CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Falecimento de titular de domínio de imóvel confrontante – Exigência de lavratura de escritura pública declaratória de únicos herdeiros para anuência ao pedido de usucapião descabida – Oficial de registro que não pode apresentar óbice ao registro, que dependa de providências de terceiros – A escritura de únicos herdeiros somente se faz necessária se, não havendo inventário aberto ou concluído, os sucessores do titular de domínio falecido desejarem anuir ao pedido – Demonstrada a inexistência de inventário em curso, impõe-se a notificação dos herdeiros da falecida titular de domínio do imóvel confrontante, comprovando-se tal condição – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital desde logo – Inaplicabilidade do § 10 do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017 e do item 418.10 das NSCGJ – Área usucapienda que não coincide com a descrição tabular – Apelação a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1005092-83.2020.8.26.0278

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1005092-83.2020.8.26.0278

Comarca: ITAQUAQUECETUBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1005092-83.2020.8.26.0278

Registro: 2022.0000995276

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005092-83.2020.8.26.0278, da Comarca de Itaquaquecetuba, em que é apelante WESLEY ALVES ANDRADE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAQUAQUECETUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005092-83.2020.8.26.0278

APELANTE: Wesley Alves Andrade

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Itaquaquecetuba

VOTO Nº 38.820

Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Falecimento de titular de domínio de imóvel confrontante – Exigência de lavratura de escritura pública declaratória de únicos herdeiros para anuência ao pedido de usucapião descabida – Oficial de registro que não pode apresentar óbice ao registro, que dependa de providências de terceiros – A escritura de únicos herdeiros somente se faz necessária se, não havendo inventário aberto ou concluído, os sucessores do titular de domínio falecido desejarem anuir ao pedido – Demonstrada a inexistência de inventário em curso, impõe-se a notificação dos herdeiros da falecida titular de domínio do imóvel confrontante, comprovando-se tal condição – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital desde logo – Inaplicabilidade do § 10 do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017 e do item 418.10 das NSCGJ – Área usucapienda que não coincide com a descrição tabular – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Wesley Alves Andrade contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo as exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Itaquaquecetuba/SP e, assim, impedindo a continuidade do procedimento de usucapião extrajudicial relativo a parte do imóvel matriculado sob nº 43.514 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 369/371).

Alega o recorrente, em síntese, que a proprietária tabular de um dos imóveis confrontantes, Hilda Glória dos Santos, é falecida, razão pela qual, com fulcro no artigo 10, § 10º, do Provimento CNJ nº 65/2017, formulou pedido de notificação dos herdeiros, ante a notícia de inexistência de inventário em curso. No entanto, exigiu o Oficial de Registro a lavratura de escritura pública declaratória de anuência ao pedido de usucapião outorgada pelos herdeiros ou pelo inventariante nomeado judicialmente ou extrajudicialmente, em virtude do disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça para a hipótese de falecimento do proprietário tabular do imóvel confrontante e, ainda, por ser incabível a dispensa da notificação dos confrontantes e prematura a notificação por edital. Entende que tal ônus não lhe compete, bastando a intimação dos confrontantes e herdeiros da proprietária falecida para lavratura da escritura de anuência, sendo certo que eventual silêncio deverá ser recebido como consentimento para prosseguimento da usucapião extrajudicial. Por fim, ressalta que não há como se exigir o comparecimento dos herdeiros em Cartório para lavratura de escritura, devendo ser afastado, pois, o óbice apresentado pelo registrador (fls. 379/386).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 401/404 e fls. 426).

O recurso foi redistribuído a este C. Conselho Superior da Magistratura (fls. 408).

É o relatório.

Wesley Alves Andrade ingressou com requerimento de usucapião administrativa de parte do imóvel objeto da matrícula nº 43.514 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Poá/SP (fls. 02/10 e aditamento a fls. 100/110).

O Oficial de Registro negou o prosseguimento do pedido de usucapião extrajudicial porque, diante da notícia do falecimento da confrontante Hilda Glória dos Santos, “a anuência ao presente procedimento poderá ser prestada pelos herdeiros legais, mediante apresentação de escritura pública de nomeação de únicos herdeiros (item 418.14, Cap. XX, Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo), ou, caso haja inventário em curso, pelo inventariante nomeado judicialmente ou extrajudicialmente”. Ainda, sustentou que “o artigo 10, § 10, do Provimento nº 65/2017 do CNJ somente prevê a respectiva dispensa da notificação quando o imóvel usucapiendo estiver matriculado com descrição precisa e houver perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião, o que não ocorre no presente caso (matrícula de origem do imóvel com área de 278,20m², imóvel usucapiendo com área de 125,00m²).

