CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Adjudicação em execução forçada – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Carta de adjudicação passada em nome da última cessionária dos direitos decorrentes da adjudicação – Indisponibilidades decretadas em nome de cedente – Cessão que não dependia de registro e que não é objeto da qualificação – Óbice afastado – Apelação a que se dá provimento para determinar o ingresso do título.


  
 

Apelação Cível nº 1006029-74.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1006029-74.2022.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006029-74.2022.8.26.0100

Registro: 2023.0000004096

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006029-74.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EDSON PINTO PEREIRA, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de dezembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1006029-74.2022.8.26.0100

APELANTE: Edson Pinto Pereira

APELADO: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 38.874 

Registro de imóveis – Dúvida – Adjudicação em execução forçada – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Carta de adjudicação passada em nome da última cessionária dos direitos decorrentes da adjudicação – Indisponibilidades decretadas em nome de cedente – Cessão que não dependia de registro e que não é objeto da qualificação – Óbice afastado – Apelação a que se dá provimento para determinar o ingresso do título.

Trata-se de apelação interposta por Edson Pinto Pereira contra a r. sentença, proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que manteve a recusa do registro da carta de adjudicação extraída de autos de execução de título extrajudicial (processo n.º 0802498-09.1995.8.26.0100, da 3ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo), tendo por objeto os imóveis matriculados sob n.º’s 935, 936, 937, 938, 939, 940 e 941, da referida serventia extrajudicial (fls. 706/711).

Alega o recorrente, em síntese, que as indisponibilidades verificadas em nome de Violeta Cury Chammas foram decretadas quando já estavam perfeitas e acabadas a adjudicação e a cessão de direitos desta decorrentes, de modo que tais constrições, decretadas contra a cedente, não se alçam como impedimentos ao registro da carta de adjudicação expedida em nome da cessionária North Pacific Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros. Ressaltou a origem judicial do título e a impossibilidade dos decretos de indisponibilidade obstarem o registro da alienação judicial do imóvel (Provimento CNJ n.º 39/2014), colacionando, ainda, decisões proferidas nos âmbitos administrativo e jurisdicional aplicáveis à hipótese em testilha e autorizadoras do ingresso do título no ofício imobiliário (fls. 717/737).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 764/767).

É o relatório.

Saliente-se, desde logo, que se controverte, aqui, sobre título de origem judicial – o qual também se submete à qualificação registral, conquanto essa esteja limitada a recair, em tal caso, sobre (a) a competência judiciária, (b) a congruência entre o título formal e o material apresentados ao ofício de registro, (c) os obstáculos registrais e (d) as formalidades documentárias (cf. Ricardo Dip, Registros sobre Registros (Princípios), n. 455, e item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ). Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência nem descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apel. Cív. n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apel. Cív. n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apel. Cív. n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Quanto ao fundo da questão, fato é que, apresentada novamente a registro a carta de adjudicação expedida em nome de North Pacific Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, o Oficial de Registro de Imóveis desqualificou o título, consignando na nota de devolução (prenotação n.º 358.203) o seguinte:

“Constam indisponibilidades em nome de VIOLETA CURY CHAMMAS, cedente dos direitos da presente adjudicação, a saber:

a) averbada sob n. 5 no registro n. 242 do Livro de Registro de Indisponibilidade de Bens, por determinação D. Juízo da 20ª Vara Cível desta Capital nos autos do processo n. 97.708197- 9; b) oriunda dos autos n. 00750009720085150158 da Vara do Trabalho de Ituverava, deste Estado, conforme comunicado n. 201910.0715.00955046-IA-560, disponibilizado aos 07/10/2019, na Central de Indisponibilidade de Bens; c) oriunda dos autos n. 00417000619945150104 da Vara do Trabalho de Tanabi, deste Estado, conforme comunicado n. 202108.0407.01749334-IA-000, disponibilizado aos 04/08/2021, na Central de Indisponibilidade de Bens;

Assim, enquanto não canceladas as indisponibilidades, essas produzem todos os seus efeitos legais, retirando a disponibilidade dos bens de Violeta, nos termos do artigo 252 da Lei n. 6015/73 c/c Processo n. 1121211-55.2015.8.26.0100 do Conselho Superior da Magistratura c/c Processo n. 0011842-36.2021.8.26.0100 da 2ª Vara de Registros Públicos desta Capital.” (fls. 268/269).

Inconformado com a exigência, o apresentante pugnou pela suscitação da dúvida (fls. 270/284).

E razão o assiste.

