O casal parental

* Jones Figueirêdo Alves

Estes ex-parceiros "para além do divórcio" têm sido tratados em diversos ordenamentos jurídicos internacionais e devem receber maiores atenções do Direito de Família.

Nada obstante se colocarem como ex-parceiros de um relacionamento findo, eles continuam substancialmente permanentes, como pais comuns que são dos mesmos filhos. Assim, sujeitos às mesmas obrigações parentais e mais que isso, submetidos a uma nova realidade familiar, pelo axioma de que "a separação do casal exige melhores pais" (Eduardo Sá, 2011).

É o denominado "casal parental", constituindo uma nova família jurídica, merecedora de maiores atenções do moderno direito de família.

Este "casal parental" representa, em cena, os novos protagonistas da família mais duradoura possível, aquela que tem sua extensão na exata medida que prossegue pelos filhos que existem; desafiando os sistemas jurídicos, a doutrina e a jurisprudência a uma vigília anti-alienante de uma parentalidade mórbida e desconforme.

É a família "post pactum finitum", a que tem começo quando o casal termina, e que faz nítida a distinção entre as frustrações de êxito do casal conjugal extinto e as necessidades continuadas de realização pessoal do filho, no desenvolvimento saudável de sua formação como pessoa.

Em bom rigor, a reforma legal civil portuguesa, trazida com a lei 61/208, introduziu um novo sistema de regulação do exercício das responsabilidades parentais em face do divórcio, acrescentando outros dispositivos ao Código Civil.

Vê-se, de saída, que a referida lei superou uma concepção reducionista da função jurídica do poder paternal, concebida na teoria geral do direito civil, como destaca Maria Clara Sottomayor. Nessa linha de superação, assumiu uma concepção personalista das responsabilidades parentais, onde a criança é sujeito de direito, titular de relações jurídicas ordenadas pelos seus superiores interesses e centro irradiante do sistema criado.

Mais ainda: A expressão "poder paternal" é abolida, sendo substituída pela nomenclatura "responsabilidades parentais", a tanto buscar expressar um liame interrelacional fundado na funcionalidade de um conjunto de direitos e deveres nas relações paterno-filiais. Decai o vocábulo "poder" com o seu significante de autoridade parental, domínio ou posse, colocando-se como regra a repartição das obrigações, no exercício em comum daquelas responsabilidades.

Mais precisamente, o casal formado pelos progenitores dos filhos permanece, juridicamente unido por responsabilidades inerentes de suas condições e postos em igualdade como pai e mãe.

Boaventura Santos, nesse ponto, assinala que "as questões de particular importância para a vida do filho, são exercidas por ambos os pais, nos termos que vigoravam na constância do matrimônio (artigo 1.906, nº 1, Código Civil português) enquanto que, todavia, questões relativas aos atos da vida corrente do filho, caberão ao pai ou mãe com que ele resida habitualmente (artigo 1.906, nº 3, CCpt.).

O direito brasileiro tem dispositivo algo semelhante, em seu artigo 1.632, quando preceitua que "a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos".

Este casal parental, "para além do divórcio", instituindo uma nova família jurídica, fundada e verticalizada nos seus descendentes, tem sido tratado em diversos ordenamentos jurídicos com maiores atenções. Suficiente especificar:

(i) o Código Civil francês, em seu artigo 373-2, estabelece que "a separação dos pais em nada influencia as regras de exercício da autoridade parental. Cada progenitor deve manter relação de convívio com os filhos e respeitar o vínculo com o outro pai."

(ii) na Itália, a lei divorcista 54/06, modificou o Código Civil italiano para efeito de o seu art. 155 dispor que, em caso de divórcio, "os menores mantém o direito à convivência com ambos os genitores";

(iii) o Código Civil alemão, o vetusto BGB de 1896, teve alteração pela lei 4/08, acrescentando item 3 ao artigo 1.626, para prever que o superior interesse da criança, como norma geral, inclui o contato do menor com ambos os pais, o mesmo se aplicando a outras pessoas com quem a criança tenha laços, se forem benéficos para o seu desenvolvimento.

(iv) o direito de família inglês, no "Family Law Act", de 1996, também ao tratar do superior interesse da criança, determina que o tribunal deve prover o regular contato da criança com ambos os pais e membros da família.

Pois bem. Relevante e inconteste o fato de a responsabilidade parental comum envolver os genitores separados, no trato dos cuidados e proteção dos filhos, em convivência familiar com eles, independente de seus conflitos interpessoais de ex-parceiros, caso é que a matéria de regulação das responsabilidades parentais, está a exigir novos diplomas normativos, tratando de forma exauriente as designadas situações, nomeadamente pelo Direito brasileiro.

