TJ/SP: Registro Civil de Pessoa Jurídica – Entidade Religiosa Católica – Registro de seus atos constitutivos junto ao Registro de Títulos e Documentos – Posterior registro dos atos constitutivos junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Ausência de incompatibilidade de atos ou de falta dos registradores – Finalidades e efeitos jurídicos distintos em cada procedimento – Reclamação arquivada – Recurso improvido


  
 

Número do processo: 0035061-54.2016.8.26.0100

Ano do processo: 20 16

Número do parecer: 69

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0035061-54.2016.8.26.0100

(69/2017-E)

Registro Civil de Pessoa Jurídica – Entidade Religiosa Católica – Registro de seus atos constitutivos junto ao Registro de Títulos e Documentos – Posterior registro dos atos constitutivos junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Ausência de incompatibilidade de atos ou de falta dos registradores – Finalidades e efeitos jurídicos distintos em cada procedimento – Reclamação arquivada – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso administrativo tirado de sentença que arquivou reclamação elaborada por CONSELHO GRECO MELKITA CATÓLICO DE SÃO PAULO, solicitando apuração de suposta irregularidade no registro de seu Estatuto e de ata de assembleia geral, alterando o nome da entidade Eparquia Nossa Senhora do Paraíso Greco Melquita Católica do Brasil e contendo outras decisões, realizado pelo 3º Oficial de Pessoa Jurídica da Capital.

Alega, em síntese, que seu ato constitutivo (Bula Pontifícia datada de 1972) já havia sido registrado em fevereiro de 1999 pelo 4º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, seguido de inúmeras averbações posteriores, sendo necessário que novos atos da entidade religiosa fossem averbados nesse registro original. Argumenta com a necessidade de que o 3º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Paulo agisse com cautela, pesquisando no âmbito dos títulos e documentos eventual registro prévio de atos constitutivos da recorrente, em respeito ao princípio registral da segurança jurídica. Acrescenta que o art. 114, I, da Lei 6.015/73 já indicava o procedimento a ser seguido para registro da pessoa jurídica. Havendo polêmica quanto à necessidade de registro de entidade da Igreja Católica para obtenção de personalidade jurídica, o certo é que a Eparquia Nossa Senhora do Paraíso apresentara a registro seus atos constitutivos junto ao Cartório de Títulos e Documentos, o que gerou efeitos similares aos esperados do Registro de Pessoa Jurídica. Tanto é assim, que obteve cadastro junto à Receita Federal. Cita o art. 3º do Decreto n. 7.107/10, que reafirma personalidade jurídica à Igreja Católica e todas Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico. Distingue a constituição da pessoa jurídica da inserção da entidade no seio da Igreja Católica, o que depende de conformidade com o direito canônico. Nessa linha de argumentação, sustenta que a Bula Pontifícia deveria preceder qualquer outro ato subsequente, por ser ela o ato de fundação da entidade eclesiástica. Argumenta com descontinuidade registral, que não teria sido contornada pela apresentação de cópia dos documentos registrados no 4º RTD, considerando que, segundo consta da certidão de inteiro teor emitida pelo 4º RTD (fl. 27), o ato constitutivo da Eparquia (Bula Pontifícia registrada sob n. 2793339/99) teria 26 páginas, ao passo que o que foi encaminhado para o 3º RTD teria apenas cinco páginas (fls. 28/32). Ao contrário do alegado pelo Registrador do 3º RTD, a Eparquia havia sido denominada, pela Bula Pontifícia, IGREJA NOSSA SENHORA DO PARAÍSO. Aduz, ainda, a finalidade escusa do registro junto ao 3º RTD, qual seja, tratar da disposição de bens imóveis da entidade, o que já está sendo objeto de questionamento pela via jurisdicional.

Sobreveio parecer da Procuradoria de Justiça, pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Opino.

As atribuições do Registro de Títulos e Documentos estão elucidadas no Capítulo XIX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, em consonância com o disposto nos arts. 127 e seguintes da Lei de Registros Públicos:

DO REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS

SEÇÃO I

DAS ATRIBUIÇÕES

1. O registro de títulos e documentos, no âmbito de suas atribuições, é o serviço de organização técnica e administrativa que tem por finalidade assegurar a autenticidade, segurança, publicidade e eficácia dos atos e negócios jurídicos, constituindo ou declarando direitos e obrigações, para prova de sua existência e data, além da conservação perpétua de seu conteúdo.

(…)

2. No Registro de Títulos e Documentos será feito o registro:

a) dos documentos particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor;

b) do penhor sobre bens móveis;

c) da caução de títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ou em bolsa;

d) de parceria agrícola ou pecuária;

e) do mandado judicial de renovação do contrato de arrendamento;

f) de quaisquer títulos e documentos, cuja competência para registro não esteja expressamente atribuída a outra serventia em razão da especialidade ou territorialidade, a fim de assegurar autenticidade, publicidade ou eficácia contra terceiros, além de sua conservação;

g) facultativo, de quaisquer documentos, exclusivamente para fins de mera conservação.

2.1. Para surtir efeitos em relação a terceiros, deverão ser registrados no Registro de Títulos e Documentos, dentre outros documentos:

a) os contratos de locação de prédios, sem prejuízo de serem também levados ao registro imobiliário, quando consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada;

b) os documentos decorrentes de depósitos ou de cauções feitos em garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos instrumentos;

c) as cartas de fiança em geral feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado;

d) os contratos de locação de serviços não atribuídos a outras especialidades de registro;

e) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam;

f) os contratos de alienação fiduciária ou de promessas de venda referentes a bens móveis;

g) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ou em qualquer juízo ou tribunal;

h) as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam;

i) os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior;

j) os instrumentos de cessão de direito e de crédito, de sub-rogação e de dação em pagamento.

