Pandemia do coronavírus não pode ser usada para rompimento do convívio parental

A Justiça do Mato Grosso restabeleceu a convivência entre pai e filha que foram afastados após viagem da mãe, levando a menina, para o interior do estado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a juíza Angela Gimenez, da 1ª Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, determinou que a genitora retorne com a menina para a capital. Em seu entendimento, a pandemia do coronavírus e os demais argumentos apresentados pela requerida não justificam a transgressão da guarda compartilhada.

A mãe havia pleiteado a suspensão temporária do direito de convivência do pai ante à situação de distanciamento social por conta da proliferação da COVID-19. Com a suspensão das aulas da filha, a genitora optou por ficar em uma cidade menor, onde a doença não se alastrou, visando o bem-estar da criança.

A magistrada indeferiu o pleito e deu o prazo de cinco dias para retorno da mãe com a filha, sob pena de busca e apreensão da criança. Até a chegada à cidade, o pai deverá ter informações e contato com a filha por meio de recursos digitais, como WhatsApp. Em sua decisão, a juíza destacou que o momento de pandemia exige condutas excepcionais, mas não pode colocar em risco os direitos das crianças, como o convívio com os dois genitores, o que comprometeria seu pleno desenvolvimento.

A mãe ainda pediu a reconsideração da decisão que regulamentou a convivência paterno-filial para que ocorra em todos os finais de semana e às quintas-feiras, alegando que, por estar em período final da faculdade, há uma sobrecarga de afazeres. O pedido foi parcialmente deferido pela magistrada.

Evolução na jurisprudência

Angela Gimenez aponta que a pandemia do coronavírus e as consequentes recomendações das autoridades sanitárias levaram a um aumento das ações sobre o direito à convivência. Mães, na grande maioria dos casos, passaram a entender que as crianças, mesmo as que se encontravam sob o regime de guarda compartilhada, não poderiam conviver com seus dois genitores pois estariam expostas aos perigos da contaminação.

Desde o início da pandemia, houve uma evolução na jurisprudência sobre o tema. “Nos primeiros dias, notamos algumas decisões liminares que mantiveram o status quo da criança, fazendo com que ela permanecesse, por tempo indeterminado, com quem ela estivesse no momento em que a pandemia se instalou”, observa a magistrada.

“No entanto, com o passar dos dias, reconheceu-se que a permanência indiscriminada das crianças com apenas um genitor, por longo tempo, não se afinava com o princípio da proteção integral infanto-juvenil, e que o trabalho a ser feito era o de análise particular de cada caso, com o objetivo de se apurar as melhores condições de proteção e cuidado dos filhos em cada família.”

Desta forma, os juízes passaram a analisar cada pedido de convívio sob a ótica do modelo legal vigente, que é o compartilhamento do tempo dos filhos com seus dois genitores. “Não havendo diferenciação das condições entre pais e mães, tais como a ausência de comorbidades, a custódia física de ambos restou garantida, sempre com a adoção dos cuidados de higiene e de prevenção recomendados pela OMS e autoridades nacionais.”

Bem-estar da criança ou adolescente

“Era de se estimar que, dada à excepcionalidade da situação atualmente vivida, os pais e mães buscassem um consenso, evitando-se a judicialização em ocasião de notória transitoriedade, já que uma nova demanda gera ônus para as partes, ônus para o Poder Judiciário e elevado desgaste para os filhos”, lamenta a magistrada.

Para assegurar o bem-estar da criança ou adolescente, neste contexto de pandemia, Angela aponta que, além das recomendações sanitárias, também é necessário o compartilhamento equilibrado do tempo do filho com os dois genitores. Alguns critérios devem ser observados, como os que ela elenca: evitar o translado da prole em espaços curtos de tempo; verificar a saúde dos genitores e dos filhos; atenção a eventuais situações – como pais que estejam em trabalho essencial, sejam grupo de risco ou residam em condições de menor salubridade –, dentre outros fatores.

“A permanência da criança somente com um genitor – e aqui diremos a mãe, já que o número de mães que têm permanecido com os filhos é bem superior – pode trazer consequências danosas para sua segurança e desenvolvimento, assim como perpetua uma desigualdade entre homens e mulheres”, defende Angela.

