Artigo: TESTAMENTO VITAL- DECLARAÇÃO PRÉVIA DE VONTADE – Por Mary Jane Lessa


  
 

*Mary Jane Lessa

O bem que praticares em algum lugar; é teu advogado em toda parte. (Francisco Xavier)

No exercício de minha profissão fiz vários testamentos, mas a experiência de uma declaração antecipada de vontade, conhecido como testamento vital, fez-me enxergar novos horizontes ao desejo das partes. Pessoas em perfeita consciência de sua autonomia e do direito ao consentimento informado, tomando decisões relacionadas a sua vida, saúde, integridade e relacionamentos, assumindo os riscos de suas decisões, quer sejam boas ou más.

Esta autonomia está prevista no artigo 15 do Código Civil de 2002: “Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Relata o mencionado artigo, o direito do paciente decidir livremente sobre a sua pessoa e seu bem-estar, sua vontade expressa desde o seu relacionamento com o médico,com o hospital, com a familia e sociedade.

No momento em que a pessoa é acometida por uma enfermidade grave, passado o sentimento de dor e estado de luto vivenciado por uma sequência de sentimentos debilitantes, da impótência ao desejo e autonomia por suas proprias escolhas. E, é essa nossa função notarial, transcrever em nossos livros as declarações de vontade das partes, oferecendo-lhe o testamento vital, a fim de garantir que possa desenhar sua trajetória de vida de acordo com seus princípios, até sua morte.

Nossa Constitutição Federal aborda o direito à vida como  base de todos os fundamentos e princípios do ordenamento jurídico.Todavia há controvérsia em relação as diretivas antecipada de vontade e ao seu sentido jurídico, uma vez que a escritura de testamento tem efeito após a morte e o desejo declarado no testamento vital tem efeito antes da morte do outorgante. É um valor moral e espiritual inseparado à pessoa, elencado no rol de direitos principais.

Ele evidencia que o direito à vida deve ser explorado juntamente com a razão da dignidade da pessoa humana, de forma que não se pode falar em direito à existência sem que se tenha uma vida digna.

Como em outro instrumento público, o testamento é lavrado mediante desejo expresso pela parte que encontra-se em no pleno gozo de suas faculdades mentais, observados todos os requisitos legais pelo notário, onde ele, ora outorgante poderá dispor acerca dos mecanismos, procedimentos médicos, cuidados e tratamentos que deseja ou não ser submetido quando na enfermidade sob risco de morte, em especial, nos casos da impossibilidade de manifestação de vontade própria, dada a enfermidade. Cabendo-lhe ainda mencionar neste instrumento a presença de dois profissionais: o médico e o advogado da confiança do testador, bem como demais formalidades expressas nos art. 1.864 a 1.867 do CCB.

Em linhas gerais, a escritura de ultima vontade e/ou testamento vital, nos ordenamentos jurídicos tem como conteúdo disposições de recusa ou aceitação de tratamentos que prolonguem a vida, sendo aplicável nesses casos o art. 1899 do CCB ” Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.”

Ressalto ainda que, o Conselho Federal de Medicina através da Resolução nº 1.995/2012 defende a diretiva antecipada de vontade, observando ser “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”, como exemplo a reanimação em caso de parada cardio-respiratória, transfusão de sangue, etc.

No Brasil ainda não existe legislação específica sobre o tema, e por este motivo os cuidados devem ser ainda maiores. Entretanto, assim como o próprio testamento,  é um ato unilateral, personalíssimo e revogável, é dirigido à eficácia jurídica antes da morte do interessado; por outro lado, este instrumento é elaborado por pessoa juridicamente capaz, devidamente assinado, onde o interessado declara quais tipos de tratamentos médicos deseja ou não se submeter, o que deve ser respeitado de forma incontroversa nos casos futuros em que a parte encontra-se impossibilitado de manifestar sua vontade, tendo efeito erga omnes, aplicando ao mesmo, por analogia ao artigo 1.858 do Código Civil, onde diz que “[…] o testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo”. (BRASIL, 2013: 280).

Dissipando quaisquer dúvidas sobre o desejo da parte, a declaração prévia de vontade, impede que o paciente seja submetido a métodos que o mesmo desacredite, cuja finalidade é apenas prolongar a sua vida sem nenhum outro resultado. Não se trata de eutanásia, mas de distinguir a morte como parte da vida humana, deixando que ocorra sem métodos artificiais que procratine a angustia do paciente, garantindo-lhe um tratamento digno.

Registrando em seus livros de notas o desejo e protegendo a vontade das partes; considerado a autonomia e capacidade destas para decidir, e assim assegurar o seu direito de escolha, quando enfermo e em estado irreversível. O tabelião passa a ser um conselheiro, não apenas na solução de contendas e problemas negociais e familiares, mas na formalização documental da vontade das partes, proporcionando um tratamento médico ou uma morte digna, a fim de que o paciente, ora outorgante em instrumento público, possa exigir e obter como alternativa uma morte confortável e/ou continuação de seu sofrimento por meio de tratamentos que não vão regressar a sua saúde.

Os princípios constitucionais iluminam o direito do paciente em decidir sobre a sua vida e também sobre sua morte. Não se trata de “pedir” para morrer, mas de “como” morrer com dignidade, cabendo ao direito brasileiro a garantia e a promoção da dignidade da pessoa humana.

Fonte: Notariado | 28/08/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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