Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Ação negatória de paternidade em face do pai registral – Preliminares afastadas – Exame de DNA dirigido contra suposta avó paterna

DIREITO DE FAMÍLIA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE EM FACE DO PAI REGISTRAL – PRELIMINARES AFASTADAS – EXAME DE DNA DIRIGIDO CONTRA SUPOSTA AVÓ PATERNA – DESNECESSIDADE QUANDO O PAI REGISTRAL NÃO FOI SUBMETIDO AO EXAME – RECURSO PROVIDO

– O STJ tem entendido que é cabível a propositura da ação de investigação de paternidade pelo neto, filho do suposto pai, já falecido, contra os eventuais avós.

– Dúvida não há de que o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, sendo inaplicável, ainda que por analogia, qualquer prazo decadencial ou prescricional.

– A análise prematura da incompetência relativa por este Tribunal, além de configurar supressão de instância, poderá ocasionar tumulto processual, na medida em que a questão ainda não foi solucionada em primeiro grau.

– "Tendo em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, verifica-se que a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças, o que impõe ao julgador substancial desvelo no exame das peculiaridades de cada processo, no sentido de tornar, o quanto for possível, perenes os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento" (STJ – REsp 1003628).

– Existindo dúvidas acerca da existência de vínculo biológico com o pai registral, há que se examinar o pedido de negativa de paternidade para, posteriormente, se adentrar o pedido investigatório post mortem.

– Assim, em não tendo o pai registral se submetido ao exame de DNA, subverte a lógica processual a submissão de suposta avó paterna ao teste, sob o argumento de que se trata de genitora daquele que seria o verdadeiro pai da autora.

Rejeitar preliminares e dar provimento.

Agravo de Instrumento Cível nº 1.0407.12.003103-1/001 – Comarca de Mateus Leme – Agravante: A.M.M. – Agravado: R.J.S. – Interessado: J.B.P.S. – Relator: Des. Luís Carlos Gambogi

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 8 de maio de 2014. – Luís Carlos Gambogi – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. LUÍS CARLOS b GAMBOGI – Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por A.M.M. contra a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Mateus Leme, que, nos autos da ação negatória de paternidade ajuizada por R.J.S., deferiu o pedido de prova pericial, determinando a expedição de alvará para a realização de exame de DNA.

Sustenta a agravante que a decisão merece reforma, já que, antes de submetê-la à realização do DNA, há a necessidade de provar que o primeiro réu, pai registral, não é o pai biológico da agravada. Afirma contar com mais de 95 (noventa e cinco) anos de idade e que são fundamentais a garantia e a preservação do seu direito de inviolabilidade, princípio maior da dignidade da pessoa humana. Alega que, nos autos, não consta qualquer prova ou indício da suposta paternidade e que obrigá-la ao exame de DNA é atentar contra a intangibilidade de seu corpo. Aduz que a negativa de paternidade é contra o pai registral, não sendo justo que quem não participou do registro, e tem certeza absoluta de que o filho não teve convivência com a mãe da agravada, seja constrangida a submeter-se a uma perícia médica, notadamente porque a negatória de paternidade é dirigida ao pai, e não à suposta avó paterna. Com essas considerações, requer seja concedido efeito suspensivo ao recurso e, ao final, que lhe seja dado provimento, até decisão do recurso.

Decisão agravada à f. 91.

Contraminuta às f. 125/129.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se, às f. 188/193, pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, observo que a agravante atravessou petição às f. 108/117, alegando, dentre outras questões, a sua ilegitimidade passiva, a incompetência do Juízo de Mateus Leme para o julgamento do presente feito, a decadência do direito da autora, a necessidade de nomeação de curador ao corréu e o descabimento do exame de DNA no caso presente.

Afirmou, ainda, ter oferecido exceção de incompetência em primeiro grau, não tendo o ilustre Magistrado apreciado a matéria, bem como determinado a suspensão do feito, nos termos do art. 306 do CPC.

Pois bem!

Primeiramente, registro que é sabido e ressabido que a legislação processual civil não admite enxertia em sede de agravo de instrumento, em função do princípio da unirrecorribilidade recursal e diante da preclusão consumativa, razão pela qual não pode a recorrente se valer de petição, apresentada em momento processual posterior à protocolização do recurso, para apresentar alegações, a fim de fazer valer seu direito.

Contudo, no caso específico dos autos, considerando que as matérias suscitadas são de ordem pública, uma vez que afetas à legitimidade, à decadência e à incompetência, passo a analisá-las.

Preliminares.

Passo, inicialmente, ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva.

Desde já, registro que não há falar em ilegitimidade passiva, considerando tão somente o título dado à causa, mormente porque o nomen iuris informado é elemento acessório, não se destacando entre os requisitos elencados no art. 282 do CPC.