Segundo a juíza, a situação provoca, entre outras atribulações: a sobrecarga à mãe; sofrimento e angústia dos filhos pelo afastamento dos pais, com associação do “sumiço” à morte; a ansiedade e tensão entre adultos, o que pode levar à reprovável aplicação de castigos físicos aos filhos; e repercussões na pensão alimentícia, como atraso ou não pagamento.

“Tendo em mente que os itens citados são meros exemplos, uma vez que muitas outras consequências poderão ser enfrentadas, é que, também, durante a pandemia, a guarda compartilhada deve ser implementada, pelo princípio da corresponsabilidade existente entre pais e mães e para se garantir o desenvolvimento integral dos filhos”, assinala a juíza.

Justiça do Pará também restabeleceu convívio paterno-filial

Em decisão semelhante, a Justiça do Pará concedeu tutela de urgência ao verificar que o convívio paterno-filial não estava sendo cumprido na forma acordada entre os genitores. A decisão judicial deferiu o pedido para o cumprimento imediato dos termos anteriormente estabelecidos. A ação corre em segredo de justiça.

A advogada Magda Hosn, membro do diretoria do IBDFAM seção Pará, representou o requerente. Segundo ela, o litígio entre os genitores transcorre há dois anos e vêm comprometendo acirradamente a relação entre pai e filho. Mesmo morando na mesma cidade, os dois eram impedidos de manter qualquer contato, mesmo por chamadas de vídeo. A sentença judicial conquistada recentemente foi recebida como um alento.

Em caso de descumprimento da determinação judicial pela mãe, foi estipulada multa diária, além da entrega da criança ao requerente. A Justiça acatou ainda o pedido de compensação para que o menor passe as férias escolares integralmente na companhia do pai, ante o descumprimento do acordo pela genitora.

Alienação parental

Segundo Magda, o mais recente afastamento do convívio paterno-filial ocorreu por decisão arbitrária e unilateral, sob a égide do isolamento social a ser cumprido por conta da COVID-19. O argumento era de que o distanciamento visava poupar a criança da contaminação pela doença.

Na opinião da advogada, houve uma clara tentativa de alienação parental ao se “aproveitar” das recomendações dos órgãos de saúde em meio à pandemia para afastar o genitor do convívio com o filho. O objetivo foi atingindo por 60 dias, visto as limitações do Poder Judiciário no atual período.

“Tão facilmente desnudado em nosso pedido em tutela de urgência para que o convívio fosse urgentemente restabelecido, como assim se dera integralmente atendido pelo juízo, e incluídas as devidas e possíveis compensações pelos dias paternos perdidos”, avalia Magda. “Resultado de um dos decisórios mais perfeitos e acabados, e, principalmente, mais humanos, pois é para tal que o Direito existe”.

Falta previsão legal para momento de pandemia

A decisão alcançada foi mais que justa, diz Magda, pois se baseou no amor e na luta do pai por seus direitos e também pelo direito do filho de conviver com ambas as figuras parentais. Ela atenta, contudo, que não há qualquer previsão legal ou entendimento jurisprudencial consolidado quanto a convivência em estado de pandemia.

“O que se entende é que, apesar das crianças não estarem no dito grupo de risco da COVID-19, o eventual deslocamento entre a casa dos pais, em cumprimento ao regime de convivência regularmente estabelecido, poderia ser caminho da transmissão (da doença) entre uma casa e outra”, pondera a advogada.

“Contudo, motivos injustificados e sem qualquer fundamento legal, igualmente, não podem e não devem se consolidar como uma espécie de ‘licença’ para manter seus filhos longe do outro genitor, independente do regime de guarda, ou de quem a detenha”, defende Magda.