Em verdade, enquanto o direito português, nitidamente, vem estabelecer pela lei 62/08, disciplina de exercício das responsabilidades parentais, tendo por objeto (i) determinação de residência habitual (ii) modelo de exercício, (iii) regime de convívio e (iv) definição de alimentos pelo genitor não residente; o Direito brasileiro, a seu turno, não descreve as diretivas desse exercício, para enfrentamento, inclusive, das hipóteses de eventuais incumprimentos.

Aliás, diversos tem sido os atos normativos nacionais que apresentam modelo jurídico ao regime da responsabilidade parental, pelo princípio da co-responsabilização dos pais, instituindo a "co-parentalidade positiva", em benefício construtivo dos laços familiares.

Com precisão, no âmbito do incumprimento das obrigações parentais, legislação estrangeira da última década tem sido diligente em promover medidas sancionatórias por atos de transgressão a acordos ou a decisões judiciais que venham ocorrer. Assim é que anota-se no Código Civil francês, a pena de prisão até dois anos e multa de quinze mil euros (artigo 227-3); o direito português, com a reportada lei 61/208, alinhou no artigo 249 do CP, a tipificação penal dos crimes de rapto parental e subtração de menor; tipos penais também previstos no Código Penal alemão.

Diante do significativo aumento de divórcios litigiosos, com a disputa acirrada de custódia dos filhos, sem soluções pronunciadas a contento, urge que o Direito de Família intervenha, decisivamente, a fazer cumprir princípios e valores que devem reger a co-parentalidade e o seu regular e eficiente exercício.

O "casal parental" é a família que não deixa de existir, quando os filhos estão a exigir que esta subsista neles.

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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE, diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, e coordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: Migalhas I 06/02/2014.

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Tribunal de Justiça de Rondônia reconhece multiparentalidade em ação de adoção

A Justiça de Rondônia decidiu, em ação de adoção, pelo deferimento do pedido feito pela mãe de um adolescente, que vive com ela desde pequeno, e autorizou o reconhecimento, no assento de registro civil (certidão de nascimento) do nome da mãe adotiva que também constará no documento, sem distinção entre as duas (biológica ou adotiva). A decisão é do juiz Audarzean Santana da Silva, da 2ª Vara Cível da comarca de Cacoal.

A sentença reconhece a família multiparental, ou seja, além do nome dos pais biológicos no registro, será inserido o nome da mãe adotiva. Em audiência realizada na comarca, a mãe biológica concordou com o desejo do filho, já esboçado em depoimento, de ter "um registro de nascimento com o nome dos dois pais e das duas mães". Em processos de adoção, geralmente, os nomes dos pais biológicos são substituídos pelos adotivos, porém pela doutrina jurídica da família multiparental, é possível, ao invés da substituição, a adição dos nomes.

A promotora de Justiça de Rondônia e membro do IBDFAM Priscila Matzenbacher, explica, em entrevista à Revista IBDFAM, que o reconhecimento judicial da multiparentalidade não é apenas importante, pois garante dignidade aos componentes destas famílias não-biológicas, mas digno de festa, porque demonstra avanço e maior sensibilidade do Estado-Juiz com as questões sociais menos comuns. Priscila já atuou em cinco casos de paternidade múltipla em Rondônia e foi responsável pelo primeiro parecer favorável à multiparentalidade no Brasil, em 2011, quando o tema era ainda menos reconhecido pelo Judiciário brasileiro. O pai socioafetivo havia registrado a filha da companheira. Tempos depois, o pai biológico passou a conviver com a filha e entrou com ação para ter seu nome no registro. A promotora opinou pelos dois nomes na certidão. Em outro caso semelhante, Priscila opinou pela inserção do nome da madrasta na certidão de nascimento da filha. No fim de 2012, um casal de lésbicas incluiu o irmão de uma delas na certidão do filho.

Fonte: IBDFAM com informações do  Rondoniagora I 05/02/2014.

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TJ/MG: Reconhecer a paternidade ficou mais fácil com o CRP

Em 2013, quase 3 mil pessoas, em Belo Horizonte, puderam incluir os nomes de seus pais nas certidões de nascimento

“Prezada Mãe, o seu filho tem o direito de ter em seu registro civil o nome do pai e, para isso, Mãe, nós e seu filhos precisamos de sua colaboração.” É com essa delicadeza que o Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP) do TJMG envia uma carta à mãe cujo filho não tem o nome do pai em seu registro civil, para que ela compareça ao centro e indique o suposto pai e seu endereço.

Assim começa o processo para reconhecimento de paternidade. Com uma equipe treinada em mediação e conciliação, o CRP atua para a aproximação das famílias. Todo o trabalho parte dos dados do censo escolar de escolas públicas brasileiras e das informações recebidas dos seis cartórios de registro civil da capital. Mães, pais ou filhos maiores de 18 anos também podem procurar diretamente o CRP para dar início ao processo.