No caso dos autos, o nomen iuris conferido à causa foi "ação de negativa de paternidade".

Não obstante tal denominação, certo é que o feito se refere à investigação de paternidade c/c a desconstituição da filiação, já que o objeto da lide assenta-se, precipuamente, na ocorrência de falsidade no registro.

De fato, a hipótese sob análise não trata apenas de desconstituição da filiação, mas também de investigatória de paternidade post mortem, em que é a filha pretende ver declarado quem é seu verdadeiro pai.

Havendo pedido de investigação de paternidade, em que a pessoa indicada como suposto pai se encontra morta, o réu será, naturalmente, um de seus ascendentes ou descendentes.

Trata-se de solução jurídica que privilegia o exercício de direito fundamental à busca da identidade genética, de forma a tornar efetivos outros direitos, como o direito à igualdade entre os filhos e o direito à personalidade, bem como o princípio da paternidade responsável.

Do contrário, seria impossível a investigação de paternidade post mortem, o que inviabilizaria o próprio reconhecimento do direito ao estado de filiação e à origem genética, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.

Diante desses fundamentos, o STJ tem entendido ser cabível a propositura da ação de investigação de paternidade dos netos em face dos avós; ou seja, os filhos do suposto pai, já falecido, podem propor a ação de investigação de paternidade, tendo os avós no polo passivo.

Sobre a matéria, colaciono jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Civil e processual. Ação investigatória de paternidade movida contra os avós, por já falecido o suposto pai. Recusa em se submeter ao exame de DNA. Sentença que julgou improcedente a ação, com base nas demais provas. Acórdão que, em face da recusa, inverte o resultado, baseado em confissão ficta dos avós, com omissão no exame do contexto fático restante. Impossibilidade. Contradição verificada entre voto e ementa, no tocante à fertilidade, por afirmá-la sem manifestação expressa a respeito da prova da vasectomia. Nulidade. CPC, arts. 131 e 535, I e II. I. – O julgamento da ação de investigação de paternidade deve obrigatoriamente considerar todo o contexto probatório trazido aos autos, e não apenas a recusa dos investigados em submeterem-se ao exame de DNA, que, embora constituindo prova desfavorável, pela presunção que induz de que o resultado, se realizado fosse o teste, seria positivo em relação aos fatos narrados na inicial, sofre, no caso dos autos, razoável enfraquecimento, por se cuidar de processo movido apenas contra os supostos avós – porque já falecido o suposto pai -, a demandar, por isso mesmo, minucioso exame dos fatos pelo Tribunal de Justiça, já que, na sentença, tais elementos, minuciosamente examinados pelo Magistrado de 1ª instância, foram tidos como insuficientes à procedência da demanda. II. 

Ressalvas de fundamentação em votos vogais. III. Verificado, assim, que a Corte a quo, sem apreciar, como lhe cabe, a prova, omitiu-se a respeito, exclusivamente aplicando o princípio da confissão ficta contra os avós, inclusive incorrendo em contradição entre a ementa e o voto condutor, ao tecer afirmações sobre a fertilidade do de cujus, filho dos réus, impõe-se a nulidade do julgamento, para que outro seja proferido, suprindo as faltas apontadas. IV. Recurso especial dos réus conhecido em parte e parcialmente provido, prejudicado o recurso da autora” (REsp 292.543/PA – Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior – Quarta Turma – j. em: 05.12.2002 – DJ de 08.09.2003, p. 332).

Por fim e apenas por amor ao debate, convém destacar que doutrina e jurisprudência majoritárias afirmam caber apenas ao pai o ajuizamento da negatória de paternidade, nos termos do art. 1.601 do Código Civil:

“Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação”.

Contudo, imperativo lembrar que a ação negatória de paternidade e a ação de desconstituição de filiação possuem o mesmo provimento, qual seja o de desconstituir a paternidade.

Nesse ínterim, deve o julgador admitir a ação deduzida sob o nome de ação negatória de paternidade tanto pelo pai como pelo filho, já que ambas visam à anulação de registro civil, em homenagem aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da celeridade processual.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Descaracterização. Ação declaratória de inexistência de filiação. Anulação de registro de nascimento por vício de vontade. Legitimidade ativa do suposto pai e de qualquer pessoa que tenha interesse econômico e moral. Precedentes do STJ. Cumulação de medidas de natureza cautelar ao processo principal. Possibilidade. Recurso provido para cassar a sentença. – Na ação negatória de paternidade, prevista no art. 1.601 do CC/02, o objeto está restrito à impugnação da paternidade dos filhos havidos no casamento, e a legitimidade ativa para sua propositura é apenas do marido, que possui o vínculo matrimonial necessário para tanto. Na hipótese, contesta-se a paternidade de filho concebido fora do matrimônio, o que aponta a inadequada incidência do art. 1.601 do CC/02 à espécie. – O pedido de anulação de registro de nascimento, fundamentado em falsidade ideológica do assento, encontra amparo na redação do art. 1.604 do CC/02, cuja aplicação se amolda ao pedido exposto na exordial. – Não se tratando de negatória de paternidade, mas de ação declaratória de inexistência de filiação, por alegada falsidade ideológica no registro de nascimento, não apenas o pai é legítimo para intentá-la, mas também outros legítimos interessados. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça” (Apelação Cível 1.0261.10.001292- 9/001 – Relator: Des. Mauro Soares de Freitas – 5ª Câmara Cível – j. em: 27.01.2011 – p. em 08.02.2011).

