1VRP/SP: Registro de Imóveis. Divórcio Partilha de bens. Diante do regime adotado, separação de bens, é indevida a anotação do estabelecimento de condomínio “pro indiviso”.


  
 

Processo 1026053-26.2022.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Selma Van Tol – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar a retificação da Averbação n.18 da matrícula n.7.730 e da Averbação n.6 da matrícula n.136.261, ambas do 15º RI, de modo a constar a condição de serem bens particulares, que não se comunicam com o patrimônio do ex-cônjuge, Luigi Carbone. Deste procedimento, não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: JORGE EUSTÁCIO DA SILVA FRIAS (OAB 32547/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1026053-26.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: Selma Van Tol

Requerido: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por Selma Van Tol em face do Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, visando retificação da Averbação n.18 da matrícula n.7.730 e da Averbação n.6 da Matrícula n.136.261, ambas daquela serventia.

A parte interessada alega que, ao proceder à averbação de seu divórcio nas matrículas indicadas, o Oficial fez inserir a informação de que os imóveis não haviam sido partilhados, permanecendo “em comum, na proporção de metade ideal ou 50% para cada um dos divorciandos”. Tal dado, porém, não constava da sentença de divórcio, pelo que deve ser corrigida. Esclarece, ainda, que se casou na Itália pelo regime da separação voluntária de bens e vive, desde então, naquele país, cuja legislação não prevê, para o regime de bens escolhido, a comunicabilidade do patrimônio adquirido na constância do casamento, notadamente em situação como a que se apresenta: os imóveis foram comprados em sub-rogação de outro recebido por herança materna, o que foi expressamente reconhecido pelo ex-cônjuge. Assim, defende a inaplicabilidade da súmula n.377 do STF e requer a anotação de que os bens pertencem exclusivamente a ela.

Documentos vieram às fls.13/54.

Constatada a ausência de prenotação válida, determinou-se a reapresentação do requerimento à serventia extrajudicial (fl.55).

Por entender que o novo título a ser prenotado seria a sentença, a parte requereu o prosseguimento independentemente de novo protocolo (fls.58/59).

O Oficial se manifestou às fls.64/67, alegando que as averbações reproduziram textualmente o requerimento objeto da prenotação n.947.966, sendo que novo requerimento não foi apresentado, conforme determinado à fl.55. Ainda assim, caso fosse apresentado, seria mantido o óbice apontado na primeira qualificação, quando exigida decisão judicial definindo a questão da comunicabilidade dos bens.

A parte interessada se manifestou às fls.72/74, explicando que os termos do requerimento que instruiu a reapresentação do título foram ditados a ela por escrevente da serventia extrajudicial e que somente transcreveu ditos termos para superar a exigência formulada, sem compreender a extensão jurídica da declaração de comunicação dos bens por não ter conhecimento técnico suficiente. Outrossim, ressalta que a comunicabilidade não constou na sentença que deu suporte às averbações.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls.79/81).

Considerando a justificativa da parte interessada para não atender à determinação de fl.55 e por economia processual, foi concedido prazo complementar para reapresentação do requerimento à serventia extrajudicial (fls.83/84).

Com o atendimento, tanto o Oficial quanto o Ministério Público reiteraram suas manifestações anteriores (fls.86, 91/92 e 119).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, o pedido de providências deve ser acolhido.

Vejamos os motivos.

O artigo 213, I, “a”, da Lei de Registros Públicos, autoriza que o Oficial retifique registro ou averbação a requerimento do interessado nos casos de “omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título”.

No caso concreto, as averbações questionadas tomaram por base a sentença estrangeira de divórcio, que foi expedida pelo Tribunal de Imperia, na Itália, com tradução e transcrição no Registro Civil das Pessoas Naturais desta Comarca (fls.22/23, 28/29 e 30/45)

Verifica-se que a parte interessada se casou naquele país pelo regime convencional da separação de bens, segundo o qual, tanto na legislação italiana como na brasileira, presume-se afastada a comunicação entre os bens adquiridos na constância do casamento e o patrimônio conjugal, ressalvada a obrigação de ambos os cônjuges contribuírem com as despesas domésticas para a manutenção da família.

Ademais, mesmo nos casos em que o regime da separação de bens é obrigatório, a atual orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça nos Embargos de Divergência nº1.623.858/MG é pela releitura da antiga súmula 377 do STF, com compreensão de que o esforço comum não pode ser presumido:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

1. Nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.

2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.

3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça.

4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial” (EREsp 1623858/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018).

Por entender o Oficial que a matéria envolvia a comunicabilidade ou não dos imóveis, matéria que não foi resolvida na sentença, concluiu pela necessidade de decisão judicial sobre a questão (fl.46).

Visando superar o óbice, a parte reapresentou o título, incluindo declaração pessoal que não constou na sentença, sem compreender a implicação jurídica do ato (fls.68/71).

Assim, o Oficial, com a licença da parte apresentante e seguindo a nota que orienta a aplicação do item 9, “b”, 14, Cap.XX, das NSCGJ, anotou a ausência de partilha dos bens e o surgimento do condomínio “pro indiviso”.

Neste ponto, a anotação estaria correta se o regime de bens adotado no casamento não fosse o da separação convencional

Note-se que, quando há partilha definindo o domínio dos bens como consequência da alteração do estado das pessoas envolvidas, o título não deve ser averbado, mas registrado por força do número 25, inciso I, do artigo 167, da Lei n. 6.015/73.

Diante do regime da separação de bens, não há que se falar em comunicação patrimonial, ficando dispensada, portanto, menção expressa à partilha por ocasião do divórcio. Sendo exceção à regra legal, eventual partilha acordada é que deverá constar obrigatoriamente no título, justamente a fim de possibilitar registro.

Nesse contexto, diante do regime adotado, separação de bens, conclui-se que é indevida a anotação do estabelecimento de condomínio “pro indiviso”, o que se confirma porque tal dado não consta no título.

Aliás, visando afastar a possibilidade de confusão, com retrato da real situação do bem, é importante noticiar que o imóvel foi adquirido com capital exclusivo de Selma, ou seja, que se trata de bem particular, notadamente diante da manifestação expressa do ex-cônjuge no sentido de que não se considera prejudicado (fls.14 e 51).

Justamente porque há consenso entre o casal, a via jurisdicional é totalmente prescindível.

A retificação, portanto, é necessária. Neste sentido, Luiz Guilherme Loureiro observa:

“Em virtude do princípio da legitimidade ou da presunção de veracidade, o Registro deve refletir a verdade não só no que se refere ao titular do direito registrado, mas também quanto à natureza e ao conteúdo deste direito. Assim, qualquer inexatidão do assento deve ser retificada a fim de que reflita perfeitamente a realidade” (Registros Públicos – Teoria e Prática – 2ª ed. – Editora Método).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar a retificação da Averbação n.18 da matrícula n.7.730 e da Averbação n.6 da matrícula n.136.261, ambas do 15º RI, de modo a constar a condição de serem bens particulares, que não se comunicam com o patrimônio do ex-cônjuge, Luigi Carbone.

Deste procedimento, não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 07 de junho de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 09.06.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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