1ª VRP/SP. RCPJ. As Organização Religiosa. não estão restritas as atividades de culto e liturgia, podendo prestar assistência a seus membros.


  
 

Processo 1122828-79.2017.8.26.0100 – Dúvida – Registro civil de Pessoas Jurídicas – 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital de São Paulo – Igreja Evangélica Verbo da Vida São Paulo – Chacara Santo Antônio – Esdras da Silva – Vistos.Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, a requerimento de Igreja Evangélica Verbo da Vida São Paulo Chácara Santo Antônio, após negativa em registrar Ata da Assembleia de Constituição da Entidade.O Oficial entende que deve constar no estatuto a antecedência e a forma de materialização do edital de convocação para as assembleias; o modo de instalação e deliberação da assembleia geral; os requisitos para recomposição dos órgãos diretivos em caso de renúncia, falecimento ou destituição; as condições para destituição de administradores e para a dissolução social da entidade e a forma de aprovação das contas da entidade. Aduz que o entendimento na jurisprudência paulista é no sentido de que a “liberdade de organização é restrita às finalidades de culto e liturgia, porém, quanto ao cumprimento das exigências legais, não há previsão de dispensa”. Juntou documentos às fls. 06/87. Foi apresentada impugnação às fls. 93/96, com documentos à fls. 97. Aduz o representante da Igreja que o Código Civil concede liberdade e autonomia para que a organização religiosa se organize da forma que melhor incorpora seus princípios, conforme art. 44, §1º. Alega que os dispositivos elencados pelo Oficial não dizem respeito às organizações religiosas, mas às associações privadas, o que não é o caso da Igreja.O Ministério Público, às fls. 103/105, opinou pela procedência da dúvida.É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.Primeiramente, cumpre salientar que a pessoa jurídica não pode ser qualificada como organização religiosa, como consta no art.1º do estatuto da entidade. Isso se dá, sobretudo, devido à redação do artigo 16, de seu estatuto:”Art. 16. A IEVV poderá, também, instituir centros de treinamento bíblico, escolas, livrarias, orfanatos, abrigos para crianças e adolescentes, abrigos para idosos, centros de reabilitação para dependentes químicos, outras ações de cunho social, além de desempenhar outras atividades meio, tendo sempre como base os fundamentos da Palavra de Deus e os princípios de fé elencados neste estatuto. §1.º Será decidida pela Diretoria da IEVV, sempre em parceria com o MVV, o formato e a natureza jurídica mais adequados para o desempenho das atividades meio acima mencionadas. §2. º Qualquer resultado financeiro advindo dessas atividades suprarreferidas deve ser revertido para a IEVV e empregado na consecução das finalidades elencadas nos incisos do Art. 4º do Estatuto” (grifo nosso)Vê-se que a entidade prevê em seu estatuto prestação de serviços a terceiros que não são membros da crença. Esta peculiaridade é importante, sobretudo diante da atual jurisprudência da E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.CGJSP – PROCESSO:54.191/2015 Relator:Elliot Akel”Ora, aqui a situação é completamente diferente. A recorrente prestará assistência material não a terceiros, mas, somente, a seus próprios membros, que não são associados, mas clérigos, exclusivamente. Isso não desvirtua, absolutamente, a natureza de organização religiosa da recorrente, nem lhe dá feição mista.A prestação de assistência material aos seus clérigos – Bispos, Sacerdotes Católicos e Diáconos da Igreja Católica Apostólica Romana – é inerente aos próprios fins da organização religiosa. Trata-se dos meios para que se alcance o fim de propagação da fé.Repita-se: nem a assistência material será prestada a terceiros, nem os membros podem associar-se como se daria numa associação qualquer. Membros, aqui, são apenas os clérigos, assim reconhecidos pela Igreja Católica Apostólica Romana.” (grifo nosso)Como complemento, dois excertos doutrinários:”6. Sociedades e associações pias ou morais. – O fato de ter nome de santo, ou aludir a alguma religião o nome da associação pia, ou moral, não a faz sociedade ou associação religiosa. Sociedade religiosa é a que se dedica ao culto. Se, ao lado do culto, pratica beneficência, ou ensino moral ou assistência moral, é mista. Se o culto é secundário, cessa qualquer caracterização como sociedade ou associação religiosa”(Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado: Parte Geral Introdução Pessoas físicas e jurídicas. 2.