Doação de imóvel público com encargo – Reversão automática – Ausência de contraditório e ampla defesa – Impossibilidade – Ato declarado nulo – Sentença confirmada

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE – DOAÇÃO DE IMÓVEL PÚBLICO COM ENCARGO – REVERSÃO AUTOMÁTICA – AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – IMPOSSIBILIDADE – ATO DECLARADO NULO – SENTENÇA CONFIRMADA

– Tratando-se de doação de imóvel público, a inexecução do encargo imposto ao donatário deve ser devidamente comprovada mediante a instauração de processo administrativo ou judicial, quando serão garantidos o contraditório e a ampla defesa, sendo nula a reversão automática do bem.

Apelação Cível/Reexame Necessário nº 1.0210.12.002863-9/001 – Comarca de Pedro Leopoldo – Remetente: Juiz de Direito da 1ª Vara Cível Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Pedro Leopoldo – Apelante: Município de Pedro Leopoldo – Apelada: Predil Premoldados Diniz Ltda. – Relator: Des. Duarte de Paula

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em reexame necessário, confirmar a sentença, julgando prejudicado o recurso voluntário.

Belo Horizonte, 20 de fevereiro de 2014. – Duarte de Paula – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. DUARTE DE PAULA – Ajuizou Predil Premoldados Diniz Ltda., perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Pedro Leopoldo, ação declaratória de nulidade em face do Município de Pedro Lepoldo, visando à anulação do ato de revogação da doação e reversão do imóvel ao patrimônio do município, por ofensa ao direito adquirido e por inconstitucionalidade, decorrente da inobservância dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

Em sede de contestação, o requerido sustenta, preliminarmente, a carência de ação, por ilegitimidade ativa, uma vez que foi decretada a falência da autora, a qual ainda teve cancelado, em 2008, seu CNPJ. No mérito, argumenta que as pretensões da Fazenda Pública são imprescritíveis; que os bens públicos não se sujeitam à prescrição aquisitiva; que o não cumprimento pela donatária dos encargos previstos torna sem efeito a doação realizada sob condição. Ao final, acrescenta que o contraditório e a ampla defesa foram garantidos, pois o termo de reversão foi devidamente encaminhado para o endereço do sócio Evandro de Sousa Rodrigues, tendo sido recebido por sua esposa, conforme consta do AR acostado à f. 132.

Por sentença de f. 159/165, o MM. Juiz singular julgou procedente o pedido inicial, ao fundamento de que não foi garantida à autora a sua ampla defesa, mediante a instauração de processo administrativo ou judicial, e que "não se pode acolher a alegação municipal no sentido de ter notificado a parte requerente e, com isso respeitado o contraditório. A defesa deve ser exercida antes de o Município decidir a questão e não se pode admitir que a defesa seja oportunizada somente depois de o ente público ter tomado a decisão ora impugnada" (f. 163).

Processo submetido ao duplo grau de jurisdição.

Inconformado, insurge-se o réu, buscando reverter a decisão, mediante o recurso voluntário de f. 169/185.

Contrarrazões às f. 201/213.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa oficial e do recurso voluntário.

Cuida-se de reexame necessário e de recurso de apelação voluntário interposto pelo Município de Pedro Leopoldo contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Pedro Leopoldo, que julgou procedente o pedido inicial formulado nos autos da presente ação declaratória de nulidade para declarar a nulidade do termo de reversão por violação ao devido processo legal e invalidar os atos posteriores a ele vinculados.

Em sede de recurso voluntário, o requerido, ora apelante, reproduz os argumentos apresentados em sede de contestação, dizendo da imprescritibilidade das pretensões da Fazenda Pública sobre imóveis; que foi observado o devido processo legal e, "a fim de garantir a ampla defesa e o contraditório, foi enviado à Permissionária o termo de reversão de Imóvel ao proprietário da empresa, Sr. Evandro de Souza Rodrigues […]" (f. 178/179).

Inicialmente, no que tange às alegações de inatividade da autora e ilegitimidade ativa diante da decretação da falência e o cancelamento do CNPJ, sem razão o apelante.

Isso porque, como bem destacou o Magistrado de primeira instância, a baixa no CNPJ apenas denota irregularidade da sociedade empresária, não provando inexistência de personalidade jurídica, o que deveria ser provado mediante a baixa no registro efetuado na Junta Comercial, ônus do qual não se desincumbiu o requerido.

Quanto à decretação da falência, certo que a pessoa jurídica não deixa de existir, o que somente pode vir a ocorrer com a extinção das obrigações do falido e a já mencionada baixa na Junta Comercial.

Superadas essas questões, passo ao exame do mérito.

