Para garantir o direito de cidadania a todos os cidadãos do Brasil, em 1997 a Lei Federal número 9.534 estabeleceu que os atos de registro civil de nascimento e assento de óbito passariam a ser gratuitos, assim como a primeira certidão de cada um desses atos.
A medida, apesar de benéfica para a população, não previa o ressarcimento das prestações de serviços realizados pelos cartórios de Registro Civil, fato que poderia causar grandes prejuízos e até mesmo o fechamento dos cartórios.
Para reverter essa situação, Cláudio Marçal Freire, presidente do Sindicato dos Notários e registradores do Estado de São Paulo (Sinoreg-SP), Antônio Guedes Netto, então presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) e Oscar Paes de Almeida Filho, diretor da entidade idealizaram um projeto para a criação de um fundo de ressarcimento. Este projeto dizia que todos os notários e registradores que teriam remuneração por atos recolheriam uma parte para o desenvolvimento do fundo e esse fundo faria o ressarcimento do registrador civil pelo valor da tabela.
A proposta chegou a ser aprovada no Congresso Nacional, mas a Lei Federal não mencionou quem deveria ser o órgão responsável por coordenar o fundo. Consequentemente, esse primeiro projeto tornou-se inviável de ser implantado em todos os Estados e acabou vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Luta para conseguir implantar o Fundo em São Paulo
Após as primeiras tentativas de criação do Fundo ficou decidido nacionalmente que cada Estado deveria encontrar uma solução para lidar com a questão do ressarcimento. Segundo Oscar Paes de Almeida Filho, no Estado de São Paulo, “o grande homem foi o Cláudio Marçal Freire, que abraçou a causa e ajudou a dar sustentabilidade para o Registro Civil”.
Entre as ideias de Cláudio Marçal, estava a criação de uma emenda com a lei de emolumentos e a criação do fundo para remuneração do Registro Civil. Desse modo, a população conseguiria garantir os seus direitos de cidadania e, ao mesmo tempo, os cartórios poderiam continuar prestando os serviços de Registro Civil com qualidade e comprometimento. Entretanto, a Lei Estadual precisava do apoio de uma Lei Federal para conseguir ser estabelecida, e o projeto foi vetado pelo governador Mário Covas.
Em maio de 1998, a gratuidade do Registro Civil foi implantada, mas o fundo de ressarcimento continuava não existindo. Segundo Oscar, foi um período difícil para o Registro Civil. “Foi uma época de desespero, porque sem o ressarcimento da gratuidade não havia esperança para os cartórios se sustentarem. Houve até casos de oficiais que ameaçaram se suicidar, por causa disso”, disse. “Esta foi uma época da minha vida que gostaria de não ter vivido”, relembra o ex-presidente da Arpen-SP, Antônio Guedes Netto. “Chorei junto com colegas que me ligavam desesperados, sem dinheiro para sobreviver. Em Campinas, um registrador teve um infarto quando saiu a lei”, disse.
Após uma longa jornada para conseguir legitimar o Fundo a equipe capitaneada por Cláudio Marçal Freire, já integrada por diversos registradores paulistas e com o auxílio do deputado Roque Barbiere, continuaram procurando uma lei estadual que remunerasse os cartórios. O projeto obteve o apoio de grande parte dos deputados e, após intensos debates, a Assembleia Legislativa analisou e derrubou o veto do governador.
Surgiu, então, a Lei Estadual 10.199, que garantiu a implantação do Fundo. Segundo Cláudio Marçal Freire “a lei entrou em vigor no começo do ano 2000, então nós, que poderíamos ter resolvido o projeto em 1997, lamentavelmente tivemos que esperar ter dois projetos vetados, para entrar em vigor só em 2000”, recorda.
Apenas no ano seguinte foi criada a Lei Federal nº 10.169, cujo artigo 8º determinou que cada Estado estabelecesse uma forma de compensação aos registradores civis. Com a implantação da Lei Federal, o Fundo ganhou mais força e conseguiu ser aplicado de vez em São Paulo.
A aplicação do Fundo
Em 2000, a Lei 10.710 reformulou alguns aspectos da antiga Lei 10.199. Uma das mudanças foi a implantação do fundo de custeio para socorrer os cartórios deficitários. Em 2002, a lei sofreu novas alterações e atualmente está em vigor a Lei Estadual 11.331/02, que estabeleceu que “o repasse aos oficiais do registro civil das pessoas naturais será efetuado pela entidade gestora, na mesma proporção dos atos gratuitos praticados até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da prática dos atos”. A Lei também determinou que 50% dos valores previstos na tabela de emolumentos, quando praticados a usuários beneficiários de gratuidade, fossem para remuneração dos demais atos.
No Estado de São Paulo ficou estabelecido que o Sinoreg-SP seria o responsável pela arrecadação e repasse das parcelas de compensação dos atos gratuitos do Registro Civil. Além disso, foi criada uma comissão para auxiliar no gerenciamento da compensação aos registradores civis. Esta comissão é formada por sete membros, sendo três oficiais de Registro Civis, um Tabelião de Notas, um Tabelião de Protestos, um Oficial de Registro de Imóveis e um Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica.
Para ter direito ao Fundo de Custeio, foi acordado que cada cartório enviasse mensalmente ao Juiz Corregedor o número de atos gratuitos praticados nas serventias. Após visto da Corregedoria, a quantidade de atos gratuitos é encaminhada para o Sinoreg-SP, e este consegue liberar os recursos para os cartórios.
Segundo Oscar Paes Filho, é importante ressaltar que a criação do Fundo “teve o apoio de todas as outras especialidades de registro”, pois para que os atos gratuitos pudessem ser praticados, notários e registradores concordaram em contribuir com uma parcela de seus emolumentos, criando uma verba para auxiliar o Registro Civil. Cláudio Marçal Freire relembra a importância da união dos cartórios para que o objetivo fosse atingido. “Senti da classe uma maturidade suficiente para entender que era necessária essa contribuição para que nós pudéssemos socorrer um irmão que era o Registro Civil”.
Em relação aos cartórios deficitários (serventias cuja receita bruta não atinge ao equivalente a dez salários mínimos mensais), o artigo 24 da Lei 11.331/02 determinou que se a arrecadação mensal for insuficiente para a compensação dos atos gratuitos do registro civil, e se não houver sobra dos meses anteriores, deverá ser realizado o repasse proporcional, mediante rateio.
As consequências do Fundo
Com a criação do fundo, os cartórios de registro civil conseguiram unir alta qualidade com prestação de serviços benéficos para a população. Além dos registros gratuitos de nascimento e óbito para todos os cidadãos, quem não tem condições de pagar os custos dos serviços também pode contar com a gratuitamente da segunda via de certidões (incluindo Serviço Social, Atestado de Pobreza e Requisição Judicial), Averbações (retificação, adoção e reconhecimento de filho), habilitação de casamentos e atos registrados no livro E.
Após a gratuidade, os cartórios de Registro Civil continuaram promovendo a cidadania entre a população, e passaram a organizar ações sociais para incentivar o reconhecimento de paternidade e a diminuição do subregistro no Brasil. São Paulo, por exemplo, é atualmente o estado com o menor índice de subregistro no Brasil, com apenas 1,2.
Fonte: Arpen/SP | 24/03/2014.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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