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t 1, p. 324, §82, 6).”A CF, art. 5º, VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, “a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia.Somente para esses fins pode ser considerada organização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de “organizações religiosas” para os fins da Constituição e do CC, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia. Essas outras atividades deverão ser organizadas sob outras formas de personalidade jurídica (…), ainda que seus resultados econômicos sejam voltados para dar sustentação a projetos desenvolvidos pela respectiva comunidade religiosa”(g.n.) (Paulo Lôbo, Direito Civil: parte geral. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 186-187). Conclui-se que as recentes decisões elencadas modificam o entender anterior da doutrina e jurisprudência ao dizer que as organizações religiosas não estão restritas as atividades de culto e liturgia, podendo prestar assistência a seus membros.Se a princípio, a assistência prevista pelo estatuto diz respeito aos preceitos religiosos da igreja, uma vez que este é aplicado a terceiros, a possibilidade de ser caracterizada como organização religiosa fica afastada diante da atual jurisprudência, que deve ser considerada ao interpretar o texto legal correspondente a tais organizações, expresso pelo MMº Juiz Josué Modesto Passos no Processo nº 0015547-23.2013 desta Vara:”O problema posto pela má técnica da Lei n. 10.825/03, que inseriu na lei um termo (“organização religiosa”) sem dar-lhe uma definição, está em saber onde inserir a pessoa jurídica que, criada e mantida com os fins últimos de dar culto e propagar a fé, desempenhe também outras atividades, como sucede com a requerente”Ademais, o rol de pessoas jurídicas de direito privado previsto no art. 44 do Código Civil não é exaustivo, conforme o enunciado da III Jornada de Direito Civil: “144 Art. 44: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.”Assim, podemos entender que também é possível a pessoa jurídica “associação religiosa”, voltada para as entidades que além do culto e baseada em princípios religiosos, prestam assistência a terceiros, sendo assim, nas palavras de Pontes de Miranda, “associações mistas”.Com a análise dos documentos apresentados, fica claro que a Igreja Evangélica Verbo da Vida presta serviços religiosos. Porém, isso não exclui as palavras do estatuto, que claramente preveem o serviço filantrópico a pessoas que não necessariamente estão ligadas à fé cristã, constituindo uma associação religiosa.Quanto aos óbices apresentados pelo Oficial, ressalto que esse tem autonomia para qualificar os títulos apresentados. Segundo Flauzilino Araújo dos Santos ao abordar acerca do princípio da legalidade, no Registro de Imóveis, elucida que tal princípio diz respeito ao comportamento do Registrador, ao permitir o acesso ao álbum registral apenas para os títulos juridicamente válidos para esse fim e que reúnam os requisitos legais para sua registrabilidade e a conseqüente interdição provisória daqueles que carecem de aditamentos ou retificações e definitiva, daqueles que possuem defeitos insanáveis. Essa subordinação a pautas legais previamente fixadas para manifestação de condutas que criem, modifiquem ou extingam situações juridicamente postas não é exclusiva da temática registral, mas resulta da própria aspiração humana por estabilidade, confiança, paz e certeza de que todo o comportamento para obtenção de um resultado regulamentado para a hipótese terá a legalidade como filtro, vetor e limite. Nesse sentido, correto o Registrador ao aludir que o §1º do art. 44 do Código Civil não afasta esta possibilidade ao limitar a intervenção estatal nas entidades religiosas. Nesse sentido, o enunciado 143 da III Jornada de Direito Civil:”143 Art. 44: A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos. “No que tange ao registro de seus atos constitutivos ou demais atos, não há previsão legal de dispensa das regras previstas pelo art. 46 do Código Civil e, por analogia, aos dispositivos estabelecidos para as associações.No caso em análise, conforme os documentos de fls. 12/53, o estatuto da entidade nada menciona sobre as hipóteses e exigências dos artigos 46, inciso IV; 54, incisos V, VI e VII; 59, inciso I e parágrafo único; 60 e 61; todos do Código Civil.Diante de todo o exposto, os interessados poderão superar os óbices ao adequarem-se à modalidade de associação, realizando as alterações necessárias no estatuto da entidade. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, a requerimento de Igreja Evangélica Verbo da Vida São Paulo Chácara Santo Antônio, no sentido de manter todos os óbices impostos pelo Oficial.Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.Oportunamente, arquivem-se os autos.P.R.I.C. – ADV: EVANDRO BARBOSA LIMA (OAB 170016/SP) (DJe de 14.03.2018 – SP)

Fonte: DJE/SP | 14/03/2018.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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