CONHECENDO OS CARTÓRIOS – O seu valor e desarrazoados mitos – Parte 3

* Fernando Alves Montanari

Prossigamos com a demonstração sobre os verdadeiros mitos que, levianamente, se propagam sobre os cartórios.

QUARTO MITO – TODO DONO DE CARTÓRIO É RICO.

No que respeita à ilação “que todo dono de cartório é rico”, pensemos juntos.

Tomando por base a Lei Paulista de Emolumentos (cada estado tem a sua), veremos que o valor geral cobrado pelo cartório é dividido da seguinte forma: 62,5% são receitas dos notários e registradores; 17,763160% são receitas do Estado; 13,157894% são cobrados a título de contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado; 3,289473% são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias; 3,289473% são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça; e 1% do que ganham os notários e registradores se destina às Santas Casas.

Ou seja, de cada R$ 100,00 que entram numa serventia paulista, R$ 37,50 serão repassados às entidades supra destacadas. Os donos de cartórios atuam como “substitutos tributários”, ou, para melhor entendimento: essa parcela de dinheiro não é deles, mas do Estado. Eles apenas angariam em nome do Estado.

Sabedor disso, você poderia me perguntar: – Então o registrador e/ou notário ganha R$62,50 de cada R$100,00 que cobra, certo?

Não, infelizmente você estará errado se assim concluir, pois existe uma lista básica de gastos do cartório que ele deve gerir, todos fiscalizados pelo Poder Judiciário. São eles: a) despesas de pessoal (aqui se inclui: salários; horas extras, às vezes com adicionais noturnos; décimos terceiros e reflexos; férias e reflexos; INSS e reflexos; FGTS; férias + 1/3 e reflexos); b) despesas de pessoal em alguns casos (cesta básica; assistência médica; transporte pessoal; vale refeição); c) despesas com profissionais (assessoria contábil e jurídica); d) despesas ordinárias (contas de água, luz, telefone, banda larga); e) despesas bancárias; f) aluguel; g) softwares de gestão e do serviço; h) equipamentos (informática, móveis); i) material de expediente (selos, folhas de segurança, biometria, fotografias, digiselos, papelaria); j) capital de risco; k) segurança, higiene e saúde do trabalho; l) digitalização do acervo por imposição legal; m) adequação da serventia aos portadores de necessidades especiais; n) serviços constantes de alvenaria e manutenção da serventia; o) despesas constantes na atualização e treinamento de funcionários; p) tributação (ISS, IPTU); q) comodidades (estacionamento, ar condicionado), etc..

Tomemos por exemplo uma serventia do estado que arrecade R$100.000,00 brutos por mês e possua 10 funcionários escreventes, cada qual ganhando R$ 1.400,00 (próximo do piso para esse porte de serventia). Eles custarão, somando-se somente as despesas trabalhistas e previdenciárias ordinárias, aproximadamente, R$ 2.500,00 cada (R$ 25.000,00 no total). Dos R$ 100.000,00 o dono do cartório ainda terá de repassar R$ 37.500,00 para as entidades supra identificadas, não nos esqueçamos. Terá, também, que gastar com as despesas mencionadas quase R$ 20.000,00, até mesmo porque não é só o aluguel que pula de R$ 3.000,00 para R$ 6.000,00 quando as pessoas resolvem contratar com o “dono do cartório”, mas tudo que ele precise sofre injusto aumento “em razão da pessoa”.

Chegaremos à absurda, mas comprovável soma de R$ 82.000,00. Então, o dono do cartório ganha R$ 18.000,00?

Não, porque ainda terá que pagar 27,5% a título de imposto de renda (R$ 4.950,00), mais R$ 850,00 a título de INSS pessoal, isso sem contar outras despesas que tem em razão do ofício.

Percebe-se que o problema não é ganhar aproximados R$ 10.000,00 dos R$ 100.000,00 arrecadados. O problema é que a maioria das serventias existentes não arrecada os cem mil por mês.

No estado bandeirante a maioria esmagadora (quase 600 cartórios) não ganha sequer dez salários mínimos, mesmo acumulando notas e registro civil das pessoas naturais. Por isso, são conhecidos como cartórios “deficitários”, e são suplementados até este valor e, por via direta, enxugam ao máximo seus gastos, mas são levados com dignidade, empenho e respeito à lei pela maioria dos seus titulares.