(…)

4. O interessado deverá ser previamente esclarecido de que o registro facultativo exclusivamente para fins de mera conservação prova apenas a existência, data e conteúdo do documento, não gerando publicidade nem efeitos em relação a terceiros, sendo vedada qualquer indicação que possa ensejar dúvida sobre a natureza do registro ou confusão com a eficácia decorrente de outras espécies de atos registrais. (…)

As atribuições do Registro Civil de Pessoas Jurídicas estão disciplinadas no Capítulo XVIII, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, em consonância do que dispõem os arts. 114 e seguintes da Lei de Registros Públicos:

DO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS

SEÇÃO I

DA ESCRITURAÇÃO

1. É atribuição dos Oficiais do Registro Civil das Pessoas Jurídicas:

a) registrar os atos constitutivos, contratos sociais e estatutos das sociedades simples; das associações; das organizações religiosas; das fundações de direito privado; das empresas individuais de responsabilidade limitada, de natureza simples; e, dos sindicatos. (grifo nosso)

(…)

d) averbar, nas respectivas inscrições e matrículas, todas as alterações supervenientes.

2. É vedado o registro de quaisquer atos relativos às sociedades simples; associações; organizações religiosas; fundações de direito privado; empresas individuais de responsabilidade limitada, de natureza simples; e, sindicatos, se os atos constitutivos não estiverem registrados no mesmo Serviço.

Da leitura dos itens acima copiados, nota-se a profunda diferença entre o ato de registro de títulos e documentos e o de registro de pessoa jurídica. Enquanto o primeiro tem o escopo de assegurar a autenticidade, segurança, publicidade e eficácia de atos e negócios jurídicos diversos, inclusive para o fim de sua conservação perpétua, o segundo tem a finalidade de registrar a pessoa jurídica, formalizando sua existência no âmbito nacional. Somente o registro da pessoa jurídica no Registro Civil de Pessoa Jurídica proporciona a regularidade de sua constituição perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Os tratados internacionais que não dispõem sobre direitos humanos (CF, art. 5º, parágrafo 3º) ingressam no ordenamento jurídico pátrio, após aprovação por decreto legislativo do Congresso Nacional, situando-se, hierarquicamente, na mesma posição de leis ordinárias.

O Decreto n. 7.107/2010 conferiu ao Acordo firmado entre Estado Brasileiro e a Santa Sé, pessoas jurídicas de direito público internacional, o status de lei ordinária. O art. 3º desse Acordo promulgado pelo Decreto mencionado dispõe que “A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canónico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras (…)” (grifo nosso)

Reconhecido, portanto, que as instituições eclesiásticas criadas em conformidade com o Direito Canônico podem ser registradas no Brasil, desde que observem o ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, desde que registradas no Registro Civil de Pessoa Jurídica, consoante disciplinado pela Lei de Registros Públicos e pelas NSCGJ.

Dispõe o Código Civil, em seu artigo 45, que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado se inicia com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, sendo certo que a Lei de Registros Públicos, com a regulamentação das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, definiu que o registro formal das pessoas jurídicas de direito privado no Brasil se dá junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Dessa forma, não há qualquer incompatibilidade ou incongruência entre o registro dos atos constitutivos da Eparquia junto ao 3º Registro Civil de Pessoa Jurídica e o Decreto acima indicado.

Os registros havidos junto ao 4º RTD ocorreram no âmbito dos títulos e documentos, não emprestando aos atos registrados e averbados os efeitos jurídicos pretendidos pelo recorrente. Por esse motivo, não houve qualquer desrespeito ao princípio da continuidade e não havia qualquer razão para que o 3º RTD pesquisasse, no âmbito de títulos e documentos, eventuais registros dos documentos que representam os atos constitutivos da entidade religiosa.

Nos precedentes citados pelo recorrente, nota-se que o que se reconhece é que o direito canônico, correspondendo ao ordenamento jurídico da Santa Sé, pessoa jurídica de direito internacional, pode funcionar no Brasil como lei estatutária, estando, portanto, submetida às normas legais aqui vigentes e, dentre elas, as que impõem o registro de pessoa jurídica no Cartório de Registro Civil de Pessoa Jurídica.

Ao contrário do que sustenta a recorrente, não se configurou qualquer erro praticado pelo 3º Registro de Títulos e Documentos e não há falar em descontinuidade registral, já que antes do registro mencionado, não havia sido formalmente constituída a pessoa jurídica em questão perante o direito pátrio.

Não se vislumbra, portanto, qualquer vício formal nos atos registrais procedidos pelo 3º e 4º Registros de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo e não cabe questionar, nesta seara administrativa, os critérios utilizados pela Receita Federal para cadastrar a entidade religiosa em questão.

Formalmente correto o registro dos atos constitutivos da Eparquia Nossa Senhora do Paraíso Greco-Melquita Católica do Brasil no ano de 2015, pelo 3° RTD, não cabendo, nesta esfera administrativa, analisar eventual vício intrínseco a tais atos ou eventual lesividade desses atos aos interesses da entidade. Para tais questionamentos, o interessado já informou estar se valendo das vias jurisdicionais.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 15 de março de 2017.

Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer da Juíza Assessora, para o fim de negar provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 16 de março de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: ANTOIN ABOU KHALIL, OAB/SP 130.046, LUIZ CARLOS WAISMAN FLEITLICH, OAB/SP 131.761, ROBERTO DA SILVA ROCHA, OAB/SP 114.343 e HENRIQUE GONÇALVES VIEIRA PINTO, OAB/SP 376.355.

Diário da Justiça Eletrônico de 29.05.2017

Decisão reproduzida na página 147 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicções

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