel da União à sua revelia, a Secretaria do Patrimônio terá que ser avisada antes do registro dessa desapropriação.

No mais, observa-se que o art. 18 da Lei 9.636/98 trata da possibilidade de a União ceder imóveis, gratuitamente ou em condições especiais, a Estados, Municípios e entidades sem fins lucrativos. A cessão, contudo, precisa ser autorizada pela Presidência da República ou pelo Ministério da Fazenda:

Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos Regimes previstos no Decreto-Lei n° 9.760, de 1946, imóveis da União a:

I Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde;

II – pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional.

  • 1º A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7º do Decreto-Lei n° 271, de 28 de fevereiro de 1967, aplicando-se, inclusive, em terrenos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento licitatório para associações e cooperativas que se enquadrem no inciso II do caput deste artigo.
  • 2º O espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes, da plataforma continental e de outros bens de domínio da União, insusceptíveis de transferência de direitos reais a terceiros, poderão ser objeto de cessão de uso, nos termos deste artigo, observadas as prescrições legais vigentes.
  • 3º A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e consequente termo ou contrato.
  • 4º A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.

De se notar ainda, por relevante, que, ao que consta, a União até hoje não foi efetivamente informada de que seu patrimônio foi expropriado pelo município e sem qualquer indenização. Constam, apenas, os documentos de fls. 159/162, da Secretaria do Patrimônio, pelos quais ela afirma que o imóvel é da União.

Assim, tenho para mim que agiu com prudência, o oficial registrador. Não se pode fazer vistas grossas à situação e chancelá-la, agravando ainda mais o quadro. Nesse caso específico, as interpretações sistemáticas e teleológicas dos dispositivos constitucionais que tratam da matéria, bem como da Lei 9.636/98 e dos Decretos-lei 3.365/41 e 2.398/87 autorizam a exigência feita pelo oficial.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR 

Fonte: DJE/SP | 16/06/2015.

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STJ: DIREITO CIVIL. COBRANÇA DE TAXA DE MANUTENÇÃO EM CONDOMÍNIO DE FATO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 882.

As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram. As obrigações de ordem civil, sejam de natureza real sejam de natureza contratual, pressupõem, como fato gerador ou pressuposto, a existência de uma lei que as exija ou de um acordo firmado com a manifestação expressa de vontade das partes pactuantes, pois, em nosso ordenamento jurídico positivado, há somente duas fontes de obrigações: a lei ou o contrato. Nesse contexto, não há espaço para entender que o morador, ao gozar dos serviços organizados em condomínio de fato por associação de moradores, aceitou tacitamente participar de sua estrutura orgânica. Com efeito, na ausência de uma legislação que regule especificamente a matéria em análise, deve preponderar o exercício da autonomia da vontade – a ser manifestado pelo proprietário ou, inclusive, pelo comprador de boa-fé –, emanada da própria garantia constitucional da liberdade de associação e da legalidade, uma vez que ninguém pode ser compelido a fazer algo senão em virtude de lei. De igual modo, incabível o entendimento de que a vedação ao enriquecimento ilícito autorizaria a cobrança pelos serviços usufruídos ou postos à disposição do dono do imóvel inserto em loteamento, independentemente de ser ou não associado. Isso porque adotar esse posicionamento significaria esvaziar o sentido e a finalidade da garantia fundamental e constitucional da liberdade de associação, como bem delimitou o STF no julgamento do RE 432.106-RJ (DJe 4/11/2011), encontrando a matéria, inclusive, afetada ao rito da repercussão geral (RG no AI 745.831-SP, DJe 29/11/2011). De fato, a jurisprudência não pode esvaziar o comando normativo de um preceito fundamental e constitucional em detrimento de um corolário de ordem hierárquica inferior, pois, ainda que se aceite a ideia de colisão ou choque de princípios – liberdade associativa (art. 5º, XX, da CF) versus vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CC) –, o relacionamento vertical entre as normas – normas constitucionais e normas infraconstitucionais, por exemplo – deve ser apresentado, conforme a doutrina, de tal forma que o conteúdo de sentido da norma inferior deve ser aquele que mais intensamente corresponder ao conteúdo de sentido da norma superior. Ademais, cabe ressaltar que a associação de moradores é mera associação civil e, consequentemente, deve respeitar os direitos e garantias individuais, aplicando-se, na espécie, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Concluindo, a aquisição de imóvel situado em loteamento fechado em data anterior à constituição da associação não pode impor a cobrança de encargos ao adquirente que não se associou nem a ela aderiu. Igualmente, se a compra se opera em data posterior à constituição da associação, na ausência de fonte criadora da obrigação – lei ou contrato –, é defeso ao poder jurisdicional, apenas calcado no princípio do enriquecimento sem causa, em detrimento dos princípios constitucionais da legalidade e da liberdade associativa, instituir um dever tácito a terceiros, pois, ainda que se admita a colisão de princípios norteadores, prevalece, dentre eles, dada a verticalidade de preponderância, os preceitos constitucionais, cabendo tão-somente ao STF, no âmbito da repercussão geral, afastá-los se assim o desejar ou entender. Precedentes citados: EREsp 444.931-SP, Segunda Seção, DJ 1º/2/2006; AgRg nos EDcl no Ag 715.800-RJ, Terceira Turma, DJe 12/12/2014; e EDcl no REsp 1.322.723-SP, Quarta Turma, DJe 29/8/2013. REsp 1.280.871-SP e REsp 1.439.163-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, julgados em 11/3/2015, DJe 22/5/2015.