Fonte: IBDFAM

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Compromisso particular de compra e venda – Pagamento do preço à vista que, no caso concreto, não desnatura a natureza preliminar do contrato, pois ajustada a finalização, a posteriori, da compra e venda, mediante outorga de escritura definitiva – Promessa de venda que não opera a transferência do domínio – Inexistência de previsão formal para as obrigações de fazer, que podem assumir a forma pública ou particular – Óbice afastado – Dúvida improcedente – Recurso provido

Apelação Cível nº 0006924-04.2019.8.26.0344

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0006924-04.2019.8.26.0344
Comarca: MARÍLIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0006924-04.2019.8.26.0344

Registro: 2019.0001054541

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0006924-04.2019.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante LUIZ HENRIQUE SANTOS PIMENTEL, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARÍLIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e afastar o óbice apresentado pelo registrador, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de dezembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 0006924-04.2019.8.26.0344

Apelante: Luiz Henrique Santos Pimentel

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Marília

VOTO Nº 38.003

Registro de Imóveis – Compromisso particular de compra e venda – Pagamento do preço à vista que, no caso concreto, não desnatura a natureza preliminar do contrato, pois ajustada a finalização, a posteriori, da compra e venda, mediante outorga de escritura definitiva – Promessa de venda que não opera a transferência do domínio – Inexistência de previsão formal para as obrigações de fazer, que podem assumir a forma pública ou particular – Óbice afastado – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Luiz Henrique Santos Pimentel contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e 1º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Marília/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve o óbice imposto pelo registrador[1].

Alega o apelante, em síntese, que a minuta de instrumento de compromisso de compra e venda em questão está arquivada no registro imobiliário, juntamente com o memorial descritivo, plantas e demais documentos apresentados por ocasião do registro do loteamento, nos termos exigidos pela Lei nº 6.766/79. Afirma que a possibilidade do registro do compromisso de compra e venda está prevista no Código Civil, certo que o pagamento do preço ajustado não enseja a necessidade de imediata lavratura de escritura pública, o que depende, antes, do adimplemento da obrigação assumida pelo loteador, de finalizar o empreendimento e entregar o lote[2].

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento da apelação[3].

É o relatório.

O dissenso versa sobre a possibilidade de registro do contrato particular de compromisso de compra e venda, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 65.307 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e 1º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Marília/SP.

O registrador desqualificou o título e formulou exigências, entendendo o MM. Juiz Corregedor Permanente pela regularidade da recusa, eis que não atendida a forma exigida pelo art. 108 do Código Civil. Na nota de devolução elaborada, consignou o Sr. Oficial que o título apresentado consagra a transmissão do imóvel, com pagamento à vista e imediata transferência da propriedade, características próprias da compra e venda, e que, portanto, exige a formalização do negócio por meio de escritura pública.

O compromisso de compra e venda é espécie de contrato preliminar por intermédio do qual as partes, ou uma delas, comprometem-se a celebrar adiante o contrato definitivo de compra e venda. É negócio de segurança, que objetiva conferir garantias às partes quanto à relação substancial futura.

Sobre as diferenças entre o contrato preliminar e o definitivo, o Conselho Superior da Magistratura, nos autos da apelação cível nº 37.727-0/3, relatada pelo então Corregedor Geral da Justiça Desembargador Márcio Bonilha, assim se manifestou: “Sabido que a natureza e o tipo do contrato fixam-se por seu conteúdo e não pela denominação, ou rótulo, que lhes deram as partes contratantes. Conceitua-se o contrato preliminar como aquele por via do qual ambas as partes se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será o contrato principal. Diferencia-se do contrato principal pelo objeto, que no preliminar é a obrigação de concluir outro contrato, enquanto que o do definitivo é uma prestação substancial (Francesco Messineo, Dottrina Generale Del Contrato, pág. 207)” (Ap. Cível n° 37.727-0/3, Rel. Des. Márcio Bonilha). A denominação do contrato, por si só, não impede o registro pretendido, pois o que importa não é o rótulo da avença, mas sim o seu conteúdo.

O contrato de promessa de compra e venda, de natureza imobiliária, tem sido conceituado como um acordo de vontades por meio do qual as partes se obrigam a efetuar, nas condições estabelecidas e de acordo com os preceitos legais, uma escritura definitiva de compra e venda, após o pagamento do preço ajustado, tal como ocorre no caso em análise.

Prevê o art. 1.245, § 1º, do Código Civil, que a transmissão da propriedade por ato “inter vivos” somente ocorre com o registro do título translativo no Registro de Imóveis:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

De igual modo ocorre com o direito real de compromissário comprador, pois até o registro subsiste, apenas, o direito obrigacional entre as partes do contrato.