“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Legitimidade do pai registral para intentar ação que pretende a desconstituição da paternidade. – Sobre a legitimidade ativa para a propositura da negatória de paternidade, em que pese o art. 1.601 do CC estabelecer que ‘cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível’, doutrina e jurisprudência majoritária são uníssonas em afirmar que cabe ao pai o ajuizamento da negatória de paternidade, ainda que este não seja casado com a genitora do filho que se deseja desconstituir a paternidade. – Ressalta-se que o mesmo provimento da negatória de paternidade, qual seja a desconstituição da filiação, pode ser deduzida em Juízo sob o nome de ação anulatória de registro civil, tanto pelo pai como pelo filho. – O magistrado deve deixar de lado o excesso de formalismo jurídico, buscando o cumprimento dos princípios da economia processual e da celeridade processual, pois a moderna concepção de processo é sustentada justamente pelos princípios da economia, da instrumentalidade e da celeridade processual, determinando o aproveitamento máximo dos atos processuais, principalmente quando não há prejuízo para a defesa das partes” (Apelação Cível 1.0035.09.152971-5/001 – Relator: Des. Dárcio Lopardi Mendes – 4ª Câmara Cível – j. em: 22.04.2010 – p. em 18.05.2010).

Assim, por todos os fundamentos trazidos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

Seguindo em frente, no que se refere à decadência do direito da autora, razão não assiste à recorrente, data venia. 

Fora de dúvida que a anulação do registro anterior é mera consequência do eventual reconhecimento da paternidade biológica, não havendo falar em aplicação de prazo decadencial de anulação de registro civil a inviabilizar o direito ora perseguido.

Assim vem decidindo iterativamente o colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha. Decadência. Prescrição. Anulação da paternidade constante do registro civil. Decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade. Citação do pai registral. Litisconsórcio passivo necessário. – Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado de filiação exercido com fundamento em falso registro. – Na petição de herança e anulação de partilha, o prazo prescricional é de vinte anos, porque ainda na vigência do CC/16. – O cancelamento da paternidade constante do registro civil é decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que torna dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade. – Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na certidão de nascimento do investigante para integrar a relação processual na condição de litisconsórcio passivo necessário. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (STJ – 3ª Turma – REsp 693230/MG – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – DJ de 02.05.2006).

Ademais, o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, sendo inaplicável, ainda que por analogia, qualquer prazo decadencial ou prescricional.

Diante do exposto, rejeito a preliminar de decadência.

Por fim, analiso a preliminar de incompetência.

No que se refere à preliminar, noticiou a recorrente ter oferecido exceção de incompetência em primeiro grau, não tendo o ilustre Magistrado apreciado a matéria, ou determinado a suspensão do feito, nos termos do art. 306 do CPC.

Não obstante tais alegações, nada há que ser tecido por este juízo de revisão sobre a questão, em respeito ao devido processo legal.

Não se pode perder de vista que a análise prematura da matéria por este Tribunal, além de configurar supressão de instância, poderá ocasionar tumulto processual, na medida em que a questão nem sequer foi debatida em primeiro grau. 

Isso porque a exceção de incompetência relativa aforada, mas ainda não apreciada, vindo a ser objeto de decisão, poderá ser questionada mediante recurso próprio, não havendo falar em prejuízo à agravante.


Por outro lado, forçoso reconhecer que este Juízo de revisão deve se ater aos limites da decisão agravada, que apenas tratou de determinação da expedição de alvará para a realização de exame de DNA.

Com efeito, rejeito a preliminar de incompetência e passo ao exame do mérito.

Mérito.

Inicialmente, aponto que o nó górdio destes autos se resume à necessidade da produção de prova pericial e a consequente expedição de alvará para a realização de exame de DNA pela recorrente.

Conforme já enfatizado, a ação de investigação de paternidade trata de direito personalíssimo, de natureza pública, sendo matéria afeta ao estado das partes.

Conforme enuncia o art. 1.604 do Código Civil, somente é possível a revogação da paternidade quando o registro decorrer de erro ou falsidade, in verbis:

“Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.

Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça assentou que "O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o ‘pai registral’ foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou, ainda, que tenha sido coagido a tanto" (REsp 1229044/SC – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. em: 04.06.2013 – DJe de 13.06.2013).

Em verdade, a lógica trazida pelo ordenamento jurídico brasileiro, reconhecida pela doutrina e jurisprudência, é a de que se impõe a desconstituição inicial da paternidade registral para, só posteriormente, emergirem as condições que permitam buscar a real identidade genética da parte.

Em outras palavras, existindo dúvida acerca da existência de vínculo biológico com o pai registral, há que se examinar o pedido de negativa de paternidade para, posteriormente, se enveredar pelos meandros do pedido investigatório.

Isso porque, mesmo que reconhecida a ausência de vínculo biológico, nas causas em que o Poder Judiciário fora chamado a se posicionar, é possível prevalecer a paternidade socioafetiva do pai registral sobre a biológica, principalmente quando as peculiaridades do caso concreto indicarem ser a medida a que melhor espelha a justiça, o que torna prejudicada a questão relativa ao vínculo genético.

No caso vertente, após muito refletir e analisar os fatos narrados, estou em que a submissão da avó paterna ao exame de DNA somente se justificaria caso tivesse sido reconhecido não ser o pai registral o pai biológico da autora.

Não se me parece inteligente permitir a inversão das fases processuais para, antes que se resolva a matéria afeta à negativa de paternidade, determinar que quem não participara do registro, sem qualquer evidência nos autos de que seu filho tivera convivência com a mãe da agravada, seja constrangido a submeter-se a uma perícia médica.

Assim, em não tendo o pai registral se submetido ao exame de DNA, reputo desaconselhável a submissão de suposta avó, cujo filho já faleceu, ao teste de DNA, sob o mero apontamento de que se trata da genitora daquele que seria o pai biológico da autora.

Entendo que a agravante somente deve ser compelida a realizar o exame de DNA após reconhecido que o pai registral não é seu pai biológico.

Nesse mesmo sentido, colaciono:

“Apelação cível. Investigação de paternidade. Ausência de indício da relação entre a genitora e o investigado. DNA. Comparação do material genético do investigante e supostos avós paternos. Excepcionalidade não configurada. Sentença confirmada. – Deve ser confirmada a sentença que julga improcedente o pedido de reconhecimento de paternidade se o autor não se desincumbiu do ônus da prova, previsto no art. 333, I, do CPC. – A determinação de perícia para comparação do material genético do investigante em face dos supostos avós paternos é medida excepcional, admitida somente em ação de investigação de paternidade post mortem, em que os familiares do de cujus figurem no polo passivo” (Apelação Cível 1.0126.06.005283-7/001 – Relator: Des. Afrânio Vilela – 2ª Câmara Cível – j. em: 25.09.2012 – p. em 05.10.2012).

Diante do exposto, entendo que razão assiste à recorrente em não concordar com a perícia, pelo menos no presente momento, em que o pai registral nem sequer foi ouvido nos autos, não tendo também se submetido ao referido exame.

Isso posto, após debruçar-me detidamente sobre os elementos fáticos e probatórios constantes dos autos, na esteira do que restou defendido pelo digno representante do Ministério Público, rejeito as preliminares e dou provimento ao recurso, para reformar a decisão que determinou à agravante a submissão a exame de DNA.

Custas, ex lege.

DES. BARROS LEVENHAGEN – De acordo com o Relator.

DES. VERSIANI PENNA – Sr. Presidente.

Rejeito as preliminares na esteira da d. Relatoria.

Quanto ao mérito, acompanho, in tontum, o preciso voto do eminente Relator, Desembargador Luís Carlos Cambogi, visto que eventual submissão da suposta avó biológica, ora agravante, ao exame de DNA está a depender da prévia desconstituição do registro civil da recorrida.

Com efeito, "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade", nos termos do art. 1.604 do Código Civil.

É cediço que o reconhecimento de filhos por meio de registro público é irrevogável, fazendo o registro presunção da paternidade declarada – presunção esta iuris tantum.

Nesse sentido, leciona Fabrício Zamprogna Matiello:

“[…] a filiação constante do termo de nascimento é oponível contra todos, sendo tomada, enquanto perdurar a presunção como verdade insuscetível de contestação por quem quer que seja. A ninguém se permite afirmar ou invocar estado diverso daquele que resulta do registro de nascimento, a menos que à alegação some-se prova cabal de ter havido erro ou falsidade quando da sua lavratura. A prevalência do registro é relativa; a lei preocupada em preservar a credibilidade dos assentos e da fé pública admite que qualquer pessoa legitimamente interessada (o próprio registrado, o cônjuge que não declarou o conhecimento, terceiro etc.) tenha acesso às vias ordinárias para vindicar estado contrário ao mencionado nos livros oficiais, mas exclusivamente nos casos de erro ou falsidade (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comentado. 2. ed. São Paulo: LTR, 2005, p. 1.046).