Da mesma forma, a notificação por edital é medida que, também, não se aplica neste momento, já que tal alternativa se dá apenas depois de esgotadas as possibilidades de notificação pessoal do titular ou seus representantes” (fls. 338/339).

A sentença recorrida confirmou a recusa do Oficial de Registro, reconhecendo a impossibilidade de dispensa de notificação e da realização de notificação por edital, bem como a necessidade de apresentação de escritura pública outorgada pelos herdeiros, ante a inexistência de inventário em curso. Ainda, ressaltou que a notificação do inventariante ou de todos os herdeiros é providência que compete ao requerente e não, ao Oficial (fls. 369/371).

Ora, o obstáculo apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis e os fundamentos trazidos pelo MM. Juiz Corregedor Permanente para confirmação da exigência de lavratura de escritura pública para manifestação de anuência, pelos herdeiros, não se sustentam.

Exigir que o requerente imponha aos herdeiros da falecida confrontante a obrigação de lavratura de escritura pública declaratória de únicos herdeiros para anuência ao pedido de usucapião é absolutamente descabido. Não pode o Oficial de Registro apresentar óbice que dependa de providências de terceiros e, com isso, barrar o direito do requerente da usucapião extrajudicial.

Não se desconhece que, em relação aos proprietários tabulares já falecidos, prevê o art. 12 do Provimento CNJ nº 65/2017 que:

Art. 12. Na hipótese de algum titular de direitos reais e de outros direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula do imóvel confinante ter falecido, poderão assinar a planta e memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação do inventariante.

Sobre a questão, contudo, esclarece Francisco José Barbosa Nobre:

“Se há certeza da morte, comprovada por certidão do registro civil ou pela existência de inventário, ou se é fato sabido na localidade, mas não se sabe com exatidão qual é o conjunto de sucessores, os que são conhecidos poderão passar sua anuência expressa ou serem notificados nominalmente, e os sucessores desconhecidos ou incertos serão notificados por edital. Se há inventário judicial aberto, ou escritura de inventário lavrada, com definição do conjunto de herdeiros e inventariante nomeado, não há necessidade da escritura de únicos herdeiros mencionada neste artigo. O espólio poderá ser representado pelo inventariante, desde que não seja dativo, ou pelo conjunto dos sucessores (…) Por fim, se, verificada a morte do notificando, não houver inventário em andamento ou concluído, e os sucessores se dispuserem a outorgar sua anuência expressa, nesse caso, e SOMENTE NESTE, far-se-á necessária a escritura de únicos herdeiros” (“Manual da Usucapião Extrajudicial”, Ed. Clube de Autores, 2021).

Em outras palavras, a escritura de únicos herdeiros somente se faz necessária se, não havendo inventário aberto ou concluído, os sucessores do titular de domínio falecido desejarem anuir ao pedido. Nas demais situações, como no caso concreto, mostra-se incabível a exigência.

Logo, na hipótese em análise, demonstrada a inexistência de inventário em curso, impõe-se a notificação dos herdeiros da falecida titular de domínio do imóvel confrontante, comprovando-se tal condição.

E, diferentemente do quanto consignado pelo MM. Juiz Corregedor na r. sentença recorrida, a efetivação da diligência deverá ser concretizada pelo Oficial de Registro.

O que é preciso ressaltar, a rigor, é que, para cumprimento da diligência de notificação, compete ao requerente da usucapião indicar, de forma inequívoca, quem são os herdeiros da falecida confrontante e seus endereços. Sem essa demonstração e sem a consequente tentativa de notificação, mostra-se prematura a requerida notificação por edital.

Como está nos §§ 4º e 13 do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (e também no Provimento CNJ 65/2017, arts. 11 e 16, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.16 e 418.21), no processo extrajudicial de usucapião a notificação por edital é cabível para a ciência (a) de terceiros eventualmente interessados e (b) de notificandos que não tenham sido encontrados, ou que estejam em lugar incerto ou não sabido.

Tampouco é o caso de aplicação do § 10 do art. 10, do Provimento nº 65/2017 e do item 418.10 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ, que autorizam a dispensa de notificação dos confrontantes na hipótese de descrição precisa e perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião extrajudicial.

Assim se afirma, pois a área usucapienda é descrita, conforme memorial, com total de 125,00m², denominado lote 16-B, quadra C (fls. 23), sendo a descrição tabular de área maior sobre o qual recai o pedido, a matrícula nº 43.514 do Registro de Imóveis da Comarca de Poá/SP, em que consta 278,20m² (fls. 77/78).

Nesse cenário, sem a indicação, pelos interessados, da qualificação dos herdeiros da confrontante falecida, bem como a comprovação dessa condição, não há como prosseguir no presente procedimento de usucapião extrajudicial, sendo de rigor a manutenção da procedência da dúvida suscitada, ainda que por outro fundamento.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 02.03.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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