1VRP/SP: Registro de Imóveis. ITCMD. Considerando que tanto o autor da herança quanto a viúva doadora tinham domicílio e residiam no exterior ao tempo do óbito (o que se enquadra na hipótese prevista no artigo 155, §1º, III, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal), óbito este ocorrido após a fixação da tese, há que se concluir por sua aplicação no caso, com afastamento da hipótese de incidência do ITCMD e das respectivas obrigações acessórias, como é o caso da declaração.

Processo 1014913-58.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Juliana Teresa Llussa – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro do título apresentado. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: PAULO PHILODEMOS MARTINS (OAB 330832/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1014913-58.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Juliana Teresa Llussa

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Juliana Teresa Llussa em virtude da recusa de registro de formal de partilha extraído do processo de autos n.1008086-96.2021.8.26.0004, que tratou da sucessão de Javier Llussa Ciuret e no qual também foi formalizada doação, para os herdeiros Juliana, Fabíola e Javier, de parte da meação da viúva que incidiu sobre os imóveis das matrículas n.15.393 e n.15.394 daquela serventia (prenotação n.589.937).

A negativa se deu pela exigência de apresentação da declaração do ITCMD relativo à sucessão e à doação.

O Oficial esclarece que, a despeito da declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual pelo Órgão Especial do TJSP no Incidente de Inconstitucionalidade n.0004604-24.2011.8.26.0000 e da declaração, no mesmo sentido, do STF no julgamento do RE n.851.108/SP (tema 825), o dispositivo estadual não foi revogado, de modo que não cabe a ele reconhecer a inconstitucionalidade e se submeter a eventual responsabilização.

Nesse contexto, entende necessária solução pela via jurisdicional, destacando que os donatários contribuintes têm domicílio no Estado de São Paulo.

Documentos vieram às fls. 03/313.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.314/321, sustentando que o de cujus tinha domicílio no exterior, assim como a doadora, de modo que não há incidência do ITCMD sobre a sucessão ou sobre a doação, cabendo ao Oficial o cumprimento de orientações vinculantes, tal como a emitida pelo STF na tese de repercussão geral para o tema n.825. Juntou documentos às fls.322/419.

O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls. 423/425).

É o relatório

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Há que se ressaltar, ainda, que os títulos judiciais também dependem de qualificação para ingresso no fólio real, sendo que o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.413-6/7).

Neste sentido, a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Não há dúvidas, portanto, de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los em consonância com os princípios e as regras que regem a atividade registral.

No mérito, porém, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

Como se vê do inventário dos bens deixados por Javier Llussa Ciuret (processo de autos n.1008086-96.2021.8.26.0004, cuja cópia integral foi produzida às fls.33/311), tanto o autor da herança residia em Portugal, assim como a viúva meeira Zvonka e a herdeira Fernanda; a herdeira Fabíola reside na França e somente os herdeiros Javier Romano e Juliana residem no Estado de São Paulo.

Integraram o acervo hereditário a metade ideal dos imóveis das matrículas n.15.393 e n.15.394 do 10º Registro de Imóveis de São Paulo, consistentes em um apartamento e respectiva vaga de garagem (itens g e h, fl.264).

Diante do desejo de não possuir bens no Brasil, a viúva meeira doou parte de sua meação para os herdeiros Fernanda, Fabíola e Javier Romano (fl.287, parágrafo 19). Assim, considerando a sucessão e a doação da meação, referidos imóveis foram partilhados nas seguintes proporções: 25% para a herdeira Juliana (itens g e h, fl.289); 25% para a herdeira Fabíola (itens a e b, fl.290) e 50% para o herdeiro Javier Romano (itens g e h, fl.292).

Ao qualificar o título, o Registrador exigiu a apresentação das declarações do respectivo ITCMD conforme determinam os artigos 12, I, e 13, da Portaria CAT 89/2020 (nota de devolução às fls.312/313).

Entretanto, existe entendimento jurisprudencial consolidado de que a hipótese tratada não atrai a incidência do imposto citado, sendo indevida, por consequência, a exigência de obrigações a ele acessórias.

