Processual civil – Mandado de Segurança – Administrativo – Ato ilegal – Provimento de serventia – Ilegalidade em destituição – Provimento do recurso ordinário – I. Na origem, trata-se de mandado de segurança contra ato ilegal do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí consistente na publicação do Edital que declarou vaga a serventia da Impetrante. No Tribunal a quo, acolheu-se a preliminar suscitada – II. A aplicação dos princípios da simetria e do paralelismo das formas exige que o mesmo instrumento administrativo ou legislativo utilizado para a criação deve ser utilizado para a extinção. Se os cartórios somente podem ser criados por lei, somente por lei podem se extintos. O serviço do 4º Ofício da Comarca de Parnaíba somente poderia ter sido extinto por meio de lei, e não através de Portaria do Presidente do Tribunal de Justiça – III. Verifica-se, assim, que a extinção do Cartório do 4º Ofício provocou a sumária perda da delegação fora das hipóteses legais, tendo como consequência a violação ao direito à ampla defesa e ao devido processo legal, de modo que a Portaria nº 586/2000 apresenta-se como ato carente de motivação adequada do Presidente do Tribunal de Justiça. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ADI 4657 MC, Relator(a): Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 29/02/2012, Processo Eletrônico DJe-080 Divulg 24-04-2012 Public 25-04-2012 – IV. Recurso ordinário provido para anular a Portaria nº 586/2000, do Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, de forma a restabelecer o serviço do 4º Ofício da Comarca de Parnaíba e restituir à impetrante a titularidade interina dessa serventia, até que a vaga venha a ser provida por serventuário aprovado em concurso público de provimento originário ou de remoção.


  
 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 47.449 – PI (2015/0012000-4)

RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO

RECORRENTE : MARIA DEOLINDA FURTADO SILVA MARINHO

ADVOGADOS : CELSO BARROS COELHO E OUTRO(S) – PI029855

KARINE CAMPELO DE BARROS – PI006324

RECORRIDO : ESTADO DO PIAUÍ

PROCURADOR : YURI RUFINO QUEIROZ E OUTRO(S) – PI007107

RECORRIDO : OSWALDO LIMA ALMENDRA FILHO

ADVOGADO : MOISÉS ÂNGELO DE MOURA REIS E OUTRO(S) – PI000874

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO ILEGAL. PROVIMENTO DE SERVENTIA. ILEGALIDADE EM DESTITUIÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO.

I – Na origem, trata-se de mandado de segurança contra ato ilegal do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí consistente na publicação do Edital que declarou vaga a serventia da Impetrante. No Tribunal a quo, acolheu-se a preliminar suscitada.

II – A aplicação dos princípios da simetria e do paralelismo das formas exige que o mesmo instrumento administrativo ou legislativo utilizado para a criação deve ser utilizado para a extinção. Se os cartórios somente podem ser criados por lei, somente por lei podem se extintos. O serviço do 4º Ofício da Comarca de Parnaíba somente poderia ter sido extinto por meio de lei, e não através de Portaria do Presidente do Tribunal de Justiça.

III – Verifica-se, assim, que a extinção do Cartório do 4º Ofício provocou a sumária perda da delegação fora das hipóteses legais, tendo como consequência a violação ao direito à ampla defesa e ao devido processo legal, de modo que a Portaria nº 586/2000 apresenta-se como ato carente de motivação adequada do Presidente do Tribunal de Justiça. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ADI 4657 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 29/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2012 PUBLIC 25-04-2012.

IV – Recurso ordinário provido para anular a Portaria nº 586/2000, do Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, de forma a restabelecer o serviço do 4º Ofício da Comarca de Parnaíba e restituir à impetrante a titularidade interina dessa serventia, até que a vaga venha a ser provida por serventuário aprovado em concurso público de provimento originário ou de remoção.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin

Brasília (DF), 03 de maio de 2022(Data do Julgamento)

MINISTRO FRANCISCO FALCÃO

Relator

RELATÓRIO

Na origem, trata-se de mandado de segurança contra ato ilegal do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí consistente na publicação do Edital que declarou vaga a serventia da Impetrante. No Tribunal a quo, acolheu-se a preliminar suscitada. O recurso em mandado de segurança foi interposto contra Acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ conforme a seguinte ementa do acórdão:

CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGUNRAÇA. COISA JULGADA. PRELIMINAR DE COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE. PARTES E CAUSAS DE PEDIR. ILEGITIMIDADE ATIVA. IMPETRANTE CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A LEGITIMAR IMPETRANTE EM MANDAMUS. EXTINÇÃO DO CARTÓRIO DO 4º OFÍCIO POR FATO PRÍNCIPE. AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. INTERIDADE PRECÁRIA.. EXTINÇÃO DO WRIT SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO NOS TERMOS DO ART. 267, VI DO CPC.

No recurso ordinário, a parte apresenta os seguintes argumentos:

Ora, jamais houve interesse em abrir concurso para preenchimento da vaga no Cartório. Parnaíba é uma cidade com mais de 140mil habitantes e haveria sempre interessados em participar de concurso para preenchimento do cargo de Tabelião. Nunca houve Edital de Abertura de Concurso, pelo que a justificação é mero e enganoso pretexto para encobrir a ilegalidade do ato.