Imaginem que existem colegas em outros estados federados que ganham pouco mais de um salário mínimo para estar à frente de suas serventias. São verdadeiros guerreiros que amam as notas e os registros, os quais deveriam receber, ao menos, o devido reconhecimento e respeito de cada um de nós, até mesmo porque, em um minúsculo, em um pequeno, em um médio, grande ou mega cartório (estes últimos representam menos de 2% dos cartórios existentes), a responsabilidade pelo serviço prestado é a mesma. O serviço final deveria que ser igual. Apenas quanto maiores os cartórios, maior é o investimento em tecnologia, atendimento, estrutura e etc.. Maior, também, a capacidade para responder às absurdas indenizatórias que alguns advogados teimam em pleitear, sem qualquer fundamento, na chamada “indústria do dano moral”.

Imaginem se um cartório deficitário tiver que arcar com uma indenizatória de dez mil reais ou for compelido a recolher o INSS do titular no teto remuneratório. Este cartório poderá fechar suas portas, pois se torna economicamente inviável, e a população restará sem tais serviços.

Não se esqueça que, dos funcionários que uma serventia tem, o seu responsável deve destacar uma parcela para trabalhar gratuitamente para os órgãos administrativos públicos, alimentando seus cadastros de controle exercidos sobre nós mesmos (os particulares) como, por exemplo, as fazendas federais, estaduais e, em alguns casos, municipais, os sistemas ambientais, as secretarias de saúde, os institutos de identificação, os serviços militares, a justiça eleitoral, o INSS, etc.. Dispêndio esse, mais uma vez, do dono do cartório, sem qualquer contraprestação, mas, sim, sob forte e inarredável fiscalização do Poder Judiciário.

Por derradeiro, poderiam me perguntar ainda: – ganhando isso com essa responsabilidade, vale a pena ser dono de cartório?

Eu digo que, ganhando pouco ou muito, não é o valor auferido que mensura isso.

É lógico que é melhor ganhar mais por aquilo que fazemos, não sejamos hipócritas. Mas, para ganhar mais, devemos estudar muito para o concurso aberto a todos e escolher uma das pouquíssimas serventias mais lucrativas.

O que importa é o amor pela profissão e isso se comprova pelos usuários dos cartórios. Se estiverem felizes e satisfeitos com o serviço que é prestado, em um mega ou em um simplório cartório, e se esta satisfação alimenta o espírito de seu dono para estudar, trabalhar e querer ver o serviço bem prestado e segundo a lei, vale a pena sim.

Se dono de cartório ganha bem?

Ganha honradamente pelo seu trabalho técnico bem executado.

Mas se ele não vai ao cartório, embora essa seja sua obrigação. Se ele está à frente de uma serventia só no papel. Se presente ao cartório, não melhora seu serviço e não busca o progresso do nosso atendimento de acordo com o que o município pede. Se não estuda. Se não se adéqua tecnologicamente. Se não dá cabo aos problemas ordinários que lhe são apresentados por imperícia ou negligência. Se for preconceituoso e/ou presunçoso, achando que engana a todos, inclusive os mais humildes. Se tudo isso acontecer e outras bizarrices que existem por esse torrão afora, tenha certeza, ele está ganhando bem, embora ele sempre pense que não é devidamente remunerado para isso. Neste caso, é nossa obrigação denunciar suas condutas para o Poder que pode fiscalizá-lo, corrigi-lo e puni-lo, o Judiciário. Até mesmo porque, os que amam a profissão e a executam com a sacralidade que ela merece, não serão afetados por injúrias e mentiras contra os mesmos propagadas, tendo em vista que estas não terão amparo fático algum e não poderão ser comprovadas.

Nesse passo, surge outra dica: somos nós que fiscalizamos, por primeiro, os serviços de notas e registros públicos, pois o Judiciário só atuará dentro dos contornos legais ou por provocação.

Os registros públicos são essenciais e, por isso mesmo, o reduto de nossas liberdades e direitos dentro do estado democrático que vivemos, devendo ser condizentemente remunerados aqueles que o executam, pois são nossas vidas, liberdades, segurança, igualdade e propriedade que os mesmos tutelam, valores estes basilares de nossa existência.

Ah, quase me esqueci da resposta à pergunta: todo dono de cartório é rico?

Não e sim.

Não, pois, como acontece com qualquer profissão, somente uma pequeníssima e ínfima parcela dos donos de cartório acumulou substancial riqueza em relação à sociedade em que vive.

Sim, pois todos possuem o valor do trabalho e de proteção aos direitos fundamentais no mister que desenvolvem, valores estes que dinheiro nenhum pode comprar. Por isso, não se trata de um “selinho” colado numa folha, de imprimir em um “papel bonito”, ou de “bater carimbo em nome da burocracia”, mas de tutelar direitos e garantias que não podem (e jamais deverão) ser comprados com o dinheiro.

Direito é coisa séria, cuja opulência do dinheiro não deveria servir como valoração. Jamais!