Ainda que a Lei n.10.705/2000 tenha instituído o ITCMD no Estado de São Paulo, prevendo, em seu artigo 4º, a incidência inclusive nas hipóteses em que o doador ou o autor da herança residirem ou tiverem domicílio no exterior, bastando que o bem transmitido se encontre no território do Estado, tal disposição deve ser entendida como de eficácia contida, pois depende de lei complementar para operar os seus efeitos.

Conforme anotado pelo Ministério Público, a questão da inconstitucionalidade dos artigos 3º, §1º, e 4º, da Lei Estadual n.10.705/2000, não foi analisada apenas na Arguição de Inconstitucionalidade n.0004604-24.2011.8.26.0000 e no Recurso Especial n.851.108/SP, mas também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.6.830, sempre com a conclusão de que é vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, §1º, III, da Constituição Federal, sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional. Essa é a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, para o tema 825.

O texto constitucional é, de fato, bastante claro:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

(…)

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;”.

Ainda assim, defendendo sua competência legislativa plena ante a inexistência de lei federal sobre normas gerais, como dispõe o artigo 24, §3º, do texto constitucional, os agentes estatais concluíam pela legitimidade da tributação.

Note-se que, já em março de 2011, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n.0004604-24.2011.8.26.0000, suscitado pela 7ª Câmara de Direito Público, reconhecendo a inconstitucionalidade da alínea “b”, do inciso II, do artigo 4º, da Lei Estadual n.10.705/2000, que trata da transmissão de bens incorpóreos quando a transmissão ou liquidação ocorre em São Paulo, com a seguinte ementa (destaques nossos):

“I – Arguição de inconstitucionalidade. A instituição de imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e doação de bens localizados no exterior deve ser feita por meio de Lei Complementar. Inteligência do art. 155, §1°, inciso III, Aline b, da Constituição Federal.

II – O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para instituição do imposto sobre transmissão de bens – móveis/imóveis, corpóreos/incorpóreos – localizados no exterior, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência, geradores de bitributação, entre os Estados da Federação , mantendo uniforme o sistema de tributos.

III – Inconstitucionalidade da alínea ‘b’ do inciso II do art. 4o da Lei paulista n° 10.705, de 28 de dezembro de 2000, reconhecida. Incidente de inconstitucionalidade procedente” (TJSP; Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível 0004604-24.2011.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/03/2011; Data de Registro: 07/04/2011). Embargos de Declaração foram opostos e acolhidos, nos seguintes termos:

“I – Embargos declaratórios opostos com a finalidade de sanar omissão no v. acórdão. Decisão que deixou de pronunciar sobre a possibilidade de Estado da Federação exercer a competência legislativa plena, em matéria tributária, relativa à instituição do imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ de bens localizados no exterior.

II – O preceito do § 3o do artigo 24 da Carta Republicana confere competência legislativa plena para Estados instituírem tributos desde que a ausência de lei complementar nacional não seja imprescindível para resolver conflitos de competência entre os Estados e os países com os quais o Brasil possui acordos comerciais.

III – Embargos acolhidos para que este fique fazendo parte integrante do v. acórdão, mantida a procedência do incidente” (TJSP; Embargos de Declaração Cível 0004604-24.2011.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/01/2012; Data de Registro: 27/01/2012).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal também declarou a inconstitucionalidade do artigo 4º da lei paulista no julgamento do REsp n.851.108/SP sob a sistemática da repercussão geral, oportunidade em que se firmou tese para o tema n.825, nos termos da seguinte ementa (destaque nosso):

“Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Competência suplementar dos estados e do Distrito Federal. Artigo 146, III, a, CF. Normas gerais em matéria de legislação tributária. Artigo 155, I, CF. ITCMD. Transmissão causa mortis. Doação. Artigo 155, § 1º, III, CF. Definição de competência. Elemento relevante de conexão com o exterior. Necessidade de edição de lei complementar. Impossibilidade de os estados e o Distrito Federal legislarem supletivamente na ausência da lei complementar definidora da competência tributária das unidades federativas.

1. Como regra, no campo da competência concorrente para legislar, inclusive sobre direito tributário, o art. 24 da Constituição Federal dispõe caber à União editar normas gerais, podendo os estados e o Distrito Federal suplementar aquelas, ou, inexistindo normas gerais, exercer a competência plena para editar tanto normas de caráter geral quanto normas específicas. Sobrevindo norma geral federal, fica suspensa a eficácia da lei do estado ou do Distrito Federal. Precedentes.