[…]

A decisão do Tribunal a quo, acolhendo preliminar suscitada na oportunidade do julgamento, é mais um desvio de ordem processual, já que a decisão repousa em pressupostos estranhos ao pedido. Veja-se a construção artificial do Acórdão, no resumo da Ementa apresentada.

[…]

A questão da coisa julgada não foi objeto do Mandado de Segurança, pois nenhuma decisão definitiva fora proferida, anteriormente, contra ou a favor da Impetrante. Esta, com o ato de extinção do Cartório, perdeu o seu cargo de Escrevente Juramentada e a titularidade interina, em flagrante violação ao direito subjetivo de exercer suas funções, funções efetivas, na condição de Escrevente Juramentada desde 1978, ano de sua admissão. A titularidade interina durava já 6 (seis) anos, consoante está reconhecida na Informação do Tribunal de Justiça de fis. 74, in fine, na parte transcrita acima. Ferida no seu direito com a extinção do Cartório, deforma ilegal, violenta, tal lesão lhe confere o direito de recorrer ao Judiciário, usando um meio adequado no caso, o Mandado de Segurança.

[…]

Não há dúvida de que a extinção do Cartório, pela forma com que foi feita, não extinguiu o vínculo empregatício da Escrevente Juramentada e nem anulou a Titularidade interina em que fora investida deforma legal como reconhece o próprio Tribunal de Justiça na informação antes mencionada fls.74, in fine. Não há, pois, como negar à Impetrante, legitimidade ad causam, da qual decorre o seu direito subjetivo de pleitear junto ao Poder Judiciário a reparação do esbulho perpetrado.

Parecer do Ministério Público pelo provimento do recurso ordinário, conforme o seguinte resumo:

Mesmo que, ad argumen tantum tantum, fosse aceita a possibilidade de extinção de cartório por meio de portaria, no caso concreto, a Portaria nº 586/2000 violou o art. 236,§ 3º, da CF.

[…]

Dessa forma, é possível concluir que, após o falecimento do Titular da Serventia, ocorrida em 24/4/1994, o Tribunal de Justiça, antes de extinguir o Cartório do 4º Ofício, deveria ter aberto concurso público de provimento originário ou por meio de remoção, oque não está devidamente esclarecido se ocorreu no caso.

[…]

No caso, a ora recorrente perdeu sumariamente sua delegação, sem que lhe tivesse sido assegurado o direito à ampla defesa e ao devido processo legal, de modo que a Portaria nº 586/2000 apresenta-se como ato carente de motivação adequada do Presidente do Tribunal de Justiça.

É o relatório.

VOTO

O recurso ordinário merece provimento.

A aplicação dos princípios da simetria e do paralelismo das formas exige que o mesmo instrumento administrativo ou legislativo utilizado para a criação deve ser utilizado para a extinção. Se os cartórios somente podem ser criados por lei, somente por lei podem se extintos. O serviço do 4º Ofício da Comarca de Parnaíba somente poderia ter sido extinto por meio de lei, e não através de Portaria do Presidente do Tribunal de Justiça.

Verifica-se, assim, que a extinção do Cartório do 4º Ofício provocou a sumária perda da delegação fora das hipóteses legais, tendo como consequência a violação ao direito à ampla defesa e ao devido processo legal, de modo que a Portaria nº 586/2000 apresenta-se como ato carente de motivação adequada do Presidente do Tribunal de Justiça.

No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

SERVENTIAS – SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – DESMEMBRAMENTO, DESDOBRAMENTO, EXTINÇÃO, ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, ANEXAÇÃO, DESANEXAÇÃO, MODIFICAÇÃO DE ÁREAS TERRITORIAIS – RESERVA LEGAL – INOBSERVÂNCIA – LIMINAR DEFERIDA. Alterações das serventias, presentes os citados fenômenos, pressupõem lei em sentido formal e material, não cabendo a disciplina mediante resolução de tribunal de justiça.

(ADI 4657 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 29/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2012 PUBLIC 25-04-2012)

Ademais, no caso de vacância, é necessária a abertura de concurso de concurso de provimento ou de remoção. De igual modo, a Lei nº 8.935/1994, que regulamenta o art. 236 da CF, prevê o seguinte em seus arts. 16 e 44:

Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por concurso de remoção, de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique, vaga sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”:

Art. 44. Verificada a absoluta impossibilidade de se prover, através de concurso público, a titularidade de serviço notarial ou de registro, por desinteresse ou inexistência de candidatos, o juízo competente proporá à autoridade competente a extinção do serviço e a anexação de suas atribuições ao serviço da mesma natureza mais próximo ou àquele localizado na sede do respectivo Município ou de Município contíguo”. Dessa forma, é possível concluir que, após o falecimento do Titular da Serventia, ocorrida em 24/4/1994, o Tribunal de Justiça, antes de extinguir o Cartório do 4º Ofício, deveria ter aberto concurso público de provimento originário ou por meio de remoção, oque não está devidamente esclarecido se ocorreu no caso.

Assim, o voto é pelo provimento do recurso ordinário, para anular a Portaria nº 586/2000, do Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, de forma a restabelecer o serviço do 4º Ofício da Comarca de Parnaíba e restituir a Maria Deolinda Furtado Silva Marinho a titularidade interina dessa serventia, até que a vaga venha a ser provida por serventuário aprovado em concurso público de provimento originário ou de remoção.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário nos termos da fundamentação.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – RMS nº 47.449 – Piauí – 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Falcão – DJ 03.05.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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