Civil – Sucessões – Agravo de instrumento – Inventário – Existência de união estável precedente sem partilha dos bens – Causa suspensiva do casamento prevista no inciso III do art. 1.523 do CC/02 – Aplicação à união estável – Possibilidade – Regime da separação legal de bens – Agravo conhecido – Recurso especial provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


  
 

DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. 1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta. 2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n.º 377 do STF. 3. Recurso especial provido. (REsp nº 646.259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado aos 22/6/2010, DJe de 24/8/2010)AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2493624 – SP (2023/0323369-6)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS

AGRAVANTE : HELENA HARITIDIS LUIZ

ADVOGADO : TIAGO DOS SANTOS NUNES – SP370107

AGRAVADO : CONSTANTIN PANTELIS HARITIDIS – ESPÓLIO

AGRAVADO : MITUCO SINOMIYA

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M

EMENTA

CIVIL. SUCESSÕES. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL PRECEDENTE SEM PARTILHA DOS BENS. CAUSA SUSPENSIVA DO CASAMENTO PREVISTA NO INCISO III DO ART. 1.523 DO CC/02. APLICAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

DECISÃO

Cuida-se de agravo interposto por HELENA HARITIDIS LUIZ contra decisão que obstou a subida de recurso especial.

Extrai-se dos autos que a agravante interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, cuja ementa guarda os seguintes termos (fl. 28):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. Decisão que determinou que 50% do bem imóvel objeto dos autos seja partilhado na proporção de 25% para a agravante (filha do ‘de cujus’) e 25% para a companheira do falecido. Inconformismo da filha. Regime patrimonial da união estável que é o da comunhão parcial, salvo disposição em contrário. Causas suspensiva prevista no artigo 1.523, III, do CC que não se aplica a união estável, tendo em vista a impossibilidade de interpretação analógica. Equiparação entre o casamento e a união estável que se resume ao regime sucessório, e não à disciplina de regime de bens. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça. Tratando-se de bem particular, de fato, o mesmo deve ser partilhado entre a filha e a companheira, conforme disposto no artigo 1.829, I, do CC. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.

No recurso especial, alega negativa de vigência do artigo 1.523, III, do Código Civil.

Sustenta que “a união estável entre o de cujus e a Sra. Mituco incorreu na causa suspensiva do artigo 1.523, III, do Código Civil e que, em razão deste fato, o regime de bens da união estável em comento era o da separação legal.” (fl. 37)

Afirma a recorrente que o autor da herança constituiu união estável sem antes ter feito a partilha dos bens do casamento com a mãe da recorrente. Requer a aplicação do art. 1.641, inciso I, do CC/02, que determina a obrigatoriedade do regime da separação de bens ao casamento de pessoas que o contraem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento.

Não foram oferecidas contrarrazões ao recurso especial (fl. 69).

Sobreveio o juízo de admissibilidade negativo na instância de origem (fls. 7082-83), o que ensejou a interposição do presente agravo.

Não apresentada contraminuta do agravo (fl. 98).

É, no essencial, o relatório.

Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo, passo ao exame do recurso especial.

Trata-se, na origem, de agravo de instrumento interposto contra decisão que determinou que a companheira e a filha do de cujus deveriam concorrer como herdeiras, cabendo a cada uma 25% do bem em discussão, em caso em que este fora adquirido na constância do casamento do falecido com a ex-cônjuge, sem que tivesse havido partilha desse bem na ação de divórcio.

Alega a recorrente que é obrigatória a adoção do regime da separação de bens em casos em que não houve anterior partilha de bens, em observância à causa suspensiva do artigo 1.523, III, do Código Civil.

Em caso semelhantes, esta Corte já decidiu pela aplicação do artigo 1.523, III, c/c 1.641, I, do Código Civil, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, firmou entendimento pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que versava sobre o regime de sucessão específico dos companheiros, declarando ser incompatível com a Constituição Federal a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros.

Diante da ausência de distinção declarada pela Suprema Corte, não persiste o fundamento emanado pela origem de que a causa suspensiva do art. 1.523 do Código Civil aplica-se exclusivamente ao casamento.

A propósito:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 6º DA LINDB. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. SUCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULAS N. 83 E 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.

1. Inexiste afronta aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando a Corte local pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.

2. Ausente o enfrentamento da matéria pelo acórdão recorrido, inviável o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. Incidência das Súmulas n. 211 do STJ e 282 e 356 do STF.

3. Consoante a jurisprudência desta Corte, é “inviável o conhecimento do Recurso Especial por violação do art. 6º da LICC, uma vez que os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada -, apesar de previstos em norma infraconstitucional, são institutos de natureza eminentemente constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF/1988)” (AgInt no REsp n. 1.790.775/GO, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2020, DJe 20/03/2020).

4. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmulas n. 83 e 568 do STJ).