2. Ao tratar do Imposto sobre transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), o texto constitucional já fornece certas regras para a definição da competência tributária das unidades federadas (estados e Distrito Federal), determinando basicamente duas regras de competência, de acordo com a natureza dos bens e direitos: é competente a unidade federada em que está situado o bem, se imóvel; é competente a unidade federada onde se processar o inventário ou arrolamento ou onde tiver domicílio o doador, relativamente a bens móveis, títulos e créditos.

3. A combinação do art. 24, I, § 3º, da CF, com o art. 34, § 3º, do ADCT dá amparo constitucional à legislação supletiva dos estados na edição de lei complementar que discipline o ITCMD, até que sobrevenham as normas gerais da União a que se refere o art. 146, III, a, da Constituição Federal. De igual modo, no uso da competência privativa, poderão os estados e o Distrito Federal, por meio de lei ordinária, instituir o ITCMD no âmbito local, dando ensejo à cobrança válida do tributo, nas hipóteses do § 1º, incisos I e II, do art. 155.

4. Sobre a regra especial do art. 155, § 1º, III, da Constituição, é importante atentar para a diferença entre as múltiplas funções da lei complementar e seus reflexos sobre eventual competência supletiva dos estados. Embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita ao estabelecer que cabe a lei complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b).

5. Prescinde de lei complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens imóveis – e respectivos direitos -, móveis, títulos e créditos no contexto nacional. Já nas hipóteses em que há um elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a qual unidade federada caberá o imposto.

6. O art. 4º da Lei paulista nº 10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida, pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º, inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados.

7. Recurso extraordinário não provido.

8. Tese de repercussão geral: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

9. Modulam-se os efeitos da decisão, atribuindo a eles eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente” (RE 851108, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-074 DIVULG 19-04-2021 PUBLIC 20-04-2021).

Portanto, tem razão o Oficial ao exigir revisão judicial para o reconhecimento da inconstitucionalidade alegada, uma vez que os precedentes citados envolveram análise em controle difuso e a amplitude da tese firmada para o tema em repercussão geral, que não se refere a dispositivo legal específico, exige interpretação vedada ao registrador.

Contudo, como bem ressaltado pelo Ministério Público, o tema voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal, desta vez em sede de controle concentrado, na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.6.830/SP, na qual foi ratificada a inconstitucionalidade da integralidade do artigo 4º da Lei n. 10.705/2000, com a seguinte ementa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. INSTITUIÇÃO DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS OU DE DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS – ITCMD. HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 155, § 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PLENA DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA EXPRESSÃO “NO EXTERIOR”, CONSTANTE DO §1º DO ART. 3º E DA INTEGRALIDADE DO 4º DA LEI 10.705, DE 28.12.2000, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO” (ADI 6830, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/11/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 18-11-2022 PUBLIC 21-11-2022).

Nesse novo cenário, em que a declaração de inconstitucionalidade se deu em ação direta, pela forma concentrada, o julgamento passa a se impor erga omnes, independentemente de qualquer atividade complementar do órgão legislador para expurgar o dispositivo inconstitucional, devendo ser observado seu efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.

O artigo 28 da Lei n.9.868/99, que dispõe sobre o processo e o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, assim prevê (destaque nosso):

“Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”.

O julgado é recente e há informação no portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal acerca da oposição de Embargos de Declaração, único recurso ainda possível, como previsto no artigo 26 da Lei n.9.868/99.

Nesse contexto, as serventias extrajudiciais devem se atentar para o trânsito em julgado que se aproxima, a partir do qual a eficácia do julgado deverá ser observada.

Quanto ao caso ora analisado, considerando que tanto o autor da herança quanto a viúva doadora tinham domicílio e residiam no exterior ao tempo do óbito (o que se enquadra na hipótese prevista no artigo 155, §1º, III, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal), óbito este ocorrido após a fixação da tese, há que se concluir por sua aplicação no caso, com afastamento da hipótese de incidência do ITCMD e das respectivas obrigações acessórias, como é o caso da declaração. Em outros termos, as exigências apontadas na nota de devolução relativa à prenotação n.589.937 não subsistem (fls.312/313).

