CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Notificação da pessoa jurídica que deve ser entregue a quem tenha poderes de representação legal – Irregularidade na representação da pessoa jurídica – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital – Prosseguimento na usucapião, na esfera extrajudicial, que se mostra inviável – Remessa dos interessados à via judicial – Apelação a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1005261-38.2020.8.26.0127

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1005261-38.2020.8.26.0127

Comarca: CARAPICUÍBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1005261-38.2020.8.26.0127

Registro: 2022.0001002666

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005261-38.2020.8.26.0127, da Comarca de Carapicuíba, em que são apelantes MANOEL ALBERTO FERRAZ DASILVA e LUCINEIDE FERREIRA MOREIRA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CARAPICUÍBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 30 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005261-38.2020.8.26.0127

APELANTES: Manoel Alberto Ferraz daSilva e Lucineide Ferreira Moreira Silva

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Carapicuíba

VOTO Nº 38.843

Registro de imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Notificação da pessoa jurídica que deve ser entregue a quem tenha poderes de representação legal – Irregularidade na representação da pessoa jurídica – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital – Prosseguimento na usucapião, na esfera extrajudicial, que se mostra inviável – Remessa dos interessados à via judicial – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Manoel Alberto Ferraz da Silva Lucineide Ferreira Moreira Silva contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo as exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Carapicuíba/SP e, assim, impedindo a continuidade do processo de usucapião extrajudicial relativo à casa 21 da Rua Um, Condomínio Recanto das Palmeiras, localizado na Estrada do Copiúva, 662, correspondente a parte do imóvel matriculado sob nº 136.921 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 672/676).

Alegam os recorrentes, em síntese, que a despeito da exigência formulada pelo registrador, a notificação da Associação Frente das Mães de Osasco deve ser feita por meio de edital, na forma do art. 11 do Provimento CNJ nº 65/2017. Afirma que referida Associação foi responsável pela implantação irregular do empreendimento e integrante da cadeia de transmitentes, sem que, no entanto, figurasse como titular de domínio da área. Aduz que, desde 2005, a Associação deixou de atualizar seus atos constitutivos, encontrando-se, atualmente, como inativa perante a Receita Federal. Acrescenta que os representantes legais da Associação não foram localizados no endereço da sede da pessoa jurídica, estando em local incerto e não sabido. Diz que não pretende somar o tempo de posse de seus antecessores, razão pela qual, preenchidos os requisitos da usucapião extrajudicial requerida, na modalidade usucapião especial urbana, requer o prosseguimento do processo junto ao Oficial de Registro de Imóveis (fls. 682/687).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 702/704).

É o relatório.

Manoel Alberto Ferraz da Silva Lucineide Ferreira Moreira Silva ingressaram com requerimento de usucapião extrajudicial de parte do imóvel matriculado sob nº 136.921 junto ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Barueri/SP (fls. 06/20).

O Oficial de Registro negou o prosseguimento do pedido de usucapião extrajudicial, emitindo nota de exigência (fls. 625) nos seguintes termos:

“Conforme se observa do art. 10, § 9º, do Provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, (…) tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deverá ser entregue a pessoa com poderes de representação legal, ou seja, é obrigatório que a notificada tenha um representante legal devidamente constituído, portanto, apresentar ata de eleição da diretoria com mandato vigente da ASSOCIAÇÃO FRENTE DAS MÃES DE OSASCO, devidamente registrada no Registro Civil de Pessoa Jurídica, observando-se a ata de eleição e certidão de breve relato apresentadas o mandato da diretoria venceu em janeiro/2007. Caso a associação esteja sem eleições por vários anos a solução legal é solicitação, na via contenciosa, de administrador provisório, conforme prevê o art. 49 do Código Civil (…)”.

A sentença recorrida confirmou a recusa do Oficial de Registro, reconhecendo a impossibilidade de notificação por edital, na usucapião extrajudicial, quando desconhecido ou incerto o próprio notificando no caso, o representante da associação.

Pois bem. O óbice apresentado ao prosseguimento da usucapião extrajudicial é mesmo intransponível.

Dispõe o item 418.9, Cap. XX, das NSCGJ, que:

“418.9. Tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deverá ser entregue a pessoa com poderes de representação legal”.

No mesmo sentido, o art. 10, § 9º, do Prov. CNJ nº 65/2017.

E como está nos §§ 4º e 13 do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (e também no Prov. CNJ nº 65/2017, arts. 11 e 16, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.16 e 418.21), no processo extrajudicial de usucapião a notificação por edital é cabível para a ciência (a) de terceiros eventualmente interessados e (b) de notificandos que não tenham sido encontrados, ou que estejam em lugar incerto ou não sabido.

Ora, é incontroverso que o mandato da última diretoria da Associação Frente das Mães de Osasco encontra-se encerrado, sem eleição de novos representantes desde então. Logo, não se trata de notificando com paradeiro desconhecido, mas sim, de pessoa jurídica sem representante validamente constituído.

Sendo inviável, pois, a pretendida notificação por edital e não havendo nomeação de representante provisório para a pessoa jurídica (artigo 49 do Código Civil), aos interessados resta valer-se da via jurisdicional, em que, sob o poder de império do juiz e o manto da coisa julgada, será possível decidir como e quando se dará por satisfeita a necessidade de citar-se o representante legal da Associação Frente das Mães de Osasco. A razão disto (i. e., da remessa ao caminho judicial) está em que o processo extrajudicial de usucapião e, de resto, todos os demais institutos ligados à chamada “desjudicialização” só têm lugar na esfera do consenso ou, na lição do Desembargador Ricardo Henry Marques Dip (cf. spcm.com.br/blog/entrevista-com-o-desembargador-ricardo-dipusucapiao- extrajudicial), “devem competir… à Magistratura da paz jurídica, da concórdia (que é exercida por notários e registradores públicos), os casos em que não haja conflito atual”.

Destarte, porque irregular a representação da pessoa jurídica responsável pela implantação do empreendimento em que inserido o imóvel usucapiendo, há que ser mantido o óbice apresentado pelo Oficial de Registro. Em hipótese semelhante, já ficou decidido que:

“DÚVIDA. REGISTRO IMOBILIÁRIO. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL EXIGÊNCIAS PREVISTAS NOS ART. 216- A, §2º, LRP C.C. ART. 10, §9º, PROVIMENTO nº 65/2017 do CNJ e ITEM 418.9, do CAPÍTULO XX DAS NSCGJ. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO REPRESENTANTE DO TITULAR DE DOMÍNIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA POSSE QUALIFICADA. INCONSISTÊNCIAS NÃO PASSÍVEIS DE SOLUÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1004685-12.2019.8.26.0408; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ourinhos – Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 28/04/2020; Data de Registro: 14/05/2020).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 02.03.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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