1ªVRP/SP: Carta de Arrematação. Fraude a execução. Princípio da Continuidade. Registro deferido.


  
 

Processo 1070704-51.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1070704-51.2019.8.26.0100

Processo 1070704-51.2019.8.26.0100 – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Dúvida – Notas – Barbara dos Santos de Sá – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Barbara dos Santos de Sá, diante da negativa em se proceder ao registro da carta de arrematação expedida pelo MMº Juízo da 69ª Vara do Trabalho da Capital, movida por Odair de Almeida Amaro em face de Nova Giovanna Comércio de Produtos Alimentícios LTDA, Maria Odete Alves Menezes, Gerson Adriano de Paiva Bezerra, Eli Geneti Alves, Heliana Alves Ribeiro dos Santos e Aparecida Rita Moralis, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 111.340. O óbice registrário refere-se à violação do princípio da continuidade, tendo em vista que os executados não figuram como proprietários do imóvel. Informa a Registradora que a executada Heliana Alves Ribeiro dos Santos e seu marido Antonio Ribeiro dos Santos Filho foram proprietários, mas pelo registro nº 07, transmitiram o imóvel para Juliana Gonçalves Santos e Jaiane Gonçalves dos Santos, que não aparecem entre os executados. Juliana e Jaine alienaram fiduciariamente o imóvel para a Caixa Econômica Federal (R.08). Juntou documentos às fls.03/22. A suscitada apresentou impugnação às fls.23/25. Aduz que a declaração de ineficácia da alienação registrada sob nº 07 se deu em razão de fraude, pois o processo trabalhista foi ajuizado em 2003 e a alienação se deu em 18.12.2008, portanto quando o feito já tramitava há mais de cinco anos. Ressalta que a declaração de ineficácia do registro faz com que os demais atos praticados e relacionados com a alienação ali constante fiquem prejudicados, resultando no entendimento do Juízo do Trabalho de determinar o registro independentemente do cancelamento. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.29/32). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Pretende a suscitada o registro da carta de arrematação expedida pelo MMº Juízo da 69ª Vara do Trabalho da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 111.340. Em que pesem os relevantes argumentos da Registradora, bem como do D. Promotor de Justiça, entendo que o óbice deve ser afastado. Primeiramente faz-se mister estabelecer a diferença entre a eficácia e a validade do negócios jurídico. De acordo com Marcos Bernardes de Mello (Teoria do Fato Jurídico: Plano da Eficácia, Saraiva, 4ª Ed., 2008, pgs. 04/05 e 65): “Pontes de Miranda [propôs] a estruturação do mundo jurídico em três planos: da existência, da validade e da eficácia, nos quais se desenvolve a vida dos fatos jurídicos, consideradas todas as vicissitudes a que estão sujeitos. No plano da existência entram todos os fatos que recebem a incidência juridicizante de norma jurídica. Portanto, concretizando suficientemente o suporte fático, a norma jurídica que o prevê incide e lhe dá entrada no mundo jurídico no plano da existência, sem exceção. Em se tratando de atos jurídicos lícitos, lato sensu, estes passam para o plano da validade, onde será aferida a sua perfeição: se são válidos ou se são inválidos. Sendo válido, o ato jurídico passa ao plano da eficácia, onde, estando apto, produzirá seus efeitos específicos. Do mesmo modo, têm acesso ao plano da eficácia os atos jurídicos nulos a que o ordenamento jurídico atribua certos efeitos (putatividade) e os anuláveis (que produzem, plenamente, sua eficácia até serem desconstituídos ou continuarão a produzi-la se vierem a tornar-se definitivos, por força de convalidação ou sanção). O nulo a que não se atribui eficácia putativa não passa do plano da validade, nele morrendo, por assim dizer. Já os fatos jurídicos stricto sensu, os atos-fatos jurídicos e os fatos jurídicos ilícitos lato sensu vão diretamente do plano da existência ao plano da eficácia, não passando pelo plano da validade.” “Há ineficácia relativa quando os efeitos do negócio jurídico não se produzem em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, mas se irradiam relativamente a outro, ou outros. Em geral, a interferência não autorizada na esfera jurídica de terceiro acarreta a ineficácia relativa do ato jurídico, quando não há nulidade”. (Idem, pg. 65). Daí ser possível concluir que a declaração de ineficácia, com relação a um sujeito de direito, não acarreta nulidade do negócio, o que resultaria no cancelamento do registro. Neste contexto, a transferência da propriedade permanece existente e válida, deixando apenas de produzir efeitos, consequentemente não exigindo o cancelamento do registro nº 07, em que houve a transmissão do imóvel à Juliana e Jaiane, para o ingresso da carta de arrematação. Em relação à quebra do princípio da continuidade, entendo que a alegação deve ser afastada, uma vez que o ato de disposição do bem não produz efeitos em relação à arrematante. Tal questão já foi objeto de julgado por este Juízo, nos autos nº 1474/97: “Registro Desnecessidade do cancelamento do registro da alienação em que se caracterizou fraude a execução. Para o registro de carta de adjudicação, não há necessidade do cancelamento do registro anterior em fraude à execução, porquanto a alienação ou oneração de bens em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente, embora válida quanto aos demais. Averbação Desnecessidade de exibição de mandado específico, se da Carta de Adjudicação consta a decisão judicial que reconheceu a alienação fraudulenta. Constando da própria Carta de Adjudicação a decisão judicial que declarou a ineficácia da alienação anterior em fraude a execução, desnecessário, para seu registro, mandado específico daquela decisão.” E ainda o Egrégio Conselho Superior da Magistratura tratou da questão na Apelação nº 0005288-85.2013.8.26.0223, Rel. Des. Elliot Akel): “Registro de Imóveis Dúvida Pretensão de registro de carta de adjudicação negativa, em razão de quebra do princípio da continuidade fraude à execução ineficácia da renuncia ao direito de propriedade declarada expressamente pelo juízo da execução desnecessidade de cancelamento da averbação – ausência de quebra da continuidade Recurso Provido”. Ressalto que o reconhecimento da fraude à execução não contamina o registro, já que não lhe tira a validade. Logo, deve permanecer na matrícula o registro nº 07 que, apesar de declarada ineficaz em virtude de fraude à execução em relação ao exequente, continua válida em relação aos demais. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pela Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Barbara dos Santos de Sá, e consequentemente determino o registro da carta de arrematação. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ANTONIO CARLOS MARASSI (OAB 44725/SP)

Fonte: DJe/SP de 02.09.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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