Como se vê, a promessa de venda não opera a transferência do domínio, mas apenas confere ao compromissário-comprador direito real de aquisição do imóvel (art. 1.417, CC), oponível a terceiros, desde que registrado no Cartório competente.

No caso concreto, em que pese o pagamento do preço à vista, as partes se comprometem a finalizar, a posteriori, o contrato de compra e venda, mediante futura outorga de escritura definitiva (cláusula 134). Como todo contrato preliminar, a promessa de compra e venda gera uma obrigação de fazer, que se executa mediante a formalização do contrato definitivo. A prestação a que as partes estão obrigadas é, assim, o fato da realização da compra e venda. E como não existe previsão formal para as obrigações de fazer, podem assumir a forma pública ou particular.

Por conseguinte, há que ser afastado o óbice imposto pelo Oficial, de maneira a permitir o registro do contrato particular de compromisso de compra e venda.

Diante do exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e afastar o óbice apresentado pelo registrador.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Imposto causa mortis – Fiscalização do correto recolhimento pelo oficial do registro imobiliário no caso de ser evidente o recolhimento a menor – Não exame no processo judicial da correspondência entre o valor atribuído aos bens transmitidos por sucessão hereditária na partilha homologada e o imposto recolhido – Exigência conforme o plexo de atribuições legais do oficial do registro imobiliário – Recurso não provido.

Apelação n° 1000012-71.2019.8.26.0538

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000012-71.2019.8.26.0538
Comarca: SANTA CRUZ DAS PALMEIRAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000012-71.2019.8.26.0538

Registro: 2019.0001054533

ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000012-71.2019.8.26.0538, da Comarca de Santa Cruz das Palmeiras, em que é apelante MARIA APARECIDA PONTES MAZZOTTI BELLOMI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DAS PALMEIRAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de dezembro de 2019.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.º 1000012-71.2019.8.26.0538

Apelante: Maria Aparecida Pontes Mazzotti Bellomi

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Santa Cruz das Palmeiras

VOTO N.º 37.999

Registro de Imóveis – Imposto causa mortis – Fiscalização do correto recolhimento pelo oficial do registro imobiliário no caso de ser evidente o recolhimento a menor – Não exame no processo judicial da correspondência entre o valor atribuído aos bens transmitidos por sucessão hereditária na partilha homologada e o imposto recolhido – Exigência conforme o plexo de atribuições legais do oficial do registro imobiliário – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Maria Aparecida Pontes Mazzotti Bellomi contra r. sentença que manteve a recusa de registro de carta de adjudicação em razão da ausência de comprovação da complementação do recolhimento do ITBI.

A apelante sustenta o cabimento do registro uma vez que houve o recolhimento do imposto causa mortis nos termos do decidido no inventário extrajudicial (a fls. 234-237).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (a fls. 263-264).

É o relatório.

A natureza judicial do título apresentado não impede sua qualificação registral quanto aos aspectos extrínsecos ou aqueles que não foram objeto de exame pela Autoridade Jurisdicional.

O item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça é expresso acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis a tanto, como se constata de sua redação:

“119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Essa questão é pacífica nos precedentes administrativos deste órgão colegiado, entre muitos, confira-se trecho do voto do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, na apelação n. 0001561-55.2015.8.26.0383, j. 20/7/2017:

“A origem judicial do título não afasta a necessidade de sua qualificação registral, com intuito de se obstar qualquer violação ao princípio da continuidade (Lei 6.015/73, art. 195).

Nesse sentido, douto parecer da lavra do então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra, lançado nos autos do processo n.º 2009/85.842, que, fazendo referência a importante precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 31.881-0/1), aduz o que segue:

‘De início, cumpre anotar, a propósito da matéria, que tanto esta Corregedoria Geral da Justiça quanto o Colendo Conselho Superior da Magistratura têm entendido imprescindível a observância dos princípios e regras de direito registral para o ingresso no fólio real – seja pela via de registro, seja pela via de averbação – de penhoras, arrestos e seqüestros de bens imóveis, mesmo considerando a origem judicial de referidos atos, tendo em conta a orientação tranqüila nesta esfera administrativa segundo a qual a natureza judicial do título levado a registro ou a averbação não o exime da atividade de qualificação registral realizada pelo oficial registrador, sob o estrito ângulo da regularidade formal (Ap. Cív. n. 31.881-0/1)’”.

