Número do processo: 1004442-62.2019.8.26.0604
Ano do processo: 2019
Número do parecer: 509
Ano do parecer: 2020
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1004442-62.2019.8.26.0604
(509/2020-E)
Registro de Imóveis – Convenção de condomínio – Averbação – Mudança da destinação de unidades autônomas – Alteração que tem de ser aprovada pela unanimidade de todos os condôminos, e não apenas por aqueles que tenham comparecido à assembleia – Deficiência do quórum – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo-se o óbice.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
1. Trata-se de recurso administrativo, interposto como apelação (fl. 127-132), mediante o qual o Condomínio das Primaveras pretende a reforma da r. sentença (fl. 120-121) que, confirmando a recusa feita pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Sumaré (fl. 45-49) e julgando improcedente o pedido de providências, manteve o indeferimento de averbação de mudança em convenção condominial (fl. 10-42).
Segundo a sentença, a alteração de convenção de condomínio diz respeito ao destino das unidades imobiliárias. Essa mudança, porém, não foi aprovada por todos os condôminos, mas somente por aqueles que estavam presentes à assembleia, o que contravém a exigência de unanimidade posta no CC/2002, art. 1.351. Dessa forma, o indeferimento da averbação foi correto, e a recusa tem de ser mantida.
Alega-se no recurso, entretanto, que não estaria bem o decisum, porque a mudança de destinação foi aprovada por unanimidade na assembleia e não é correto interpretar o Cód. Civil como se exigisse o uníssono de todos os condôminos, e não apenas daqueles presentes à reunião. Acrescenta-se que a modificação em vista só atinge seis das unidades, já inseridas em área comercial. Logo, a sentença tem de ser reformada para que, afastado o óbice indevido, se proceda à averbação, como rogada.
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 146-150).
É o relatório.
Opino.
2. Conquanto o recurso tenha sido interposto e de início processado como apelação (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 202), fato é que, tendo sido requerida uma averbação (Lei n. 6.015/1973, arts. 178, III, c. c. art. 246, caput), aqui se trata, realmente, de recurso administrativo (Decreto Lei Complementar n. 3, de 27 de agosto de 1969 Cód. Judiciário, art. 246), como de resto já se reconheceu pela v. decisão monocrática de fl. 153-154, ao mandar que se remetesse a esta Corregedoria Geral da Justiça.
De meritis, o recurso administrativo tem de ser improvido.
Como se verifica a fl. 10 e 13 (e, no mais, é incontroverso), a averbação rogada tem por fim dar publicidade à mudança de destinação de seis das unidades condominiais. Para tal mudança a lei exige, peremptoriamente, a unanimidade dos condôminos, como se tira, de modo claro, do art. 1.351 do Cód. Civil, verbis “a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”.
Pelo que se vê na ata da assembleia (fl. 10) e na relativa listagem de presença (fl. 12), contudo, não se obteve a unanimidade exigida em lei. Dessa forma, não atendendo o título ao que o ordenamento manda, o Oficial de Registro de Imóveis houve por bem indeferir a averbação que com base nele se pedira, e a sua recusa foi justa, como fez notar a r. sentença recorrida.
Não socorre o interessado a alegação de que o quórum exigido pelo art. 1.351 do Cód. Civil seria a unanimidade dos presentes à assembleia, e não de todos os condôminos.
Primo, não é isso que diz a regra, cuja interpretação literal facilmente permite concluir que, dada a gravidade das matérias versadas no dispositivo, o consenso demandado é o de toda a massa condominial, e não apenas daqueles que se dispuserem a comparecer à assembleia.
Secundo, o Cód. Civil explicita quando se quer mencionar o quórum dos presentes à assembleia (cf. art. 1.352, caput, verbis “votos dos presentes”, e art. 1.353, verbis “dos votos presentes”). Por conseguinte, a só referência à unanimidade dos condôminos, sic et simpliciter, tem de entender-se como menção a todos eles no conjunto inteiro, e não àqueles presentes a uma certa reunião.