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro do título apresentado.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 03 de março de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 07.03.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Falecimento de titular de domínio de imóvel confrontante – Exigência de lavratura de escritura pública declaratória de únicos herdeiros para anuência ao pedido de usucapião descabida – Oficial de registro que não pode apresentar óbice ao registro, que dependa de providências de terceiros – A escritura de únicos herdeiros somente se faz necessária se, não havendo inventário aberto ou concluído, os sucessores do titular de domínio falecido desejarem anuir ao pedido – Demonstrada a inexistência de inventário em curso, impõe-se a notificação dos herdeiros da falecida titular de domínio do imóvel confrontante, comprovando-se tal condição – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital desde logo – Inaplicabilidade do § 10 do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017 e do item 418.10 das NSCGJ – Área usucapienda que não coincide com a descrição tabular – Apelação a que se nega provimento.

Apelação Cível nº 1005092-83.2020.8.26.0278

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1005092-83.2020.8.26.0278

Comarca: ITAQUAQUECETUBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1005092-83.2020.8.26.0278

Registro: 2022.0000995276

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005092-83.2020.8.26.0278, da Comarca de Itaquaquecetuba, em que é apelante WESLEY ALVES ANDRADE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAQUAQUECETUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005092-83.2020.8.26.0278

APELANTE: Wesley Alves Andrade

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Itaquaquecetuba

VOTO Nº 38.820

Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Falecimento de titular de domínio de imóvel confrontante – Exigência de lavratura de escritura pública declaratória de únicos herdeiros para anuência ao pedido de usucapião descabida – Oficial de registro que não pode apresentar óbice ao registro, que dependa de providências de terceiros – A escritura de únicos herdeiros somente se faz necessária se, não havendo inventário aberto ou concluído, os sucessores do titular de domínio falecido desejarem anuir ao pedido – Demonstrada a inexistência de inventário em curso, impõe-se a notificação dos herdeiros da falecida titular de domínio do imóvel confrontante, comprovando-se tal condição – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital desde logo – Inaplicabilidade do § 10 do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017 e do item 418.10 das NSCGJ – Área usucapienda que não coincide com a descrição tabular – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Wesley Alves Andrade contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo as exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Itaquaquecetuba/SP e, assim, impedindo a continuidade do procedimento de usucapião extrajudicial relativo a parte do imóvel matriculado sob nº 43.514 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 369/371).

Alega o recorrente, em síntese, que a proprietária tabular de um dos imóveis confrontantes, Hilda Glória dos Santos, é falecida, razão pela qual, com fulcro no artigo 10, § 10º, do Provimento CNJ nº 65/2017, formulou pedido de notificação dos herdeiros, ante a notícia de inexistência de inventário em curso. No entanto, exigiu o Oficial de Registro a lavratura de escritura pública declaratória de anuência ao pedido de usucapião outorgada pelos herdeiros ou pelo inventariante nomeado judicialmente ou extrajudicialmente, em virtude do disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça para a hipótese de falecimento do proprietário tabular do imóvel confrontante e, ainda, por ser incabível a dispensa da notificação dos confrontantes e prematura a notificação por edital. Entende que tal ônus não lhe compete, bastando a intimação dos confrontantes e herdeiros da proprietária falecida para lavratura da escritura de anuência, sendo certo que eventual silêncio deverá ser recebido como consentimento para prosseguimento da usucapião extrajudicial. Por fim, ressalta que não há como se exigir o comparecimento dos herdeiros em Cartório para lavratura de escritura, devendo ser afastado, pois, o óbice apresentado pelo registrador (fls. 379/386).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 401/404 e fls. 426).

O recurso foi redistribuído a este C. Conselho Superior da Magistratura (fls. 408).

É o relatório.

Wesley Alves Andrade ingressou com requerimento de usucapião administrativa de parte do imóvel objeto da matrícula nº 43.514 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Poá/SP (fls. 02/10 e aditamento a fls. 100/110).