Prossegue o autor:

“A relatividade da presunção de firmeza do conteúdo registral leva em consideração a existência de situações como a de falso registro de filho alheio como se fosse próprio, equívoco na apresentação dos elementos do assento (nome dos pais, por exemplo), e outras tantas, capazes de produzir a derrubada da verdade jurídica estabelecida pelas normas civilistas. Assim, o reconhecimento do erro e da falsidade constitui forma pertinente e eficaz de estabelecer a verdade das coisas, evitando a subsistência de informações cartoriais viciadas e potencialmente capazes de produzir danos ou constrangimentos a outrem” (Ibidem).

Assim, e porque o exame biológico ainda não foi realizado com o pai registral, que nem sequer fora ouvido nos autos, não vindo a ser desconstituído o assentamento civil, não se justifica, a priori, a submissão da agravante ao exame de DNA.

Ora, a ausência de vínculo biológico não desconstitui, por si só, a paternidade, se não comprovado vício de vontade na assunção da mesma, como bem ressalvou o eminente Relator, na esteira do entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1229044/SC – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. em: 04.06.2013 – DJe de 13.06.2013).

Ante o exposto, também dou provimento ao agravo de instrumento para reformar a interlocutória que determinou a submissão da agravante ao exame de DNA.

Custas, na forma da lei.

É como voto.

Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 07/11/2014.

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Jurisprudência mineira – Embargos infrigentes – Inventário – Cônjuge supérstite – Regime de separação convencional de bens – Exclusão da partilha

EMBARGOS INFRINGENTES – INVENTÁRIO – CÔNJUGE SUPÉRSTITE – REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – EXCLUSÃO DA PARTILHA – ART. 1.829, I, CC/02 – INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA DO DISPOSITIVO – MANUTENÇÃO DO VOTO VENCIDO – EMBARGOS ACOLHIDOS

– Da interpretação teleológica e sistemática do art. 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002, extrai-se que o regime de separação convencional de bens exclui o cônjuge supérstite da concorrência na herança, sob pena de subverter a livre manifestação de vontade dos nubentes, ao decidirem sobre os seus bens.

– Embargos acolhidos.

Embargos Infringentes nº 1.0479.03.050346-6/002 – Comarca de Passos – Embargante: Olímpia Agelune Schmitz, herdeira de David Agelune – Embargado: David Agelune Neto, inventariante – Interessado: Fabiana Agelune Tavares, Elza Ferreira da Silva, Maria Agelune e outro, Éber Assis Schmitz. – Relator: Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em acolher os embargos infringentes.

Belo Horizonte, 18 de setembro de 2014. – Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO – Trata-se de embargos infringentes opostos por Olímpia Agelune Schmitz (f.304/320) contra o acórdão de f. 277/297, que, nos autos do inventário de bens deixados por David Agelune, deu provimento ao recurso interposto por David Agelune Neto, vencido o Desembargador Vogal.

Sustentou a embargante, em síntese, que "o regime de casamento do falecido David Agelune com Maria Izabel Martins era da separação legal de bens. E, ainda que pela eventualidade fosse convencional, conforme salientado pelo Desembargador Vogal Bitencourt Marcondes – que adotou posicionamento do Superior Tribunal de Justiça – 'separação obrigatória' é gênero que congrega duas espécies: a) 'separação legal' e b) 'separação convencional', de modo que, sob qualquer aspecto, não há concorrência do cônjuge com os descendentes", pugnando pelo acolhimento dos embargos.

Contrarrazões às f. 349/373, suscitando preliminar de não conhecimento dos embargos infringentes, ao argumento de que, "embora notoriamente o acórdão recorrido tenha de fato reformado uma sentença, em momento algum foi alcançado o mérito da lide, uma vez que, em tal decisum, ocorreu a extinção do processo por falta de uma das condições da ação, tratando-se, então, de sentença terminativa e não de mérito".

Na decisão monocrática de f. 381/387, neguei seguimento ao recurso, por manifesta inadmissibilidade, o que desafiou a interposição do Agravo Interno nº 1.0479.03.050346-6/003 (f. 390/399), que foi provido, por maioria, na sessão de 28.02.2013, conforme acórdão de f. 409/421.

Às f. 425/438, David Agelune Neto apresentou recurso especial, que teve o seguimento obstado, todavia, pela decisão de f. 461/462 do 1° Vice-Presidente deste Tribunal, motivo da interposição do agravo de f. 465/472, remetido de forma eletrônica ao Superior Tribunal de Justiça (f. 485).