5. Nos termos da jurisprudência do STJ, “considerando-se que não há espaço legítimo para o estabelecimento de regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002 (RE 878.694/MG, R elator Ministro Luis Roberto Barroso)” (AgInt no REsp n. 1.318.249/GO, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/5/2018, DJe de 4/6/2018).

6. Quanto à modulação dos efeitos da tese fixada pelo STF no RE n. 878.694/MG, a Corte Especial do STJ decidiu que, “ao julgar o RE n. 878.694 RG/MG, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da distinção do regime sucessório entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do Código Civil (Temas 498 e 809). O Pretório Excelso, ao modular os efeitos do julgado, concluiu acerca de sua incidência ‘apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública'” (AgInt no RE no AgInt no REsp n. 1.538.147/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, CORTE ESPECIAL, julgado em 9/2/2021, DJe de 17/2/2021).

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 1.741.300/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 19/9/2023 – destaquei.)

No caso dos autos, verifica-se que o de cujus constituiu união estável sem, antes realizar a partilha de bens. Assim, incide o regramento dos arts. 1.523, III, c/c 1.641, I, do Código Civil, segundo os quais:

Art. 1.523. Não devem casar:

(…)

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

Conforme se extrai do acórdão recorrido, o de cujus não realizou a partilha dos bens adquiridos durante a constância do primeiro casamento. Desse modo, a união estável que ele constituiu posteriormente deve ser regida pelo regime da separação obrigatória de bens, nos termos do art. 1.641 do CC.

Esse dispositivo legal aplica-se não apenas ao casamento, mas às uniões estáveis, conforme a jurisprudência do STJ.

Nesse sentido, confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. SÚMULA 568/STJ.

1. Ação de reconhecimento de união estável post mortem.

2. A jurisprudência do STJ é no sentido de que, quando ainda não se decidiu sobre a partilha de bens no casamento anterior do outro companheiro, é obrigatória a adoção do regime da separação legal de bens na união estável, como é feito no casamento.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 2.505.816/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/6/2024, DJe de 6/6/2024.)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO. CAUSA SUSPENSIVA DE UNIÃO ESTÁVEL ATÉ O DIVÓRCIO. CASAMENTO PELO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. PROTEÇÃO AO IDOSO.

1. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, visto que o Tribunal de origem efetivamente enfrentou toda a questão levada ao seu conhecimento.

2. Cuida-se, na origem, de ação declaratória de reconhecimento de união estável cumulada com petição de herança, julgada parcialmente procedente pelo Juízo de primeiro grau. O Tribunal de origem, ao dar parcial provimento aos recursos das partes, entendeu pela não comprovação da existência de união estável desde 1990, mas apenas a partir de 1993.

3. Impossibilidade de revisão da premissa de comprovação da união estável apenas a partir de 1993, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ. Evidente a ocorrência de causa suspensiva de união estável até a data do divórcio.

4. A união estável entre a recorrente e o de cujus se iniciou antes do divórcio deste, na vigência de restrição legal prevista no art. 1.523, inciso III, do Código Civil. Apenas a partir do divórcio afastar-se-ia a obrigatoriedade da separação de bens. Contudo, em 2015, o de cujus já contava com 73 anos de idade, razão pela qual, nos termos do art. 1.641, II, do Código Civil, deve ser observado o regime de separação total de bens.

5. De acordo com a redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, vigente à época do início da união estável reconhecida, impõe-se ao nubente ou companheiro sexagenário o regime de separação obrigatória de bens.

Precedentes.

Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.060.732/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023.)

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. CAUSA SUSPENSIVA DO CASAMENTO PREVISTA NO INCISO III DO ART. 1.523 DO CC/02. APLICAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO PARA A PARTILHA. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. Na hipótese em que ainda não se decidiu sobre a partilha de bens do casamento anterior de convivente, é obrigatória a adoção do regime da separação de bens na união estável, como é feito no matrimônio, com aplicação do disposto no inciso III do art. 1.523 c/c 1.641, I, do CC/02.

3. Determinando a Constituição Federal (art. 226, § 3º) que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, não se pode admitir uma situação em que o legislador, para o matrimônio, entendeu por bem estabelecer uma restrição e não aplicá-la também para a união estável.

4. A Segunda Seção, no julgamento do REsp nº 1.623.858/MG, pacificou o entendimento de que no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento/união estável, desde que comprovado o esforço comum para a sua aquisição.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.616.207/RJ, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 20/11/2020.)

Ante o exposto, conheço do agravo e dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão recorrido e excluir da partilha do imóvel a agravada MITUCO SINOMYA, assegurando à agravante a integralidade do percentual do imóvel pertencente ao seu falecido pai.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 17 de fevereiro de 2025.

Ministro Humberto Martins

Relator

Dados do processo:

STJ – AREsp nº 2.493.624 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Humberto Martins – DJ 19.02.2025

Fonte:  Inr Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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