O Oficial de Registro negou o prosseguimento do pedido de usucapião extrajudicial porque, diante da notícia do falecimento da confrontante Hilda Glória dos Santos, “a anuência ao presente procedimento poderá ser prestada pelos herdeiros legais, mediante apresentação de escritura pública de nomeação de únicos herdeiros (item 418.14, Cap. XX, Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo), ou, caso haja inventário em curso, pelo inventariante nomeado judicialmente ou extrajudicialmente”. Ainda, sustentou que “o artigo 10, § 10, do Provimento nº 65/2017 do CNJ somente prevê a respectiva dispensa da notificação quando o imóvel usucapiendo estiver matriculado com descrição precisa e houver perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião, o que não ocorre no presente caso (matrícula de origem do imóvel com área de 278,20m², imóvel usucapiendo com área de 125,00m²).

Da mesma forma, a notificação por edital é medida que, também, não se aplica neste momento, já que tal alternativa se dá apenas depois de esgotadas as possibilidades de notificação pessoal do titular ou seus representantes” (fls. 338/339).

A sentença recorrida confirmou a recusa do Oficial de Registro, reconhecendo a impossibilidade de dispensa de notificação e da realização de notificação por edital, bem como a necessidade de apresentação de escritura pública outorgada pelos herdeiros, ante a inexistência de inventário em curso. Ainda, ressaltou que a notificação do inventariante ou de todos os herdeiros é providência que compete ao requerente e não, ao Oficial (fls. 369/371).

Ora, o obstáculo apresentado pelo Oficial do Registro de Imóveis e os fundamentos trazidos pelo MM. Juiz Corregedor Permanente para confirmação da exigência de lavratura de escritura pública para manifestação de anuência, pelos herdeiros, não se sustentam.

Exigir que o requerente imponha aos herdeiros da falecida confrontante a obrigação de lavratura de escritura pública declaratória de únicos herdeiros para anuência ao pedido de usucapião é absolutamente descabido. Não pode o Oficial de Registro apresentar óbice que dependa de providências de terceiros e, com isso, barrar o direito do requerente da usucapião extrajudicial.

Não se desconhece que, em relação aos proprietários tabulares já falecidos, prevê o art. 12 do Provimento CNJ nº 65/2017 que:

Art. 12. Na hipótese de algum titular de direitos reais e de outros direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula do imóvel confinante ter falecido, poderão assinar a planta e memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação do inventariante.

Sobre a questão, contudo, esclarece Francisco José Barbosa Nobre:

“Se há certeza da morte, comprovada por certidão do registro civil ou pela existência de inventário, ou se é fato sabido na localidade, mas não se sabe com exatidão qual é o conjunto de sucessores, os que são conhecidos poderão passar sua anuência expressa ou serem notificados nominalmente, e os sucessores desconhecidos ou incertos serão notificados por edital. Se há inventário judicial aberto, ou escritura de inventário lavrada, com definição do conjunto de herdeiros e inventariante nomeado, não há necessidade da escritura de únicos herdeiros mencionada neste artigo. O espólio poderá ser representado pelo inventariante, desde que não seja dativo, ou pelo conjunto dos sucessores (…) Por fim, se, verificada a morte do notificando, não houver inventário em andamento ou concluído, e os sucessores se dispuserem a outorgar sua anuência expressa, nesse caso, e SOMENTE NESTE, far-se-á necessária a escritura de únicos herdeiros” (“Manual da Usucapião Extrajudicial”, Ed. Clube de Autores, 2021).

Em outras palavras, a escritura de únicos herdeiros somente se faz necessária se, não havendo inventário aberto ou concluído, os sucessores do titular de domínio falecido desejarem anuir ao pedido. Nas demais situações, como no caso concreto, mostra-se incabível a exigência.

Logo, na hipótese em análise, demonstrada a inexistência de inventário em curso, impõe-se a notificação dos herdeiros da falecida titular de domínio do imóvel confrontante, comprovando-se tal condição.

E, diferentemente do quanto consignado pelo MM. Juiz Corregedor na r. sentença recorrida, a efetivação da diligência deverá ser concretizada pelo Oficial de Registro.

