O 'Cartório' e a transferência de veículos – Por Frank Wendel Chossani

* Frank Wendel Chossani

Recentemente aos Tabeliães de Notas, e aos Registradores que exercem atribuições notariais de reconhecimento de firma, do Estado de São Paulo, foi imposta mais uma obrigação, qual seja a de “fornecer ao fisco informações sobre a realização de atos de reconhecimento de firma em transações que envolvam a transferência de propriedade de veículos, sem ônus para as partes do negócio”1. Com isso, a partir do dia 23 de julho de 2014, segundo o Decreto nº 60.489/2014 do Estado de São Paulo, os tabeliães deverão enviar gratuitamente à Secretaria da Fazenda (“Sefaz/SP”) os dados das transferências de veículos automotores registradas em seus livros, efetuando assim a chamada “comunicação de venda”, que até então era realizada pelo vendedor, que remetia ao Detran cópia do Certificado de Registro de Veiculo (CRV) devidamente preenchida e contendo o reconhecimento de firma por autenticidade.

Diploma legal como este, em que os tabeliães de notas devem informar sobre a transferência de veículos automotores realizadas em suas notas, não é exclusividade do Estado de São Paulo. Na verdade, apresenta-se como uma tendência a ser seguida por todos os Estados da Federação, fator que já pode ser visto com a edição recente da Lei Estadual 4.556/2014, promulgada pelo presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul2, e ainda Lei nº 6.723/2014 do Estado do Rio de Janeiro.
 
Se por um lado tais diplomas, assim como outros (a exemplos da Lei 11.4401/07, Provimento CG/SP 31/2013 etc) manifestam a excelência e segurança dos serviços prestados pelos tabeliães de notas e registradores, que são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro3, por outro lado não se pode ignorar que tal obrigação acaba por exigir de tais profissionais a disposição de numerário e pessoal qualificado para implantação e operação de tal sistema, e tudo isso sem ônus algum para os usuários. 
 
Diante de tal situação, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro (Anoreg-RJ) ingressou com uma Representação por Inconstitucionalidade, com pedido liminar (Processo 00272380420148190000 TJ/RJ), pretendendo a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 6.723/2014, do Estado do Rio de Janeiro, de modo que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, suspendeu os efeitos da lei estadual (RJ) nº 6.723/2014, que obriga os cartórios de notas a comunicar ao Detran a transferência de propriedade de veículos, sem ônus para o usuário4. A suspensão, em caráter liminar, vale até o julgamento do mérito da ação de representação por inconstitucionalidade movida pela Associação dos Notários e Registradores do Estado. Conforme notícia veiculada no site do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro5, e também no site do Colégio Notarial do Brasil – Colégio Federal6, a Anoreg/RJ, em seu pedido, argumentou que a lei, que entrou em vigor em 24 de junho, impôs aos cartórios a criação de um serviço público gratuito, sem indicar fonte de custeio, ferindo o artigo 122, § 2º, da Constituição daquele Estado (RJ). Ainda segundo a Anoreg-RJ, a Lei 6.723/2014 (RJ) gera risco de dano irreparável, pois os cartórios teriam de arcar com despesas elevadas para a implantação de um sistema informatizado compatível com o serviço a ser prestado. 
 
Ao que parece, dispositivos como os aqui tratados vão na contra mão do que estabelece a Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, uma vez que a lei federal prevê em seu artigo 134 que “no caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação”.
 
Conforme bem esclarece o Código de Trânsito Brasileiro, se o antigo proprietário do veículo deixar de encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, no prazo legal, a cópia autenticada do comprovante de transferência, correrá o risco de ser responsável solidário pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação da transferência.
 
Por sua vez, nos termos do Decreto nº 60.489/2014 do Estado de São Paulo, caso os Tabeliães de Notas, e os Registradores que exercem atribuições notariais de reconhecimento de firma, deixarem de enviar (ou enviarem de forma inexata ou incompleta) logo após a efetivação do ato de reconhecimento de firma por autenticidade do transmitente/vendedor, ou ainda no prazo 72 horas, quando optarem por fazer o envio por lote, as informações relativas à operação de compra e venda ou transferência, a qualquer título, da propriedade do veículo, e a cópia digitalizada, frente e verso, do Certificado de Registro do Veículo – CRV preenchido e com firmas reconhecidas por autenticidade, estarão sujeitos a imposição da multa prevista no número III do artigo 39, da Lei 13.296, de 23 de dezembro de 20087, ou seja,  a 30 (trinta) UFESPs por veículo – atualmente R$ 604,20 (seiscentos e quatro reais e vinte centavos).
 
Em decorrência da obrigatoriedade da comunicação, a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (ARPEN-SP) e o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), visando orientar seus associados na realização de atos de reconhecimento de firma por autenticidade em transações que envolvam a transferência de propriedade de veículos automotores, divulgaram orientação sobre o Decreto nº 60.489/14, onde ficaram vinculadas duas opções de envio da cópia do Certificado de Registro de Veículos (CRV) à Sefaz/SP, sendo a 1ª através do procedimento de tirar cópia do CRV com o(s) reconhecimento(s) de firma(s), e autenticar fisicamente a cópia com o selo, digitalizar, assinar digitalmente e enviar à Sefaz/SP; e a 2ª maneira, através do procedimento de digitalizar o CRV com o(s) reconhecimento(s) de firma(s), autenticar digitalmente pela Central de Autenticação Digital (Cenad) e enviar à Sefaz/SP, sendo que, nos termos da orientação, em ambas as opções é obrigatória a cobrança de duas autenticações (frente e verso) 8.
 