Fonte: STJ – Informativo n. 0562 | Período: 18 a 28 de maio de 2015.

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STJ: DIREITO CIVIL. CÔNJUGE SUPÉRSTITE CASADO EM REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL E SUCESSÃO “CAUSA MORTIS”.

No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre na sucessão causa mortis com os descendentes do autor da herança. Quem determina a ordem da vocação hereditária é o legislador, que pode construir um sistema para a separação em vida diverso do da separação por morte. E ele o fez, estabelecendo um sistema para a partilha dos bens por causa mortis e outro sistema para a separação em vida decorrente do divórcio. Se a mulher se separa, se divorcia, e o marido morre, ela não herda. Esse é o sistema de partilha em vida. Contudo, se ele vier a morrer durante a união, ela herda porque o Código a elevou à categoria de herdeira. São, como se vê, coisas diferentes. Ademais, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separação obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não obrigatório, de forma que, nesta hipótese, o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar (em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a partilhar. Essa, aliás, é a posição dominante hoje na doutrina nacional, embora não uníssona. No mesmo sentido, caminha o Enunciado 270 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, ao dispor que: “O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”. Ressalta-se ainda que o art. 1.829, I, do CC, ao elencar os regimes de bens nos quais não há concorrência entre cônjuge supérstite e descendentes do falecido, menciona o da separação obrigatória e faz constar entre parênteses o art. 1.640, parágrafo único. Significa dizer que a separação obrigatória a que alude o dispositivo é aquela prevista no artigo mencionado entre parênteses. Como registrado na doutrina, a menção ao art. 1.640 constitui equívoco a ser sanado. Tal dispositivo legal não trata da questão. A referência correta é ao art. 1.641, que elenca os casos em que é obrigatória a adoção do regime de separação. Nessas circunstâncias, uma única conclusão é possível: quando o art. 1.829, I, do CC diz separação obrigatória, está referindo-se apenas à separação legal prevista no art. 1.641, cujo rol não inclui a separação convencional. Assim, de acordo com art. 1.829, I, do CC, a concorrência é afastada apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do CC, uma vez que o cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC). Precedentes citados: REsp 1.430.763-SP, Terceira Turma, DJe 2/12/2014; e REsp 1.346.324-SP, Terceira Turma, DJe 2/12/2014. REsp 1.382.170-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/4/2015, DJe 26/5/2015.

Fonte: STJ – Informativo n. 0562 | Período: 18 a 28 de maio de 2015.

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