O que é preciso ressaltar, a rigor, é que, para cumprimento da diligência de notificação, compete ao requerente da usucapião indicar, de forma inequívoca, quem são os herdeiros da falecida confrontante e seus endereços. Sem essa demonstração e sem a consequente tentativa de notificação, mostra-se prematura a requerida notificação por edital.

Como está nos §§ 4º e 13 do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (e também no Provimento CNJ 65/2017, arts. 11 e 16, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.16 e 418.21), no processo extrajudicial de usucapião a notificação por edital é cabível para a ciência (a) de terceiros eventualmente interessados e (b) de notificandos que não tenham sido encontrados, ou que estejam em lugar incerto ou não sabido.

Tampouco é o caso de aplicação do § 10 do art. 10, do Provimento nº 65/2017 e do item 418.10 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ, que autorizam a dispensa de notificação dos confrontantes na hipótese de descrição precisa e perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião extrajudicial.

Assim se afirma, pois a área usucapienda é descrita, conforme memorial, com total de 125,00m², denominado lote 16-B, quadra C (fls. 23), sendo a descrição tabular de área maior sobre o qual recai o pedido, a matrícula nº 43.514 do Registro de Imóveis da Comarca de Poá/SP, em que consta 278,20m² (fls. 77/78).

Nesse cenário, sem a indicação, pelos interessados, da qualificação dos herdeiros da confrontante falecida, bem como a comprovação dessa condição, não há como prosseguir no presente procedimento de usucapião extrajudicial, sendo de rigor a manutenção da procedência da dúvida suscitada, ainda que por outro fundamento.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 02.03.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Notificação da pessoa jurídica que deve ser entregue a quem tenha poderes de representação legal – Irregularidade na representação da pessoa jurídica – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital – Prosseguimento na usucapião, na esfera extrajudicial, que se mostra inviável – Remessa dos interessados à via judicial – Apelação a que se nega provimento.

Apelação Cível nº 1005261-38.2020.8.26.0127

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1005261-38.2020.8.26.0127

Comarca: CARAPICUÍBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1005261-38.2020.8.26.0127

Registro: 2022.0001002666

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005261-38.2020.8.26.0127, da Comarca de Carapicuíba, em que são apelantes MANOEL ALBERTO FERRAZ DASILVA e LUCINEIDE FERREIRA MOREIRA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CARAPICUÍBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005261-38.2020.8.26.0127

APELANTES: Manoel Alberto Ferraz daSilva e Lucineide Ferreira Moreira Silva

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Carapicuíba

VOTO Nº 38.843

Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Notificação da pessoa jurídica que deve ser entregue a quem tenha poderes de representação legal – Irregularidade na representação da pessoa jurídica – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital – Prosseguimento na usucapião, na esfera extrajudicial, que se mostra inviável – Remessa dos interessados à via judicial – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Manoel Alberto Ferraz da Silva Lucineide Ferreira Moreira Silva contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo as exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Carapicuíba/SP e, assim, impedindo a continuidade do processo de usucapião extrajudicial relativo à casa 21 da Rua Um, Condomínio Recanto das Palmeiras, localizado na Estrada do Copiúva, 662, correspondente a parte do imóvel matriculado sob nº 136.921 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 672/676).

Alegam os recorrentes, em síntese, que a despeito da exigência formulada pelo registrador, a notificação da Associação Frente das Mães de Osasco deve ser feita por meio de edital, na forma do art. 11 do Provimento CNJ nº 65/2017. Afirma que referida Associação foi responsável pela implantação irregular do empreendimento e integrante da cadeia de transmitentes, sem que, no entanto, figurasse como titular de domínio da área. Aduz que, desde 2005, a Associação deixou de atualizar seus atos constitutivos, encontrando-se, atualmente, como inativa perante a Receita Federal. Acrescenta que os representantes legais da Associação não foram localizados no endereço da sede da pessoa jurídica, estando em local incerto e não sabido. Diz que não pretende somar o tempo de posse de seus antecessores, razão pela qual, preenchidos os requisitos da usucapião extrajudicial requerida, na modalidade usucapião especial urbana, requer o prosseguimento do processo junto ao Oficial de Registro de Imóveis (fls. 682/687).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 702/704).

É o relatório.