Um homem com mais de 50 anos, professor, busca informações no CRP. Curiosamente, ele não tem o nome da mãe na certidão. “Meus pais brigavam muito e o ‘velho’ me registrou só com o nome dele por medo de minha mãe fugir comigo.” Um outro homem, esboçando um largo sorriso, chega para buscar a certidão de nascimento, em que agora consta o nome do pai. Essas histórias fazem parte do dia a dia dos funcionários que prontamente atendem os mais diversos casos de reconhecimento de paternidade.

Não ter o nome do pai ainda é comum principalmente entre pessoas de classe socioeconômica vulnerável e há casos mais raros em que, no registro civil, não consta o nome da mãe. Pai que estava viajando quando o filho nasceu, pai que não quer registrar o filho, mãe que não tem certeza de quem seja o genitor, por exemplo, são motivos que levam mães a registrarem filhos somente no seu nome.

“Estamos aqui sempre prontos para resolver a situação. Penso que o mais importante do nosso trabalho é contribuir para melhorar a autoestima dos que não têm o nome do pai, ou da mãe, na certidão de nascimento. Ter pai é importante, mesmo ele não estando presente no dia a dia do filho”, afirma a juíza do CRP, Mônica Libânio Rocha Bretas.

Ela explica que, para diminuir o sub-registro e o registro incompleto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir do Censo Escolar de 2009 das escolas públicas brasileiras, definiu regras e procedimentos para tornar o reconhecimento de paternidade um procedimento mais simples e acessível. O Provimento 12, de 2010, determina que seja remetido, para as corregedorias-gerais dos tribunais de justiça, um CD com os nomes e os endereços dos alunos que não possuem paternidade. Já o Provimento 16, de 2012, dispõe sobre a recepção, pelos cartórios de registro civil das pessoas naturais, caso as mães queiram, de indicações de supostos pais, bem como sobre o reconhecimento espontâneo de filhos.

“Os números apontados pelo Censo Escolar de 2009 eram alarmantes: quase 5 milhões de pessoas, no Brasil, registradas sem o nome do pai. Esse fator influencia a autoestima das pessoas. Desses, 3,8 milhões eram menores de 18 anos”, enfatiza a juíza.

Cumprindo as diretrizes do programa nacional Pai Presente, do CNJ, o Tribunal de Minas inaugurou, em agosto de 2011, o CRP, que no último ano abriu mais de 10 mil processos para reconhecimento de paternidade. Do total, 2.577 pessoas (24%), entre crianças e adultos, conseguiram com sucesso ter os nomes de seus pais incluídos nas suas certidões de nascimento. O registro civil é o documento de maior valor na vida das pessoas, pois é a partir dele que os outros documentos são gerados.

Visando ampliar e dar visibilidade ao trabalho do CRP, além dos mutirões promovidos pelo TJMG, a equipe também esteve presente, em maio de 2013, no projeto Ação Global, uma parceria do Serviço Social da Indústria (SESI) e da Rede Globo. O projeto busca parceria com o setor público e o privado para oferecer serviços relevantes e gratuitos à população brasileira. Com essas atuações, o Tribunal contribuiu para que mais pessoas pudessem regularizar seus registros civis de forma rápida e eficiente.

A equipe do CRP avalia que 70% dos supostos pais reconhecem a paternidade espontaneamente, outros quase 30% recorrem ao exame de DNA. Desses, há uma média de 50% de resultados positivos e negativos. Caso o pai se recuse a fazer o exame de DNA, o que é muito raro, o CRP encaminha a mãe para a Defensoria Pública, que propõe uma ação judicial contra o suposto pai.

O CRP tem um convênio com a Secretaria Estadual de Saúde, responsável pelas despesas com os exames de DNA, que são realizados pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). São encaminhados, em média, 80 exames por mês, somente em Belo Horizonte.

Jaqueline Falcão, coordenadora do CRP, afirma que as reações de alegria ou desconforto podem ocorrer em casos de DNA positivos ou negativos. Pode acontecer de os pais estarem na expectativa de um exame positivo, e o resultado ser negativo, ou ao contrário, o pai gostaria de receber um exame negativo e a mãe se sente vitoriosa com o resultado positivo. Quando há o reconhecimento da paternidade, a vitória maior é do filho, que poderá exercer plenamente a sua cidadania e ainda terá a chance de receber o carinho da família paterna.

O CRP funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na avenida Álvares Cabral, 200/5º andar, Centro, em Belo Horizonte.

Fonte: TJ/MG I 31/01/2014.

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