Todo esse novo aparato, trata-se de uma maravilhosa notícia para os proprietários de veículos automotores, haja vista que a comunicação de venda será feita diretamente pelo Tabelião, dirimindo assim que o antigo proprietário seja responsabilizado por infrações cometidas após a transação. A medida garante mais segurança a compradores e a vendedores.
 
Conforme entrevista do vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil, Dr. Ubiratan Guimarães, ao Jornal Estadão9, todos os cartórios estão preparados para atender às normas do novo decreto. Há ainda a possibilidade do usuário requerer junto ao notário a emissão de um documento que comprove a transferência – tal documento, quando emitido, para fins de cobrança, ao que tudo indica, deve ser entendido como “certidão” (R$ 47,00 – item 5 – Tabela de Emolumentos e Custas dos Tabelionatos de Notas – vigência 2014 – UFESP: R$ 20,14 – em vigor desde 8/1/2014). “Esse documento é facultativo e serve como uma cópia da operação”, sustenta Guimarães.
 
Conclui-se de tudo isso, de forma cristalina, que os usuários do serviço serão beneficiados por mais essa atuação dos Tabeliães de Notas, e dos Registradores que exercem atribuições notariais de reconhecimento de firma, que tem agora mais uma maneira, aliada às inúmeras que já desempenham, de contribuir com o pacífico convívio social, e que por sua vez devem, como de costume, estar atentos a tal obrigação, sob consequência de suportar efeitos legais e normativos, seja através de eventuais sanções administrativas, seja arcando com o pagamento de multa(s), ou, seja ainda suportando responsabilidade no âmbito civil. 

__________________________
 
1. Art. 1º – Decreto nº 60.489, de 23 de maio de 2014. Disponível em:  http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2014/decreto-60489-23.05.2014.html. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
2. Cartórios devem informar ao Detran de MS transferência de veículos, diz lei. Disponível em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDI5NA==. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
3. Art. 3º – Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 – Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios).
 
4. Processo nº: 0027238-04.2014.8.19.0000 – Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201400700044. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
5. Lei que obriga cartórios a informar transferência de veículos ao Detran é suspensa – Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/173101. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
6. TJ/RJ – Lei que obriga cartórios a informar transferência de veículos ao Detran é suspensa – Disponível em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDI5Mw==. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
7. Lei 13.296, de 23 de dezembro de 2008 – Estabelece o tratamento tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2008/lei-13296-23.12.2008.html. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
8. Arpen-SP e CNB-SP divulgam ORIENTAÇÃO sobre o Decreto nº 60.489/14 que trata da comunicação de transferência de veículos – Disponível em: http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=20831. Acesso em: 21 de jul. 2014.
 
9. Cartórios passam a avisar Detran de vendas – Disponível em: http://www.estadao.com.br/jornal-do-carro/noticias/servicos,cartorios-passam-a-avisar-detran-de-vendas,19726,0.htm. Acesso em: 21 de jul. 2014.

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TRF/3ª Região: É INCONSTITUCIONAL A OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

Decisões do TRF3 confirmam jurisprudência de que o acesso direto pelo Fisco dos dados financeiros é ilegal

Utilizar informações extraídas de extratos bancários obtidos por meio de requisição de informações sobre movimentação financeira, sem permissão judicial, é inconstitucional. Esse é o entendimento adotado pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), conforme decisões recentes, publicadas no Diário Eletrônico no mês de junho.

As decisões são respaldadas em jurisprudência do próprio TRF3 e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os tribunais têm julgado a inconstitucionalidade do acesso direto do Fisco às informações sobre movimentação bancária, sem prévia autorização judicial, para fins de apuração fiscal, afastando também a aplicação da Lei Complementar 105/2001 e da Lei 10.174/2001.

A Lei Complementar 105/01 teria possibilitado ao Fisco utilizar informações fornecidas por bancos à Receita Federal, pertinentes à movimentação financeira dos contribuintes. As pessoas físicas e jurídicas fiscalizadas alegam que a quebra do sigilo fiscal somente é possível por determinação judicial, caso contrário, violaria os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

O desembargador federal Márcio Moraes, relator de processos sobre o tema na Terceira Turma, tem determinado à autoridade coatora que se abstenha de utilizar dados bancários obtidos sem autorização judicial nos autos de procedimento administrativo da Receita Federal.

“Na conformidade do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Terceira Turma desta Corte já decidiu pela anulação de auto de infração lavrado com base no cruzamento de dados decorrentes do acesso direto do Fisco à movimentação bancária do contribuinte”, afirmou.

As decisões, por fim, tem afirmado a ilegalidade do procedimento fiscal pela obtenção de extratos bancários e, consequente quebra de sigilo de dados, sem a devida autorização judicial.

Apelação/reexame necessário 0000640-94.2008.4.03.6113/SP
Apelação cível nº 0001275-05.2008.4.03.6104/SP

Fonte: TRF/3ª Região | 11/07/2014.

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