Manoel Alberto Ferraz da Silva Lucineide Ferreira Moreira Silva ingressaram com requerimento de usucapião extrajudicial de parte do imóvel matriculado sob nº 136.921 junto ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Barueri/SP (fls. 06/20).

O Oficial de Registro negou o prosseguimento do pedido de usucapião extrajudicial, emitindo nota de exigência (fls. 625) nos seguintes termos:

“Conforme se observa do art. 10, § 9º, do Provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, (…) tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deverá ser entregue a pessoa com poderes de representação legal, ou seja, é obrigatório que a notificada tenha um representante legal devidamente constituído, portanto, apresentar ata de eleição da diretoria com mandato vigente da ASSOCIAÇÃO FRENTE DAS MÃES DE OSASCO, devidamente registrada no Registro Civil de Pessoa Jurídica, observando-se a ata de eleição e certidão de breve relato apresentadas o mandato da diretoria venceu em janeiro/2007. Caso a associação esteja sem eleições por vários anos a solução legal é solicitação, na via contenciosa, de administrador provisório, conforme prevê o art. 49 do Código Civil (…)”.

A sentença recorrida confirmou a recusa do Oficial de Registro, reconhecendo a impossibilidade de notificação por edital, na usucapião extrajudicial, quando desconhecido ou incerto o próprio notificando no caso, o representante da associação.

Pois bem. O óbice apresentado ao prosseguimento da usucapião extrajudicial é mesmo intransponível.

Dispõe o item 418.9, Cap. XX, das NSCGJ, que:

“418.9. Tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deverá ser entregue a pessoa com poderes de representação legal”.

No mesmo sentido, o art. 10, § 9º, do Prov. CNJ nº 65/2017.

E como está nos §§ 4º e 13 do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (e também no Prov. CNJ nº 65/2017, arts. 11 e 16, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.16 e 418.21), no processo extrajudicial de usucapião a notificação por edital é cabível para a ciência (a) de terceiros eventualmente interessados e (b) de notificandos que não tenham sido encontrados, ou que estejam em lugar incerto ou não sabido.

Ora, é incontroverso que o mandato da última diretoria da Associação Frente das Mães de Osasco encontra-se encerrado, sem eleição de novos representantes desde então. Logo, não se trata de notificando com paradeiro desconhecido, mas sim, de pessoa jurídica sem representante validamente constituído.

Sendo inviável, pois, a pretendida notificação por edital e não havendo nomeação de representante provisório para a pessoa jurídica (artigo 49 do Código Civil), aos interessados resta valer-se da via jurisdicional, em que, sob o poder de império do juiz e o manto da coisa julgada, será possível decidir como e quando se dará por satisfeita a necessidade de citar-se o representante legal da Associação Frente das Mães de Osasco. A razão disto (i. e., da remessa ao caminho judicial) está em que o processo extrajudicial de usucapião e, de resto, todos os demais institutos ligados à chamada “desjudicialização” só têm lugar na esfera do consenso ou, na lição do Desembargador Ricardo Henry Marques Dip (cf. spcm.com.br/blog/entrevista-com-o-desembargador-ricardo-dipusucapiao- extrajudicial), “devem competir… à Magistratura da paz jurídica, da concórdia (que é exercida por notários e registradores públicos), os casos em que não haja conflito atual”.

Destarte, porque irregular a representação da pessoa jurídica responsável pela implantação do empreendimento em que inserido o imóvel usucapiendo, há que ser mantido o óbice apresentado pelo Oficial de Registro. Em hipótese semelhante, já ficou decidido que:

“DÚVIDA. REGISTRO IMOBILIÁRIO. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL EXIGÊNCIAS PREVISTAS NOS ART. 216- A, §2º, LRP C.C. ART. 10, §9º, PROVIMENTO nº 65/2017 do CNJ e ITEM 418.9, do CAPÍTULO XX DAS NSCGJ. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO REPRESENTANTE DO TITULAR DE DOMÍNIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA POSSE QUALIFICADA. INCONSISTÊNCIAS NÃO PASSÍVEIS DE SOLUÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1004685-12.2019.8.26.0408; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ourinhos – Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 28/04/2020; Data de Registro: 14/05/2020).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 02.03.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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