Permitirmos que se barganhe com as notas e os registros públicos significa permitirmos que se atribua valor monetário à essencialidade que nos constitui como seres humanos como, por exemplo, o que fizemos com a liberdade daqueles que foram vendidos como escravos em solo brasileiro, período de vergonha de nossa história e que repercute negativamente até os dias atuais.

Notas e registros públicos são tão sérios que representam uma de nossas defesas contra os próprios desmandos do Estado, que não pode retroagir ante nossas históricas conquistas insculpidas na Constituição da República.

Clique aqui e leia a Parte I.

Clique aqui e leia a Parte II.

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* Fernando Alves Montanari é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do município de Lourdes, Comarca de Buritama-SP.

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TJ/MS: Fiador é responsável mesmo com prorrogação de contrato

Os desembargadores da 1ª Câmara Cível decidiram, por unanimidade, dar provimento ao recurso de A.F.L., que, em primeira instância, havia perdido ação para cobrança de aluguéis atrasados do fiador.

Com a decisão, J.L.O. terá que arcar com as despesas de um ano de aluguel, mais o montante de quatro anos atrasados de IPTU. O valor total chegou a R$ 7.928,79, mais todas as despesas da recorrente com honorários advocatícios.

A causa de discussão foi que no contrato primeiramente firmado entre a apelante e O.R., para o período de abril de 1998 até abril de 1999, havia uma cláusula que responsabilizava o fiador pelas faltas do inquilino, mesmo que se o contrato fosse indeterminadamente prorrogado, o que, de fato, aconteceu.

Na sentença de primeiro grau, o juiz decidiu que “vencido o contrato e não manifestada, pelo requerido-fiador, sua disposição em continuar como garantidor da dívida, extingue-se a fiança, independentemente de cláusula contratual que os obrigue até a efetiva entrega das chaves”.

Em seu voto, o relator do processo, Des. Divoncir Schreiner Maran, explicou a evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, em princípio, tinha o mesmo entendimento que o prolatado na sentença. Entretanto, desde 2006, e especialmente após o advento da lei do inquilinato, o STJ tem entendido que o fiador tem, sim, responsabilidade, mesmo em contratos indeterminadamente prorrogados.

“Ademais, a manutenção da responsabilidade do fiador que expressamente garantiu o contrato de locação até a entrega efetiva coaduna-se com o princípio da boa-fé objetiva, que determina um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), proibindo o comportamento contraditório e impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias”, finalizou o relator.

A notícia refere-se ao seguinte processo: 0011317-41.2007.8.12.0001.

Fonte: TJ/MS | 06/02/2014.

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STJ: É abusiva a cláusula que estabeleça a possibilidade de a construtora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas pagas pelo consumidor distratante.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA DE DISTRATO.

É abusiva a cláusula de distrato – fixada no contexto de compra e venda imobiliária mediante pagamento em prestações – que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Isso porque os arts. 53 e 51, IV, do CDC coíbem cláusula de decaimento que determine a retenção de valor integral ou substancial das prestações pagas, por consubstanciar vantagem exagerada do incorporador. Nesse contexto, o art. 53 dispõe que, nos “contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”. O inciso IV do art. 51, por sua vez, estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Além disso, o fato de o distrato pressupor um contrato anterior não implica desfiguração da sua natureza contratual. Isso porque, conforme o disposto no art. art. 472 do CC, "o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato", o que implica afirmar que o distrato nada mais é que um novo contrato, distinto ao contrato primitivo. Dessa forma, como em qualquer outro contrato, um instrumento de distrato poderá, eventualmente, ser eivado de vícios, os quais, por sua vez, serão passíveis de revisão em juízo, sobretudo no campo das relações consumeristas. Em outras palavras, as disposições estabelecidas em um instrumento de distrato são, como quaisquer outras disposições contratuais, passíveis de anulação por abusividade.

Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.

A notícia refere-se ao processo: REsp 1.132.943-PE.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RETENÇÃO DE PARTE DO VALOR DAS PRESTAÇÕES NA HIPÓTESE DE DISTRATO.

Na hipótese de distrato referente à compra e venda de imóvel, é justo e razoável admitir-se a retenção, pela construtora vendedora, como forma de indenização pelos prejuízos suportados, de parte do valor correspondente às prestações já pagas, compensação que poderá abranger, entre outras, as despesas realizadas com divulgação, comercialização, corretagem e tributos, bem como o pagamento de quantia que corresponda à eventual utilização do imóvel pelo adquirente distratante. Precedente citado: RCDESP no AREsp 208.018-SP, Terceira Turma, DJe 5/11/2012.

Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1.132.943-PE.

Fonte: Informativo nº. 530 do STJ | Período: 20 de novembro de 2013.

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