Às f. 487/488, Olímpia Agelune Schmitz pleiteou a remessa dos autos a esta Desembargadora, para apreciação do mérito dos embargos, o que foi determinado, à f. 490, pelo Desembargador 1º Vice-Presidente, "já que o agravo, nos próprios autos, interposto por David Agelune Neto, conforme certidão de f. 485, foi remetido, de forma eletrônica, ao Superior Tribunal de Justiça, nada impedindo que o recurso pendente tenha prosseguimento nestes autos físicos, mesmo porque não dotado o agravo de efeito suspensivo".

Os autos me vieram conclusos, assim, em 11.06.2014, para o julgamento do mérito dos embargos, ficando vencida quanto à questão do conhecimento.

Revelam os autos que Maria Izabel Martins Agelune apresentou inventário de bens por arrolamento sumário em virtude do falecimento de seu esposo David Agelune, tendo o Magistrado, na sentença de f. 180/183, determinado a exclusão da requerente da partilha, "devendo somente as filhas Olímpia Agelune e Maria Agelune figurarem como herdeiras necessárias", o que deu ensejo ao recurso de apelação de f. 187/197, interposto por Davi Agelune Neto, inventariante daquela.

Esta Corte de Justiça, por maioria, no julgamento da Apelação Cível nº 1.0479.03.050346-6/001, em 12.07.2012, deu provimento ao recurso "para manter a cônjuge sobrevivente na partilha dos bens do falecido" (f. 282), constando do voto do Desembargador Relator Vieira de Brito, acompanhado pelo Desembargador Revisor Elpídio Donizetti:

“Cinge-se a discussão acerca da participação do cônjuge como meeiro dos bens deixados pelo de cujus, quando o casamento se deu com separação total de bens.

Compulsando os autos, verifica-se que o óbito de David Agelune se deu em 02.05.2003 (f. 04), data, portanto, em que foi aberta a sucessão, estando em vigor o CC/02.

Conforme determinação do art. 1.829 do CC/02, há uma ordem a ser seguida na sucessão legítima, prevendo o inciso I: ‘aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1641, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;’.

Percebe-se, portanto, que a regra da norma supracitada é que o cônjuge sobrevivente concorra com os descendentes, sendo estipuladas expressamente as exceções.

No caso em apreço, Maria Izabel Martins Agelune se casou com o falecido David Agelune sob o regime da separação universal de bens, e como sobreviveu ao mesmo, deve, como regra, concorrer com os seus descendentes.

Isto porque a hipótese de separação convencional de bens não é tratada como exceção no art. 1.829, mas apenas a separação obrigatória, prevista no art. 1.640, parágrafo único, do CC/02.

Em outras palavras, não estando o cônjuge sobrevivente nas hipóteses de exclusão expressamente previstas no art. 1.829 do CC/02, deve o mesmo figurar como herdeiro, ainda que o regime de bens seja o da separação universal, porquanto realizada de forma convencional e não obrigatória.

Sendo Maria Izabel Martins Agelune cônjuge sobrevivente, esta tem direito à sucessão legítima dos bens deixados pelo falecido David Agelune, de forma concorrente às filhas do de cujus, Olímpia e Maria, devendo prosseguir o arrolamento sumário com a sua inclusão, e tendo a mesma falecido em 29 de agosto de 2006 (f. 85), a parte que lhe cabia, deve ser transmitida a seus herdeiros.

Quanto à tese apresentada pela apelada de que deveria o casamento ter sido realizado em separação obrigatória de bens, tenho que razão não lhe assiste.

Isto porque apesar do que está disposto nos arts. 1.523, inciso I, e 1.641, inciso I, ambos do CC/02, não há nos autos provas de que o inventário do casamento anterior do falecido não teria terminado antes de contraída as novas núpcias” (f. 280/282).

De outro lado, consignou o Desembargador Vogal Bitencourt Marcondes:

“O i. Relator possui entendimento de que a hipótese de separação convencional de bens não é tratada como exceção no art. 1.829, mas tão somente a separação obrigatória, daí porque o cônjuge sobrevivente, no caso, deve figurar como herdeiro. O Superior Tribunal de Justiça adotou posicionamento em sentido contrário, ao qual adiro, no sentido de que o regime de separação obrigatória de bens é gênero, que congrega as espécies separação legal e separação convencional, razão pela qual o cônjuge supérstite não é herdeiro necessário.

Ademais, entendeu que as relações familiares são regidas pelo princípio da autonomia da vontade, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, observadas as disposições de ordem pública, as pessoas têm a liberdade de escolher o regime de bens, dispor do patrimônio e testar. Essa autonomia da vontade foi preservada pelo legislador ordinário e as manifestações em vida devem ser mantidas e consideradas no momento da morte, para fins de aplicação das regras sucessórias” (f. 287).

