ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008504-96.2021.8.26.0533, da Comarca de Santa Bárbara D Oeste, em que são apelantes CRISTIANO DA SILVA HORVAT e SILVIA REGINA EXPEDITO HORVAT, é apelado JUÍZO DA COMARCA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE LOPES (Presidente sem voto), ELCIO TRUJILLO E COELHO MENDES.
São Paulo, 19 de dezembro de 2024.
MÁRCIO BOSCARO
Relator
VOTO nº 6.819
Apelação Cível nº 1008504-96.2021.8.26.0533
Comarca: Santa Bárbara D´Oeste
Apelantes: CRISTIANO DA SILVA HORVAT e SILVIA REGINA EXPEDITO HORVAT
Apelado: JUÍZO DA COMARCA
Juiz: Paulo Henrique Stahlberg Natal
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DE CASAMENTO. Sentença de improcedência. Inconformismo. Acolhimento parcial. Alteração que se mostra possível, nos termos do artigo 1.639, § 2º, do Código Civil. Apelantes que se casaram sob o regime da separação obrigatória, na forma do artigo 1.641, inciso I, do mesmo diploma legal. Inexistência de razões objetivas a justificar a adoção desse regime. Ausência de prejuízos a terceiros, a impedir a pretendida alteração. Efeitos, contudo, meramente prospectivos, a contar do trânsito em julgado do presente julgamento. Precedentes. Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Cuida-se de recurso interposto em face de sentença que julgou improcedente a presente ação de alteração de regime de bens de casamento, sob o fundamento de que não foi explicitada qual a justificativa para a pretendida mudança.
Em sua insurgência, aduziram os apelantes que apresentaram todos os documentos pertinentes ao acolhimento desse pleito e que inexistem razões que os impeçam de alterar o regime de bens de seu casamento, ressaltando a plena possibilidade de assim procederem, amparados em norma legal que autoriza tal mudança.
O recurso é tempestivo, bem preparado, tendo sido apresentadas contrarrazões (fl. 90).
O parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça foi pelo acolhimento do recurso (fls. 99/102).
O julgamento foi convertido em diligência, pelo despacho de fl. 112, tendo vindo aos autos o documento de fls. 117/118.
É o relatório.
O recurso comporta parcial provimento.
De início, insta ressaltar que não se controverte acerca da plena possibilidade de alteração do regime de bens de um casamento, dada a clara redação da norma do artigo 1639, § 2º, do CPC, verbis:
“É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Constata-se, assim, que referida alteração é possível, demandando, para tanto, autorização judicial, que vai analisar a pertinência dos fundamentos, apurando a procedência das razões invocadas.
No caso dos autos, pelo que se constata da certidão de casamento dos apelantes, o regime de separação de bens, então instituído, não se deu por opção dos nubentes, senão por aplicação da regra do artigo 1.641, inciso I, do Código Civil.
Ao longo do trâmite do feito, em primeira instância, não restou esclarecida a razão pela qual foi determinado tal regime de bens, pois referida norma legal estabelece ser obrigatório o regime da separação de bens no casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas de sua celebração.
Essas causas, arroladas no artigo 1.523 do mesmo diploma legal, são as seguintes:
I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
Bem por isso foi determinada a conversão do julgamento em diligência, para que documentos referentes ao processo de divórcio do coapelante Cristiano viessem aos autos.
Em resposta, os apelantes juntaram a certidão desse anterior casamento do coapelante, em que consta ter esse sido celebrado em 16/1/99, com separação consensual datada de 8/10/03, posteriormente convertida em divórcio em 8/11/05, por sentença devidamente transitada em julgado em 7/2/06.
Assim, quando da celebração do casamento dos apelantes (21/10/06), de há muito já se encontrava divorciado o coapelante Cristiano, não parecendo, assim, existirem razões para que seu casamento subsequente fosse celebrado em regime de separação de bens, tal como ocorreu e, ao que parece, por mera imposição do oficial responsável pela lavratura do ato.
De qualquer forma, à míngua de explicação acerca da causa que teria justificado a imposição desse regime e ante a constatação de que inexistiam razões legais para tanto, impõe-se o acolhimento da pretensão expressa pelos apelantes, no sentido da alteração desse regime de bens.
Conforme muito bem obtemperado no parecer lançado aos autos pela eminente Procuradora de Justiça:
“Percebe-se claramente que as restrições do texto legal servem, primordialmente, para evitar confusão patrimonial, e, ao contrário dos impedimentos, encontram ressalvas no próprio texto de lei. Por uma interpretação lógica, é possível outro regime patrimonial mesmo em casos que se enquadram na previsão legal, desde que não exista risco de confusão entre o patrimônio dos interessados e o de terceiros.
Pois bem, os recorrentes se casaram em 21 de outubro de 2006, há quase dezoito anos. Se na época da celebração existia uma das restrições do artigo 1.523, esse empecilho dificilmente subsistiria até hoje ou se ainda existisse, teria caducado. Afinal, um inventário ou uma partilha de bens que se prolonga há quase 20 anos em nada modifica a situação fática hoje existente.
E mais, as partes mencionaram que não tem filhos, por isso a hipótese do inciso II a eles também não se aplica, vez que criada para evitar eventual confusão de patrimônios caso a nubente, grávida de seu antigo parceiro, adquira uma nova união.
Por último, vale lembrar que a mudança da lei ocorreu justamente para que houvesse maior união de esforços do casal e, notem que eles pedem para partilhar o patrimônio, e não para separar”.
De rigor, assim, a reforma da sentença, para que seja acolhida a pretensão deduzida pelos apelantes.
Por fim, impõe considerar que essa mudança deve gerar efeitos apenas prospectivos, a produzir efeitos a contar do trânsito em jugado da presente decisão.
Nesse sentido, os seguintes precedentes do C. STJ:
“(…) A jurisprudência do STJ é no sentido da alteração do regime de bens ter eficácia prospectiva e o seu termo inicial ser a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou. Precedentes” (AgInt no REsp. nº 2.107.424/PR, 3ª Turma, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 30/9/24).
“(,,,) 2 – Controvérsia em torno do termo inicial dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento (“ex nunc” ou “ex tunc”) e do valor dos alimentos. 3 – Reconhecimento da eficácia “ex nunc” da alteração do regime de bens, tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou. Interpretação do art. 1639, § 2º, do CC/2002” (REsp. nº 1.300.036/MT, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo Sanseverino, j. 3/5/14).
Em suma, deve ser dado parcial provimento ao recurso, para que seja alteado o regime de bens do casamento dos apelantes, tal como por eles postulado, com efeitos a contar do trânsito em julgado do presente julgamento.
Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos e para os fins constantes da fundamentação.
MÁRCIO BOSCARO – Relator
Dados do processo:
TJSP – Apelação Cível nº 1008504-96.2021.8.26.0533 – Santa Bárbara D’Oeste – 10ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Márcio Boscaro.
Fonte: DJE/SP – 22.01.2025.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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