1VRP/SP: Registro de Imóveis. Carta de Adjudicação. Débitos Condominiais. Princípio da continuidade. Imóvel em nome dos compromissários vendedores. Dispenda da apresentação do original do compromisso de venda e compra.


  
 

Processo 1028306-84.2022.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Espólio de Ademir Miranda Miguel – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para afastar a exigência de apresentação do compromisso de compra e venda em sua via original, o que possibilitará ingresso de ambos os títulos, desde que preenchidos os demais requisitos registrários, notadamente aqueles relativos aos recolhimentos de impostos e emolumentos. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JULIANA SUARTZ NUNES CUZATO (OAB 400953/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1028306-84.2022.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Espólio de Ademir Miranda Miguel
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital a requerimento do espólio de Ademir Miranda Miguel, representado pela inventariante Cleuza de Carvalho Miguel, diante da negativa em se proceder ao registro da carta de arrematação expedida pelo juízo da 5ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros, Comarca de São Paulo, no processo de autos n. 0024620-97.2010.8.26.0011 (ação de cobrança de despesas condominiais, procedimento sumário, movida por Condomínio Morada do Parque contra Marcos Heber Frederico Junior), referente ao imóvel da matrícula n. 154.086 daquela serventia.
O óbice registrário refere-se à divergência entre os titulares do domínio que figuram no registro, Rezende Imóveis e Construções Ltda, Pedra Amarela Agropecuária e Participações Ltda e Halna Comércio e Empreendimentos Ltda, e o integrante do polo passivo da ação em que ocorreu a arrematação, o que caracteriza violação ao princípio da continuidade; que necessária a apresentação do original do contrato de compromisso de compra e venda pelo qual o devedor-réu adquiriu o imóvel das proprietárias, uma vez que a cópia que integra a carta de arrematação não comporta registro.
Documentos vieram às fls. 07/190.
Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que a exigência está suprida pela exibição de cópia autenticada do contrato em questão nos autos em que arrematado o imóvel; que a cópia autenticada do documento tem o mesmo valor probante que seu original (art. 161 da LRP); que a carta de arrematação, instruída com os documentos que compõem o processo de cobrança, convalida os atos ali praticados; que o título judicial determinou a expropriação do bem da esfera patrimonial do devedor e sua entrega ao arrematante, pelo que não há empecilho ao registro; que a arrematação é modo de aquisição originária conforme precedentes; que inexiste relação jurídica entre o arrematante e os anteriores proprietários (fls. 13/16 e 18/19).
Não foi apresentada, porém, impugnação nestes autos (fls. 04, 17 e 213).
O Ministério Público opinou pela procedência (fl. 191).
É o relatório.
Fundamento e decido.
No mérito, a dúvida é procedente em parte. Vejamos os motivos.
De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. o fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.
O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
Quanto ao registro pretendido no caso, imprescindível que se observe o princípio da continuidade, conforme explicado por Afrânio de Carvalho:
“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, página 254).
Ou seja, o título deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula.
Vale destacar, ainda, que é pacífico o entendimento atual de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação – Título judicial sujeito à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido, com determinação” (TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação – Executado que é titular de direitos sobre o imóvel – Forma derivada de aquisição de direitos – Arrematação que não pode ir além dos direitos do executado – Princípio da continuidade – Dúvida procedente – Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1125920-02.2016.8.26.0100; Relator: Pereira Calças (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 02/12/2017; DJe: 15/03/2018).
Nesse mesmo sentido, o C. Conselho Superior da Magistratura decidiu nas Apelações n. 1001015-36.2019.8.26.0223, n. 1061979-44.2017.8.26.0100, n. 0018338-33.2011.8.26.0100 e n. 0035805-59.2010.8.26.0100, dentre outras.
No caso concreto, vê-se da matrícula que as proprietárias do imóvel são Rezende Imóveis e Construções Ltda, Pedra Amarela Agropecuária e Participações Ltda e Halna Comércio e Empreendimentos Ltda (R.1/154.086, fls. 09/10).
Entretanto, a carta de arrematação apresentada indica a aquisição do bem por Ademir Miranda Miguel, casado sob o regime da comunhão universal de bens com Cleuza de Carvalho Miguel, em ação de cobrança de condomínio promovida contra Marcos Heber Frederico Júnior (processo de autos n. 0024620-97.2010.8.26.0011, que teve trâmite perante a 5ª Vara Cível do Foro Regional XI – Pinheiros, nesta Capital – fls. 27 e 180/181).
Não se ignora que os débitos condominiais possuem natureza propter rem, o que possibilita a perseguição judicial do imóvel como forma de alcançar adimplemento.
Reconhecimento expresso neste sentido, por sinal, foi feito pelo segundo grau na ação de cobrança em questão, após penhora dos direitos do compromissário comprador (fls. 115/117, 157/162).
Não houve decisão judicial naquele feito, porém, determinando a regularização da situação registrária, com suprimento da necessidade de registro do compromisso de compra e venda celebrado pelo réu da ação com as empresas-proprietárias (fls.53/92).
Note-se que as titulares do domínio, embora tenham confirmado a alienação do bem ao réu-devedor, foram excluídas da ação de cobrança (fls. 40/52 e 95).
Na falta de decisão judicial expressa, subsiste a necessidade de registro do contrato de compromisso de compra e venda celebrado pelas proprietárias com o devedor-réu em respeito ao princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ):
“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.
“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
“Item. 47 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias”.
Neste sentido já se decidiu em caso análogo:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de arrematação – Qualificação obrigatória dos títulos judiciais – Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade – Ofensa ao princípio da continuidade – Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro – Dúvida procedente – Recurso não provido” (CSM Apelação n. 1007324-58.2017.8.26.0477 Rel. Corregedor Geral da Justiça Des. Ricardo Anafe j. 03.03.2020).
No que diz respeito à exigência de apresentação do compromisso de compra e venda original, agiu com acerto o Oficial diante do que determina a Lei de Registro Público (artigo 221) e da orientação jurisprudencial (CSM, Apelação Cível n. 0025431-76.2013.8.26.0100).
A preocupação, evidentemente, é possibilitar qualificação segura, com confirmação sobre a autenticidade do instrumento particular.
Na hipótese sub judice, porém, ainda que o contrato não tenha sido apresentado em sua forma original, houve confirmação de sua celebração pelas proprietárias do imóvel, a qual se apoiaram justamente na transferência da propriedade ao réu Marcos para solicitar a sua exclusão do polo passivo da ação de cobrança de condomínio (fls. 46/52).
Constata-se daquele feito, ainda, que a posse do réu Marcos sobre o imóvel era inequívoca: toda a cobrança de condomínio foi lançada em nome dele e a ação foi originariamente proposta apenas contra ele (fls. 28 e seguintes).
Neste contexto, de ausência de qualquer dúvida quanto à autenticidade do instrumento particular, a exigência do compromisso de compra e venda em sua forma original pode ser mitigada a fim de se possibilitar o seu ingresso na matrícula, com posterior registro da carta de arrematação.
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida para afastar a exigência de apresentação do compromisso de compra e venda em sua via original, o que possibilitará ingresso de ambos os títulos, desde que preenchidos os demais requisitos registrários, notadamente aqueles relativos aos recolhimentos de impostos e emolumentos.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 30 de maio de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juiz de Direito (DJe de 01.06.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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