Tertio, há precedentes desta mesma Corregedoria, dos quais se depreende que a interpretação mais correta é a de que a unanimidade mencionada no art. 1.351 é a de todos os condôminos, absolutamente:
“Daí que alterações que venham a limitar ou proibir o livre uso ou a livre exploração econômica da unidade imobiliária, respeitadas normas cogentes e as limitações previamente fixadas na convenção de condomínio exigem, por expressa disposição da parte final do art. 1.351 do Código Civil, a concordância unânime dos condôminos. […] Não se trata, assim, de mera regulação do uso da propriedade individual em benefício da coletividade condominial, posto que produz interferência significativa na fruição interna da propriedade exclusiva.” (Parecer dado no Recurso Administrativo 1019834-60.2018.8.26.0577, j. 17.6.2020, DJe 22.6.2020, caderno administrativo, p. 19)
A respeito, merece ser transcrito trecho do parecer elaborado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. José Marcelo Tossi Silva, nos autos do Recurso Administrativo nº 0029914-40.2017.8.26.0576, aprovado por decisão de 26 de abril de 2019:
‘Aplica-se, nesse ponto, a lição de Nisske Gondo e J. Nascimento Franco no sentido de que as alterações na instituição do condomínio dependem da anuência de todos os condôminos: ‘Uma vez registrado o instrumento de instituição do condomínio, exige-se a unanimidade dos coproprietários, com anuência dos compromissários compradores ou promitentes cessionários de direitos à compra de unidades autônomas, para as alterações que importem em desdobramento ou unificação de unidades, mudança na destinação das áreas privativas ou comuns, bem como na participação proporcional no terreno e coisas comuns; enfim, para as inovações que possam direta ou indiretamente repercutir sobre os direitos subjetivos dos condôminos com a finalidade a que inicialmente se destinou o edifício ou suas unidades autônomas, tal como a transformação da casa do zelador, ou de qualquer área comum, em unidade privativa’ (João Nascimento Franco; Nisske Gondo, Condomínio, cit., p. 15). […] Essa solução não é alterada pela suposta dificuldade em reunir todos os coproprietários do terreno e das unidades autônomas já existentes, porque eventual recusa injustificada para a alteração do condomínio edilício poderá ser suprida judicialmente, mas em ação própria, contenciosa.”
Também vale mencionar:
“De acordo com o artigo 1351 do Código Civil, que regula a questão posta a desate: ‘Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.’ […] Logo, para alteração da instituição e especificação condominial faz-se necessário a aprovação pela unanimidade dos condôminos.” (Recurso Administrativo 1064288-67.2019.8.26.0100, j. 6.8.2019, DJe 9.8.2019, caderno judicial 1ª instância Capital, p. 1.813-1.814)
“Nota-se, do exposto, que é necessária a anuência de todos os titulares das unidades autônomas, nos termos do art. 1.351, do Código Civil, uma vez que a construção em análise implica alterações na especificação do condomínio.” (Pedido de Providências 1000761– 87.2016.8.26.0152, j. 16.3.2017, DJe 25.5.2017, caderno administrativo, p. 11)
Quarto, o item 82 do Cap. XX das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais decide a questão de forma definitiva, nesta esfera administrativa:
82. A alteração da especificação exige a anuência da totalidade dos condôminos.
O fato de a mudança de destinação alcançar somente algumas das unidades não afasta a incidência do art. 1.351 do Cód. Civil, com a interpretação que ora se lhe dá, uma vez que, seja qual for o número de afetados, a substância do ato é a mesma: a alteração da especificação do condomínio.
Por todo o exposto, conclui-se, como já se dissera, que o recurso não pode ser provido, e a r. sentença impugnada tem de ser mantida como lançada, para que subsista o óbice levantado pelo Oficial de Registro de Imóveis.
3. Diante do exposto, o parecer que respeitosamente apresento à elevada consideração de Vossa Excelência é pelo não provimento do recurso administrativo.
Sub censura.
São Paulo, 10 de dezembro de 2020.
JOSUÉ MODESTO PASSOS
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e a ele nego provimento. São Paulo, 10 de dezembro de 2020.
Diário da Justiça Eletrônico de 16.12.2020
Decisão reproduzida na página 149 do Classificador II – 2020
Fonte: INR Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias
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