Do exame dos autos, verifica-se que o Município de Pedro Leopoldo, em 06.08.1990, mediante a edição da Lei Municipal 1.677, doou à Predil Premoldados Diniz Ltda. um terreno de 7.000 m2, localizado na Rua Aimorés, 448, Bairro Andiara.

Conforme legislação acostada às f. 138/139, a donatária fica obrigada aos encargos previstos no art. 2º da referida lei, cujo descumprimento ensejará a reversão do imóvel à municipalidade.

Em 08.11.2011, o município procedeu à fiscalização do local, mas não teve acesso ao interior do imóvel, uma vez que, no momento, nenhum funcionário se encontrava no local e o portão estava fechado com correntes (f. 128). Em seguida, constatou que a donatária estava com seu CNPJ baixado desde 2008 e que esses fatos acoplados autorizam a reversão automaticamente.

Constou do termo de reversão de imóvel acostado à f. 129:

"3.11 – O descumprimento, pela Permissionária, de quaisquer de suas obrigações previstas acima, bem como o disposto da Lei Municipal 2.315/97 e suas alterações, ensejará a extinção da presente permissão de uso, com consequente reversão do imóvel, independente de Notificação Judicial ou Extrajudicial, ao Patrimônio Municipal" (destaquei).

Daí se extrai que a reversão foi efetuada sem qualquer possibilidade de contraditório e/ou ampla defesa, já que o aludido termo de reversão de imóvel foi elaborado sem a prévia ciência dos fatos pela donatária, a qual recebeu, no endereço do sócio Evandro, o referido termo, tendo ainda havido duas publicações do ato, respectivamente, no jornal Minas Gerais e no jornal local (f. 133/134).

Ora, não há como realizar a reversão do bem imóvel para o patrimônio público somente por meio do termo de reversão, sendo imprescindível a notificação do donatário em mora, além da utilização do devido processo – administrativo ou judicial – para desconstituição do ato jurídico.

Nesse sentido:

"Doação com encargo. Reversão ao patrimônio público. Expedição de decreto. Pedido de averbação no registro imobiliário. Impossibilidade. Necessidade de ação própria. – Tratando-se de doação com encargo, o descumprimento da obrigação, por parte do donatário, não opera a automática revogação, nem esta pode ser unilateralmente proclamada através de decreto. A reversão do bem ao patrimônio público requer a propositura de ação contenciosa desconstitutiva em que se prove o inadimplemento do encargo imposto ao donatário no ato de doação" (destaquei) (TJSC – AC 8217 SC 2001.000821-7 – Rel. Juiz Newton Janke, j. em 16.12.2004).

"Apelação cível – Reintegração de imóvel doado a sindicato pelo Município de Lages – Descumprimento de encargo – Autorização judicial inexistente – Impossibilidade de tal intento por meio de decreto de reversão – Preliminar de ilegitimidade de parte corretamente rechaçada. – A doação com encargo é um negócio misto que em parte é liberalidade e em parte negócio oneroso. E, uma vez descumprido, justificada está a revogação da doação. No entanto, deve ela derivar de pronunciamento judicial, colhido em ação ordinária, promovida pelo doador. Assim, não poderia o Município de Lages, ao verificar a inexecução do encargo que impôs, simplesmente reverter ao patrimônio público, por meio de Decreto (n. 4.264/95), o terreno que doou ao sindicato. Deveria, antes, constituí-lo em mora, mediante ação própria, e não fazê-lo de forma unilateral. […]" (destaquei) (TJSC – AC 54173 SC 2004.005417-3, Rel. Des. Volnei Carlin – j. em 30.09.2004).

Na hipótese específica dos autos, a suposta paralisação das atividades da donatária diante do quadro falimentar da empresa, cuja quebra veio a ser decretada, e a baixa do CNPJ, no ano de 2008, levou o município a proceder à noticiada reversão do imóvel doado, ao fundamento de que o encargo da doação não vinha sendo cumprido.

Entretanto, a toda evidência, a pretensão da reversão do imóvel, após a revogação da doação, não poderia consumar-se por meio da expedição de um termo de reversão de imóvel, pois, dessa forma, o município réu subtraiu à donatária o devido processo legal, com garantia do contraditório e ampla defesa, inexistindo oportunidade de comprovar o efetivo cumprimento do encargo que lhe fora imposto quando da doação do imóvel, objeto da lide.

Assim, tem-se que a revogação da doação, com consequente reversão do imóvel ao patrimônio público municipal, cujo fundamento é a inexecução de encargo, requer provas contundentes de que o referido encargo tenha sido realmente descumprido pelo donatário, o que somente ocorrerá mediante a instauração de processo administrativo ou judicial, revestido da indispensável contenciosidade e do contraditório.

À luz dessas considerações, em reexame necessário, confirmo a sentença de primeiro grau por seus próprios e jurídicos fundamentos. Julgo prejudicado o recurso voluntário.