Disse o Vogal, além do mais, que,

"[…] por outro lado, sustenta o apelante que a própria apelada manifestou anuência com a partilha, em que a viúva estava sendo contemplada como herdeira. Com efeito, o direito de saisina transfere aos herdeiros o patrimônio do autor da herança e o inventário tem a finalidade de estabelecer o quinhão de cada herdeiro. A sucessão, portanto, é aquela prevista na lei, e sua alteração pressupõe vontade manifestada pelo autor da herança em testamento. Assim, não é na concordância da partilha que pessoa não considerada herdeira, por lei, poderá adquirir bens, até porque, na sucessão legítima, a parte renunciante acresce a dos outros herdeiros da mesma classe (art. 1.810)" (f. 296).

Pretende a embargante, desse modo, resgatar o voto minoritário, cingindo-se o debate dos autos ao exame da possibilidade de o cônjuge supérstite casado pelo regime de separação convencional de bens integrar a relação de herdeiros.

Estabelece o art. 1.829 do Código Civil de 2002:

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”.

A redação bastante ambígua do texto normativo transcrito tem gerado grande divergência na doutrina e na jurisprudência, mas entendo como o i. Desembargador Vogal, rogando vênia a doutos entendimentos em sentido contrário.

Com efeito, da exegese do dispositivo transcrito, percebe-se que o legislador tencionou excluir expressamente da sucessão o cônjuge casado sob o regime de separação legal de bens, imposto atualmente nos termos do art. 1.641 do Código Civil:

“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”.

Como já dito, a interpretação do artigo tem o objetivo de evitar fosse burlado o dispositivo citado, que, por questão de ordem pública, retirou dos nubentes a livre manifestação de vontade, notadamente com vistas à proteção patrimonial, nas situações em que penderem causas suspensivas do matrimônio ou nas situações de vulnerabilidade de um dos cônjuges, sendo certo que, se se incluísse o consorte supérstite na concorrência da herança, estar-se-ia permitindo a obtenção indireta do patrimônio que se visou, legalmente, ou por força impositiva do Estado, proteger.

O mesmo raciocínio, a meu sentir, deve ser adotado em relação à separação convencional, se analisado o aspecto teleológico e sistemático da norma, não se podendo admitir que situações que levaram, ainda que por convenção das partes, à incomunicabilidade de bens, por disposição de livre manifestação de vontade, fossem relegadas quando da morte de um dos cônjuges, sob pena de se permitir a inobservância post mortem de um ato jurídico perfeito de autodeterminação.

Para melhor elucidação, trago à colação a balizada doutrina de Eduardo de Oliveira Leite, ao citar o escólio de Miguel Reale: “Tudo aponta para uma exegese finalista (ou teleológica) que guarda coerência com o sistema civil brasileiro encarado como um todo e, portanto, tendente a interpretar a nova norma codificada de forma ampla, abrangendo, indistintamente, tanto o regime da separação legal de bens, quanto o convencional.

Nesse sentido, já se manifestara o grande Miguel Reale, para quem uma interpretação isolada do dispositivo (art. 1.829, I, do CC) poderia levar a uma conclusão errônea, ou seja, o da concorrência do cônjuge sobrevivente no regime de separação de bens comuns, ou pré-nupcialmente pactuado.

Para ele, 'se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse considerado herdeiro necessário do autor da herança, estaríamos ferindo o disposto no art. 1.687, sem o qual desapareceria todo o regime de separação de bens (convencional) em razão do conflito inadmissível entre esse artigo e o de n. 1.829, fato que jamais poderá ocorrer numa codificação à qual é inerente o princípio a unidade sistemática'.

Com efeito – e sempre de acordo com o pensamento do Justifilósofo – a obrigatoriedade da separação de bens é uma 'consequência necessária' do pacto concluído pelos nubentes, logo, a palavra 'separação obrigatória' ‘[…] não se restringiria aos casos do art. 1.641 do atual Código Civil’” (CAHALI, Yussef Said; CAHALI, Francisco José, organ. O art. 1.289, I, do Código Civil e o regime de separação convencional de bens. Edições especiais Revista dos Tribunais 100 anos. Ed. Revista dos Tribunais, vol. IV; p. 675-676).

É o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

“Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência.

– Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.

– Até o advento da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.

– Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes.

– O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.

– Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.

– Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687 do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deveprevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos.

– No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.

– A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno sucessório ‘traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida’. 

– Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.

– Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado. 

– Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.

– Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.

– O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo Código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade.

– Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado” (REsp 992.749/MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 01.12.2009, DJe de 05.02.2010).