Analisada a ação executiva (processo n.º 0802498-09.1995.8.26.0100, da 3ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo), verificou-se que, após a adjudicação dos bens ao exequente Banco do Estado de São Paulo S.A. (fls. 102), o exequente cedeu seus direitos oriundos da adjudicação a Sra. Violeta Cury Chammas (fls. 130/138), que, por sua vez, os cedeu a North Pacific Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros (fls. 182/186, 240/244 e 246/248), culminando com o aditamento da carta de adjudicação em nome da última cessionária.

Frise-se que todas as cessões foram chanceladas pelo Juízo da execução que determinou os aditamentos da carta de adjudicação, observada a cadeia de cessões sucessivas (fls. 06/230).

As ordens de indisponibilidade impeditivas do ingresso da carta de adjudicação foram decretadas em face de Violeta Cury Chammas, que cedeu seus direitos decorrentes da adjudicação a North Pacific Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros.

Como este Colendo Conselho Superior da Magistratura já teve a oportunidade de declarar, nos autos da Apel. Cív. n.º 1095017-76.2019.8.26.0100, em 6 de outubro de 2020, a qualificação registral é “o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração” (Ricardo Dip, Registros de Imóveis (Princípios), Descalvado: Primvs, p. 113, n. 361), juízo esse que o Oficial de Registro de Imóveis alcança ao examinar

“(i) o título em sentido formal; (ii) o título em sentido material e (iii) os registros que importem concretamente na relação com estes títulos” (Ricardo Dip, loc. cit., p. 163, n. 413). Esse é, portanto, o objeto material da qualificação registral, ou seja, “a parcela da realidade objetiva a que” essa qualificação “se deve dirigir” (op. cit., p. 149, n. 395).

No caso destes autos, o título formal (= a carta tirada dos autos de processo, nos termos da Lei n.º 6.015/1973, artigo 221, IV) contém uma decisão de adjudicação em execução forçada (eodem, artigo 167, I, 26), pelo qual o relativo juízo autoriza a transmissão coativa dos imóveis em questão (matrículas n.º’s 935, 936, 937, 938, 939, 940 e 941, do 5º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo fls. 706/711) a North Pacific Companhia Securitizadora, cessionária da adjudicatária cedente Violeta Cury Chammas.

Esse é o fato jurídico (lato sensu) que, nesta hipótese, constituiu, à luz do direito registral, uma causa para a criação, a modificação e a extinção de um status jurídico realimobiliário (Ricardo Dip, op. cit., p. 164, n. 414). Ou seja, somente a adjudicação, no que, dentro do registro, liga o cessionário ao titular tabular é que perfaz, aqui, um título material e, portanto, é somente ela que pode ser objeto de qualificação registral.

Do ponto de vista estritamente formal, o Oficial de Registro de Imóveis não tem atribuição ratione materiae (cf. Lei n.º 6.015/1973, artigo 172, c.c. artigos 167 e 246) para também examinar a cessão da adjudicatária original e da interessada North Pacific e para dela trazer uma razão que influencie a análise da transmissão coativa em discussão. Isso se explica pelo fato de que a cessão dos direitos decorrentes da adjudicação feita pela dita Violeta a North Pacific não era nem é ato cuja eficácia se sujeitasse a registro, para que, agora, pudesse o Oficial, invocando indisponibilidade que aliás se deram depois da cessão, apontar defeito na transmissão dos direitos da adjudicatária primitiva e paralisar o registro da adjudicação mesma.

Limitando-se, assim, o exame à adjudicação, como resulta hoje do título (= beneficiando a cessionária North Pacific), é preciso considerar que essa transmissão coativa não se liga indisponibilidade alguma. Como revelam os elementos dos autos, a restrição aduzida como razão para ser denegado o registro diz respeito somente à pessoa e aos bens da cedente Violeta, e não à parte executada na execução. Logo, por força de indisponibilidade contra a mencionada Violeta realmente não existe fundamento para se denegar o pretendido registro stricto sensu.

Por outras palavras: como a transferência da propriedade dar-se-á diretamente à última cessionária e a cessão feita por Violeta Cury Chammas a North Pacific Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros já estava perfeita e acabada ao tempo dos decretos de indisponibilidade em nome da cedente e não ingressará na tábua registral, tais ordens restritivas não podem ser opostas à pretendida inscrição.

Logo, a recusa do registro da carta de adjudicação, sob o fundamento de necessidade de prévio cancelamento das indisponibilidades em nome daquela que cedeu por último os direitos decorrentes da adjudicação, deve ser afastada, a fim de que se proceda ao registro stricto sensu da carta de adjudicação.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo para afastar o óbice e deferir o registro stricto sensu pretendido.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 13.03.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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