É dever do Oficial de Registro de Imóveis a fiscalização do pagamento dos impostos devidos em razão dos títulos apresentados para registro em sentido amplo, pena de responsabilidade solidária de forma subsidiária.

Nesse sentido, dispõem o artigo 289 da Lei de Registros Públicos e artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:

“LRP. Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.

CTN. Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigênciaa do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício”.

De outra parte, conforme precedentes do Conselho Superior da Magistratura (Ap. n. 1066691-48.2015.8.26.0100, Rel. Pereira Calças, j. 25/8/2016, e Ap. n. 1024158-98.2015.8.26.0577, Rel. Pereira Calças, j. 25/8/2017) não integra o plexo de atribuições do registrador a verificação da exatidão do imposto recolhido.

O Des. Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época, no voto proferido na Ap. n. 1066691-48.2015.8.26.0100, j. 25/8/2016, afirmou:

“Pese embora sua força semântica, o adjetivo “rigorosa” não há de ser interpretado de modo tal que torne o Oficial de Registro guardião-mor do erário. Se, à evidência, não pode o Sr. Oficial permitir o registro quando recolhimento tributário nenhum houver, ou quando o valor pago seja flagrantemente inferior ao devido, tampouco lhe é dado, de outro bordo, tornar-se julgador de controvérsias jurídicas atinentes à extensão do montante devido. Assim é que, não se tendo recolhido tributo algum, será lícito que obste o registro. Todavia, apresentando o interessado prova do recolhimento tributário e expedido o formal de partilha, eventual discordância Fazendária acerca do quantum debeatur não será impedimento ao registro. Haverá, outrossim, de ser solucionada pelas vias judiciais próprias”. (grifos meus)

Nessa perspectiva, compete ao Oficial do Registro de Imóveis a fiscalização das situações nas quais o recolhimento tributário é, evidentemente, menor que o montante legalmente cabível.

Esse ponto também foi ressaltado na Ap. n. 1005906-21.2018.8.26.0099, j. 16/5/2019, da qual fui relator, conforme segue:

“Não se cuida, portanto, de imputar ao Oficial de Registro de Imóveis a obrigação de fiscalizar a correção da declaração de imposto, mas de exigência decorrente da contradição das declarações da viúva e herdeiros, na escritura pública, sobre os valores venais dos imóveis e os valores em que sustentaram a declaração de dispensa da apresentação da prova do recolhimento do imposto decorrente da doação”.

No caso em julgamento, após o recolhimento do imposto causa mortis houve a realização de perícia para avaliação dos bens transmitidos por sucessão hereditária, o que redundou na modificação do valor inicial daqueles (R$43.221,31) para R$201.174,17.

O valor da avaliação serviu de base para partilha homologada (a fls. 168-176), todavia, não houve manifestação a respeito pela Fazenda Estadual.

Nessa ordem de ideias, o imposto causa mortis, objetivamente, foi recolhido em consideração à avaliação inicial (R$43.221,31) e não à avaliação judicial que serviu de base para partilha (R$201.174,17).

O artigo 15, caput, da Lei Estadual n. 9.591/1966, vigente à época, estabelece:

“Artigo 15 – Nas transmissões “causa mortis”, o valor será o que servir de base ao lançamento dos impostos sôbre a propriedade predial e territorial urbana ou sôbre a propriedade territorial rural, conforme se trata respectivamente, de imóvel urbano ou rural, ressalvado aos interessados o direito de requererem avaliação judicial”.

Na medida em que os interessados utilizaram o valor da avaliação judicial para fins de partilha, é inviável a consideração dos valores iniciais (inferiores) para fins de recolhimento do imposto de transmissão devido, pois assim agindo aceitaram o novo valor.

É indevido sustentar que a majoração realizada foi somente para efeito de partilha; não há duas avaliações válidas, devendo prevalecer a última.

Não houve decisão judicial acerca dessa situação, tampouco é possível o exame da eventual inexigibilidade dos impostos devidos nesta sede administrativa.

Nestes termos, a exigência foi correta e merece ser mantida.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 08.04.2020 – SP)

Fonte: INR Publicações

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