“Direito das sucessões. Recurso especial. Pacto antenupcial. Separação de bens. Morte do varão. Vigência do novo Código Civil. Ato jurídico perfeito. Cônjuge sobrevivente. Herdeiro necessário. Interpretação sistemática. 1 – O pacto antenupcial firmado sob a égide do Código de 1916 constitui ato jurídico perfeito, devendo ser respeitados os atos que o sucedem, sob pena de maltrato aos princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva. 2 – Por outro lado, ainda que afastada a discussão acerca de direito intertemporal e submetida a questão à regulamentação do novo Código Civil, prevalece a vontade do testador. Com efeito, a interpretação sistemática do Codex autoriza conclusão no sentido de que o cônjuge sobrevivente, nas hipóteses de separação convencional de bens, não pode ser admitido como herdeiro necessário. 3 – Recurso conhecido e provido” (REsp 1111095/RJ, Rel. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF 1ª Região), Rel. p/ Acórdão Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, j. em 01.10.2009, DJe de 11.02.2010).

Assim, entendo que deve prevalecer a higidez do sistema, a permitir a interpretação extensiva do art. 1.829, inciso I, do CC/02, de modo a harmonizá-lo com as demais regras que tratam da matéria, concluindo-se que a separação convencional de bens, como manifestação de vontade das partes, não pode ser suprimida para efeitos de sucessão hereditária, devendo prevalecer a eficácia do regime na vida e na morte.

Registra-se, por necessário, que o julgador, ao interpretar a lei, não pode se descurar da intenção da parte ao praticar o ato, ressaltando o insuperável Carlos Maximiliano, apoiando-se em Roberto Ruggiero, que, para ser hermeneuta completo, é mister entesourar "profundo conhecimento do direito e cognição sólida não só da história dos institutos, mas também das condições de vida em que as relações jurídicas se formam" (Hermenêutica e aplicação do direito, 8. ed, p. 112).

Há que se entender, portanto, que, se os nubentes optaram por se casar sob o regime de separação de bens, isolando o patrimônio de cada um, o fizeram exatamente para que pudessem ser livres para dispor e administrar seus bens, não podendo o direito sucessório impor limitações inexistentes em vida. Assim, se foi estabelecido por vontade dos nubentes o regime de bens pelo qual optaram de livre vontade, e se esse regime não foi modificado no curso da vida em comum, como faculta a lei, à evidência que não pode o Estado intervir após a morte, mudando o regime adotado e direcionando parte do patrimônio exclusivo do falecido para o sobrevivente, expressando um ato de vontade que não se coaduna com o expressado pessoalmente pelo falecido em vida.

Logo, data venia, a regra que estabelece, no direito hereditário, a concorrência do cônjuge sobrevivente, não pode alcançar aqueles que, em vida, optaram por ter patrimônio distinto, sob pena de violação evidente ao art. 1.687 do CC/02, estando incluído no art. 1.829, I, desse diploma legal, por conseguinte, não apenas o regime de separação obrigatória, mas também o regime de separação convencional de bens.

É como me manifestei no julgamento do Processo nº 1.0024.09.566202-9/005, em 23.06.2013, impondo-se o acolhimento dos presentes embargos para fazer prevalecer o voto minoritário que, esclareça-se, não se insurgiu contra o afastamento da tese, pelo Relator, de que o casamento deveria ter sido realizado pelo regime de separação obrigatória, restringindo-se o debate, como já dito, à análise da (im)possibilidade do cônjuge supérstite casado pelo regime de separação convencional de bens integrar a relação de herdeiros.

Com tais considerações, e reiterando o pedido de vênia, acolho os embargos infringentes.

Custas recursais, pelo embargado.

DES. ALYRIO RAMOS – Embora já tenha votado anteriormente no sentido dos votos vencedores (A.I. 1.0024.09.566202-9/005), convenci-me de que o melhor entendimento é aquele manifestado no voto minoritário do Desembargador Bitencourt Marcondes, razão pela qual acolho os embargos infringentes.

DES. ROGÉRIO COUTINHO – De acordo com a Relatora.

DES. EDGARD PENNA AMORIM – Convenço-me da pertinência da fundamentação deduzida pela em. Relatora para dar ao caso concreto a solução alvitrada por S.Ex.ª, a quem peço licença para subscrever o judicioso voto, cuja publicação recomendo, pela relevância das teses que aborda.

DES. BITENCOURT MARCONDES – De acordo com a Relatora.

Súmula – ACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 06/11/2014.

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MG: Central de Indisponibilidades deverá entrar em funcionamento no dia 12 de novembro

FUNCIONAMENTO DA CENTRAL DE INDISPONIBILIDADES

De acordo com informações da ARISP- Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo, a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, criada e regulamentada pelo Provimento n. 39/2014, da Corregedoria Nacional de Justiça, deverá entrar em pleno funcionamento a partir do próximo dia 12 de novembro de 2014.

A ARISP,como gestora da Central, informou-nos, também, que não há, até o presente momento, previsão de adiamento desse prazo.

Alertamos, portanto, que, nesta data, todos os registradores imobiliários deverão estar devidamente cadastrados no sistema, bem como os seus prepostos.

Fonte: CORI-MG | 04/11/2014.

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