Custas, pelo réu, isento por força de lei.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Dárcio Lopardi Mendes e Heloísa Combat.

Súmula – EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA, JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Fonte: Sinoreg/MG – DJE/MG | 03/04/2014.

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TJ/GO: Divulgado resultado da audiência pública para escolha de cartórios extrajudiciais

Foi publicado, na sexta-feira (4), o resultado da Audiência Pública de Escolha das Serventias Extrajudiciais, realizada na quarta-feira (2). Por meio do Decreto Judiciário nº790/2014, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador Ney Teles de Paula, fez a outorga dos serviços aos candidatos devidamente habilitados no Concurso Unificado para Ingresso e Remoção nos Serviços Notariais e de Registros do Estado de Goiás.

Os interessados têm prazo de 30 dias, a partir da publicação do decreto, para se apresentar ao diretor do Foro da comarca onde atuará. Confira a tabela (clique aqui).

Fonte: TJ/GO | 04/04/2014.

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SINTER: a Federação, o Judiciário e os Registros Públicos

* Emanuel Costa Santos

“Uma boa garapa não se transmuda em vinho por vontade do vinicultor; ainda que um sommelier ateste se tratar de excelente vinho, não passará de garapa”

No último dia 02 tomei conhecimento da versão de minuta de Decreto datada de 31 de março deste ano, que se propõe a regulamentar o Registro Eletrônico previsto na Lei Federal 11.977/2009 e a instituir o SINTER – Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais, gestado para funcionar no âmbito do Governo Federal.

Há avanços consideráveis no texto proposto, sem dúvida, assim como se reconhece a necessidade do país, para definir suas políticas estratégicas, possuir base segura que relacione fontes importantes sobre bens imóveis.

O mérito e os avanços, todavia, não superam o vício de origem que macula boa parte trabalho até então desenvolvido. Importante esse (re)alerta não apenas como crítica desarrazoada, mas como colaboração para correção de rumos e produção por ente competente de norma legal (sentido amplo) adequada, que permita prosseguir  com a execução desse poderoso instrumento que favorece os progressos regionais e nacional e que auxilia no desenvolvimento de importantes políticas públicas.

Vício de origem ocorre, in casu, quando se ventila a produção de norma jurídica por agente que não detém a competência constitucional para tanto, invalidando-na, ainda que munida das melhores qualidades. Daí a frase de alerta que prefacia este artigo.

Não se desconhece a competência constitucional da União para legislar sobre Registros Públicos, a dizer, produzir a norma primária, o que o fez, em matéria de Registro Eletrônico, pela edição da Lei Federal nº 11.977/2009.

A partir daí surge a evidente discussão: a quem cabe produzir a norma secundária, aquela que irá regulamentar os ditames produzidos pela norma primária que, por suposto, encontra-se em conformidade com a Carta de Outubro? Em outras palavras, qual o ente competente para produzir o regulamento reclamado pela parte final do artigo 37 da Lei Federal nº 11.977/2009?

A resposta constitucional aponta para o vício de origem que ora se (re)alerta. Quando tomei contato com a primeira versão do Decreto (ao menos aquela exibida aos registradores de imóveis), à época como Coordenador da Comissão do Pensamento Registral Imobiliário e de Assuntos Legislativos do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, não hesitei em apontar esse dado de inconstitucionalidade.

Não se desconhece que daquela versão até a que hoje se apresenta houve grande evolução quanto ao mérito da matéria, o que, contudo, não transforma a garapa em vinho, a dizer, não torna legítima a produção de norma por quem não possui competência para tanto.

O Registro Eletrônico, em maior ou menor extensão, já se acha instituído em alguns Estados da Federação, de maneira absolutamente consentânea com as diretrizes constitucionais.

Elaborada a norma primária pela União, nasce a necessidade de sua regulamentação, cuja competência, no âmbito dos Registros Públicos, é inegavelmente do Poder Judiciário. Isso decorre não só de seu poder fiscalizar, previsto no artigo 236, parágrafo 1º, da Constituição Federal, mas especialmente por estarem inseridas as notas e os registros no contexto da organização judiciária, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade. Entre outros, é possível se extrair do Acórdão proferido na ADI 2.415 o posicionamento pacífico naquela Corte. De sua Ementa, resta clara a identificação da atividade notarial e de registro com o Poder Judiciário:

V – Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extra-forenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito. (grifos nossos)

Ainda que versando sobre a criação, extinção e modificação de Serventias, restou assentado naquela Ação Direta os limites normativos da União em matéria de Registros Públicos e a estreita vinculação da atividade notarial e de registro com o Poder Judiciário e, mais especificamente, com os Tribunais de Justiça dos Estados. Observe-se o seguinte trecho, extraído do Voto do eminente Relator, Ministro Carlos Ayres Britto:

20. Ajunto: a edição de lei formal, indispensável para a criação, modificação e extinção de serventias extrajudiciais, é de competência de cada unidade federativa estadual a que estejam vinculados os serviços notariais e de registro. Assim já decidiu este Supremo Tribunal Federal na ADI 865-MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello. Sem nenhum prejuízo, aqui, da competência privativa da União para legislar sobre “registros públicos” (inciso XXV do art. 22 da CF). É como dizer: criar ou extinguir unidades do serviço notarial e de registro não importa criar e extinguir requisitos de validade dos atos jurídicos de criação, preservação, modificação, transferência e extinção de direitos e obrigações. Atos que, estes sim, incluem-se na temática dos “registros públicos”.4 Há mais: a competência para a criação de unidades do serviço notarial e de registro, além de pertencer aos Estados-membros, há de se formalizar por lei de iniciativa do respectivo Tribunal de Justiça, com exclusividade, por versar tal projeto de lei sobre “a alteração da organização e da divisão judiciárias”, nos termos da alínea “d” do inciso II do art. 96 e do § 1º do art. 125, ambos da Constituição Federal (entendimento majoritário deste STF, mas sobre o qual guardo reserva). Nesse sentido, confiram-se os seguintes arestos: ADI 865-MC, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 1.935, Rel. Min. Carlos Velloso; ADI 3.373, Rel. Min. Menezes Direito; ADI 4.140, Rel. Min. Ellen Gracie; ADI 4.453-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia. (grifos nossos)

Como não cansa de repetir o Ministro Marco Aurélio de Mello, integrante daquela Corte Suprema, o Direito é orgânico, alertando para a necessidade de observância de sua organicidade.

Nesse sentido, é necessário que se diga: o Brasil adotou o modelo federativo e a ideia central de tripartição de funções do Estado, havendo clareza constitucional, pacificada nos dias que correm na Suprema Corte, de que a regulação da atividade passa necessariamente pelo crivo do Poder Judiciário e, mais especialmente, repita-se, dos Tribunais de Justiça dos Estados. Isso sem olvidar a competência regulamentar reservada ao Conselho Nacional de Justiça, por força do artigo 103-B, parágrafo 3º, inciso I, da Lei Maior.

Não observar essas noções básicas na produção da norma jurídica secundária conduz ao chamado vício de origem, que, no caso em concreto, deitará raízes no ferimento ao pacto federativo e à função estatal atribuída ao Poder Judiciário, com exclusividade.

Em uma comparação singela com o quanto ocorre na vida privada, a estruturação do Estado constitucional se assemelha em boa parte a uma associação, que é provida de associados, estatuto, instâncias de decisão, entre outros elementos essenciais. Nesse comparativo impróprio, ao povo cabe o papel de associados, detentores centrais do poder de ditar os rumos da entidade coletiva; à Constituição Federal, o papel de Estatuto Fundamental, regulador, dentre outras coisas, da distribuição de competências. É nesse Estatuto Maior que devem ser identificadas, pois, as competências das diversas instâncias de Poder do Estado.

Um olhar não tão aprofundado identificará nos incisos IV e VI do artigo 84 da Constituição Federal as matérias que podem ser dispostas por Decreto Presidencial, ali não se encontrando a regulação da atividade notarial e registral. Ainda que se alegue a generalidade da parte final do inciso IV, os decretos e regulamentos ali referidos estão limitados, por um lado, às competências materiais da União (artigos 21 e 23 da Constituição Federal) e, por outro, pela não ofensa às competências dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Sob a ótica infraconstitucional, tem-se por ratificada a competência do Poder Judiciário em matéria de regulamentação de Registro Eletrônico. É o que se colhe da leitura do parágrafo 6º do artigo 659 do Código de Processo Civil, que atribui – de forma absolutamente constitucional, diga-se – aos tribunais o estabelecimento de normas de segurança para averbação de penhora de bem imóvel operada em meio eletrônico.

Em suma, o exposto acima revela a necessidade de atentar o agente produtor da norma secundária para os limites constitucionais estabelecidos em favor da segurança jurídica, redundando a não observância em grave ofensa à harmonia entre os Poderes e ao pacto federativo. Outros preceitos fundamentais potencialmente atingidos pela substância da minuta de Decreto também merecem comentários e estudos mais aprofundados, o que pode se dar pela ampliação do debate – que, ressaltá-se, está ocorrendo em ambiente absolutamente democrático. Contudo, a tanto não se propõe esta contribuição.

______________________

* O autor é Mestre em Direito Constitucional, pós-graduado em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade, Universitat Ramon Llull, Barcelona, Espanha, Registrador Imobiliário e Diretor de Assuntos Estratégicos da ARISP e do IRIB

Fonte: iRegistradores | 03/04/2014.

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